Labareda de Sombras ll A Rainha Vermelha escrita por Lisa Nogma


Capítulo 2
Capítulo 2




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                                        Capítulo 2

                                           Lena

 

A claridade da janela faz Lena apertar ainda mais seus olhos. Ela se revira na cama e força para abrir os olhos e ver quem está em seu quarto.  

 

— Já são 7:45 "majhna" madame. É melhor levantar e se arrumar, o café será servido exatamente as 8:00 da manhã, como sempre.  

 

— Bom dia para você também, Apolena. — Ela diz com um tom o mais irônico que alguém poderia usar pela manhã.  

 

Apolena adorava controlar os horários de Lena. Lena até acreditava que a maior satisfação dela era ter o poder de tirar uma menina prateada da cama todas as manhãs, até o dia em que morresse. Nada tiraria esse poder absoluto dela.  

 

— Bom dia, madame. Espero que seja rápida com os seus afazeres hoje, tem muito o que resolver com a chegada de Vossa Majestade aqui em Hovel. — Ela pigarreia enquanto começa a colocar toalhas que carregava nos braços em cima da cama. — Os seus convidados anteriores passaram pelos portões ontem, foram embora sem nenhum problema, foram bem discretos, como sugeriu.

 

Cal e a menina Barrow tinham ido embora ontem no meio da tarde. Lena ficará muito feliz com a "visita" de Cal. Fazia muito tempo que não via o irmão, mais tempo do que gostaria de ter passado longe dele e de Maven. Mas as coisas não estavam a favor deles, ela até chegou ao ponto de pensar que nunca esteve, nem mesmo quando eram apenas criança inocentes e brincalhonas que se aventuravam castelos adentro se rebelando com qualquer um que fosse. Sem pensar em força, poder e sangue.  


— Fico aliviada de ouvir isso. Não que eles corressem algum tipo de perigo aqui, mas, quem sabe que horas a monarquia chegará. — Ela encara a governanta. — Espero que esse encontro não saia dessas paredes, Apolena. Você entende o que quero dizer com isso, não?

— Me admira uma menina como você me dizer tais palavras, sei quem são e não preciso de sermões de uma criança como você. — Ela fala séria e arruma seu vestido enquanto dá as costas a Lena, em direção a porta do quarto. — Seja rápida, você já perdeu 2 minutos com essa falação desnecessária.  

Lena nem disfarça sua careta, mas se levanta. Ela adora descumprir as regras e ficar bem mais tempo na cama do que os horários minuciosamentes escritos por sua avó Lorelan para que fossem cumpridos com rigor por sua governanta. Porém, Apolena estava com a total razão dessa vez, tinha muito o que fazer até a chegada de Maven, no meio do outro dia. Ela estava nervosa. Já tinha se passado tanto tempo que não o via. Já havia algum tempo ela parou de mandar cartas para ele. Afinal para que mandar cartas a alguém que não te responde? É o mesmo que falar com as paredes.  

A dor da saudade não era a única coisa que afligia Lena, não era só Maven que viria, mas a corja toda de prateados que viviam com ele. E Elara. Só de pensar nela ali perto, na sua casa, na sua cidade, lhe causava calafrios. Ela a odiava. E era recíproco. Quando Tibe estava vivo Lena sabia que, mesmo que falho, havia um muro de segurança entre elas, agora tudo já se tornará instável. Quem sabe o que mais aquela víbora poderia estar planejando?

Lena vai ao banheiro e prepara um banho quente. Na banheira, ela mergulha e fica lá até sua pele se acostumar com a temperatura extremamente escaldante da água, o que não leva muito tempo. Ela nunca sabe se é pelo tempo permanentemente frio lá fora ou pelos resquícios do sangue real que ainda restam em suas veias. Mas depois de tanto tempo e de tanto sofrimento isso já não a importava tanto mais.

Depois de sair, ela vai até o seu closet pegar qualquer roupa confortável com que possa andar a cavalo ou sem se preocupar com a barra do vestido.

No fim das contas escolhi uma calça justa de flanela e uma blusa de gola com um sobretudo preto, no pé, botas de neve.  

Vai até a frente do espelho e começa a pentear seu cabelo de uma maneira simples. Ela mesma tem o costume de fazer seus penteados do dia-a-dia, não era como quando morava no grande palácio, juntos de seus irmãos. Aqui em Hovel, acreditava que os outros empregados tinham coisas mais importantes do que ficar fazendo coisas fúteis como aquelas.  

Enquanto escova seu cabelo comprido, Sun entra no quarto e se senta na cama.

— Como sempre? — Sun diz num tom monótono, conhecia como ninguém os costumes de Lena.

— Sim, madame Apolena, ainda penteando meus cabelos grandes e negros. Você não sabe, mas é uma tortura, eu os molhei e agora eu tenho que ficar nesse quarto, que é o lugar mais quente que eu conheço para poder esperar eles secarem perfeitamente, porque se não, caso o contrário, eu poderia pegar um resfriado e morrer bem nessa cama. — Ela diz sarcasticamente brincalhona. — Mas é claro, irei ao café da manhã e encararei a morte de uma vez. Sozinha, no frio... — Ela encena o drama enquanto termina de pentear o cabelo, o amarrando.

— LENA! — Sun adverte enquanto tenta conter o riso. — Você não tem jeito mesmo.  

— Humm, ouvi essa frase várias vezes, já estou acostumada.  

— É melhor você se apressar já são mais de 8:00 horas se você não correr ficará sem comer, você já sabe como ela é, então não a provoque.

