Adele escrita por Camélia Bardon


Capítulo 10
IX. Despedidas e palpites


Notas iniciais do capítulo

Hello, hello ~(I don’t know why you say goodbye, I say hello)~
Tudo bem com vocês? Espero que sim ♥
Hoje o capítulo é um pouquinho maior que o de costume, mas é para compensar o desânimo do anterior. Escrevi esse aqui mais animada que criança com doce HEHEHEH espero que gostem ♥



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Após o baile, pedi a Remy que entregasse a carta ao sr. Banks, que pedi ao universo para ser entregue o mais breve possível. Escrevi uma extra, para a Abadessa Josephine, comunicando minha partida e de meu acompanhante dentro de poucos dias. A resposta de Harvey chegou dentro de uma semana, onde ele dizia:

 

“Cara Adele,

Nossa viagem está programada para dia 20, às 9h45. Esteja na Catedral com ao menos dez minutos de antecedência, se assim for possível. Tomaremos o trem até Avignon. Quanto às suas anotações sobre o evento, darei meus palpites pessoalmente, para que não haja interceptações destas palavras. Creio que a senhorita entenderá a cautela; não quero causar trabalho a mim ou a vós. Ademais, até mais ver, my dear.

H.B.”

 

Eu teria de perguntar o significado de my dear depois, mas presumia que fosse algo respeitoso.

De qualquer maneira, recebi meu salário e pus-me a arrumar minhas malas. Não que eu tivesse muitos pertences – apenas uma dezena de vestidos velhos, entretanto, ainda eram meu bem mais precioso – junto a Um Conto de Natal, que prometi a Thierry ler na viagem. Sienna emprestara-me um de seus casacos pesados para o frio cortante de Avignon e, como de costume, minhas botas de cano alto fizeram-se presentes.

Comecei a descer as escadas de serviço para o andar térreo, mas no meio delas fui interceptada por Thierry. Tive um pequeno sobressalto, mas suspirei aliviada ao ver uma figura acolhedora.

— Deixe-me levar sua mala até lá embaixo, Adele — sorriu ele, gentil. E então baixou o tom de voz: — Eu sei que não está pesada, mas ser um gentleman nunca é demais, certo?

— Obrigada, senhor. Sinto-me lisonjeada.

— E deveria mesmo. Sentiremos sua falta, como de costume.

Corei com o elogio, e meu instinto foi desviar o olhar para a mala. Mas, ao mesmo tempo, repreendi-me pelos pensamentos inadequados.

— Espero que Marie-Louise seja uma boa substituta — Marie-Louise era uma garota que frequentava a Catedral de Montpellier junto à família Chevalier. Recomendei-a como empregada substituta em minha ausência, pois sempre me tratara com gentileza no tempo em que passáramos juntas quando eu residia com as freiras. Era apenas três anos mais nova do que eu, mas sua energia era inegável.

— Nunca ninguém substituirá a vós, Adele. Não diga sandices.

— O senhor compreendeu o que quis dizer — ofereci a ele um meio sorriso. — Deixei todas as camisas, calças e vestidos bem lavados e passados, não deem trabalho para a menina.

Oui, madame — Thierry fez uma mesura, de brincadeira, que me arrancou uma risada boa.

Descemos as escadas e a cena que vi foi uma das mais adoráveis que estes olhos já tiveram o prazer de contemplar. Todos os integrantes da Casa Chevalier – com exceção de lorde Victor, mas não que ele fizesse diferença em minha vida – estavam posicionados em fila indiana por ordem de tamanho. Thierry juntou-se a eles, sendo assim inicialmente os gêmeos, Thierry, Remy, lady Anneliese e Sienna, Lilian e, por fim, Melina. Meu coração não se conteve de alegria, porquanto que senti meus olhos marejarem.

— Ora, algum dia desses vocês me matarão do coração — eu disse, com a voz embargada.

