Rede Obscura escrita por Heringer II


Capítulo 8
Relatório geral: resultado da operação contra os S0V3R3IGNS


Notas iniciais do capítulo

Então, pessoal, chegamos ao final dessa história. E esse capítulo final está repleto de emoções. Preparem os corações.

Deixarei as despedidas para o epílogo.

Espero que gostem. ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/761608/chapter/8

Com Francis Hatterman atrás das grades, a próxima missão de Susie Byron e Michaelson Wright era encontrar qualquer pista que levasse aos outros envolvidos no ataque dos S0V3R3IGNS.

Eles se dirigiram ao Laboratório de Oak Ridge no último dia nove de maio. Ao chegarem lá, foram surpreendidos com um ataque que acabou assassinando o Dr. Sebastian Scott, ex-professor de Michaelson Wright. O responsável pelo assassinato foi o ex-agente da nossa companhia, Joseph Hall, que também se encontra morto atualmente.

O relatório a seguir é de propriedade da Central Intelligence Agency e relata os últimos eventos da operação contra os S0V3R3IGNS.

Com a ajuda de um dos cientistas da computação que trabalhavam no Laboratório de Oak Ridge, Michaelson Wright descobriu de onde vinha a assinatura primordial dos S0V3R3IGNS  estava vindo. Tudo indicava que ela estava sendo gerada, por incrível que pareça, de um computador que há tempos pensavam estar desativado.

Eram dez horas da noite. Ao saírem do laboratório, Susie e Michaelson trataram de informar à CIA que tinham que ir ao Reino Unido o quanto antes. Informaram o ocorrido à agência e compraram imediatamente as passagens. Vinham conversando no avião que os levaria para o Reino Unido.

— O WITCH. — disse Michaelson.

— O quê? — Susie perguntou.

— O WITCH. É de lá que está vindo a assinatura.

— E o que é esse WITCH?

— Talvez você o conheça melhor pelo nome de "Harwell Dekatron".

— Harwell Dekatron... Hum... Se não me engano, essa não foi a máquina que entrou para o Guinness Book como o computador mais antigo do mundo?

— Exatamente. Ele foi construído em 1949, tornando-se operacional apenas dois anos depois. Ele foi utilizado pelo Atomic Energy Research Establishment para realizar pesquisas científicas, até ser totalmente desativado em 1973. Recentemente, ele foi renomeado para Wolverhampton Instrument for Teaching Computing from Harwell, ganhando assim a sigla "WITCH". Ele tem sido utilizado apenas para o ensino de computação às crianças. Pelo menos era o que pensávamos.

— E como sabe que a assinatura está sendo enviada através dele?

— De início, observei a velocidade com a qual os dados eram emitidos. Era muito lento. Visto que estávamos nas profundezas da internet, era de se imaginar que os dados básicos fossem mais rápidos.

— Entendi.

— Quando rastreei a assinatura e vi que ela vinha do Museu Nacional da Computação, no Reino Unido, conclui que só podia tratar-se do Harwell Dekatron.

— Mas como isso é possível? Como eles podem usar um computador tão ultrapassado para gerar dados para o Sistema Primarca? E mais, como que ninguém do museu percebeu que havia alguém fazendo isso?

— É o que precisamos descobrir.

Foram quatro horas seguidas de vôo. Susie e Michaelson desceram do avião e se dirigiram até um Sedan preto que os esperava no estacionamento do aeroporto. A CIA tinha providenciado transporte e até motorista para os dois.

Tudo que precisavam agora era esperar o museu abrir. O relógio marcava ainda 2h da madrugada. O museu só abriria às 10h30min. Ou seja, tinham ainda cerca de oito horas e meia para descansarem e planejarem o desfecho da operação.

Enquanto o motorista os levava para o hotel em que se hospedariam, os dois agentes admiravam a bela paisagem de Buckinghamshire. Era uma cidade inglesa muito bonita, apesar de não ser tão grande quanto Londres. O visual não é muito metropolitano. As casas são simples, uniformes e muito próximas umas das outras. Haviam pequenas torres com relógios, que mais pareciam versões menores do Big Bang. A natureza é outra coisa que vale a pena destaca. A cidade é repleta de árvores.