— Que carma na minha vida! Hoje eu entendo completamente o que Anabel viu nessa mulher, as vezes acho que o treinamento militar é menos rigoroso que isso.  

— Não diga uma coisas dessas, você bem sabe que não é, pare de ser tão chata, ela só está cumprindo ordens.  

— Eu sei. Eu sei, mas que ela AMA fazer isso, disso não tem como discordar. Quando ela vem com " O café é as 8:00" você precisa ver, os olhos dela chegam a brilhar.  

— Tá bom, tá bom. — Sun ri da tentativa frustrada de Lena em imitar a governanta.  

— Agora vamos, por favor,  pedi a quase uma hora atrás para que aprontasse os cavalos para a gente e você ainda está assim.  

— Não me apresse. — Lena diz enquanto coça o antebraço direito.  

— O que aconteceu com seu braço? — Sun diz num tom preocupado.

— Não é nada. Está coçando um pouco desde ontem, deve ser alguma alergia, um bicho, sei lá. — Ela diz tentando disfarçar o machucado do braço puxando ainda mais a manga da blusa.

— Me deixe ver como está. Eu posso cura-lo para você.

— Não precisa, Sue! Já disse que não é nada.

— Ok, Lena. — Eu entendo Sun concorda rapidamente tentando não aprofundar muito no assunto, mas não disfarça em esconder sua aborrecimento. — É melhor você se apressar. Se não terá que ir com fome. — Ela diz saindo do quarto.

Lena inspira alto para si mesma. Não queria aborrecer Sue, mas já estava cansada de dar tanto trabalho para ela. Desde que eram pequenas e Sue descobrirá sua grande habilidade de curandeira, ela sempre lhe ajudava quando suas crises apareciam. Ela era bem mais que uma amiga para Lena, sem Sue, talvez Lena não tivesse sobrevivido a tanto tempo assim.  

Ela desce as escadas e passa direto pelo salão onde seu suposto café da manhã estaria posto. Estava atrasada e Apolena, com certeza mandará desarrumar a mesa sem que ela tivesse comido. Era sempre assim, se Lena se atrasasse mais que 20 minutos para descer ficava de jejum até a hora do almoço. Tinha que cumprir as regras a risca, para poder sobreviver naquela casa.  

Passou pela cozinha para falar com as moças que trabalhavam, lá. Elas não tinham muito mais idade do que ela. Lena e elas conversavam até que muito, mas como os horários de Lena eram puxados, então não sobrava muito espaço em sua agenda para ficar conversando com os funcionários do casarão.  

Ela chega de supetão e as vê ainda arrumando os utensílios não utilizados do café da manhã.  

— "dober dan vsem" —Ela diz sorridente.

—Bom dia para você também, Lena. — Diz Agelika colocando água em uma grande panela preta. — Caiu da cama hoje? Pensei que só a veria depois do meio dia.

— Também pensei o mesmo. — Diz Blanka secando as mãos em um pano de prato.  

— Presumo em dizer que vocês tem uma visão bem distorcida da minha pessoa. — Lena diz, fingindo incredulidade.  

— Sabemos. E eu todo dia amo cebola e a Blanka sempre vem acompanhada do seu namorado. — Diz Agelika entrando na brincadeira.

— O que? — Diz Blanka rindo tentando acertar Agelika com o pano de prato. — Ele existe sim! Vocês apenas nunca o viram porque ele é uma pessoa muito ocupada, sabe, não é igual a certas pessoas que ficam cuidando da vida dos outros.  

Agelika levantas as duas mãos em um gesto de paz.  

— Tudo bem, fofinha, mas que ele é meio invisível, ele é. — Ela rebate, provocando.

— Não sabia disso. Desde quando você está saindo com alguém, Blanka?  

— A algum tempo, ele mora na vila e trabalha com o pai num negócio de família. A gente se conhece a pouco tempo, mas eu tenho certeza que dessa vez vinga. — Blanka diz esperançosa.

— Tomara, né. Porque o outro... — Lena diz enquanto procura algo em cima da mesa para comer.

— LENA!  

Agelika ri descontroladamente como se fosse a melhor piada do mundo. — Sun quando ouviu isso disse exatamente a mesma coisa. Pra você ver Blanka, não sou só eu!  

— Falando em Sue, esqueci que ela está me esperando lá fora com os cavalos. — Lena fala enfiando um pedaço de pão grande dentro da boca. — Vejo vocês depois. Preciso conversar com vocês, com todos do casarão quando chegar da vila. É importante.  

— Sabemos, Lena. Pode deixar que avisaremos os mais novos a comparecer a reunião hoje. — Agelika diz se recuperando das risadas, num tom mais sério.  

— Obrigada. Agora tenho que ir, vejo vocês mais tarde. — Antes de sair pela porta ela vira e diz para Blanka. — Se eu vir teu namorado pelo caminho, vou dizer que mandou lembranças.  

Ela deixa as duas na cozinha, não sem antes escutar as duas a continuar conversando desenfreadamente sobre o assunto. Blanka dizia sempre de seus namoradinhos, mas ninguém nunca os via. Para Agelika e para quase todo o resto das pessoas do casarão esses namorados não passavam de frutos de sua imaginação.

