Pandora escrita por SobPoesia


Capítulo 2
20 de Dezembro.




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Não poderia começar a contar essa estória por Pandora, ainda que essa seja a estória de Pandora.

Seria melhor começar pelo dia que moldou meu encontro, que moldo toda a nossa relação, que acabou por definir a nossa conexão. Esse dia fora 20 de dezembro.

Era o final do ano, o final do meu último ano.

Finalmente, havia concluído o ensino médio e estava prestes a ingressar no ensino superior um pouco distante da minha antiga vida, não por opção.

Não haviam faculdades na minha pacata cidade de interior, mas havia um grande fundo monetário que estava sendo guardado desde antes do meu nascimento para esse dia. Grande parte dele fora para o aluguel de um quarto particular em uma república, uma dessas comodidades supérfluas que, segundo minha criadora, eram necessárias e fariam toda a diferença na vida futura. Era, porém, a primeira vez que eu iria morar sozinha, longe da minha tão próxima mãe.

Não estava pronta, mas não acho que alguém realmente está pronto para esse tipo de coisa. Então eu aceitei, com a condição de levar meu querido cachorro comigo, afim de não perder o rumo das coisas, de não me perder da minha casa e da minha origem. E, no final das contas, estaria me mudando junto com minha namorada e melhor amiga.

Esperava que tudo desse certo no final. E, em minha cabeça, tudo daria, até o fatídico 20 de dezembro.

Era um desses últimos dias em que as famílias ainda estavam nas cidades antes de irem viajar e encontrar os outros familiares para o Natal, coisa que eu e minha mãe nunca fizemos. Éramos apenas nós duas no mundo, e planejávamos nos manter assim, com um ou dois acréscimos de amizades extremamente próximas.

Todos que eu conhecia, porém, estavam nesses dias. Então, por segurança, a festa de despedida de todo o meu grupo de amigos já havia passado, falando os famosos "até logo" e abraçado a ideia de que seria apenas eu e minha mãe até a virada do ano.

E, esse, era um dia comum. Acordei tarde, fiz minha própria comida e arrumei a casa, passeei com Félix, tomei um banho e coloquei uma roupa inteiramente em moletom para me deitar e virar um zumbi a frente da televisão até que minha mãe chegasse do trabalho e seguíssemos para comer alguma coisa na rua.

Ela chegou com um sorriso no rosto, dizendo que queria assistir algum filme no cinema, do qual, sinceramente, não me recordo o nome. Então seguimos para qualquer que fosse o lugar meio longe de casa em que pudéssemos ver tal filme e comer algum sanduíche gorduroso. Entramos no carro, abrimos a garagem e fomos.

A viagem fora cheia de alto volume de rádio e conversas meio gritadas. Minha mãe se preocupava com a mudança iminente, enquanto eu só queria não pensar em todas as mudanças que a minha vida estava sofrendo.

Mas no final das contas, eu estava feliz, muito feliz com tudo que estava acontecendo, assustada, mas feliz. Principalmente naquele momento incrível que estava vivendo.

Eu era amada, por minha mãe, meu cachorro, minha namorada, meus amigos. Eu estava crescendo, e mesmo que não estivesse pronta, eu acreditava que daria conta.

Até chegar no shopping, em que iriamos ver o filme. E, tudo que eu conhecia por meu e por seguro começou a desabar, parte por parte, pessoa por pessoa.

Primeiro, encontramos um dos integrantes do meu grupo de amigos, que não era tão próximo assim. Ele se aproximou com um sorriso amarelo, me chamando: "Sajni". Não me pareceu suspeito ele me perguntar onde estava indo e quanto tempo ficaria ali, me fazendo seguir normalmente o meu rumo até o andar do cinema, o último do shopping.

Queria nunca ter subido naquele andar e descoberto o que descobri.

Sempre tive um vasto grupo de amigos, que criei desde o começo da minha vida educacional. Carregava comigo os de infância até o Ensino Médio. Em especial, Alice, minha melhor amiga desde que me recordo como gente - minha mãe sempre dizia que nos encontramos no hospital e nunca mais nos largamos -; e Rebeca, minha namorada, que me conheceu no jardim de infância, e me acompanhou durante toda a minha vida, até finalmente nos descobrirmos e nos apaixonarmos.

Ou era isso que eu imaginava.

Tudo acabou num subir das escadas rolante. Em que, segundo por segundo, vi todos os meus amigos juntos, se divertindo, sem mim, e o beijo que quebrou meu coração entre as duas pessoas que ele mais queria.

Meus braços e pernas começaram a tremer, a medida que reconhecia cada olhar, cada passo, cada roupa, cada risada. As mãos dadas, o cabelo loiro e o preto, o sorriso que tanto havia visto, e os lábios se tocando. Minha mãe me segurou, me fazendo grunhir seu nome baixo:

—Shila, eu quero descer, eu preciso descer.

—Nós vamos, mas primeiro precisamos subir.

Seus braços ficaram envolta dos meus e seu olhar vociferou em ataque a todos que ela havia deixado entrar em nossa casa. Eu não sabia se eles podiam me ver, mas podia sentir seus olhos surpresos com a descoberta em cima de mim.

Enfiei meu rosto entre seus cabelos negros e lisos, voltamos para casa sem olhar para trás, sem conversa, sem uma troca de olhares.

Durante toda a viagem de carro para volta eu podia sentir meu coração quente palpitando no peito, infeliz, buscando fugir por onde que fosse a saída, seja pela minha garganta ou pelo próprio peito. Reconheci as ruas, os caminhos e a proximidade com a nossa casa, finalmente, a nossa rua.

Eu poderia deitar minha cabeça no travesseiro, pedir algum sorvete a minha mãe e fingir que nada daquilo tivesse realmente acontecido, até que pudesse começar a lidar com isso tudo. Mas não tive esse privilégio.

Nossa rua era longa, cheia de casas. Chegando a cerca de duas casas antes da nossa, minha mãe para o carro, em um baque.

—Sajni deixamos a garagem aberta! Chame a polícia, esperaremos no carro.

Haviam luzes acesas em toda a casa. Era o mais seguro a fazer, e era o que eu estava prestes a fazer quando olhei para frente e prestei atenção no asfalto.

—Félix!


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