Os filhos do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 9
Caminho - Radha




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"Esteja atenta Radha. Sua missão logo começará"

Estas foram as últimas palavras de Phet para mim. E ele estava certo. Eu acabara de vislumbrar esse início. 

Eu começara a servir na casa da senhora Nilima assim que seu filho fora aos Estados Unidos para estudar. Pouco tempo depois, ela me avisou que Kelsey e Dirhen viriam para a casa, trazendo seu filho Anik. Eu sabia quem eles eram e estava emocionada por finalmente conhecer o avatar da deusa Durga. Eu sabia que a senhora nunca mais encarnaria a deusa, mas ela foi a primeira e mais poderosa Durga que existiu, e era uma honra estar diante dela. 

Mas o que me surpreendeu, não foi o encontro com a deusa e seu tigre, mas o filho deles. No momento em que eu olhei nos olhos de Anik, eu soube quem ele era. Phet me disse que nós nos reencontraríamos e que nossas almas se reconheceriam. Eu não achei que isto aconteceria nesta vida.

Anik não me reconheceu, ele não sabia quem eu era. Mas ele sentiu. 

Em outra vida, nós não pudemos ficar juntos, porque Phet era um Deus e tinha uma missão que exigiu seu sacrifício. Mas ele prometeu à sua mãe que escolheria um caminho mais fácil nesta vida. Ele ainda não se lembrava de quem era. Minha missão era fazê-lo se lembrar. Ele estava pronto, mas ainda não era a hora. Muitos segredos ainda precisavam ser revelados. Dirhen não queria, mas Kelsey estava pronta. 

Depois de revelarem todo o passado a seu filho, Kelsey e Dirhen me pediram para levá-los à cabana de Phet. Ela desejava rever o lugar e visitar o túmulo de Phet. Eu não lhe disse que Phet não tinha um túmulo ali.

Nós quatro seguimos para a selva no jipe. Kelsey estava emocionada, Dirhen parecia apreensivo e Anik estava estranhamente calmo. Ele sentou-se ao meu lado, no banco de trás do veículo e estava pensativo. Nós não conversamos, mas algumas vezes eu o peguei me encarando. Seu escrutínio me deixava desconsertada.

Anik era um homem bonito. Sua pele era mais clara do que a minha e seus olhos eram dourados como a lua cheia. Ele tinha os lábios grossos, o desenho de sua boca era perfeito. Quando ele sorria, eu me derretia. Ele era alto e seu corpo era forte. Eu já tinha visto a sua face divina, mas nem esta me encantou tanto quanto o homem gentil que estava ao meu lado, me olhando e sorrindo para mim. 

Eu sabia que, em outra vida, nós nos amáramos, embora não tenhamos ficado juntos. E eu sentia que, nesta vida, também não poderíamos ficar. Nós éramos muito diferentes. Eu nascera como uma pobre camponesa, abandonada pelo pai, uma Sudra. Anik, vinha de uma linhagem de reis, era filho de um príncipe. Além de ser um Deus. Dentro da sociedade indiana, ele era um xátria. Nós nunca seríamos aceitos como um casal. Ainda assim, eu viveria para servi-lo e guiá-lo em sua missão. 

Durante a viagem de algumas horas, a senhora Kelsey parecia empolgada e contou várias histórias sobre seu passado como Deusa, inclusive sobre a primeira vez em que ela esteve na casa de Phet, quando Dirhen se revelou, e ela descobriu que seu tigre era um príncipe amaldiçoado. O senhor Dirhen estava mais tranquilo e também contou histórias. Anik prestava atenção, como se tentasse absorver cada detalhe e tentar entender aquela realidade mágica em que seus pais viviam. 

Depois de algumas horas, começamos a caminhada pela mata. Kelsey e Dirhen conheciam o caminho e pareciam seguros. Anik estava um pouco assustado, mas procurava parecer firme. Nós levávamos mochilas com comida e água e duas barracas. Kelsey comentou:

— Ai, que saudades do lenço e do fruto dourado. Nós não precisaríamos carregar tantas bolsas. 

Quando anoiteceu, nós paramos no lugar indicado por mim e montamos acampamento. Dirhen acendeu a fogueira e preparou o jantar: sopa desidratada. Enquanto comíamos, Kelsey disse:

— Então, temos duas barracas. Ren e Anik ficam com uma e nós duas dormiremos na outra. 

Ela olhou para Ren como se sofresse:

— Será que eu vou conseguir dormir na selva sem um tigre para me acalmar?