O motorista estava a poucos quarteirões do "The Bell Hotel", onde Susie e Michaelson ficariam, quando começou a perceber algo estranho no retrovisor. Um outro carro preto, com vidro fumê parecia estar seguindo-os. Estava sempre acompanhando o carro dos agentes, e sempre que o motorista se afastava dele, o misterioso carro preto aumentava a velocidade para manter uma distância curta.

Desconfiado, o motorista faz algo que surpreende Susie e Michaelson. Corta caminho e em vez de seguir na rua do hotel, entra na avenida ao lado, indo em contramão.

— O que está fazendo? — Susie perguntou. — Não pode ir na contramão assim, é perigoso demais.

Enquanto Susie e Michaelson estranhavam a ação do motorista, este observou pelo monitor enquanto desviava dos veículos que vinham na direção oposta. Viu que o carro preto continuava seguindo-os, agora com maior velocidade.

— Estamos sendo seguidos. — disse o motorista.

Michaelson olhou pela janela e viu que um carro preto também vinha em contramão na direção deles. O carro preto acelera e bate na traseira do veículo dos agentes, fazendo-o derrapar pela pista.

— Precisamos sair daqui. — Susie disse.

Os três deixam o veículo. Do carro preto, saem quatro encapuzados mascarados.

— São os S0V3R3IGNS! — Michaelson gritou.

Os quatro encapuzados começam a atirar contra os agentes.

— Estão armados! — Susan disse. — Voltem para o carro!

O motorista liga o carro e acelera novamente. Os S0V3R3IGNS entram também em seu veículo. Começa-se uma perseguição. Enquanto o veículo da CIA tentava despistar o carro inimigo, este vinha a toda velocidade com um dos mascarados atirando pela janela. Uma das balas atinge o carro dos agentes, abrindo um buraco na janela.

— Estão se aproximando! — Susie alertou.

— E estão atirando em nós! — complementou o motorista.

— Então, vamos atirar neles também. — disse Michaelson.

O ex-agente pega o revólver de Susie, abre o vidro da janela e coloca metade de seu corpo para fora. Nesse momento, percebe que o encapuzado está mirando sua arma nele, pronto para disparar. Michaelson, rapidamente, atira em um dos pneus do carro dos S0V3R3IGNS. Isso faz o motorista mascarado perder parte do controle da direção. Atira no outro pneu, fazendo o carro capotar de vez.

— Mandou bem, agente Wright! — disse o motorista.

— Me chame de Mike.

— O que faremos agora? Vamos para o hotel? — Susie questionou.

— Eu não duvido que haja outros encapuzados esperando pela gente no caminho até lá. — disse Michaelson.

— Então já devem ter alguma ideia do nosso plano.

— Possivelmente.

— Então, para onde vamos? — o motorista perguntou.

— Vamos para o Museu Nacional da Computação. — Michaelson respondeu.

— Agora? — Susie questionou.

— Sim.

— Mas está fechado.

— Então vamos ter que invadí-lo.

— Isso é crime, Mike!

— E o que os S0V3R3IGNS estão fazendo, é o quê? Uma pequena infração não vale a pena ser cometida, se é para impedir um crime ainda maior?

— O agente Wright tem razão. — falou o motorista.

— Eu já não te disse para me chamar de Mike?

— Desculpe... Você sabe... Agentes da CIA não gostam muito de chamar os outros por apelidos.

— Você tem razão, Mike. — disse Susie, entrando na conversa. — Motorista, leve-nos para o Museu Nacional da Computação. Temos uma operação para completar.

— Entendido, senhorita Byron.

E assim eles foram. Se dirigiram até o museu onde estava exposto o primeiro computador do mundo.

O Museu Nacional da Computação foi inaugurado em Buckinghamshire no ano de 2007. Seu principal objetivo era colecionar e reconstruir computadores antigos que tiveram uma importância histórica. O local não é um prédio. Existe apenas andar térreo. Na entrada, há uma enorme placa de metal, com o logotipo do "The National Museum of Computing" detalhado em verde.

— Devo esperar vocês aqui fora? — perguntou o motorista.

