Capuz Vermelho Especiais escrita por L R Rodrigues


Capítulo 3
Deuses e Monstros (Parte 3)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Enquanto Áker tornara-se vítima de uma reviravolta, ficando incapacitado em seguir com a mesma direção de seu plano, e Hector se entregava de corpo e alma à proposta ofertada por Abamanu... Rosie e Mihos pareciam se encontrar no limiar de um confronto que, em decorrência das circunstâncias, demonstrava ser pouco provável.

— Acha que tenho medo desse alfinete? - perguntou Mihos, olhando com deboche para a lâmina dourada portada por Rosie.

— Não estou para brincadeiras! - ditou Rosie, posicionando-se para atacar ou se defender caso o herdeiro de Yuga investisse imprevisivelmente. - Teve sorte da primeira vez. Era só uma adaga comum. Duvido que consiga infligir o mesmo golpe com essa.

— Vamos lá, Rosie... Está ficando ridículo. - disse Mihos, exibindo tédio na face ao andar dois passos à frente. - Não precisa ser assim. Nós dois sabemos disso. Você, melhor do que eu, deveria muito mais. - fez uma pausa, aparentando subestimar o teor de ameaça da jovem. - Não tem a menor graça continuarmos com isso se as chances de acontecer são... escassas.

— Do que está falando? - perguntou Rosie, parecendo não estar muito atenta às palavras do deus.

—  Não é óbvio? - perguntou ele, olhando para a área ao redor rachar-se gradualmente. - Posso imaginar como se sente ao ver que perdeu a oportunidade de escapar com vida. A questão é: Está disposta a pagar o preço por essa escolha? De minha parte, julgaria como um erro.

Rosie manteve-se irredutível, passando a ignorar os estalidos provocados pelo concreto rachando-se.

— Não me importo. - disse ela, sem medo, o tom frio. - Você ter vindo até aqui... me fez lembrar que eu tinha um objetivo que não havia considerado antes. É tão sádico e cruel quanto a sua mãe...

— Sim, isso é a mais pura verdade, - disse Mihos, sério ao cortar a frase da jovem. - Mas o que está querendo provar? O que a convence de que pode me matar com tanta facilidade? Não quero pressiona-la, mas... Posso garantir à você que meu pai não é alguém disposto o bastante a manter a palavra. Se as coisas mudam... os planos também vão mudar.

— Pouco me interessa... - disse Rosie, enfurecida, sem intenção de largar a lâmina dourada - ... os ideias do seu pai... ou a sua tentativa de me atrasar...

— Atrasa-la?! - soltou Mihos, franzindo o cenho, tornando a andar vagarosamente em direção à ela. - O lugar inteiro logo mais vai virar um amontoado de escombros. Nos encontramos por acaso. Além do mais, sua raiva por mim é desnecessária. - ganhou proximidade suficiente para acalma-la. - Então, agora, não deve temer minhas ações. Eu só não posso contrariar minha natureza. Nem ceder ao pedido de um mortal. Não porque eu não queira... Mas porque fui designado, desde o início, a agir conforme as regras ditam. De acordo com o que natureza me instiga a fazer. E se eu tiver que inibir meu desejo... não será pelo pedido de um mortal pacifista... será por redenção. - declarou ele, tocando com delicadeza na mão direita de Rosie, fazendo-a calmamente baixar a lâmina.

Rosie, por outro lado, balançara a cabeça em negação ao mesmo tempo em que derramava uma lágrima.

— Foi por confiar demais que eu me coloquei em situações perigosas. Não sei... não sei se devo me permitir a agir assim com um ser acima de mim... - disse ela, indecisa.

— Agora pode. - disse Mihos, olhando-a com menos fervorosidade. - Já tomei minha decisão. Só acho uma pena... as coisas terminarem dessa forma. - afirmou, logo em seguida, de modo inesperado, pondo dois dedos de sua mão direita na testa de Rosie, fazendo-a, em poucos segundos, perder a consciência e cair no piso de concreto desgastado. A lâmina dourada tilintou ao também cair no mesmo instante.

