Nossa pequena história escrita por


Capítulo 5
A Batalha de Abalen, parte 2


Notas iniciais do capítulo

Último tema: a primeira vez que dissemos "eu te amo"



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O dia da Batalha

Descrever os acontecimentos da batalha é difícil. Nós iniciamos em vantagem pelo local estratégico em que Eulëyn nos posicionara e pela divisão dos grupos, que reduziram o exército Esmeralda em um terço de sua força total em um primeiro momento. Mas então Maeve e o irmão conseguiram se organizar no comando das tropas e nós começamos a perder aliados.

Foi quando os dragões chegaram. O céu ficou negro por alguns minutos, o Sol sendo oculto pelos corpos enormes e as asas de envergadura impressionante. Em suas costas, cada dragão trazia um cavaleiro armado de armadura completa e espadas flamejantes.

Eu nunca vira um dragão, mas passara tempo suficiente com Aster para saber que algumas ilhas de Nnanrena possuíam uma Aliança de paz, e que Wistorf estava incluída na lista. Ela era conhecida como Ilha dos Cavaleiros, e as histórias sobre o grupo de cavaleiros de dragões eram impressionantes. Aparentemente, o Protocolo Esidium incluía aliados da Unidade.

Quando eles chegaram, Aster comemorou erguendo a espada, gesto ao qual nós imitamos. O fogo fez com que o exército recuasse e alguns lobos das neves não conseguiram escapar dele. Eulëyn ordenou que nós reagrupássemos e Maeve recuou com o resto do seu Exército. Embaixadores foram enviados até um ponto de encontro e foi acertado que não lutaríamos durante algumas horas. Nem mesmo as criaturas do Ypokósmos conseguiam lutar por mais de vinte horas.

Aster foi ajudar alguns feridos e eu fiz o mesmo, ficando ao seu lado o máximo possível. O problema é que eu estava morrendo de sono, e aquilo estava atrapalhando demais minha concentração.

— Você já passou a pomada, P. — Aster sussurrou para mim, segurando minha mão. O que Aster não tinha como dotes culinários ele tinha de dotes médicos. Eu balancei a cabeça, bocejando.

— Desculpa. — Sussurrei de volta, guardando a pomada de volta ao tubo. Aster o tirou de minha mão e terminou o curativo sobre o lombo branco do centauro. Este agradeceu e foi se deitar junto dos seus irmãos.

— Você precisa dormir. — Aster notou, olhando em volta. Todos os feridos já tinham ou estavam sendo atendidos por aqueles que sabiam, os mortos haviam sido recolhidos pelos cavaleiros de dragões e levados para a biblioteca do Castelo Elementar, para que os de nós que ficassem vivos até o final pudessem fazer a cerimônia de envio de maneira correta, e quem não estava ferido nem morto estava ajudando o máximo que podia.

— Eu não vou dormir. E se Maeve atacar pela noite?

— Ela não vai. — Eulëyn parou ao nosso lado, sentando-se no chão. Seus cabelos estavam presos em uma trança enraizada que ia até o meio de suas costas, sua aljava já estava com flechas novas e ela não parecia tão cansada quanto os outros. As orelhas pontudas estavam com cortes e sangravam, mas, antes que eu pudesse falar algo, os cortes se fecharam e não sobrou nada ali além de uma fina cicatriz. Eu me esforcei para não revirar os olhos com o poder impressionante de cura que a Mãe Natureza possuía.

— Como você sabe? — Perguntei. Lyn sorriu.

— Porque eu conheço Maeve o suficiente para saber que ela não atacará durante a noite. Então durma. É uma ordem. — Ela começou a sussurrar uma canção em língua antiga, que eu não conhecia, mas a melodia me carregava para lugares distantes, antes da raça dos homens.

— Vem, P. — Aster me fez deitar com a cabeça em sua perna e, antes que eu pudesse se quer dizer alguma coisa, já estava dormindo.

O segundo dia da batalha

O segundo dia foi mais estranho ainda. Eu acabei conseguindo chegar até Maeve – usando uma das cavaleiras como carona até a base inimiga – e nós duas nos embrenhamos em um duelo que fez todos os outros pararem para assistir. Eu não sabia como, mas deixava meus instintos me guiarem enquanto atacava e defendia sua espada com meu tridente.

