Nossa pequena história escrita por


Capítulo 3
Meu desastre particular


Notas iniciais do capítulo

Terceira semana: A primeira vez que cozinhamos juntos



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Duas semanas antes da batalha

A tensão era crescente. Palpável. Eu podia sentir o medo fluindo de cada um dos Convocados, arriscando me arrastar para o lugar em que eu estava antes de conhecer Mitéra.

Nesse caso, minha boia salva-vidas tinha um e noventa e cabelos compridos.

Aster mantinha sua promessa de me animar todos os dias apenas por estar do meu lado. Ele se mudara com Padma e Lissa para os beliches ao lado da minha irmandade e nós treinávamos juntos na maior parte do tempo entre as reuniões de atualização.

Além disso, Aster passara a ser uma companhia constante em minhas caminhadas pela margem do Mar; no começo, usávamos minha trilha de sempre, mas depois ele começou a me levar por outras, apontando para o Alémar em diversas ocasiões para mostrar-me onde havia outra ilha de sensitivos como a nossa. Aprendi que Iova ficava ao Oeste, e Argon ficava a Leste. Ao Norte ficavam as ilhas de dragões, e o Sul era reservado para as criaturas das neves.

Não demorei a perceber que Aster amava história, e era um conhecedor ávido dela. E eu me sentia cada vez mais em casa ao conhecer a história do lugar que me acolhera.

Duas semanas antes daquela ficaria conhecida como a Batalha de Abalen, eu estava sentada em uma das mesas de ferro do lado de fora do Castelo Elementar, observando atentamente uma projeção em mapa que Eulëyn criara; as formas em areia prateada representavam os Convocados, encenavam possíveis planos e táticas — tanto de ataque quanto de defesa — e eu me esforçava para acompanhar a forma menor que se movia com agilidade e segurava um longo tridente.

— Eulëyn tem uma visão otimista sobre você e suas técnicas de luta... — a voz, agora tão conhecida, chegou até mim antes mesmo de seu portador.

Aster sentou-se no tampo da mesa, com cuidado para não estragar a projeção, e acompanhou com o dedo a mesma forma que eu observava, usando a boca para dar sons aos movimentos de minha representação. Eu ri e acenei com a mão para fazê-lo parar.

— Eu não faço a mínima ideia do porquê Lyn me colocou como uma das principais atacantes! Têm gente aqui muito mais experiente que eu... — balancei a cabeça, sorrindo, e apontei para outra forma prateada. O cabelo comprido, preso em um coque, deixava-o totalmente reconhecível. — Aparentemente, Eulëyn notou que temos treinado juntos. Ela colocou você em minha retaguarda...

— Eulëyn nunca me decepciona em suas táticas. — Ele comentou, rindo. Eu dei um soco de leve em seu ombro e apaguei a projeção com um estalar de dedos. Aster pareceu lembrar do que estava fazendo ali e puxou um papel e uma caneta do seu bolso. Minha curiosidade me venceu:

— O que é isso?

— Já ouviu falar de um Händê? — Aster perguntou, pronunciando ''rrandê'' e escrevendo a palavra ao mesmo tempo em uma folha. Olhei para as letras rabiscadas em um tracejar grosso e franzi as sobrancelhas.

— Hämdi? — Tentei pronunciar como ele pronunciara, mas já sabia, pela careta que ele fez, que havia errado.

— Quase. O ''e'' é mais fechado e a palavra é com “n”, não “m”. — Ele repetiu a palavra lentamente após me corrigir — Enfim, vamos deixar a aula de pronúncia de lado e focar em história — Seus olhos brilharam de animação, como sempre acontecia quando ele ia falar da parte histórica de nosso reino:

— Um Händê é um banquete, ou de pedido ou de agradecimento. Precisa ser feito entre mais de uma pessoa, e necessariamente precisamos estar em uma floresta. Se leva uma manta azul-esverdeada, nós nos sentamos nela e nossa comida precisa ter sido cozinhada por nós mesmos e levados em uma cesta de madeira...

— Então é um piquenique? — Perguntei, apenas para vê-lo franzir o rosto do mesmo jeito que Maia fazia. Era extremamente fofo.

— Ah Paula... não é um simples piquenique humano... O Händê é um banquete de agradecimento pela vida, pela família e só funciona com seres mágicos. Mas... bem, de onde você acha que os humanos pegaram a ideia para um ''piquenique''? — Ele respondeu. Revirando os olhos, me sentei na mesa de ferro a seu lado.