Dirhen riu.

— Desta vez, é melhor os tigres ficarem longe. 

Eu os acalmei:

— Não se preocupem, eu conheço bem essa floresta. Não há tigres ou outros grandes predadores. Só precisamos ficar atentos às cobras. E a senhora pode dormir com o seu marido. Não durmo em barracas.

Anik me olhou surpreso:

— Onde você pretende dormir, Radha?

Eu olhei em seus olhos e paralisei por alguns segundos. Anik era tão bonito...

— Eu vou ficar aqui fora e meditar. Se eu precisar dormir, gosto de me deitar no chão e observar as estrelas. 

Anik sorriu para mim e seus olhos brilharam. Ele parecia encantado.

Mais tarde, Kelsey e Dirhen foram às suas barracas. Apesar de eu ter dito para eles dormirem juntos, Kelsey foi para uma barraca e Dirhen para outra. Ela disse que deixaria o meu lugar, caso eu mudasse de ideia. Anik me encarou por alguns instantes antes de entrar na barraca com o pai.

— Boa noite Radha.

— Boa noite Anik.

E me afastei do acampamento, buscando um lugar tranquilo para meditar. Após algum tempo, ouvi um barulho na mata e abri os olhos. Então, vi os olhos dourados de Anik brilharem na escuridão. Ele entrou na clareira e sorriu ao me ver. Eu tentei ignorar, mas não consegui evitar de sorrir de volta. 

— Que bom que te encontrei Rhada. Eu me levantei e não te vi do lado de fora. Então olhei na barraca e você não estava. Fiquei preocupado. 

Meus olhos ficaram cheios de lágrimas. Eu estava emocionada por saber que ele se preocupava comigo. Baixei a cabeça tentando disfarçar meus sentimentos e então respondi. 

— Desculpe-me meu senhor, não tive a intenção de preocupá-los. Eu apenas me afastei um pouco para meditar. 

— Por favor Radha, não me chame de senhor. Nós temos quase a mesma idade. 

Anik caminhou em minha direção e sentou-se no chão ao meu lado. 

— Não é uma questão de idade senhor Anik. Eu o chamo assim por respeito. O senhor é o patrão, eu sou a serva. Devemos deixar nossas posições bem claras. 

— Concordo que nossas posições e intenções devem ser claras. Você serve na casa de minha tia, mas é muito mais do que uma serva. Você é especial, é inteligente, linda. Desde que eu te conheci, não consigo pensar em mais nada. Nada mais tem graça ou importância. Nem mesmo esta história maluca dos meus pais serem deuses e terem destruído um demônio de verdade. 

Eu o ouvia falar sem conseguir interrompê-lo. Eu sabia que não deveria, mas meu coração batia com força, cheio de esperanças. Anik agarrou minha mão e continuou falando, olhando nos meus olhos. 

— Sabe Radha, eu nunca me interessei por uma mulher antes. Eu nunca me apaixonei, nem sequer notei algo especial em uma mulher até conhecer você. Há algo em você, algo em seus olhos. Quando eu olho dentro deles, é como se eu pudesse enxergar minha própria alma. Eu me sinto diferente, poderoso quando estou perto de você. E eu não quero mais ficar longe Radha. Eu acho que estou apaixonado por você. 

Anik me olhou nos olhos e eu não pude dizer nada. Eu sabia que precisava ser forte e me afastar. Mas naquele momento, eu não pude. Anik tocou meu rosto e segurou meu queixo, aproximando-se de mim. Ele ergueu meu rosto e nossos olhos se encontraram. Estávamos tão próximos, que nossas respirações  confundiam-se. Meu coração tamborilava descompassado. Eu quase podia ouvir o coração de Anik. Não consegui desviar meus olhos dos dele. Então, seus lábios tocaram os meus. 

Foram apenas alguns segundos, mas eu senti todo o meu ser se transformar. Era como se eu tivesse me desligado de tudo ao redor e entrado em um estado de profunda paz. Nem mesmo meditando eu tinha alcançado aquele estado.

Anik afastou nossos lábios e sorriu para mim. Então eu me dei conta de que aquilo era errado. Eu me levantei rápido e corri de volta para o acampamento, ouvindo Anik chamar por mim. 

Cheguei ao acampamento e deparei-me com o senhor Dirhen me encarando com a testa franzida. Em seguida, Anik chegou ofegante e seu pai virou-se para ele, encarando-o de forma interrogativa.

 

 

 

 


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