Encontrou Sue atrás do casarão com dois cavalos já selados a sua espera. A neve que caíra a noite ainda estava acumulada no chão. Desde que o inverno chegará em Norta o frio parece ter se intensificado ainda mais na cidade. Já nem era mais possível enxergar o pouco verde que antes despontava pelas florestas cheias e fechadas que protegem desde o casarão até o começo da vila. A estrada deveria estar íngreme e molhada, geralmente quando alguém queria ir para a vila esperava até o meio do dia, onde a temperatura estava um pouco mais alta, tornando mais fácil e rápido a chegada até o outro lado da cidade. Mas Lena não tinha tempo para esperar até o meio do dia, ou mais. Precisava conferir como estava o armazenamento de mantimentos da cidade. Com a chegada da realeza, também chegaria o abundante gasto que ela teria com as regalias que os prateados estavam acostumados, e como uma cidade histórica de poder e fama, ela não poderia os decepcionar com esse tipo de coisa.  

 

— Pensei que não iria chegar nunca. Eu já estava congelando aqui fora. — Reclama, Sun que segura as duas rédeas na mão. Ela deve estar lá realmente a muito tempo já que se nariz está mais vermelho que a de um palhaço.  

 

— Me desculpe, eu me distrai com as meninas da cozinha. — Lena fala pegando uma das rédeas e subindo em um dos cavalos.  

 

— Tudo bem. Vamos, espero poder chegar em casa antes do almoço. — Sun diz subindo em seu cavalo.

 

— Faz tempo que você não vai para sua casa, não é mesmo?  

 

— Já faz uma semana desde que não apareço lá. Eu sei que Papa toda semana aparece aqui no casarão para deixar os mantimentos que traz da cidade vizinha, mas essa semana eu não consegui o ver. Ele diz que não gosta de me atrapalhar quando estou no casarão.  

 

— Falando assim parece até que eu estou morrendo. Você não faz quase nada quando está no casarão, poderia até voltar para a vila quando quisesse, seus pais devem precisar mais da sua ajuda na taberna do que eu aqui no casarão.  

 

— Não é bem assim, né, Lena. Eu fico aqui no casarão porque quero, e eles tem o Lien para ajudar no que precisam. A taberna não dá tanto trabalho quanto aparenta.  

 

— Mesmo assim, quero que vá mais vezes ver seus pais. Leve isso como uma ordem de sua patroa. — Lena diz em tom de brincadeira.  

 

— Atá, até parece que eu sigo suas ordens "majhna" madame. — Ela sorri enquanto olha para frente.

 

— Baixou a Apolena em você hoje, em.  

 

— Nem brinca com isso! — Ela aumenta ainda mais o sorriso. — Falando em Apolena, ela te disse sobre seu irmão? Eles saíram sem muito alarme ontem a tarde, estavam em cinco pessoas. — Sun, diz olhando para Lena.

 

— Falou. Fiquei aliviada em saber disso. Bem, não é que eu quisesse que ele fosse embora, mas com Maven vindo. — Lena suspira e continua. — Eu não sei o que pensar, Sue, sei que Cal nunca faria isso com seu pai. Nunca. Ele o amava mais do que tudo. E eu nunca sonharia que um dia teria que apartar uma briga tão séria deles. Eu tento engolir, mas não consigo ver Maven como rei e muito menos como um assassino traidor da coroa e além de tudo caçando como um rato o próprio irmão.

 

— Também não consigo imaginar muito bem, foi tudo tão rápido. Eu não os conheço tão bem quanto você, na verdade não os conheço, não considero poucas palavras trocadas conhecer uma pessoa, porém você sempre me fala dele, Maven, nunca consegui enxergar ele como os boatos que surgiram na vila. — Reflete Sun.

 

— E ele não é. Com certeza deve estar servindo de gaiato da mãe. — Lena aperta com força ainda mais as rédeas do animal, fazendo com que ele ande um pouco mais de pressa ultrapassando Sun.  

 

— Tem certeza? Eu não quero ser pessimista, mas faz tempo que vocês não se veem com frequência. Desde que você veio para Hovel, vocês só se viram umas três ou quatro vezes, se isso não for muito. Ele pode ter mudado, a mãe pode o ter mudado você sabe bem disso. — Sun se apressa um pouco para acompanhar Lena na estrada, em poucos segundos os animais já seguiam na mesma velocidade.  

 

— Nós conversávamos muito por cartas, sabe disso, eu as mostrava para você.  

 

— Lembro delas. Porém, faz tempo que ele não te responde, não?  

 

— Ele me mandou uma essa semana.

 

— Aquilo não era uma carta, Lena. Era um informativo de que ele estaria aqui em dias.  

 

— Eu sei. Eu só quero pensar que ele é ainda a mesma pessoa. Não quero perder essa esperança, entende? Ele é meu irmão tanto quanto Cal.  

 

— Posso tentar entender. Mas não quero que se machuque mais com isso. Não é bom pra você. — Depois de alguns segundos de silêncio, Sun continua. — E a garota, Mare Barrow, você não a conhecia, mas mesmo assim aparentou não gostar muito dela.

 

— Não a conhecia, essa foi a primeira vez que nos vemos. E não é que eu não goste dela — Lena rebate a acusação — Mas ela está muito mais envolvida nisso tudo do que qualquer outra pessoa. Ela entrou de gaiato em tudo isso e olha no que deu. Eu não quero julga-la assim sem muitos precedentes, mas até que se prove o contrário, pra mim, ela leva muito mais culpa do que aparente.  

 

— Acha mesmo? Ela não me pareceu uma má pessoa e admito que o que estão fazendo me parece bem nobre, sabe, a causa, a Guarda.  