Ao virar as costas para a jovem desacordada, Mihos olhou para cima, respirando fundo.

— Obrigado, Rosie Campbell. Eis o seu castigo por arruinar minha temporada de férias neste mundo. - disse ele, estranhamente aparentando mais estar grato ao invés de frustrado. - Foi até divertido. - falou, dando de ombros e, em seguida, emanando uma luz amarelada que parecia sair de sua boca aberta e de seus olhos.

A refulgente luminosidade preenchera o local, ofuscando Rosie caída sobre o chão, seguida de um som extremamente agudo.

Mihos fizera a escolha que julgou mais segura para sua situação àquela altura, prevendo consequências que o afetariam diretamente. Restou-lhe antecipa-las, como única alternativa menos arriscada. Lidar com Yuga ao ser detido por Áker certamente lhe causaria mais reveses que prolongariam sua abstinência auto-imposta - algo que estava fora do seguimento teórico do plano. Não por negação à sua essência puramente assassina e carnal, mas sim por expiação.

Decerto haviam penitências não-cumpridas.

O corpo do caçador que servira de receptáculo ao herdeiro do império caíra duro feito uma rocha, ao lado do corpo de Rosie, ao passo em que a intensa luz desfizera-se rapidamente em segundos.

A partir daquele momento, escombros maiores do teto começavam a ceder mais rápido, alguns chegando a quase atingir ambos.

Faltavam, precisamente, 5 minutos para a detonação dos explosivos implantados por toda a fábrica.

                                                                                            ***

As derradeiras energias de Áker esvaíam-se a cada soco desferido contra o rosto de seu receptáculo, pelo qual brotavam feridas sangrentas e inchaços graves.

Sekhmet infligia dor contra seu subordinado dando vários e consecutivos cruzados de esquerda e direita, usufruindo com um altivo proveito da vantagem proporcionada pela armadilha previamente colocada, tomando certo cuidado para que tamanha empolgação em torturar o arauto não a fizesse tocar seus pés acidentalmente no círculo luminoso.

— Não faz ideia do quanto estou saboreando esse momento, do quanto eu esperei para que se concretizasse. - disse a deusa, cessando a sequência de murros e agarrando a gola do terno preto que a casca do arauto vestia. Áker mal exprimia um balbucio tamanha era a gravidade das feridas inchadas e sangrando. - Eu prometi à você... que sentiria a pior dor em toda a sua existência patética, o suficiente para se lembrar dela toda vez que ouvir meu nome ou estar diante de mim. - fez uma pausa, dançando seus dedos da mão esquerda pelas feridas no rosto do subjugado. - O que o auto-proclamado protetor de Rosie Campbell fará agora? Além de se render?

Áker gemia, mantendo apenas um olho aberto e parecendo trincar os dentes em fúria pela humilhação sofrida.

— Vamos... fale. - disse ela, sorrindo com cinismo. - Diga-me suas últimas palavras, serviçal.

— É... - dizia o arauto, com séria dificuldade. - É ousada... o bastante... para me deixar morrer... aqui... sem nem mesmo ser... - tossira fortemente gotículas de sangue. - ... ser denunciada... por meus seguidores? Escapar impune... Nunca!

A deusa empertigara-se e socara-o novamente com a mão direita. Sem muitas forças para resistir mais do que exigia de si mesmo, Áker deixou o impulso do golpe virar seu rosto para o lado como se não lhe restasse mais nenhuma forma de responder com menos fraqueza.

— Desrespeito ao superior é passível de punição. - argumentou a deusa, aborrecida.

— Eu apenas... - Áker esforçava-se para falar - ... sou designado... a acatar as ordens somente de meu soberano. Aquele que me confiou... sua lealdade eterna. Temos um vínculo recíproco. O qual você... jamais... - trincara os dentes novamente - ... jamais irá desfrutar com vivacidade.