Meu foco era a pedra vulcânica em seu colar. A pedra que continha o poder dela. Sem a pedra, a feiticeira não era nada. Mas eu sabia que, para destruí-lo, teria de deixar Mitéra e Nnanrena. Teria de sumir do mundo mágico para que a pedra pudesse ser destruída.

Ninguém sabia o que eu faria. Nem eu mesma sabia. Só naquele momento, durante o nosso duelo, eu decidi o que seria feito. Eu só não esperava que Aster estivesse olhando. Seria tão doloroso para ele quanto seria para mim. Mas sacrifícios precisavam ser feitos em uma batalha.

Rezei para que Ihé e Uwa abrissem um último portal luz-terreno para a Terra. O único lugar no multiverso que não existia magia. Então avancei sobre Maeve, desviando de sua espada, e fechei os dedos em seu colar ao mesmo tempo que uma dor lancinante me atingisse no abdômen.

— Paula! — Era a voz de Eulëyn, mas eu não escutei mais nada. Cambaleei para longe de Maeve, tentando estancar o sangramento que se instalava onde ela havia me atingindo com sua adaga, e apertei a pedra em minha mão.

''Por favor!'' Supliquei em pensamento para o casal dos portais. Perdi o equilíbrio e a única coisa que vi foi o rosto choroso de Aster antes que tudo explodisse.

Um dia após a batalha

Ou eu tinha muita sorte, ou o Senhor das Terras e a Filha da Luz gostavam de mim. Quis o destino, ou as duas entidades dos portais, que eu surgisse na frente de um hospital assim que cheguei na Terra, e foi lá onde eu entrei. Quase sem forças pela perda de sangue, consegui distinguir uma revoada de cabelos da cor de fogo correndo até mim antes de desmaiar.

*

— Eu não posso chamar meu pai aqui. Ele teria um infarto. Ele acha que ela está morta... todos acham isso. — A voz que sussurrava era feminina e eu sentia que deveria conhecê-la, mas o efeito dos sedativos em minha mente me impedia. 

— Eu sei, meu amor. Mas não podemos deixar ela aqui, o diretor do hospital não quer problemas e uma jovem esfaqueada é um problema. — Quem respondeu era um homem, e a voz também era conhecida, como de um passado distante. 

— Iago... — Ela sussurrou em aflição. Senti minha respiração ofegar de surpresa. 

— Marília, precisamos tirá-la daqui. Levá-la para nossa casa.

Abri meus olhos de supetão, fazendo o aparelho ao meu lado disparar. O quarto do hospital era claro, dando destaque às duas figuras no canto. Uma jovem alta e gorda, com os cabelos vermelho-alaranjados e olhos azuis por trás da armação preta e um jovem mais baixo do que ela, a pele negra e os cabelos pretos como carvão. Eu jurava que meu coração teria parado se pudesse, porque eu não imaginava, nem em mil anos, que reencontraria aqueles dois. 

Marília e Iago. Minha irmã e meu melhor amigo. 

— Olha quem acordou. -—Marília deu um sorriso, tentando sem sucesso esconder as lágrimas que rolavam por baixo da armação dos óculos. Iago, ao seu lado, também chorava. Os dois se aproximaram rapidamente e, antes que eu pudesse processar o fato de minha irmã e meu amigo estarem ali, eles me abraçaram. 

Foi quando eu comecei a chorar.

— Calma, não vai arrancar os pontos. - Marília bronqueou e saiu do nosso abraço para checar se estava tudo bem com os aparelhos e fios conectados á mim. Só então notei que ela deveria ser a pessoa que correra até mim assim que entrei no hospital.

— Tudo bem, tudo bem... não que eu não esteja feliz por rever vocês dois, mas alguém aqui pode me explicar o que está acontecendo? — Eu perguntei, me sentando no leito e olhando de um para o outro. Os dois estavam sorrindo e não pareciam nem um pouco perturbados por rever a amiga que, teoricamente, havia morrido num naufrágio de navio.