 

— Sue, não sabemos bem o que a Guarda é ou o que ela quer de verdade. Ela pode querer a liberdade dos vermelhos, sim! Mas um movimento com tanto poder em mãos nunca vem envolto de muita bondade e caridade. É estranho, muito suspeito.  

 

— Mas eles ajudaram seu irmão, Cal, a fugir com eles. O que eu acho muito estranho, já que eles poderiam ganhar um bom dinheiro com sua cabeça. Não é todo dia que uma organização dessas tem um ex-príncipe herdeiro nas mãos. Mas mesmo com todos os motivos para mata-lo eles não o prenderam, pelo contrário, estava junto liderando essa expedição para salvar o que chamam de "sanguenovos". Talvez por isso ele esteja a favor da causa, dos vermelhos...

 

Lena ri, mas o som de sua boca não sai verdadeiro.

 

— Cal, não! Conheço Cal muito bem. Ele se comove com a situação precária dos vermelhos, mas não é um tipo de pessoa revolucionária. Ele foi criado para MANTER AS COISAS EM ORDEM, ou seja, manter tudo instável. Essa era a política de Tibe e essa também é a política dele. Cal nunca teve um espírito revolucionário, e duvido muito que de uma hora para outra esse sentimento tenha sido criado dentro dele. — Lena se concentra no ar gélido que sai de sua boca quando fala. — Cal nasceu para ser rei e ele fará de um tudo para mostrar a verdade para seu povo. Custe o que custar, ou doa a quem doer.  

 

— Ele não me parece ser esse tipo de pessoa. Talvez a garota, a garota Barrow o tenha mudado. Você pode não acreditar, mas as pessoas mudam, Lena. Talvez ele esteja, sei lá, apaixonado?  

 

O som que saíra dos lábios de Lena era para ser uma risada rápida e cortante, mas se estendeu muito mais do que ela esperava.  

 

— Cal? Apaixonado? Eu duvido muito. Já vi Cal com outras garotas e posso te afirmar que dali não existe mais nada que um flete.  

 

— Não sei, acho que dessa vez você pode estar enganada. — Sun diz voltando o olhar para Lena.

 

— É. Posso estar, mas isso seria difícil. Conheço bem os irmãos que tenho, mas como o seu positivismo sugere, TALVEZ, digo, apenas talvez ele tenha mudado.  

 

Olhando a frente Lena vê as casas da vila aparecendo dentre o meio da paisagem relva que aponta a sua frente, não muito a adiante está a taberna que moram os pais de Sue. Já fazia um bom tempo que Lena não vinha até a Vila de Holvel. Praticamente não saia de casa a menos que acontecesse uma eventualidade importante que precisasse muito da sua presença para que fosse resolvida. Ela achava que sem ela por perto as pessoas conseguiam resolver as pendências da vila muito bem. Gostava de dar liberdade aos moradores, mesmo que comandando os principais problemas de longe.

 

Lena era a única prateada de sua casa e da cidade.  

 

Depois que Hovel deixou de ser uma cidade fortaleza para os antigos Calores, também deixou de ser uma cidade de extrema riqueza e importância para os olhos dos prateados de Norta. Depois da coroação do primeiro Calore ao trono de Norte, a realeza não viu mais vantagens de permanecer em uma cidade tão extrema de seu próprio país, onde em seus campos não florescem nenhuma planta se quer e o frio é tão árduo e permanente que chega a ser insuportável. Muito se admirava para Lena ver que depois da saída dos prateados dessa terra tão vil, os poucos vermelhos que não foram arrastados junto com as grandes famílias, conseguiram sobreviver e se adaptar tão bem as baixas temperaturas, a nação rival vizinha e a guerra praticamente às suas portas.  

 

Apenas um Calore mesmo para viver bem ao frio tão árduo desse lugar. Mas Lena não poderia ser uma favorecida com isso. Ela não era uma Calore. Talvez alguma porcentagem do seu sangue fosse, mas não era suficiente para ser uma honrada da família, como se até mesmo seu sangue a reprovasse pelo que é. Uma bastarda.

 

Depois de deixarem os cavalos a frente da taberna Lena para um pouco para admirar a simples vista da vila. Ela gostava de vir para cá. Além de o clima ser poucos graus mais quente por conta da altitude menor, a vila era movimentada e acolhedora, tanto pela arquitetura como pelas pessoas que ali habitavam.

 

Lena entra no estabelecimento depois de Sun, era costume deles o dono da casa ou estabelecimento fazer as "honrarias" mesmo que sendo para amigos, como as duas eram.

 

— Mama? Papa? Estou em casa! — Sun, diz enquanto tira o casaco grosso do corpo.  

 

A taberna continuava exatamente como Lena lembrará, fica impressionada com como aquele lugar pequeno e humilde lhe trazia o sentimento de conforto e acolhimento. Em poucos lugares na vida dela,  ela se sentira assim, mas tinha certeza que esse, de todos, era o seu especial.

 

A temperatura da vila de Hovel sem sombra de dúvidas era mais amena, se comparada a do casarão, as lareiras e os fogaréus espalhadas pelos ambientes internos funcionavam bem para que todos se sentissem quentes e protegidos do frio em suas casas. Mesmo Lena tendo meia parte do seu sangue e DNA Calore, não deixava de sentir seus pelos  eriçarem debaixo das grossas camadas de roupa que usava constantemente.

 

— Acho que estão lá dentro. — Sun anda até o balcão procurando em vão alguém que obviamente não se encontra no local. — Certamente minha mãe está lá dentro cuidando de alguma bagunça da Daia e o folgado do meu irmão não veio para supervisionar as coisas. "svoboden" folgado! Vou ver onde ela está, quer vim junto?  