Sekhmet permaneceu bufando em cólera por vários segundos, pensando em fulminar aquele receptáculo com sua rajada óptica. Teve de admitir que o ataque-surpresa do arauto suprimiu boa parte de sua resistência física, embora todas as camadas teciduais fossem reconstituídas.

— Chega. - decretou ela, com frieza no tom. - No fim das contas, mata-lo realmente me causaria problemas. De fato, havia me esquecido da sua corja de insurgentes. De qualquer forma, não serão obstáculos problemáticos caso resolvam seguir com medidas suicidas. Uma delas é seguir meus passos. - dera uma última olhada desdenhosa para Áker e, em seguida, andara adiante, passando por ele. - Repasse este aviso à eles. - erguera a mão direita, estalando os dedos enquanto andava tranquilamente. O sigilo desaparecera no mesmo instante, fazendo o arauto cair exausto no chão. - Você não vale nem o esforço. - dissera, passando a andar com mais rapidez pela floresta.

Enquanto isso, Áker, tomando as devidas medidas preventivas, tirara de um bolso do smoking, mesmo estando combalido e machucado, um amuleto para se comunicar com algum dos seus aliados. O pusera na palma da mão esquerda, esforçando-se ao máximo para proferir a urgente mensagem.

Como sinal, o objeto, felizmente, brilhara, embora a visão turva de Áker não percebesse.

— Não sei... se estão me ouvindo... mas preciso que pelo menos três de vocês venham... Eu fracassei, não chegarei a tempo. Então... desejo sorte à todos vocês. Sekhmet não pode ser impedida, por ora. - a inconsciência repentina o acometera, fazendo-o largar o amuleto, sem saber se o aviso foi ou não transmitido.

                                                                                     ***

Um vulto caminhava sorrateiramente dentre as folhagens e galhos, em uma calculada observância à um alvo determinado... que parara inesperadamente de andar, permanecendo de costas e em silêncio por vários segundos.

Por fim, a "sombra" manifestou-se, sem conseguir esperar mais tempo, saindo de sua moita ao se revelar para o inimigo visualizado.

— Hector Crannon. - disse um homem com uma voz macabra, vestindo um macacão de couro preto e usando uma espécie de capacete de mesma cor com dois olhos vermelhos. - Fique exatamente onde está, se ainda quiser permanecer vivo nos próximos 5 minutos. - salientou, ameaçadoramente. - Estou aqui para arrancar de você o que roubou daquelas pessoas que, para você, não passavam de mais uma refeição qualquer do dia.

Alguns segundos depois, o caçador, mantendo-se de costas, tivera uma leve crise de risos com teor infame. Vislumbrando os ombros de seu inimigo tremerem e perceber ares de riso, o tal assassino fez surgir duas lâminas médias, pontiagudas e resistente de seus braceletes cinzas.

— Vire-se. - ordenou com severidade. - E verei se ainda vai manter o sorriso que está escondendo.

— Vocês, mortais, são incríveis. - disse ele, rindo mais uma vez em seguida. - Sei quem você é. As memórias de Hector não deixam mentir. Obviamente, me seguiu até aqui para buscar a sua... - franziu o cenho, mantendo o cínico sorriso. -... tão sonhada vingança.

— Eu disse... para se virar! - insistiu o assassino, dando um passo à frente, as lâminas brilhando rapidamente graças ao forte sol da manhã.

— Eu compreendo, Edgar, sua raiva, seu rancor, a sua dor... - disse Abamanu, notando que o algoz do caçador ia se aproximando. - Pelo menos é o que Hector está me permitindo dizer. Eu, particularmente, pouco me importo.

— Você ficou insano? - indagou Edgar, entortando a cabeça de leve. - O que está tentando provar falando na terceira pessoa, seu idiota?

— Não tolero petulâncias, ainda mais vindas de um reles disfarce de carne. - apontou Abamanu, sentindo-se desconfortável com a rispidez. Olhou-o por cima do ombro. - Mas Hector está me pedindo para ser misericordioso com você mesmo tendo em vista a ameaça que você representa.

