Em minha cabeça, sempre que conto está história, se armam as barreiras.

Sei que nada de bom pode seguir do assassinato de um cachorro, traição de todos os meus amigos e ex-namorada. Sei porque senti isso na pele.

Minha casa fora assaltada, muito porque, ao sairmos, deixamos o portão da garagem aberto.

Não vivíamos em um bairro tenebroso, daqueles que toda cidade tem e repete suas histórias carregadas de preconceito. Vivíamos em um bairro comum, em uma cidade relativamente pequena, nunca corremos perigo.

Fora burrice a garagem aberta? Sim. Mas é um erro que, todos devem concordar, que um comete pelo menos uma vez na vida.

A polícia fora acionada, como se deve fazer em situações como essa, ainda que, todos devem concordar, que isso não dá em muita coisa. Fora contabilizada a perda de alguns dos nossos aparelhos eletrônicos, roupas e joias, a casa estava revirada, com alguns moveis quebrados, nada tão absurdamente irreparável assim. Não fora contabilizada a morte de Félix, que nem chegou a entrar no boletim de ocorrência.

Porque? Porque Félix era um Pit Bull. Félix era de uma das raças caninas que mais sofre preconceito. E, afim de somar perigo, era preto e com as orelhas cortadas.

“Ele é um cachorro de guarda, moça, um cachorro de luta. Esses cachorros sempre atacam pessoas estranhas, não deve ter se passado de legítima defesa”.

O soco dessa frase fora segurado pelas mãos fortes de minha mãe que segurou meus braços para trás, notando que eu formava um punho.

Félix era o cachorro mais dócil do mundo. Era o tipo de cachorro que segurava um ovo dentro da boca, sem quebrá-lo. Ele nem sequer latia para os gatos da rua ou visitas inesperadas, essas segundas que ele sempre recebia colocando algum dos seus poucos brinquedos de pelúcia no colo, em saudação.

Félix era um anjo bobão e atrapalhado. E em morte, fora pintado como um grande vingador maligno que fora morto defendendo nossa casa.

E, em justiça a ele, proclamo novamente: cachorros são bons por natureza, nós os fazemos maus. Qualquer chihuahua pode arrancar um braço se treinado para isto, qualquer Pit Bull pode ser morto ou banido em ignorância, como são, diariamente.