Bertoli foi o primeiro a me puxar para um abraço. Ettore o complementou com tapinhas amigáveis nas costas que, devido à sua força bruta, doeram um pouco. Soltei um riso amarelo e me desvencilhei de seus braços.

Adieu, bambina — Bertoli tomou minhas mãos delicadamente.

— Viaje bem, criança — Ettore finalizou. — E volte viva.

Fiz uma mesura, acenando com a cabeça. Voltei-me para o segundo integrante da fileira, que me encarava com um sorriso de orelha a orelha. Ele tomou minhas mãos e depositou nelas um beijo delicado, um movimento que procurei guardar para sempre em minha memória.

— Sentiremos sua falta, Adele. A Casa Chevalier será um lugar frio e sem assobios sem vosmecê.

Gargalhei com o comentário, junto a todos os outros. Devolvi o sorriso, embora triste de fazê-lo.

Quanto a Remy, ele agitou a mão como quem diz “deixe estar”, pois ainda nos despediríamos. Até ele concordava que era muito sentimentalismo para um intervalo tão curto de tempo. Passei para lady Anneliese e Sienna, que mantinham sua postura para comigo de mãe e irmã. Abraçaram-me de maneira calorosa e senti lágrimas esquentarem meus ombros mesmo no frio de dezembro.

— Thierry tem razão — Sienna fungou, ainda encostada em meu ombro. — Amamos você, minha querida irmã. Graças aos céus passamos o Natal aqui, pois eu não suportaria ir para Montpellier ou até para Paris com este desastre de cabelo. Três semanas é tanto tempo!

— Pelo contrário, Sienna — sua mãe a interceptou, fazendo-a dar um passo para trás e desvencilhar-se de meu ombro. — Por mim, eu daria a Adele um ano inteiro de folga por merecimento, mas só Deus sabe o quanto ela é útil para nós. Marie-Louise é eficiente, mas não é Adele. Um punhado de francos por ano é deveras insuficiente.

— Sinto-me lisonjeada, senhora. Mas bem sabes que, para uma camareira, apenas este amor fraternal já me basta. Já é bem mais do que mereço.

— Adele está certa — completou Lilian. — As camareiras parisienses não são felizes assim. É uma família feliz... em demasia.

 — Felicidade certamente é uma emoção que deixa a desejar para vosmecê, Lilian — Sienna provocou a amiga, e tanto Lilian quanto Thierry reviraram os olhos em resposta.

Sorri largamente em resposta, quase perdendo a compostura para abraçar Melina. Ambas éramos de baixa estatura, então apenas encostamo-nos uma na outra num abraço desajeitado e muito amoroso. Melina emitiu um gritinho e me analisou de cima a baixo.

— Eu me lembro da senhorita chegando aqui, tão pequenina. Olhe só para a mulher que está se tornando, e ainda lendo e escrevendo! — ela disse em seu típico tom maternal. E em breve ajudarei um inventor britânico, acrescentei mentalmente. — Esses meus olhos velhos têm o prazer de contemplar tanta alegria!

— Ora, Melina, sou apenas eu.

— Está enganada, Adele. Esta é toda você. Faça uma boa viagem, minha querida.

Corei com o elogio e não tardei a sorrir feito uma abelhinha exultante com um punhado de pólen. Dei uma última olhadela naquela fileira de afeição e cumprimentei a todos com um breve aceno de mão – qualquer outra coisa me faria cair em histeria e eu não sairia mais de lá. Remy ofereceu-me o braço e tomou a mala de minhas mãos. Suspirei e pensei naquilo por todo caminho até o centro de Montpellier.

Eu com certeza seria demitida. Por qual outro motivo teriam me recepcionado de tal maneira?

Ao descer da carruagem, Remy notou meu descontentamento, porquanto que colocou a mão em meu ombro em suporte e abriu um meio sorriso.

— Espero que esta viagem anime seus ânimos, minha querida Adele.