Edgar balançava a cabeça em negação, parecendo confuso.

— Mas... O que está havendo aqui? Não entendo...

— É claro que não. - disse o deus lunar, olhando-o com frieza. Dera um sorriso sacana. - Hector se foi.

— O.. o quê!? - indagou Edgar, recuando lentamente. - Não vejo, não sinto medo algum na sua face... O que fez... O que fez com Hector? Certamente... você não é ele! O que você é? Um fantasma possessor? Um demônio?

— Não acha que deveria ter estranhado eu ter dito seu nome assim que você declarou sua ordem? - perguntou Abamanu.

— Não importa! - bradou Edgar.

— Sei o que se tornou, Edgar. Hector sofre igualmente desse mal. - disse o deus, permanecendo a olha-lo daquela forma. - E, além disso, tenho plena certeza que seus atos são justificáveis. Honestamente, é uma pena.

— O que é uma pena? - perguntou ele, o tom mais ameno.

— Seria um desperdício. - disse Abamanu, voltando-se a olhar para as árvores com uma visão entediada. - Por um momento, imaginei você dentro do meu vasto panteão de subordinados.

— Do que se trata? - perguntou Edgar, fazendo as espadas recolherem-se nos braceletes. - Mas você ainda nem me disse seu nome. Se se apoderou do corpo de Hector, significa que é um inimigo.

— Muito pelo contrário. - disparou o deus, querendo rir novamente. - Somos almas gêmeas.

Edgar retraíra-se por um momento, refletindo sobre aquela declaração.

— Não pode ser... Então, nada feito. - decidiu Edgar. - É inútil querer me forçar a trabalhar com alguém que se diz a favor do meu inimigo! Mas olhando mais a fundo, você me tirou uma oportunidade única! Você pode ir se ferrar!

— Você primeiro. - disse Abamanu, logo erguendo a mão direita e estalando os dedos, efetuando a morte de Edgar cujo corpo explodira em vários pedaços instantaneamente. Sorrira, fechando os olhos e se deliciando por finalmente estar em um receptáculo apropriado. Retomara a caminhada, deixando o amontoado de sangue esparramado e carne partida para trás.

                                                                                      ***

Sekhmet tivera sua andança pela floresta interrompida ao ouvir um estrondo abafado. Parara para detectar a origem do som, mantendo os belos olhos azuis de Betsy Rossman bem abertos.

Por fim, ao conseguir rastrear os barulhos, correra em alta super-velocidade, desviando de árvores e galhos, aumentando o ritmo à medida que os estrondosos sons ficava mais próximo.

Quando a deusa, enfim, freara bruscamente em um ponto relativamente alto da floresta, sua face transformou-se de ansiedade para estupefação máxima. E deste estado... alterou-se para alegria pura.

Um sorriso foi sendo esboçado quando seus olhos penetravam concentradamente naquelas opulentas nuvens flamejantes que se elevavam de alguns pontos da grande estrutura.

Um sorriso que denotava o mais genuíno sentimento de vitória.

                                                                                         ***

Durante a recuperação de Alexia - que anteriormente queixava-se dos incômodos dentro do corpo por conta das falhas que a troca de corpos gerou no plano -, Eleonor estava solitária na salinha que servia como uma espécie de "porão", andando de um lado para o outro vagarosamente.

Fazia vários minutos que sua aprendiz estava dentro do banheiro e não voltara.

"O que ela tanto está fazendo lá? Já devia ter saído. À essa altura, as dores já teriam amenizado, pois a troca foi desfeita há exatos trinta minutos.", pensou ela, andando até a porta, girando a maçaneta e abrindo-a.

Pensara em Hector enquanto subia a escada.

