Lance não está bem. Esse pensamento estava rodando pela cabeça de Keith desde que o viu pela primeira vez naquele dia, e não tinha ido embora desde então. Lance era uma pessoa complicada de ler, pois, além das diferenças serem sutis, o paladino tinha o hábito de bloquear seus reais sentimentos. Mas, depois de algum tempo de observação, Keith tinha aprendido a lê-lo: quando estava alegre, fazia piadas com frequência; quando estava nervoso, falava um tanto mais alto que o normal. Já quando estava triste, fazia piadas — a intenção era esconder o que sentia, mas ele não conseguia fazê-lo, já que não era capaz de esconder o vazio em seus olhos.

Quando Keith percebia que Lance estava triste, não conseguia impedir a si mesmo de ficar triste também. E era isso que estava acontecendo naquele momento.

Allura tinha achado melhor dividir a equipe naquela missão, e Keith tinha acabado numa missão solo com Lance (ele contestaria, mas tinha aprendido com a Espada da Marmora que o mais importante era a missão, e ele e Lance trabalhavam bem juntos). A missão consistia em copiar toda a informação contida no sistema da base militar galra que eles invadiriam.

— Você tem alguma ideia do que faremos quando o túnel e o tubo de ventilação acabarem e chegarmos até a sala? — perguntou Keith, numa tentativa de quebrar o silêncio.

— Antes de sair do tubo, precisamos ver quantas pessoas estão na sala, para pensarmos em um plano depois. — respondeu Lance, sério e sem olhar para Keith nem mesmo por um momento.

— Certo. — Keith respondeu, suspirando. Aquilo seria difícil, e ele realmente esperava que não fizesse nenhuma besteira.

[...]

Alguns minutos depois, Keith e Lance chegaram ao final do túnel e do tubo, e observavam a sala pelos pequenos buracos que lhes permitiam ver o outro lado.

— Três pessoas. — Keith comentou, apesar de saber que Lance estava vendo a mesma coisa que ele.

— Você acha que nós dois conseguimos cuidar deles? — Lance perguntou, e Keith sorriu, enquanto assentia positivamente com a cabeça.

Os dois saíram do tubo de ventilação, ligado ao túnel pelo qual entraram, e em pouco mais de um minuto já tinham deixado todos os três soldados galra no cômodo inconscientes.

Keith levou os corpos desacordados para um canto da sala, enquanto Lance tentava acessar os dados do computador. Não tinha soltado nenhum comentário ou piada, nem mesmo havia deixado escapar um sorriso. Foi quando notou isso que Keith decidiu que deveria questionar Lance o quanto antes.

— Essa sala é debaixo do solo, então não temos sinal aqui. Vamos precisar sair daqui sozinhos, já que não podemos contatar os outros. — Lance observou, e Keith não se importou em responder.

— Lance. — Keith chamou, se aproximando do paladino. — Você está… hm… diferente hoje. O que aconteceu?

— Não precisa se preocu-

— E não minta pra mim. — interrompeu Keith.

Naquele momento, Keith e Lance olhavam dentro dos olhos um do outro, já que Lance havia se virado após a pergunta de Keith. Lance respirou fundo e quebrou o contato visual, encarando os próprios pés.

— Você. — Lance finalmente disse. — Desde que você voltou, você está… diferente. Eu não sei explicar, é que… eu me sinto de fora. Allura, Pidge, Hunk, Shiro, até Matt, todos parecem se dar bem e eu… ali. Eu só tinha você. E foi quando você foi embora. Eu achei que, quando você voltasse, iria melhorar mas… você está diferente. E agora eu não me sinto mais parte do time. — Lance continuava encarando os próprios pés, enquanto Keith o observava. — Se é que eu já me senti parte do time algum dia. — Lance adicionou, em tom baixo, sem parecer querer que Keith o ouvisse. Ele ouviu.

Um passo em direção a Lance, que não notou.

Dois passos. Agora ele notou, vendo os pés de Keith se aproximando dos seus próprios. Seu olhar agora está fixo no rosto de Keith novamente, mesmo que um tanto hesitante.

Três passos. Lance agora poderia tocar seu rosto, se quisesse.

— Lance. — Keith disse, quando parou de andar. Parecia um chamado, mas não era. A atenção de Lance já lhe pertencia. Talvez apenas gostasse de pronunciar o nome de Lance. — Você não pode se sentir fora do time. Sabe o porquê? — Lance assentiu negativamente. Os olhos ainda grudados em Keith. — Porque não existe Voltron sem você, Lance. Não é o time Voltron se você não estiver lá. — Keith desviou o olhar de Lance por alguns poucos segundos. — Não conseguiríamos estar onde estamos sem você. Eu não conseguiria estar aqui se não fosse por você.

