Severo Snape - O Princípio escrita por Noctem


Capítulo 1
Capítulo I - Cokeworth




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Uma chuva torrencial despencava do céu cinzento com um rumorejo aborrecido sobre os edifícios atarracados da periferia da cidade enevoada. No horizonte, uma descomunal chaminé, o único remanescente de uma antiga fábrica abandonada, testemunhava ameaçadoramente os poucos aventureiros correrem para suas casas ao tentarem escapar do dilúvio vespertino. No outro extremo de Cokeworth, na última casa da Rua da Fiação, deitado sobre um amontoado de livros surrados de magia, encontrava-se Severo Snape.

   O quarto, em condições semelhantes aos livros, era um promontório desordenado de excêntricos objetos, roupas e migalhas. Absorto em sua leitura, o garoto de pele pálida, cabelos negros e vestes díspares, mal notara no recente conflito que prorrompia no andar debaixo. Ele virou a página, observando com olhos analíticos as figuras na borda enquanto um sorriso meigo trespassava seus lábios. Um ronco selvagem estremeceu seu estômago e ele revirou os olhos, como se achasse que aquele não era o momento adequado para tais frivolidades. De má vontade, ele se levantou, caminhou até um guarda-roupa antiquado e deteriorado e de lá apanhou do bolso interno de uma bata um pão velho. Deu uma mordida rápida e descontente, mas ao pensar que amanhã estaria embarcando para Hogwarts e vivendo aventuras seu ânimo recuperou as forças.

   Recentemente, Severo partilhava de dons em comum com uma nascida trouxa que morava próxima a ele. De cabelos ruivos e olhos verde-amendoados brilhantes, Lílian Evans era a amiga mais íntima que ele poderia ter tido morando em uma bairro inteiramente não-bruxo. Seu fascínio secreto pela garota era apenas conturbado por sua irmã, Petúnia, que aparentemente era o oposto das qualidades presentes na irmã. Enquanto Lílian era extraordinariamente bondosa e educada, Petúnia cobria-se de arrogância e indecência da cabeça aos pés. Sua única aflição era que teria de esperar até os dezessete anos para azarar Petúnia, idade em que já seria maior de idade.

— Sua aberração! — um urro ecoou pela casa. — Coloque-se no seu lugar, parasita.

   Snape congelou, seus devaneios imaginários evaporando-se uniformemente enquanto o plano real se materializava à sua frente. Subitamente, ocorreu-lhe o pensamento de descer furtivamente as escadas e ver o que estava acontecendo, mas não sabia se realmente gostaria de descobrir. Sua mãe, Eileen, sempre o censurava por aparecer quando os pais estavam conversando. Mas, se o garoto seguisse corretamente essa ordem, teria de se tornar permanentemente invisível; já que os pais sempre conversavam em um tom de voz elevado seguidos de estilhaços de vidro e vez ou outra os gritos da mãe.

— E certamente aquela coisa lá em cima tem a mesma doença que você! — dessa vez o grito foi mais carregado com repugnância e irritação.

   Foi à deixa para Snape disparar em direção à porta do quarto, amaldiçoando o encontrão que deu em uma pilha de livros. Cruzando o corredor, e olhando no andar de baixo pelas hastes da escada, sob efeito da meia luz, ele discerniu uma figura esparramada sobre uma poltrona velha. De caráter rabugento e voz arrastada, ali estava seu pai, bebericando de um copo.

    Severo inclinou a cabeça, tentando ampliar seu campo de visão, mas só conseguiu enxergar o finalzinho do tapete mirrado da sala. Procurando certificar-se onde estava sua mãe, atreveu-se a descer mais alguns degraus, cauteloso, com os dois olhos atentos para a poltrona encardida. Conseguiu, sua mãe estava debruçada sob a pia, lavando algumas louças. Então, tudo desabou.

— O que você está fazendo aqui embaixo? — interpelou uma voz áspera e alcoolizada. — Eu já não disse para você parar de bisbilhotar, seu monstrinho bizarro!

   Sua mãe se virou assustada, como se a ofensa tivesse sido dirigida para ela. Seu rosto pálido foi iluminado pela cálida luz, revelando um hematoma roxo-berrante abaixo dos olhos. Snape assimilou a situação, virou-se lentamente para encarar o pai concedendo-lhe seu olhar mais obstinado. Os olhos negros cintilando como uma fogueira noturna crepitando indomável.

O homem saltou para traz, massageando o peito como se tivesse sido atingido por uma flecha.

— Sua deformidade, vou ensinar você a não usar esses truques sujos. — e sem aviso, com um movimento brusco, arremessou o copo; que para Snape parecia mais um borrão indistinto prestes a colidir com seu rosto.

   Preparou-se para o impacto com uma careta de atrevimento, mas após alguns segundos, em que ele calculou que já deveria ter sido atingido abriu os olhos. O copo flutuava no ar de forma instável, ora mais em cima ora em baixo, como se até o próprio objeto inanimado zombasse do pai. 

— Infeliz — cuspiu mordaz, com o rosto rubro de cólera —, seu desgraçado infeliz! — E avançou para as escadas, pisando firme e imponente.

— O meu filho, não, Tobias! — exclamou uma voz suave, mas resoluta. Do outro lado do cômodo, Eileen erguia-se em palidez exagero com varinha em riste.

   Tobias girou nos calcanhares, subitamente parecendo uma fera selvagem que acaba de ser enganada por algum truque infantil. Não demorou muito, e seu nariz adunco detectou a varinha focalizando seu peito como advertência. Ele bufou gravemente, apanhou a garrafa de uísque e mirou um pontapé na poltrona que tombou com um baque seco erguendo poeira.

— Eu termino com você depois — chiou ele, enquanto atravessava a sala e saia para a tempestade lá fora.

   A determinação de Eileen alcançou seu limite, sob os olhos de Severo ela vacilou começando a tremer deliberadamente, e então as lágrimas vieram. Perplexo, o garoto correu em seu encalço, abraçando a mãe que já escorregava rente a parede.

— Não deveria ter feito aquilo — sussurrou ela, as palavras pouco discerníveis entre o pranto. — Não, não deveria.

— Mãe, você é uma bruxa! — exclamou Severo, abismado com o comentário. — É sua natureza!

      A bruxa olhou para baixo, em seus olhos, o rosto aquilo, o nariz sinuoso e os olhos negros assim como os cabelos do filho ganharam ênfase. Eles se contemplaram por alguns instantes, então, se recuperando e sorrindo de forma enviesada ela afagou os cabelos de Snape.

— Amanhã você vai para Hogwarts!


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