— E posso saber o motivo de estar aprendendo tanto sobre essa tradição? — Provoquei.

— Eu estava mexendo na loja da minha mãe esses dias e achei uma das cestas que está na minha família desde a Grécia Antiga, ela é tão linda e tem uma envergadura circular; ah! O corpo dela é adornado de gravuras de cenas da antiguidade... — Aster se embolou para falar e ficou vermelho. Eu sorri e apoiei as mãos para trás, reclinando-me.

— Você está me chamando para um Händê? — Perguntei. Aster limpou a garganta e bateu as mãos na calça em sinal de nervosismo.

— Depende... se a sua resposta for sim, então sim, eu estou te chamando para um banquete de agradecimento... agora se a sua resposta for não, então eu só simplesmente estou contando para você sobre uma relíquia da família que eu achei e sobre uma tradição de nosso povo...

Nós dois rimos um para o outro e eu me estiquei inteira para ficar suficientemente perto; beijei sua bochecha de modo rápido.

— Eu faço uma torta de maçã deliciosa... — Comentei, esperando que fosse uma resposta suficiente. Aster abriu um dos maiores sorrisos que eu já vira e se virou para mim, com o intuito de retribuir o beijo que eu lhe dera.

Eu não estava a fim de cometer o mesmo erro que cometera dois anos atrás, então em vez de me afastar eu simplesmente esperei. Seus lábios deixaram minha bochecha queimando e um sorriso bobo pendurado em meus lábios.

— Eu não sei cozinhar, mas prometo levar meu violão — Ele comentou ao se endireitar, ainda sorrindo.

E eu percebi, pela primeira vez, que para aquele sorriso tudo valia a pena

*

Eu não queria, mas precisava admitir: Aster era um total desastre na cozinha. Quando Maia me alertou sobre o quão desastrado ele era se tratando de cozinhar, eu não acreditei. E estava sentindo na pele o quanto estava errada.

— Isso é sal! — Eu gritei, tentando não rir enquanto segurava sua mão antes que ele estragasse nossa quinta massa de torta. Eu queria apoiá-lo, mas a gargalhada escapou mesmo assim de minha garganta.

— Admita, eu sou um desastre... — Aster riu, devolvendo a colher de sal para o pote.

— É... só um pouquinho. — Tentei amenizar a situação.

— Essa é a quinta massa que eu estrago, P! — Aster contestou, acenando para a pia onde havíamos derramado as outras massas.

— Tudo bem, eu admito. Você é um desastre. Mas pelo menos não colocou fogo na minha cozinha...

Foi só falar. Eu acho que a entidade do fogo, Fotiá, estava só esperando essas palavras mágicas. De algum modo, Aster conseguira fazer meu brigadeiro pegar fogo dentro da cozinha. Comecei a rir sem conseguir parar.

— POR DRAIM, ME DESCULPA! — Ele gritou, levando as mãos aos cabelos. Eu ri mais ainda por causa de sua atitude e, com um estalo de dedos, fiz a umidade do ar à nossa volta abafar as labaredas até que elas não existissem mais.

— As, tá tudo bem — Eu ri e abracei seu corpo com carinho, apoiando a cabeça em seu peito. — A gente dá um jeito.

Ele me abraçou de volta e me ergueu do chão. Estávamos tão conectados que era como se um soubesse o que o outro necessitada.

Conexão das almas...

— Vamos começar do zero? Dessa vez, a gente eu vou fazer o bolo inteiro do seu lado. — Sugeri. Aster sorriu e beijou minha testa.

— Juntos?

— Juntos.

*

Despejei com cuidado a massa em uma assadeira e coloquei-a no forno. Depois de algumas poucas horas na cozinha, finalmente havíamos terminado nosso lanche para o Händê. Aster se aproximou enquanto eu me sentava na ilha de mármore e colocou as mãos apoiadas em volta de mim.

— E então, senhor Cambridge? — Perguntei, abraçando seu pescoço e puxando-o para mais perto. — O que achou de cozinhar comigo?

— Eu acho que vou ter uma professora particular de culinária assim que essa batalha passar. — Ele sorriu, e eu acompanhei seu gesto. Automaticamente. Sem precisar pensar.

Conexão das almas...

— Onde vamos fazer o Händê? — Perguntei.