"Trinta minutos... O mínimo que se podia esperar era o retorno de Hector, seja trazendo Mollock sedado ou simplesmente voltando de mãos vazias. Só quis reaproxima-lo de Rosie... para que ficasse certificado de que o controle absoluto da licantropia fosse alcançado.".

— Alexia? - chamou a bruxa, andando com pressa até a sala de estar, após ter verificado na cozinha e no banheiro. - Onde você está? - olhou atentamente para cada ponto, seus olhos esquadrinhando o recinto. - Se estiver chorando no quarto, vou precisar que interrompa suas lamentações e venha até aqui, por favor. - esperou alguma resposta provinda do quarto da jovem vidente. A bruxa cruzou os braços. - Só não invado o seu quarto porque você me proibiu. - esperara um pouco mais, olhando para o corredor semi-escuro à sua esquerda. - Alexia? Está aí?

De repente, uma voz monstruosa reverberara pela sala.

— A profetisa encontra-se em nosso total poder. - disse um soldado quimérico de Abamanu postado ao lado da luminária de piso.

Eleonor, assustada, virara-se, estupefata com o que aquela presença. Estendeu sua mão direita rapidamente, os dedos em mano cornuto.

— Spectro le bestia... 

O soldado apontara sua lança, a ponta do cristal vermelho ameaçando disparar um raio desintegrador.

— Mais uma palavra e seu breve encontro com o Lorde será anulado. - disse o soldado, firme.

— Onde ela está? Para onde a levaram? - perguntou Eleonor, abismando-se com o rapto da vidente.

                                                                                    ***

Prefeitura de Londres

Um funcionário - um homem aparentando ter uns 30 e poucos anos, meio calvo, rosto fino e usando óculos de alto grau - caminhava desajeitadamente por um corredor com paredes de madeira polida em direção ao gabinete do prefeito emanando uma urgência pelo seu semblante embargado de aturdição.

Trazia uma pequena pasta com alguns papéis a serem arquivados, mas tal conteúdo passava longe de ser o assunto abordado na sala. Olhou rápida e tremulamente para trás, ajeitando o óculos e, claro desconforto e ansiedade, parecendo desejar correr e se trancar lá até que o alarido desesperador - tanto no interior do prédio quanto do lado de fora - cessasse por definitivo - algo que não aconteceria tão cedo se dependesse da polícia despreparada a lidar com tal ameaça.

Olhou apressadamente para o relógio de pulso, depois voltando-se para a porta do gabinete que estava próxima. Em sua grande testa viam-se pingos de suor brotando em abundância.

— Eu não quero morrer... não quero morrer... não quero morrer... - repetia para si mesmo em tom baixo. Ao se aproximar do gabinete, seus passos ficaram mais retraídos e sua desenvoltura um tanto travada e hesitante.

A quietude do recinto só o apavorava cada vez mais, motivando-o a suspeitar da ausência de seu chefe e fazendo-o pensar no pior.

Empurrou de leve a porta... que estava destrancada. O que era raro em se tratando daquele prefeito.

— Se... senhor? - indagou ele, gaguejando, enquanto abria a porta. Entrara na sala, cauteloso. - Que coisa estranha... - sussurrou para si mesmo ao olhar para a sala silenciosa. - O mundo está acabando lá fora e o senhor resolve sumir assim de uma hora para outra. Se estiver aí... escondido... - olhou para o armário à direita. - ... saiba que venho lhe informar a respeito da ineficácia da vacina. - apertara os olhos, chorando. - Me sinto traído pelos meus próprios colegas. Por favor, senhor, saia daí, posso sentir sua presença. Eu... também estou com medo, não quero morrer sozinho.

De repente, o funcionário escutara algo caindo sobre o piso, atrás de si, com um som que lembrava algo pegajoso. Ao se virar rapidamente, deparou-se com uma figura humanoide e bizarra, completamente coberta de preto... como uma sombra surgida do nada. Tremendo de pavor, ele largara a pasta, recuando alguns passos.

— Aaahh... Não pode ser! Você não, você não! - dizia ele, querendo gritar por socorro, mas retraindo-se.