 

— Ah, não. Estou bem. Ficarei aqui, vai que seu pai apareça?! Eu preciso muito falar com ele.  

 

— Ok. Eu não demoro e se aparecer alguém finja que trabalha aqui e sugira alguma comida pra ele. — Sun diz brincalhona.

 

— Claro, engraçadinha. Ai eu vendo pães ao invés de brioches, e tua mãe me mata. — Lena rebate tentando conter o pouco riso.  

 

Logo depois da saída de Sun, o único barulho que Lena se concentrava a ouvir era do fogo crepitando na lareira do estabelecimento. Lembrava bem de sonhar com esse mesmo barulho diversas vezes quando criança, gostava de pegar no sono enquanto observava o fogo, imaginando formas nas cores da chama que queimava incessantemente na lareira de seu grande quarto. O som lhe traz alegria, mas agora sentia demasiadamente tristeza e desespero.  

 

O barulho da porta a suas costa a tira bruscamente de seu transe, ela pula da cadeira, de tamanho o susto que leva.

 

— Olha só quem saiu do palácio de pedras para vim ver seus pobres e fiéis súditos. — Ironiza Lien.

 

—LIEN! Que susto! — Lena põe a mão no peito ainda fatigada com a surpresa.  

 

Lien acha graça de sua reação.

 

— Eu causo essa impressão nas pessoas mesmo. Admiração. Sei que ficou surpresa e até mesmo sem jeito com a minha presença aqui, pode confessar. — Lien passa por Lena gesticulando e pronunciando as palavras como se estivesse dizendo para ele mesmo na frente de um espelho.

 

— Parece que alguém acordou bem humilde hoje. — Lena cemissera os olhos o acompanha olhar, enquanto Lien caminha pelo estabelecimento até chegar atrás do balcão, onde apoia um dos cotovelos enquanto a encara.

 

— Humildade é meu lema. Ficou tão encantada que não respondeu a minha pergunta; o que a princesa da torre veio fazer aqui junto dos plebeus?

 

Lena ri com pouca graça do título que ele põe para ela. Ele adorava fazer esse tipo de brincadeira, sem graça.

 

— Princesa? Por algum acaso está vendo alguma coroa na minha cabeça? O certo é Madame. E eu vim aqui falar com seu pai, sabe se ele está pela cidade?

 

— Ele está sim, Ma-da-m-e. Deseja algo mais?

 

— Uma xícara de café, por favor.  

 

— É pra já, ma-da-me.  

 

Ele vira e começa com precisão a tilintar talheres e porcelanas  dos armários. Ele não é tão ágil quanto a mãe, Lien está mais acostumado em servir as mesas e principalmente conversar com os poucos clientes que entram na loja. Ele era muito comunicativo, era a característica principal de sua personalidade, mas Sun era mais responsável. Ela o observa de costas, seu cabelo louro cresceu uns poucos centímetros, agora estava um pouco mais abaixo da orelha. Sua camisa branca estava encardida de preto em alguns lugares, o que faz Lena observar um pouco mais atentamente suas costas, sua silhueta. Lien estava mais forte, mais alto. Lena se impressiona com ela mesma, afinal não fazia muito tempo que tinham se visto.  

 

Com o silêncio contínuo, Lena passa a bater de leve os dedos no balcão, o barulho que faz é leve, mas o som ecoa em seus ouvidos. Ela passa novamente os olhos pelo lugar e percebe que já se encontram próximo do horário de almoço e nem uma pessoa sequer entrou e ocupou uma das mesas da taberna.

 

Lien coloca uma xícara na frente de Lena. A fumaça chega em suas narinas e ela pensa no quanto ama esse cheiro familiar.  

 

— Vualá! Está pronto. — Ele sorri satisfeito.

 

— Obrigada, eu sei que já passou do horário de servirem o café, mas, não pude resistir.  

 

— Não há de que. Aqui, você sabe que o cliente sempre tem razão, ao menos que ele não pague, é claro.

E também podemos estender o horário do café já que muito provavelmente não vá aparecer ninguém para o almoço.  

 

— Eu ia fazer essa pergunta agora. Onde estão as pessoas? Eu nunca vi esse lugar tão vazio. — Lena sopra e beberica devagar o café com medo de queimar a língua.

 

— Isso é uma boa pergunta. Minha mãe diz que é por conta do clima, com a neve aumentando cada vez mais e o racionamento de comida e mantimentos básicos que a vila está sofrendo desde o começo do inverno as pessoas não veem mais com muita frequência aqui. Papa diz que vai melhorar quando o verão chegar. Mas sinceramente, Lena, não sei como as pessoas vão voltar tão brevemente desse jeito que as coisas estão indo, eu nunca vi esse lugar tão vazio. — Ele passa os olhos rapidamente pelo estabelecimento vazio atrás de Lena. E por um momento vê seus olhos cinzas brilharem de tristeza.  

 

Ela sabia que Hovel estava passando por dificuldades com o abastecimento de mantimentos da cidade, mas não sabia que estava afetando tanto a cidade como imaginara. Ela já presenciou coisas do tipo antes, mas nunca estivera por trás de comandar tudo isso. Seu coração se aperta com essa informação. Aquela era seu vilarejo. Sua cidade. Mas doía ainda mais porque sabia das notícias e comandos que trariam para os vermelhos que moravam ali hoje,  com a situação atual, todos os caprichos que teria que dar a realeza era muito mais que injusto.