— Talvez a gente demore um pouco. — Susie respondeu. — Pode ir para o hotel. Iremos para lá assim que acabarmos.

— Ok, como quiserem. Tomem cuidado.

O motorista se foi, deixando Susie e Michaelson sozinhos.

— Você ainda sabe invadir locais? — Susie perguntou.

— Ainda tenho recordações do meu tempo de agente.

Michaelson percebeu que a luz de uma das salas estava acesa, e ficou observando, tentando ver o que estava acontecendo ali. Enquanto isso, Susie foi tentar abrir a porta.

— Mike! — chamou.

— O que houve, Susie?

— A porta está aberta.

— Como assim? O museu não abre à essa hora.

— Eu sei, mas olha. Está destrancada.

— E ao que tudo indica, já tem gente lá dentro. — Michaelson apontou para a sala com a luz acesa.

— Vamos entrar.

Michaelson e Susie entraram. O ambiente estava escuro, mas era possível ver alguns dos computadores que estavam expostos: o Lemz's Agat, o Atari 400, modelos antigos da marca IBM, o HC-95, entre vários outros computadores antigos. Michaelson e Susie nunca tinham visto tantos computadores de tubo em um lugar só.

Mais para frente, estavam as verdadeiras relíquias do museu: os mais antigos computadores, que possuíam um grande tamanho para pouca capacidade de processamento. Eles sabiam que entre aquelas salas estava o tão almejado Harwell Dekatron.

Michaelson parou de andar repentinamente.

— O que aconteceu? — perguntou Susie.

— Aquela é a sala do Harwell Dekatron.

— A que está com a luz acesa?

— Essa mesma. Seja lá quem for que esteja aí, também está interessado no computador.

— Vamos ouvir.

Susie e Michaelson se encostaram na parede ao lado e ouviram o que as pessoas lá dentro estavam conversando.

— Alguma notícia sobre os agentes? — disse uma voz eletrônica e abafada.

— São os S0V3R3IGNS! — Michaelson cochichou para Susie, ao reconhecer o estilo eletrônico de voz.

— Faça silêncio! — Susie cochichou respondendo.

— Perdemos os agentes de vista. — respondeu uma outra voz eletrônica. — E os companheiros que mandamos para enfrentá-los, estão mortos.

— Duas pessoas. Apenas ordenei que matassem duas pessoas! A incompetência de vocês é realmente impressionante. Só não tenho um ataque de raiva agora porque nosso maior ataque está prestes a se tornar realidade.

— Que informações vão vazar agora?

— Agora? Todas! Escândalos envolvendo a bolsa de valores, armas nucleares não registradas que o governo vem projetando secretamente, dados pessoais de governantes envolvidos em lavagem de dinheiro. E etc, etc, etc...

— Esses caras fazem trabalhos de espionagem melhor que os da CIA. — Michaelson sussurrou no ouvido de Susie.

— Lembre-se que foi Joseph que deu a eles toda essa informação.

Michaelson aproximou um pouco seu olhar e viu tudo que estava ocorrendo ali.

Um pequeno computador, do modelo Compaq Deskpro 386, do ano de 1986, reunia toda a informação que havia sido enviada por Joseph Hall. Enquanto isso, o poderoso Harwell Dekatron, usava todos os seus processadores para assimilar os dados e enviá-los, através de uma rede criptografada de internet, para o Sistema Primarca.

— O que tá havendo? — Susie perguntou.

— Eles montaram um sistema inteiro para jogar esses dados na rede. Esse sistema é a causa de todos, Susie. Tudo o que precisamos é desfazê-lo.

— Mas como?

— Eles devem sair daí alguma hora.

— Lógico, o museu abrirá daqui a umas sete horas.

— Eles devem vir aqui toda a madrugada para montar lançar esses dados na internet.

— Então temos que pará-los agora.

— Agora não. Vamos nos esconder, e quando deixarem o local, provavelmente pela manhã, desorganizaremos tudo isso.

Quando os dois iam procurar um esconderijo, Susie esbarra acidentalmente em uma mesinha, derrubando um vaso de porcelana que estava ali.

— Droga! — sussurrou Susie.