A criatura sombria mal dera dois passos e já se encontrava à poucos centímetros de seu corpo, logo tocando seu rosto com as mãos. O homem queria debater-se, mas nem forças para isso tinha, apenas limitou-se a gemer de modo agoniante, ao passo em que sua pele empalidecia e as veias de sua face enegreciam, tal como seus olhos, devido ao toque mortal do mimético.

Do lado de fora, o que podia ser observado pela única janela do gabinete, ocorria um terrível surto epidêmico de pessoas com olhos pretos atacando outras violentamente - seja mordendo, quebrando pescoços, atirando com armas de fogo ou desferindo golpes -, algumas até sendo baleadas por tiros disparados pela polícia - a maioria deles mantendo distância ao ficarem perto de suas viaturas -, dando origem ao pânico generalizado, à correria e à gritaria incontroláveis.

                                                                                      ***

Eleonor sentia o chão cedendo sob seus pés ao ouvir aquelas tristes notícias. Lívida, ajoelhou-se, olhando para o nada com uma expressão de abalo emocional intenso. Arrependeu-se de ter feito aquele pedido em vez de ser teleportada pelo soldado quimérico até o local onde Alexia passaria a estar confinada até uma decisão ser julgada.

— Não... - disse a bruxa, balançando a cabeça, enquanto uma lágrima escorria pelo seu rosto. - Isso é mentira. Rosie não pode estar morta...

— Eu vou repetir caso não tenha captado a mensagem. - disse o soldado, o tom frio na voz. - Rosie Campbell não conseguiu escapar da fábrica e foi morta na explosão dela. Seu corpo, obviamente, foi reduzido à cinzas.

— Não! - disse Eleonor, com fervor e angústia no tom.

— Você quis estar informada, apenas cumpri meu dever. - retrucou o quimérico.

— É claro que sim, é claro que cumpriu. - disse a bruxa, enraivecida. - A pessoa mais importante pra mim está morta! A minha neta!  - esbravejou, derramando mais lágrimas

— E quanto ao caçador e a profetisa? Não são dignos de serem lembrados?

— Fala como se também estivessem mortos...

— A profetisa é útil para o decorrer dos próximos planos. - afirmou o soldado, olhando para a bruxa com seriedade. - O caçador, por outro lado...

Um baque atingira o coração de Eleonor como uma bola de demolição colidindo a um prédio.

— Não me diga que... - sua fala tornou-se mais chorosa ao perceber o significado. Balançou a cabeça em negação com mais rapidez, o desespero crescendo em sua face. - Não, não, não pode ser! - batera sua mão esquerda no chão duas vezes, baixando a cabeça ao colocar-se em prantos por finalmente saber o péssimo destino que o caçador abraçara. - Não pode ser verdade. - disse ela, aos soluços.

— Você tem uma escolha a fazer, mortal. - disse o quimérico em tom arrogante, sentindo-se superior ao ver o estado deprimido da bruxa. - Me seguir para dar seu último adeus à profetisa... ou abandonar esta casa e jamais pensar em cruzar nossos caminhos novamente.

Lentamente, Eleonor erguia a cabeça para fita-lo com todo o seu ódio. Seus olhos estavam vermelhos devido ao choro.

— Vá embora. - disse, sucinta. - E diga para aquele deus de araque que a batalha está apenas começando.

— É uma ameaça? - perguntou o quimérico, soando rude.

— Uma promessa. - disse Eleonor, convicta, arqueando as sobrancelhas. - Rosie... tinha amigos determinados a fazerem qualquer coisa em prol da humanidade. Sei que Abamanu não chegará ao ponto de mata-los, pois vai adorar vê-los tentar quantas vezes forem necessárias. Posso ter perdido, no mesmo dia, as três pessoas que mais me importavam... Mas não perdi a esperança. É só o que me resta. Vou lutar se for preciso. E sobreviver a este inferno na Terra como a guerreira que a vida me ensinou a ser.