 

— Achava que os compartimentos vindos das outras cidades supriam mais que o necessário para todos.

 

— A maioria das vezes não dá, é muito pouco para cada. As pessoas não querem gastar ao léu, não querem mais gastar o que já tem. — Ele começa a andar de um lado para o outro pensativo. — Se ao menos pudéssemos mandar mais pessoas a outras cidades e...

 

— Não dá. — As palavras saem num tom mais alto do que gostaria. Ela já discutiu isso com ele e com Sun também, mas ela mais do que ninguém sabia como funcionava aquele jogo. — É muito perigoso. Eu entendo que precisamos de mais, mas não podemos perder o que já temos e só temos essa oportunidade, ainda mais com tudo o que está acontecendo no governo atualmente. — Lena suspira cansada, não queria discutir sobre aquilo ali. — Eu vou tentar dar um jeito, ok. Mas por agora eu realmente não posso fazer nada. Esperem apenas o Rei ir embora e tentarei resolver isso a mais breve possível.

— O rei está vindo para Hovel?!  

 

A resposta não vem de Lien como Lena esperava mas de Durval que entra na taberna carregando toras de madeira para a lareira.  

 

Lena se levanta rapidamente para o comprimentar.  

 

— Senhor Duval, como vai?  

 

Ele empilha as madeiras do lado da lareira e se volta para Lena.

 

— Lena querida, estou bem e feliz por ver você bem e por aqui. — Ele sorri gentilmente para ela.  

 

Lena o tem como um pai e adora o jeito compreensivo que tem para com todos da vila. E para com ela também.  

 

— Eu precisava mesmo falar com senhor. — Ela reluta nervosa com as palavras, mas prossegue. — Sim, a realeza vem para cá.  

 

— Era só o que faltava mesmo. — Lien diz um pouco incrédulo e já irritado.

 

— Sim eu sei. É algo inesperado, mas não à nada que posso fazer em relação a isso. ­— Ela se vira diretamente para Durval. — Preciso que volte para a cidade vizinha e traga mais mantimentos dessa vez, eu tenho um pouco de estoque no casarão, mas pode ser que eles fiquem mais do que o previsto e acabe faltando algo e isso sem sombra de dúvidas seria desastroso.  

 

— O que, Lena?! Quer que peguemos mais de outras cidades para eles, os prateados, a realeza, mesmo eu acabando de dizer que tudo aqui está parado, sem funcionar e que as pessoas estão com medo de passar fome ao longo do inverno? — Se Lena achava que ele aparentava estar irritado, agora ela tinha a mais absoluta certeza.  

 

— EU SEI! — Lena aumenta a voz para ficar mais alta do que a dele, ele é mais alto do que ela mas isso não faz com que ela não consiga o encarar no olhos. — Você pode até achar que não, mas eu mais do que ninguém gostaria de não poder dar essa ordem, eu também acho isso um grande absurdo! Mas preciso passar por eles primeiro para poder colocar as coisas em ordem aqui.

 

— Lien, acalme-se! — Durval tenta intervir, sem sucesso.  

 

— Estamos presos. Presos a esses muros, no gelo desse inverno rigoroso. Sem liberdade, com pouca comida e água e agora isso? Quanto mais será cobrado por nossa "liberdade"?  

 

Lien sai pela porta da frente mais rápido do que a resposta que Lena tinha para dar. O vento frio que entra pela porta que ele abre é pouco, mas faz seus pelos arrepiarem. Ele tinha razão, o tempo está ficando cada vez pior.

 

— Desculpe por isso, Lena. Ele está assim esses dias, descontrolado. — Durval tenta sem muito sucesso consola-la.  

 

— Não posso tirar sua razão, isso é tudo muito injusto.  

 

— Não se mártire atoa, criança. Somos muito gratos pelo que fizestes por nós. Nunca duvide disso. Ha?!  

 

Lena levanta um dos cantos da boca com um sorriso tímido. Ela não era nenhuma heroína da pátria e estava muito longe de ser isso. Tudo que tinha a seu alcance para protege-los ela fez, mas, talvez até isso poderia estar em perigo. O futuro assim como o inverno se tornava cada vez mais incerto.

 

— Então você quer que faça mais viagens de suprimentos? — Ele puxa e senta em uma das cadeiras do local.

 

— Sim. Eu sei que você já faz três viagens durante essa semana, mas é uma urgência. E pode levar mais alguém para ajudar você, se assim preferir.  

 

— Sem problemas. Se partir daqui a uma hora acredito que chegarei de volta ainda a noite na vila, assim poderei adiantar as coisas para você, hã?!  

 

— A noite? Chegará tarde, não quero que se perca na neblina densa da floresta.

 

Durval ri com vontade do que acabou de ouvir.

 

— Criança, não se preocupe com isso, ando por essas árvores muito antes de você nascer. Você sabe o que vai querer que traga de especial dessa vez?  

 

— Sim, vou deixar uma lista com o que precisa.

 

— Então, tudo certo. Vou aprontar minhas coisas e ir logo. Deixarei tudo no galpão do casarão, madame. — Ele ri e cumprimenta Lena com a cabeça antes de sair. Ela não consegue conter os lábios e eles deixam a mostra seus dentes por um curto período de tempo.  

 

Não saberia viver sem eles. Todos eles.

 

Sun estava demorando, elas tinham mais coisas a fazer na vila até voltarem ao casaram e ficar naquele espaço cheio de mesas vazias se tornava mais desconfortável a cada minuto que passava, sem contar na culpa que corroía ainda mais Lena por dentro. Estava fazendo tudo que podia, ela pensava, mas talvez poderia ter ou fazer mais por eles. Mais por tudo aquilo que tinha.  