Marília e Iago trocaram um sorriso entre os dois, me fazendo notar o quanto eles estavam unidos. Sorri comigo mesma ao entender.

Conexão das almas...

— Já ouviu falar da Resistência? — Iago perguntou de volta.

— Eu já. Mas você sabe o que é a Resistência? — Eu estava atônita. Conhecera Iago a minha vida inteira, e a única vez que ele me fizera um comentário sobre Magia havia sido... — Espera. Você sabe sim o que é a Resistência. Você sabe o que é o Brilho. Você deve até saber onde eu estava esse tempo todos... você disse, na primeira vez que nos vimos, quando tínhamos três anos, que eu “era brilhosa demais para uma humana”. — Eu abri a boca de espanto, me amaldiçoando por não ter lembrado daquilo nos três anos anteriores, em que eu ficara em Mitéra. Iago riu e bagunçou seus cabelos, como fazia sempre que estava ansioso.

— Parece que temos muito o que conversar... vou te dar alta e nós três vamos para nossa casa.

*

— Eu volto pra ver vocês. Agora que vocês sabem que eu estou viva e que eu sei que vocês sabem sobre o multiverso, vai ser muito mais fácil. — Prometi, abraçando os dois com um sorriso. Marília beijou minha bochecha e Iago bagunçou meus cabelos. Como eu disse: nada havia mudado.

— Nos mande cartas. Fale com uma de suas irmãs, elas vão saber como fazer uma carta interuniversal. — Minha irmã comentou, rindo. 

Eu peguei a mochila de pano, onde estavam guardadas algumas coisas do meu velho quarto e que eu levaria para Mitéra, dei mais um abraço em cada um e entrei no círculo das fadas. Era um círculo de cogumelos bem no centro de um parque, onde um dos portais de Eulëyn ficavam. Agora eu só precisava da autorização dela para voltar para casa.

— Cuidem-se. Eu amo vocês. — Comentei, sentindo a energia mágica me envolver aos poucos. 

— Cuide-se você também. E nós também te amamos, P. Para toda a eternidade.

— Para toda a eternidade — Eu concordei, e escutei na minha mente uma voz conhecida. — Eulëyn? Me leve para casa — Sorrindo com a surpresa que ecoava dela, pedi. Logo em seguida, a surpresa se transformou em raiva e ela começou a me xingar em língua antiga ao mesmo tempo que me envolvia com sua luz e me levava de volta para Mitéra.

*

Assim que a luz cessou, me vi em um local conhecido: a clareira dos Cambridge. Ela estava do mesmo jeito que eu me lembrava, com o balanço e os vagalumes apagados. A única coisa diferente era uma Mãe Natureza parada ali, com as mãos na cintura e batendo o pé ritmicamente. Eu ri. 

— Oi, minha senhora. — Provoquei, me curvando em uma reverência. Eulëyn estalou os dedos, fazendo com que um dos cipós que se arrastavam no chão enroscasse em meu tornozelo e me deixasse suspensa no ar de ponta cabeça. — Tudo bem, tudo bem, desculpa! — Eu exclamei, rindo. — Eu devia ter contado meu plano, eu sei!

— Ah, que plano? O de pedir para Uwa e Ihé abrirem um último portal luz-terreno e te levarem para a Terra logo depois de você ter sido esfaqueada e aí você ficar sumida por duas semanas e não pensar em mandar uma única mensagem? Esse plano? 

— Eu não sabia que você podia ser tão sarcástica... — Me surpreendi — Ah, e a parte de ser esfaqueada não foi planejada. — Eulëyn pareceu inflar de raiva. Seus olhos adquiriram a cor vermelha, assim como suas bochechas. Eu ergui minhas mãos, embora ainda estivesse de cabeça para baixo. — Tudo bem, me desculpa! Eu juro que ia contar, mas eu não sabia se ia funcionar e eu sabia que se eu dissesse para você que meu plano envolvia explodir Maeve, roubar o colar e ir para a Terra, e lembrando isso funcionaria se a Senhora da Luz e o Filho da Terra abrissem um portal, você não me deixaria fazer isso. 

Ela estalou os dedos de novo e o cipó me soltou. Cai no chão com um baque, e imediatamente levei as mãos até os pontos que levara, gemendo de dor. Um segundo depois, Lyn estava do meu lado.