— Assim também espero, Remy. Estou com um mau pressentimento... consegue pensar que, dentro de poucos dias, estaremos no ano de 1890? E, em mais dez anos, no próximo século?

— Eu penso... que a senhorita pensa demais — riu ele. — Mas tens razão. Os tempos são outros, em breve meus cabelos estarão grisalhos e estarei tão sem utilidade quanto ceroulas.

— Não diga tais coisas, Remy. Mesmo aos 80 anos continuará galante como és.

Em resposta, Remy piscou um olho para mim e entregou-me a mala, acenando com a cabeça;

— Vais viajar com aquele seu... amigo?

— Sim, Remy. Ambos conhecemos a Abadessa Josephine e passaremos o Natal junto às freiras. Sem margem para seus pensamentos maliciosos, seu libertino. Vosmecê deveria agradecer uma suposta dama indefesa não viajará sozinha.

— Não és uma dama indefesa — ele franziu a testa.

— Decerto que não. Bobeie e eu o derrubo.

Remy gargalhou e enfim permitiu que eu seguisse meu caminho até a Catedral. Despedimo-nos com um aceno de mão ao longe. Sorri e inspirei fundo, observando a carruagem partir pelas ruas frias da cidade.

Desta vez, Harvey não foi difícil de ser notado. Sentado ao pé das escadas da Catedral, trajava um sobretudo vermelho-vinho em sobreposição a uma camisa de cor creme com listras amarelas, calças no mesmo tom do paletó e uma gravata azul com nó torto. Os cabelos, ondulados e bagunçados. Aproximando-me, reprimi um riso. Ao me ver, ele soltou um bocejo e levantou-se.

— Bom dia, senhorita — entoou ele.

— Bom dia, sr. Banks — repliquei, num gracejo. — Não teve boa noite de sono, suponho?

— Não. Esta é uma história engraçada, aliás — e então ele tomou a mala de minhas mãos sem aviso prévio e ofereceu-me o braço, que aceitei surpresa. Prosseguimos andando. — Desculpe-me, são os costumes britânicos. Onde estava? Ah, sim. A governanta da casa onde estou hospedado em Bordeaux disse-me há poucos dias que traria uma família de galinhas para as festas de final de ano. Com isto, pensei que nossos novos amigos viriam por volta do dia 23 ou, no mais tardar, no dia 24. No entanto, os galos deram-me bom-dia às três e cinquenta do dia 20. Dois galos adultos cocoricando e todos os sons retumbando em um eco horrível.

— Ah, céus — ri, com respeito. — Podes tirar um cochilo em Avignon, se for de seu agrado, senhor.

— Eu irei, de fato. Devo estar com a aparência de um personagem saído de um conto de Mary Shelley, estou certo?

Franzi a testa, fingindo ter entendido, mas assenti com a cabeça.

Enquanto esperávamos o trem que nos levaria até Avignon, alternei entre ouvi-lo tagarelar acerca das coisas que mais gostava na França, as invenções na Academia Real, resmungos em sua língua original, perguntas no meio de frases aleatórias – “... e foi então que eu perdi meus livros na chuva, e por falar nisso, trouxestes seu exemplar do Princípio Elétrico?” – e esperanças para o futuro.

Concluí que o sr. Banks era uma pessoa sozinha e, portanto, na primeira oportunidade de conversa, despejava todos os assuntos inculcados em sua cabeça criativa. Eu devia admitir que era adorável que qualquer forma orgânica de vida pudesse se expressar da maneira como bem entendesse, principalmente um inventor.

Quando o trem chegou, e ao nos aprumarmos lado a lado no vagão para a viagem, Harvey permaneceu quieto. Enquanto eu o relembrava do baile e de minhas impressões, o máximo de sons que emitia eram grunhidos em concordância.