 

Seus braços coçavam. A alergia tinha piorado. Malditos bichos de guarda roupa.  

 

— Desculpe a demora, estava um pouco ocupada lá dentro.

 

Sun aparece adentrando pela porta dos fundos.

 

— Aconteceu alguma coisa? — Lena questiona preocupada.

 

— Não. É só a Daia que está um pouco doentinha, nada de mais. Já dei um jeito nisso.  — Sun vem de encontro com Lena. — Meu pai não estava lá dentro, perguntei para mama e ela disse que ele estava fora hoje, talvez possamos acha-lo mais pro norte da Vila.

 

— Não precisa. Eu já falei com ele, Sue. Ele vai buscar as coisas como o pedi, disse para deixar a lista das coisas aqui.  

 

— Ótimo, assim ganhamos tempo com os outros afazeres. — Sun observa o lugar. — Onde está Lien? Era para ele estar aqui a muito tempo.

 

— Ele esteve aqui — Lena diz não muito animada. — Mas saiu por aí para fazer alguma coisa e posso apostar que não vai querer ver a minha cara por algum tempo.  

 

Só pela levantada pouco brusca das sobrancelhas de Sun, Lena já sabia que ela entenderá todo o drama que se passara por lá enquanto ela estava fora.

 

— Oh! Entendo. Não ligue para o que ele diz Lena. Ele sabe que você tenta o seu melhor, ele só está cansado de tudo isso. Ele diz que não se encaixa aqui.

 

— Não se encaixa aqui? Se encaixa aonde então? Na guerra lá fora? Que piada, que garoto ingênuo, estúpido!

 

Saber que era desconcertante para Lien viver naquele lugar pacato, talvez até para sempre, tornava as coisas ainda piores para Lena, porque assim como ele, ela se sentia do mesmo jeito. Mas diferente dele, ela não desconta nos outros.  

 

— Tente entender, ele  anda meio decepcionado com a situação da taberna. Ele não quer ser grosso ou algo assim, mas é difícil para ele também.  

 

— A situação é a mesma. Ele só não precisa ser grosso e o tempo todo.  

 

— Até parece que você não conhece o meu irmão a anos. Ele melhora, é só uma fase, confia em mim. — Elas ouvem um barulho de toras se partindo atrás da porta que ele partira, era um costume de Lien fazer isso quando estava nervoso, descontava sua raiva em coisas ou pessoas, pelo menos ele estava cortando bem a lenha. — E é melhor irmos antes que ele reapareça por aquela porta e vocês fiquem se engalfinhando.  — Sun segue na frente puxando Lena pelo braço.

 

— Eu não fico me engalfinhando com ninguém, sou uma pessoa extremamente sã, cortês e educada.  

 

Sun ri com a modéstia de Lena.

 

— Essa pessoa que você descreveu não me parece ser a mesma que fez com que vários professores de etiqueta e protocolos do castelo pedissem demissão.  

 

— Você realmente está muito engraçadinha hoje, em. E fique você sabendo que eles se demitiram porque eram extremamente incompetentes. Eu era um anjinho.  

 

— Um anjinho? Tá bom, Lena.  

 

— Acho que agora a gente já pode ir, o que acha?  

 

— Claro.

 

Chegaram ao casarão já perto do cair da noite, depois de saírem da taberna, elas continuaram no centro da vila visitando outros estabelecimentos e contratando temporariamente pessoas para trabalhar no casarão enquanto o rei e seus convidados permanecessem lá. Não foi uma tarefa fácil, convencer pessoas que a muito tempo não viam prateados e que aceitassem passar por reles subalternos, sendo expostos a toda e qualquer tipo de situação constrangedora. Depois de muito conversar e prometer um salário razoavelmente alto, alguns poucos aceitaram a oferta, a maioria deles já trabalhara antes para prateados ou até mesmo no casarão, quando o rei Tiberias VI fazia breves aparições na cidade. O que era bom, já que a probabilidade de erros a serem cometidos seria menor, ainda mais se a rainha vier, junto com a comitiva toda.  

 

Mas o trabalho do dia ainda não estava completo, Lena ainda precisava fazer uma reunião com os efetivos do casarão, era essencial a cooperação deles para que tudo ocorresse bem.

 

Pediu que todos se reunissem no salão principal para uma grande reunião exatamente as 8 horas da noite, bem no horário do jantar. Era óbvio que o momento era importante, mas o horário foi escolhido a dedo por Lena para provocar sutilmente a governanta. Ela odiava rotina e horários marcados mais do que nunca e aproveitava até mesmo esses momentos mais críticos para se esquivar deles e fazer pelo menos algumas vezes sua vontade prevalecer.

 

No salão encontrava-se todos. As meninas da cozinha, as pessoas que cuidavam da limpeza  e da parte externa, trabalhando no retiro da neve, cuidando dos cavalos; além da governante, ela e Sun. Não eram muitas pessoas para uma casa tão grande como aquela, mas Lena não gostava de manter muitos empregados no casarão, afinal, em teoria, ela morava lá sozinha.  

 

— Acho que muitos de vocês já sabem o porque dessa reunião e prometo não demorar, até porque eu não quero atrapalhar o nossa querida hora do jantar, como vocês bem sabem. — Ela olha e comprimenta brevemente com a cabeça Apolena, fazendo alguns tentarem sem sucesso engolir a risada.  