— Desculpa. — Eu pedi de novo, respirando fundo para controlar a dor. Ela sorriu finalmente, os olhos ficando azuis como a água. 

— Tudo bem. Desculpa pela minha explosão de raiva. É só que... eu senti sua falta, P. — Ela suspirou, colocando a mão sobre meu corte. Uma luz branca saiu de seus dedos e fez o corte cicatrizar rapidamente. Eu respirei mais calmamente, agora que a dor havia passado.

— Eu sei. Eu devia ter pensado em você e no Aster... vocês devem ter sofrido muito. Mas eu não podia falar nada. Eu juro que queria...

— Tá tudo bem. Vem. — Ela sorriu, se levantou e me estendeu a mão. Seus dedos envolveram meu pulso fortemente, de forma a me dar apoio para que eu me erguesse; apoio esse que não era apenas ali. E sim para o resto de nossas vidas.

— Onde ele está? — Perguntei. Eulëyn sorriu, sabendo de quem eu falava. Agora que estávamos perto, eu conseguia sentir meu coração lutando para encontrar o dele, como se me puxasse na direção do Mar. 

— Confie na sua conexão. Ela vai encontra-lo. 

Aster me contou que, ao mesmo tempo, ele sentiu seu coração disparar e lutar também para leva-lo até mim. Eu não sabia que nossa conexão era tão forte até aquele momento. 

Deixei meu coração me guiar e, minutos depois, eu estava em Aurial. É claro. A Praia tinha uma enorme carga emocional para nós e para nosso relacionamento. Eu o conhecera ali, eu brigara com ele ali, nós recomeçamos ali.

Novamente, eu estava descalça. A areia era fofa sob meus pés e aquela sensação por si só já era maravilhosa. Mas então eu vi Aster parado com os pés no Mar, olhando para Alémar, e aquilo sim era a melhor sensação do mundo. 

— Aster! — Eu gritei inconscientemente, começando a correr pela Praia. Ele se virou e, antes que pudesse registrar, eu me joguei em seus braços. Suas mãos seguraram minha cintura enquanto eu circundava a sua com minhas pernas. Eu ri alto e, levando as mãos até seu pescoço, o beijei como nós nunca havíamos nos beijado antes. — Eu te amo. — Sussurrei, quando enfim nos desaproximamos. Ele ainda estava confuso, mas seus olhos adquiriram um brilho diferente assim que eu proferi aquelas palavras, e um sorriso cruzou seus lábios.

— Você não me deixou falar isso há três semanas, mas eu também te amo. Para toda a eternidade. — Ele respondeu. Sentindo meus olhos marejarem, eu encostei nossas testas como o antigo gesto anão e, segundos depois, nós nos beijamos novamente.

Eu estava em casa novamente.

*

Dois anos após a batalha

— O que você acha? — Aster perguntou, tirando as mãos do meu rosto e me abraçando por trás.

— As...  — Eu sussurrei, surpresa. Estávamos de frente para um chalé de cor branca, com dois andares e uma cerca em volta. Ficava no lugar onde minha antiga casa ficara, já que esta foi destruída durante a Batalha de Abalen. Eu havia voltado a morar com minhas irmãs por insistência de Maia. — Foi por isso que Maia me obrigou a morar com elas? — Continuei a sussurrar. Ele riu.

— Sim. Mas o que acha da nossa casa?

— Nossa? — Respondi, sorrindo e me virando para ele. Nós dois nos beijamos. — Gosto de como essa palavra soa. Gosto de como essa casa ficaria perfeita se fosse nossa.

— Você não espera pelo que tem lá dentro. — Ele riu, empolgado, e me puxou para seu colo.

— Eu te amo. Para toda a eternidade.

— Eu te amo. Para toda a eternidade.

Quando eu escolhi ouvir o conselho da Mãe Natureza, sobre aprender a amar, eu não esperava que ganharia tanto. Mas ganhei um lar, amigos maravilhosos e, sobretudo, uma família perfeita com Aster Cambride, minha eterna conexão de alma.


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Notas finais do capítulo

FICOU ENORME AAAA



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