Os dois mascarados saem da sala do Harwell Dekatron, e imediatamente avistam os dois agentes.

— Acho que temos companhia para esta madrugada. — disse um dos mascarados.

Susie saca sua arma, mas é imediatamente desmaiada por uma pancada com uma barra de ferro na cabeça por um terceiro mascarado que vinha por trás.

— Susie! — gritou Michaelson.

O ex-agente Wright, antes de pelo menos tentar reanimar sua amiga, é também desmaiado pela mesma barra de ferro.

Quando os dois acordam, estavam amarrados um ao outro na sala do Harwell Dekatron. Um dos mascarados olhava diretamente para eles.

— Hum... Que bom que acordaram. — disse o membro dos S0V3R3IGNS. — Achei que a pancada do meu amigo tinha sido forte demais.

— O que está fazendo? — Susie perguntou.

— Eu? Apenas fazendo o que é certo.

— Promover ataques virtuais e arriscar a paz nacional é o certo?

— O que estamos fazendo aqui é algo necessário. Todas as nossas ações valerão a pena.

— E quem é você para dizer isso? — Michaelson falou.

— Eu? Sou o líder dos S0V3R3IGNS.

— Quanta bobagem! — disse Susie. — Sabemos que o líder de vocês é, ou melhor, era Joseph Hall. E ele está morto. Eu mesma o matei.

— Joseph Hall? Ele era apenas um informante. T3LM4H não passava de um organizador. Eu pensei em tudo isso. Toda essa rede que vocês vêem agora, todos os ataques, todas as revelações feitas a respeito dos órgãos federais. Eu planejei isso tudo. Joseph também me ajudou a montar todo esse sistema, mas nada além disso.

— Gosta de se gabar, não é? — disse Michaelson. — Você me lembra alguém que eu conhecia.

— Lembro mesmo, Michaelson Wright?

— Lembra sim.

— Acho que sei o porquê de você ter essa lembrança.

— Ah, é? Por quê?

— Porque você me conhece, Mike. Melhor do que ninguém.

O encapuzado tira sua máscara e seu camuflador de voz, revelando sua identidade.

— Não pode ser. — Michaelson falou. — Isso é impossível!

Era Martin McField, o antigo parceiro de Michaelson Wright, quando ambos eram agentes da CIA e realizavam operações para prender assassinos de aluguel.

— Martin? — Michaelson questionava, espantado. — É você mesmo?

— Sim, Mike. Sou eu, em carne e osso.

— Mas você tinha sido morto por um assassino de aluguel anos atrás! Eu me lembro.

— Então era isso! — disse Susie.

— Isso o quê?

— "O verdadeiro". Lembra da mensagem de Christopher? A última frase dizia "o verdadeiro: MM". O "verdadeiro" líder dos S0V3R3IGNS é Martin McField, cujas iniciais são...

— MM. — completou Michaelson. — Então, é verdade. Era você por trás disso tudo?

— Sim, Mike. Era eu. Sempre fui eu.

— Mas por quê? E como?

— Quando eu era jovem, trabalhar na CIA era um sonho que parecia tão distante. Mas aí, quando cresci e me vi ali, naquele prédio, trabalhando com você, senti que estava realizado na minha vida. Sempre admirei a CIA, cada agente que pisava ali era como um super-herói para mim. Mas logo, essa admiração se tornou repúdio.

— Repúdio? Por quê? — Susie perguntou.

— Quando descobri que a CIA estava envolvida em vários escândalos, e pior ainda, que ousavam esconder tais escândalos da sociedade, me vi obrigado a tentar trazer à tona tudo isso. As pessoas necessitam saber disso. Se os órgãos federais escondem coisas desse tipo, como esperam que os civis possam ter plena confiança neles?

— Mas por que tudo isso, Martin? Por que forjar a própria morte? Por que matar pessoas inocentes?

— Vi nas camadas mais profundas da internet uma oportunidade de fazer justiça. Mas sabia que a CIA nunca me deixaria fazer isso. O último assassino que enfrentamos, fui eu quem havia contratado. E ele não estava lá para matar ninguém. Era para ajudar a tornar minha falsa morte mais convincente. Desde então, refugiei-me aqui no Reino Unido, onde passei anos reunindo hackers muito inteligentes, que me ajudassem. Juntos, nos tornamos uma poderosa organização de ataques virtuais, não demorou muito para adotarmos o nome de S0V3R3IGNS.