 

— Como alguns provavelmente já sabem o rei e uma parte de sua imensa corte vem para Hovel amanhã e vou precisar de toda a ajuda e colaboração de vocês com isso. Eu sei que a muito tempo não temos esse tipo de visita ou eventos desse tipo e compreendo que isso possa causar algum tipo de incômodo em alguns de vocês, mas é essencial que tudo saia perfeitamente, não para que eles fiquem, mas para que eles vá embora brevemente. — Lena dá dois passos para frente ficando ainda mais perto deles. — Acredito que isso vá durar de um a dois dias e depois as coisas voltarão a ser como de costume. Eu contratei mais funcionários para ajudar vocês nas tarefas, como alguns de vocês, principalmente os mais velhos, sabem que as pessoas da  corte gostam de serem servidos nos quartos, por isso preciso de pessoas extremamentes sutis e confiáveis que façam isso. Levando isso em conta, escalei para essa tarefa as meninas da cozinha. — Lena direciona a cabeça e o corpo levemente para onde elas se encontram. — Vocês conhecem mais do que ninguém o casarão acredito que será mais fácil e eficiente se ficarem com essa parte.

 

— Sim, faremos isso com certeza, Lena, pode deixar com a gente. — Angelika se põe a frente como líder do grupo.  

 

— Obrigada. Vocês serão mais do que essencial para isso. Acredito que já estejam a par do que fazer e como se portar, certo?

 

— Sim, estamos. Sem falar, sem comentar, apenas faça sua função e saia sem ser percebida. — Angelika pronuncia as palavras como uma regra do jogo muito bem guardada na memória.  

 

— Isso. — Lena afirma quase num sussurro. — Vocês também terão que usar aqueles uniformes vermelhos, as capas vermelhas. O restante do pessoal ficará a disposição aonde precisar de ajuda e, por favor, ajudem os mais novos com qualquer coisa. Tirem tudo que precisar do galpão do casarão e deixem mais acessíveis para quem estiver na cozinha. — Lena arruma um pouco mais a postura para poder pronunciar a última e pior notícia. — Por último, vocês terão que dormir no primeiro andar, nos antigos quartos dos funcionários e não no primeiro andar. Já providenciei que tragam mais lenha da vila para que vocês fiquem aquecidos e o mais  possivelmente confortáveis lá.

 

Os vários murmurinhos e comentários de insatisfação deixam Lena com o coração ainda mais apertado, ela sabe que não será fácil, mas precisa de todos ali com ela mais do que nunca.  

 

— Pessoal! — Ela aumenta um tom a mais do que estava usando antes. — Eu prometo que será apenas por alguns dias, ok. Confiem em mim. Eu sei que é difícil, mas não temos escolha. E eu ainda estarei aqui caso aconteça algo. — Ela solta um riso de leve, achando graça de sua própria autoridade. — Sei que não sou a pessoa mais segura e madura para dizer essas palavras, mas vou fazer o meu melhor.  

 

— A situação não é corriqueira, sabemos, mas trabalhamos aqui e faremos de qualquer maneira, não é mesmo pessoal? — Apolena se mantém à frente como uma pessoa autoritária que mantém tudo sobre controle.

 

A maioria concorda, mas sabem e até temem a vinda do rei para cá. Temem até mais que a vinda do rei antigo, afinal Maven já tem a fama que tem. Lena o conhece, sabe o que se passa, mas teme. A muito  não o vira e os acontecimentos recentes confundem demasiadamente sua mente. Ela apenas sabe que o futuro é cada vez mais incerto, para eles ali, para ela e para todos.

 

— Eu agradeço. —  Ela diz para Apolena, agora não é hora para ser uma menina mimada. — Maven... — Ela pausa, pensa e se auto corrige. —  Desculpe, o rei, provavelmente chegará lá pela tarde. Estejam prontos. E selem o meu cavalo com as antigas celas reais, eu irei salda-los no portão principal.  

 

Depois de dispensar todos do salão, Lena sobe em seu quarto e decide pedir que levassem o seu jantar a lá mesmo, uma coisa mais simples, afinal eles precisavam descansar e mesmo Apolena sendo tão rígida com ela, aceitou a situação de bom grado, ela também concordava com Lena,  mas apenas nessa situação em especial e isso ela deixou bem claro.

 

Mesmo estando, assim como as outras noites do último mês, nevando mais do que normalmente era previsto, Lena resolve tomar mais um banho para se aquecer. Geralmente as pessoas que moravam nos extremos do país não tomavam tantos banhos assim por dia, mas a água quente a acalmava e confortava. O vento que bate na janela chia e faz com que os pinheiros batam do lado de fora da sua janela, estava tão cansada que até relutava em entrar na água, mas a canseira e a coceira em seus braços a faz se obrigar a entrar na água extremamente quente.  

 

Não queria pensar em reencontra-lo. Seu irmão querido. Sua família.

 

Era agoniante e ao mesmo tempo feliz o fato de vê-lo de novo.  

 

Sua mente não parava.

 

Suas lembranças voltavam.

 

Não queria pensar, mas não conseguia parar.

 

Ela permanece com o corpo praticamente todo imerso dentro d'água quase escaldante da banheira até a água se esfriar com o tempo e ela resolver sair de lá apenas quando seu corpo implorar que ela se aqueça novamente.

Ela sai, coloca uma camisola quente e macia e se deita na cama.

Reza para que a noite seja longa e que o dia a seguir seja ensolarado.





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Notas finais do capítulo

Capítulos serão postados toda semana, aproveitem!



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