— Então, recapitulando, suas maiores suspeitas são a falta de pudor da senhorita Moreau e as conversas limitadas do senhor Chevalier. Ambos sabemos que uma provável gravidez está fora de questão.

— Ou poderia tratar-se de um aborto espontâneo — sugeri. — Da parte de outro homem.

— Também é uma possibilidade — e então Harvey tirou um bloco de notas do bolso do sobretudo e um lápis de marceneiro. Achei graça, mas nada falei. Virou a primeira folha já anotada e apoiou-o no colo para escrever. — Vejamos, quais os motivos mais escandalosos para uma pessoa unir-se em laço matrimonial a outra, fora a gravidez?

Ponderei em todas as possibilidades que passaram pelos meus pensamentos.

— O motivo mais trivial é interesses em comum da parte das famílias, como por exemplo, a manutenção dos bens já adquiridos — Harvey começou.

— Pouco provável. Apenas a família de Thierry possui títulos de nobreza, Lilian seria a maior beneficiada.

— Certo — e então ele descartou outra opção. — Escândalos na família?

— Novamente, se houverem, seriam por parte de Lilian. Thierry é introspectivo.

— E retornariam à gravidez... senhorita Adele, eu não sei quanto à senhorita, mas eu não consigo pensar em mais nada, com exceção da fome a qual me encontro.

Assenti com a cabeça e sorri com o seu comentário. Abri os botões do casaco emprestado por Sienna e retirei de lá algo que fez os olhos de Harvey arregalarem-se: um simples sanduíche de geleia de framboesa enrolado numa trouxa de pano.

— Acaso a senhorita é um anjo enviado do Soberano?

— Abadessa Josephine diria que tal comentário é uma blasfêmia, sr. Banks — e entreguei-lhe o sanduíche, o qual ele repartiu pela metade. Provou um pedaço e soltou um gemido de aprovação.

— Pois então que haja blasfêmia da blasfêmia, isso está divino — comentou ele com a boca cheia. — Ah! E quanto à P.A, reuni nomes dentro dos arredores de Montpellier que podem ter relações com a família Chevalier e, especialmente, o senhor Thierry. Infelizmente, não possuo detalhes das profissões ou atribuições de todos os que nela constam.

Harvey voltou a primeira folha e entregou o bloco de notas a mim. Analisei os nomes, mesmo decidida a tomar partido após a viagem.

 

Paulette d’Ahern

Penelope Armstrong, cantora lírica americana

Pierre-August Belhandouz, nobre

Pierre-August Cresson

Porthos Anton, poeta

 

— Sr. Banks? — perguntei, tendo finalizado a lista.

— Sim, senhorita Adele?

— Muito obrigada pela ajuda — falei em tom bem baixo, decerto que envergonhada. — Sei que era e é parte do acordo, contudo, seu empenho deixou-me... deveras grata, para não dizer exultante. E não perguntarei como chegou a estes nomes, sim?

Harvey sorriu, e notei covinhas abrindo-se junto com o sorriso.

 — Um mágico nunca revela seus truques, madame. Ainda mais se esse mágico for inglês.

— É claro. E, permita-me perguntar, o que significa my dear? — indaguei, pronunciando algo como mo dere. E, como já esperava, a pergunta fez com que ele risse.

My dear significa minha cara, ou, minha querida.

Assenti com a cabeça, virando-a para encarar seus olhos azuis, tão diferentes dos meus, castanhos. Ergui uma sobrancelha e um sorriso maroto.

— Neste caso, obrigada duas vezes, senhor.

O inventor recostou-se na cadeira, apertando o casaco de frio contra si.

— É um prazer ajudá-la, milady.


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Notas finais do capítulo

Já temos até nomes agora, eita... o negócio tá sério mesmo. Palpites?
Só para conhecimento prévio, alguém shippa? Porque eu shippo -q
Comentem aqui o que acharam e se há algo que precise ser melhorado ♥ E obrigada pelo carinho, até o próximo!