As palavras da bruxa pouco o impressionaram. Eleonor voltara para seu choro copioso, esperando não ver mais aquele lobo bípede branco com armadura e lança na sua frente quando ficasse de pé.

O soldado quimérico desaparecera em milissegundos.

                                                                                          ***

Ao anoitecer, um homem careca, aparentando estar em seus plenos 40, vestindo um macacão cinza de metalúrgico - meio encharcado de gosma preta -, perambulava tropegadamente por uma calçada de uma rua curta e meio íngreme em uma pacata área residencial próxima do centro de Londres.

Seus lábios - tão pálidos quanto o rosto - banhavam-se pela substância negra sendo expelida e gotejando pegajosamente. Pelos seus olhos sombrios, lágrimas pretas escorriam.

Avistou, não muito longe, um cidadão usando um terno, um chapéu e calças marrons, além de uma gravata vermelha, assoviando em tom baixo e trazendo uma maleta. Supostamente vinha retornando de seu trabalho, ainda que tenha sido interrompido pela confusão ocorrida em frente ao prédio da prefeitura.

O inocente homem optou por andar sob as luzes de alguns postes. Não demorou para notar uma presença no mínimo estranha por ali perto, parando com o assovio.

— Senhor? Precisa de ajuda? - perguntou ele, de forma gentil ao caminhar com certa rapidez em direção ao mimético cambaleante e grotesco. - Está perdido? - o olhou estreitamente.

Ao vê-lo, o mimético reproduzira grunhidos incômodos, expelindo mais gosma de sua boca e andando com mais pressa.

— Espera um minuto... - disse o homem, instintivamente recuando uns dois passos ao esbugalhar os olhos após vislumbrar o rosto decrépito e pálido do mimético quando o mesmo passou pela luz de um poste. - Não... Vo... Você... - gaguejava, andando para trás e erguendo de leve as mãos como se quisesse proteger-se. - Você... é um deles!? Não é? - perguntou, o pavor nítido na voz. - Pra trás! Eu disse... Pra trás! Por que não me obedece seu monstro repugnante? 

A resposta viera na forma de um pulo selvagem seguido de um rugido e o som de uma mordida brutal ecoando pelo espaço. Por último, veio o grito doloroso e reverberante da primeira vítima Beta.

                                                                                     ***
                                                                                         
22 de Agosto de 1942

Notícias de última hora:

"Ainda que soluções eficientes possam estar distantes e, em uma visão pessimista, inalcançáveis, as principais organizações de saúde do continente em parceria com a comunidade científica européia permanecem empenhadas em reunir esforços dobrados para conter esta devastadora calamidade. Nosso país tornou-se o marco zero de uma infecção que atualmente parece evidenciar uma iminente expansão para fronteiras e além. As questões mais gritantes são: Quem, afinal, é o responsável pela criação desta substância tóxica e corrompível? Está vivo e foragido? Está morto e talvez seja alguém cujo nome é de certo conhecimento? Sabe-se que o Dr. Maximillian Lenox esteve desaparecido por dois anos. Seu sumiço foi considerado misterioso e intrigante para a maioria de seus colegas, amigos e familiares. Resta saber se o mesmo provavelmente estaria envolvido na produção da substância. O Exército parece hesitante em nos fornecer algum detalhe a respeito, tendo em vista suas atividades mais recentes, no ano passado, quando uma divisão alternativa chefiada pelo General Holt se encarregou de desmanchar instalações industriais genéricas e supostamente ilegais. O militar-chefe fez questão de não conceder nenhum coletiva de imprensa em meio a esse período extremamente turbulento para a história. 

Enquanto as principais pessoas a estarem a par de todos os detalhes cruzam os braços e se mantém silenciosas, o caos é instaurado todos os dias em vários pontos da Grande Londres e arredores. Enquanto o silêncio impera, o país mergulha em uma era sombria regada a terror, medo e loucura."

CONTINUA... 


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