Keith conseguiu ver os olhos de Lance brilharem por menos de um segundo. Tão rápido que ele mal tinha certeza de que havia acontecido. Até porque o vazio voltou aos olhos de Lance tão rapidamente quanto tinha cedido seu lugar ao brilho.

— Não. Não é verdade. Ninguém nem mesmo notou, Keith! Ninguém nem mesmo-

Keith não sabia o que estava fazendo. Quer dizer, sabia. Ele estava beijando Lance McClain. Antes de questionar Lance, tinha pensado constantemente na mesma coisa. Esperava não fazer nenhuma besteira.

Agora, com os lábios grudados nos de Lance e a mão na nuca do mesmo, pensava constantemente numa coisa. Espero que isso não seja besteira.

[...]

Keith ainda não sabia se tinha feito uma besteira no sentido emocional, mas definitivamente tinha sido uma besteira ter baixado a guarda com soldados galra na sala.

Lá estava um dos soldados que derrubara, consciente, apontando a arma para Lance.

— Você não vai me derrotar, paladino. — o galra trazia um sorriso irônico no rosto. — Porque, se você o fizer… eu mato o seu colega ali.

O soldado não precisava explicar. Estava bem óbvio o que estava acontecendo ali. E Keith não se lembrava de ter sentido tanto medo na vida. Lance ali, com uma arma apontada para o seu abdômen. A missão em risco, e Keith… o responsável pela decisão.

A missão ou Lance?

Keith tinha uma escolha a fazer.

E ele fez.

Contando com toda a sorte que poderia ter naquele momento, com todo o seu treinamento, com toda a sua condição física e armas disponíveis, Keith fez uma escolha.

Keith se moveu o mais rápido que conseguia, uma de suas pernas erguida, tendo um alvo.

A mão do soldado.

Em menos de um segundo, seu pé atingiu a mão do galra. Mas não tinha sido o suficiente. Keith já tinha chutado a mão do adversário, mas… a arma ainda não havia caído no chão. O gatilho já tinha sido puxado.

Keith ouviu um grito que sabia ser de Lance, e não conseguiu conter o ódio que sentia. Seus dedos apertavam a faca que antes tinha pertencido a sua mãe. E, com toda a fúria que sentia, Keith enterrou a lâmina no centro do peito do galra.

— Isso é por Lance. — Keith murmurou, entredentes, antes de retirar a faca do peito do soldado e correr em direção ao corpo inerte de Lance.

Keith colocou os braços ao redor do moreno e o ergueu do chão, começando a andar à caminho do tubo de ventilação por onde entraram. Não podia se dar ao luxo de baixar a guarda novamente.

Mas, durante todo o caminho percorrido, Keith deixou as lágrimas escorrerem, murmurando uma palavra repetidas e incontáveis vezes.

Perdoe-me.

[...]

Keith estava de pé, ao lado do corpo inconsciente de Lance. Ele estava daquela forma há horas, observando o outro paladino inerte. Durante as primeiras horas, todos ficaram ao lado de Lance, mas depois ninguém o visitava, e Keith sabia que era por causa da sua presença constante ali.

Treze horas. Lance já estava inconsciente há treze horas quando Keith estava à beira de enlouquecer. E também foi depois de treze horas que Lance piscou.

Num primeiro momento, Keith pensou ser uma ilusão; que, talvez depois de tanto tempo esperando Lance acordar, ele estivesse começando a ter alucinações. Daí… Lance piscou de novo. E de novo. Por volta de cinco vezes até seus olhos abrirem de uma vez.

Keith não conseguiu impedir: levantou-se da cadeira num salto e sentou-se na beira da cama. Os olhos de Lance não estavam muito abertos, mas, ainda assim, havia um sorriso em seu rosto.

— Você está bem?! Me perdoe, por favor, eu… eu quase arruinei sua vida para salvar a missão, e nem mesmo a missão deu certo, eu não devia ter-

Lance tirou de seu bolso um pequeno objeto e entregou a Keith, que se deu conta então do que estava acontecendo.

O objeto era um pendrive.

Keith olhou para Lance, e o sorriso deste último aumentou ainda mais.

— Nós conseguimos. Formamos um bom time, lembra? — Lance disse, e Keith não aguentaria por muito tempo. Se inclinou para frente e beijou os lábios do outro paladino. Keith pensou que nunca beijaria Lance, mas lá estava ele, fazendo aquilo pela segunda vez.

— Eu nunca esqueci.