— Péssimo nome, diga-se de passagem. — Susie disse.

— Vai ser uma ótima história para contar no tribunal, velho amigo.

— Ah, não. Ninguém sairá vivo após ouvir essa história. Nem mesmo vocês. Acabem com eles. — Martin ordena seus dois ajudantes e se vira para observar o Harwell Dekatron.

Enquanto Martin contava a história, Susie usou sua lixa de unhas para cortar a corda. Ela e Michaelson se  soltam e noucauteiam os dois mascarados.

— Tudo o que vai, volta. — disse Michaelson.

— Acho que vai precisar de ajudantes novos. — Susie falou.

— Tenho vários espalhados por aí.

Michaelson se aproxima do ouvido de Susie e lhe fala o plano.

— Eu vou distraí-lo. Você tenta desativar o sistema.

— Não acha melhor eu distraí-lo? Você entende melhor de computadores.

— Eu conheço bem os pontos fracos dele. Confie em mim.

— Entendido.

Michaelson se joga na direção de Martin e o espreme na parede com o peso de seu corpo.

— Agora, Susie!

Susie se dirige ao Compaq que estava enviando dados para os processadores do Harwell Dekatron, e, sem ter muita ideia do que estava fazendo, tenta parar o processo.

— Pare! — Martin gritou.

O líder dos S0V3R3IGNS empurra Michaelson e vai em direção a Susie, na tentativa de pará-la.

Michaelson dá uma rasteira, derrubando Martin no chão.

— Me desculpe, Martin. O negócio é único e exclusivamente entre nós dois.

— Só nós dois... Como nos velhos tempos?

— É... Como nos velhos tempos...

Os dois começam a trocar socos e chutes, enquanto Susie tentava parar o sistema de dados. Ela percebe que havia uma pequena janela oculta. Clica nela e abre o software de carregamento.

"Permutação de dados, 87% completo", dizia a janela. Susie sabia que quando a porcentagem chegasse a 100, todos os dados seriam enviados pelo Harwell Dekatron ao Sistema Primarca. A agente percebe que havia a opção "Cancelar" no canto inferior direito. Clica nela. Uma nova janela se abre.

PARA CANCELAR A OPERAÇÃO, DIGITE A SENHA:

—__   ___   ___

"Uma senha com três dígitos?", Susie estranhou. Não parece muito seguro para um software que estava enviando dados para uma rede criptografada. Mas mesmo com apenas três dígitos, era difícil acertar a senha apenas no chute. Susie digitou a primeira senha que lhe surgiu na mente: 123.

SENHA INCORRETA. TENTE NOVAMENTE.

—__   ___   ___

Susie já se desesperava. O medidor já alcançava os 90%. Uma luz de esperança surgiu quando viu uma pequena caixa de mensagem abrir em baixo do espaço para inserir a senha.

DICA DA SENHA: A ÚLTIMA PALAVRA DE ROMEU PARA JULIETA.

"Isso é bem a cara de Joseph", pensou Susie.

Enquanto isso, Martin e Michaelson continuavam lutando.

— Eu passei esses anos todos lamentando sua morte. — disse Michaelson.

— Problema seu. Eu não faria o mesmo.

— Martin, não precisa acabar assim. Pense em todas as operações que realizamos juntos!

— Perda de tempo! Cada momento da minha vida gasto com a CIA foi um desperdício!

— A CIA não podia deixar essas coisas caírem no conhecimento do público. Que credibilidade teriam? Como a agência seguiria em frente sabendo que o povo nunca a apoiaria.

— Ela não se preocuparia com a credibilidade se fosse de fato uma agência transparente. Mataram pessoas inocentes, estupraram mulheres e realizaram espionagem ilegal.

— Isso foi no passado, todos sabemos que a realidade da CIA agora é outra.

— Então porque esconderam isso por tanto tempo?