— Bom... a tradição manda que façamos em um solo puro, e isso significa a campina do Velho Poço.

— O Velho Poço? Das canções do dia de Draim? — Perguntei, fascinada. Era uma das minhas canções favoritas, e contava a história de Mitéra que tivera início naquele poço.

— Esse mesmo. — Aster riu com minha empolgação. — É o solo mais puro de Mitéra, de onde a magia flui mais facilmente...

*

O local escolhido por Aster era perfeito. Estávamos ao lado do Velho Poço, a única coisa que existia em Nnanrena antes de Eulëyn e as entidades chegarem naquela terra. Nos sentamos lá, rindo sem parar, e o da passou rapidamente.

Quando anoiteceu, nos deitamos na toalha e observamos as estrelas no céu negro. Aster apontava as constelações de Nnanrena, como o hipocampo, a sereia e o centauro. Eram lindas e eu conseguia vê-las com clareza.

— Eu queria ter feito isso quando ainda morava na Terra. — Eu comecei uma conversa, deitando a cabeça em seu peito. O dia fora mais quente que o normal, de modo que os vagalumes haviam se refugiado em locais mais gélidos, deixando a clareira mais escura do que o habitual. — Mas com a poluição, quase não dava para ver as estrelas. — Eu suspirei, aborrecida. Depois que você conhece Mitéra, conhece a natureza em sua forma mais pura, era impossível não ficar aborrecido com a ação dos seres humanos. Aster riu com minha irritação.

— Infelizmente os humanos perderam a pureza de seus corações há muitos anos atrás... A Terra poderia ter uma Natureza tão bela quanto a de Nnanrena...  — Ele comentou, me envolvendo em seus braços. Eu concordei.

Ficamos em silêncio e Aster fechou os olhos enquanto comia o último pedaço de bolo. Depois de tantas tentativas, eu não esperava um resultado tão bom e delicioso. Tão bom que, mesmo com o passar dos anos, eu e Aster continuamos fazendo-o para nossa família, sempre do mesmo modo que daquela primeira vez: nos divertindo e rindo juntos.

— Agora nós agradecemos. — Aster sussurrou, os olhos ainda fechados e um sorriso no rosto. Eu me impressionava com o quanto ele sorria fácil em minha presença, e com o quanto eu amava cada dia mais aquele sorriso.

Imitei seu gesto, bloqueando minha visão, e fiz uma lista mentalmente pelo que tinha que agradecer.

Aster era o primeiro motivo. Se não fosse por sua amizade, ou pelo algo maior que estávamos criando pouco á pouco, eu possivelmente não teria passado por aqueles messes pré-batalha. Logo em seguida vinham minhas irmãs, minha nova família, e pelo meu lar.

Assim que acabamos, as estrelas ficaram mais brilhantes e uma delas cortou o céu com uma cauda cintilante atrás de si. Era a primeira vez que eu via uma estrela cadente em toda a minha vida.

— É Draim nos dizendo que recebeu nosso Händê. — Aster me explicou, se virando para ficar com o corpo virado para mim. Nossos narizes quase se encostavam e nossas respirações se misturavam naquele curto espaço.

— Foi mágico, As. Eu amei cada segundo. Até quando você colocou fogo na minha casa.

— Quase coloquei. — Ele corrigiu. Eu ri.

— Quase.

Ele se aproximou mais, encostou nossas testas e me puxou para mais perto de si. Meu corpo inteiro estava em chamas pelo contato e pela proximidade.

— Tenho algo para você. — Ele puxou do bolso um pequeno objeto verde, que eu reconheci rapidamente. — É um apanhador de sonhos.

Eu o peguei e o levei até meu peito, apertando-o entre minhas mãos.

— Eu adorei. De verdade. — Comentei. Aster voltou a me colocar em seu peito, e conversamos por algumas horas sobre os Mundos Paralelos e os seres que neles vivem.

No fim da noite, acabei adormecendo em seus braços pela primeira, mas não última, vez.


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Notas finais do capítulo

Quase perdi o dia? Quase perdi o dia. Mas aqui estamos, né? Obrigada, Débs, por me lembrar que eu devia postar.
Acho que esse não precisa de nemhuma explicação. Se algo ficou confuso, perguntem ♡
Eu estou escrevendo uma outra história para esse desafio, vou jogar o link aqui daqui a pouco
Comentem, bebês ♡♡♡



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