— Talvez porque sabiam que tal revelação seria um choque para toda a população. Queriam poupar a sociedade de um descontrole desnecessário. E quanto a vocês? Também não mataram pessoas inocentes?

— Quem?

— Christopher Hermes, e até o nosso ex-professor, Sebastian Scott.

— Entenda, Mike. Eu estava fazendo o que era certo, e eles tentaram me impedir. Tudo que eu fiz foi tirar as pedras do meio do caminho.

— Não importa se o que fez era certo ou errado. Você matou gente inocente, ordenou ataques terroristas! Não importa quais suas motivações, não há nada que justifique isso.

— Nem mesmo o conhecimento da verdade para todos?

— De que maneira você pretende propagar essa verdade? Causando caos?

— O caos é passageiro.

— Mas destrutivo.

— Você sempre teve muito a aprender, Martin.

— Não, Mike. Você que era ingênuo demais.

Martin dá um forte soco em Michaelson, fazendo-o cair no chão. O líder dos S0V3R3IGNS se dirige até Susie e começa a agarrá-la, prendendo seus braços.

— Me solta! — disse Susie, se debatendo para livrar-se das mãos de Martin.

— Me diga, Susie. Quantas estrelas há no monumento do quartel-general da CIA?

— 125, por quê?

— Porque logo mais, em homenagem à você, haverão 126.

Martin solta os braços de Susie e a segura pelo pescoço. Pega seu revólver e o enfia forçadamente na boca da agente.

— Eu sempre tive a curiosidade de saber como é matar uma pessoa estourando seus sua garganta. Olha só, Susie. Ao morrer, você me mata essa curiosidade. A queda da CIA começará com o seu falecimento.

Martin dá um forte grito e cai no chão se contorcendo de dor. Susie se afasta dele. Michaelson havia usado a barra de ferro para atingir o joelho de Martin, onde ele tinha problemas de articulações.

— Seu... filho... da...

— Sabe qual é o erro que muitos cometem, Martin? Enfrentar um inimigo que conhece seus pontos fracos.

— Isso não vai ficar assim...

— Não. Logo estará na cadeia. Ah, forjar a própria morte é crime. Mais um para sua coleção.

— Ainda não acabou. — disse Susie.

— Eu sei. — Michaelson falou. — Conseguiu alguma coisa?

— Todo o sistema está submetido a uma senha de três letras. Ao que tudo indica, trata-se da última palavra que Romeu disse à Julieta.

— E qual foi mesmo?

— Eu não me lembro.

O indicador apontava 98%.

— Não vamos conseguir. — disse Michaelson.

Susie pensa um pouco.

— Tem um jeito!

— Qual?

— Você está com seu celular aí?

— Estou.

— Está com internet?

— Não das boas.

— Tenta baixar o arquivo em PDF.

— O quê?

— A obra "Romeu e Julieta" em PDF. É um livro de domínio público, está disponibilizado gratuitamente.

Michaelson rapidamente tira seu celular do bolso e pesquisa a versão do livro em PDF. O medidor marcava 99% agora.

O download do arquivo é feito. Michaelson abre.

— O discurso de Romeu está já nas últimas páginas.

Ato V, cena III. Romeu encontra Julieta, inconsciente. Sem saber que ela havia tomado na verdade uma droga que desativou temporariamente seus sentidos, e sem querer viver uma vida sem sua amada, Romeu toma o veneno verdadeiro. Antes de falecer, Romeu faz um emocionante discurso de despedida para Julieta. Discurso este que se encerra com a seguinte frase:

"Oh, true apothecary!
Thy drugs are quick. Thus with a kiss I die."

"Oh, verdadeiro boticário!
Suas drogas são rápidas. Assim com um beijo eu morro."

Em seguida, Romeu beija Julieta e morre ali mesmo.

"Thus with a kiss I die"... Die... Essa era senha.

E assim, Susie imediatamente digita a senha no espaço indicado.

OPERAÇÃO CANCELADA COM SUCESSO.

Os dois começam a comemorar, abraçando-se fortemente. Passado o ânimo, se encaram por um tempo. Em seguida, se beijam.

O clima romântico é quebrado com uma risada maníaca de Martin, que se levantava apontando uma arma para os dois.

— Que momento lindo entre vocês. É uma pena estragá-lo assim...


Martin se preparava para apertar o gatilho. Susie e Michaelson dão um abraço apertado enquanto olhavam para a arma.

— Se é para morrer, morreremos juntos. — disse Susie.

— Conseguimos cumprir nossa missão, pelo menos.

— Parabéns, Mike. É um agente da CIA novamente.

Martin coloca o dedo no gatilho. Um disparo é dado. A arma de Martin cai no chão, seguida de seu corpo morto.

Susie e Michaelson abrem os olhos e vêem o motorista do carro com um revólver fumaçando.

— Fiquei preocupado. — disse o motorista.

Uma série de risadas entre os três vem em seguida.

— Mike, o que é aquilo? — Susie aponta para um papel saindo do Harwell Dekatron, parecia com aqueles papéis onde são impressas as notinhas de supermercado.

— Isso é paper tape. Os dados do Harwell Dekatron eram impressos nesses papéis.

— E o que diz aí?

Michaelson lê o papel.

— Meu Deus...

— O que foi? O que tem aí?

— São os endereços IP de todos os membros dos S0V3R3IGNS. Isso vai ser de grande ajuda para a polícia.

— Podemos ir embora agora? Não me sinto muito bem com esses três corpos espalhados pelo chão. Com esse local tão escuro, parece que estamos num filme de terror.

— Tudo bem, vamos. Nosso trabalho aqui acabou.

*

Foram centenas de hackers confirmados pelo Harwell Dekatron que estavam envolvidos nos ataques dos S0V3R3IGNS. Todos eles foram condenados em um julgamento histórico. Nenhum pegou menos do que algumas décadas de prisão. Alguns chegaram a ter um castigo mais rígido. Francis Hatterman, por exemplo, foi condenado à pena de morte.

Os corpos de Joseph Hall e Martin McField foram enterrados em um cemitério de Langley. Mesmo se tratando de traidores, a CIA prestou todas as homenagens que tinham direito. Além disso, se retratou por todos os casos polêmicos que estava envolvida.

Dias depois, Susie e Michaelson se encontraram no parque florestal de Langley. Foi a primeira vez que se viram desde que voltaram aos Estados Unidos.

— Sabe... — dizia Michaelson. — Sobre aquele beijo...

— Foi o calor do momento. — Susie disse. — Não é?

— Ah... Claro. Estávamos muito felizes com a senha acertada...

Os dois se sentaram num banco e Susie ficou um bom tempo encarando o horizonte.

— O que foi? — perguntou Michaelson.

— Nada, por quê?

— Algo parece te incomodar.

— Eu fico pensando... Como algo como a Deep Web pode existir? Uma terra sem lei... Sem justiça... É tudo muito doentio.

— A Deep Web não é doentia, Susie. Quem são doentias são as pessoas que postam aquele tipo de conteúdo lá. A Deep Web foi criada por pessoas que só procuravam um pouco de privacidade. O problema foi que algumas pessoas usaram essa privacidade para coisas ruins. Da mesma forma que Martin tinha uma inteligência incrível e a usou para fazer coisas erradas.

— Mesmo assim... Por que simplesmente não procuram derrubar todos esses sites criminosos?

— Porque não vale a pena, Susie. Mesmo que todos os sites desse tipo sejam derrubados, a pedofilia, o canibalismo, os estupros, os assassinatos e o tráfico continuarão existindo na vida real. A culpa não é da Deep Web, e sim das pessoas que a tornaram assim. Quando as pessoas aprenderem a serem humanas, tudo isso deixará de existir. Quem sabe... Com tanta falta de segurança e privacidade na internet superficial, talvez a Deep Web se torne, no futuro, um lugar ideal para as pessoas que procuram navegar com mais segurança. Até lá... Temos muito caminho ainda pela frente.

Susie suspira e sorri ao ver crianças brincando no parque, idosos dando comida aos pombos e famílias fazendo piqueniques.

— Mudando de assunto... — prosseguiu Michaelson. — Eu queria te fazer uma pergunta, Susie.

— Sério? Qual é?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rede Obscura" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.