Point Place 

28 de maio de 1983 

Night  

Jackie estava deslumbrante, aliás, ela era deslumbrante sempre. Mas acontece que o vestido de renda e cetim acentuava seu corpo e a deixava elegante. E aquela era certamente uma boa maneira de estar de volta a Point Place. Depois de três anos morando em Chicago, retornar a sua cidade natal lhe dava alegria e embaraço. Não era fácil reencontrar três ex-namorados de uma só vez. Mesmo que agora dois deles não morassem mais na cidade, todos estavam ali para o casamento.  

Donna e Eric. Não era novidade, afinal. Todo mundo sabia que eles iriam se casar eventualmente. E depois de Eric retornar da África, ele teve que se esforçar para conquistá-la de volta. Mas no fim, com os dois juntos na mesma Universidade e dividindo um apartamento em Madison, bem, depois disso o casamento veio naturalmente, a seu tempo. E ali estava Jackie, vestida de dama de honra, de pé no altar da pequena igreja, assistindo sua melhor amiga caminhar para uma nova vida.  

Vida esta que Jackie sonhou por muitos anos. A vida toda se fosse bem sincera, seu plano era casar, beijar seu marido quando ele chegasse em casa depois de um dia de trabalho, enquanto ela tirava seu tempo para cuidar de si, participar de eventos tolos e dar ordens a empregados sem rostos. Uma grande bobagem. Mas o destino prega suas peças e ali estava ela, solteira aos 22 (quase 23) anos. Ela nunca quis ser uma mulher ocupada e independente, aquilo era um sonho de Donna. De todo modo, ela era grata pelos anos de convivência com amiga, sem ela Jackie não conheceria os meios de viver aquela vida (talvez outra pessoa tivesse algo a ver com isso também, mas que seja). Não que ela tenha se tornado uma mulher segura e de carreira sólida, mas era o que ela tinha agora e ela faria de tudo para chegar lá. E se seus três relacionamentos passados serviram para lhe mostrar alguma coisa, que no fundo ela sempre soube, é que ela era sua melhor companhia.  

Dali onde estava, ela podia ver Michael, Brooke e a pequena Betsy, sua afilhada, sentados lado a lado no segundo banco. Eles tinham sido seu apoio nos primeiros meses em Chicago. Kelso visivelmente tinha amadurecido muito mais nos últimos anos, principalmente depois de ter se casado, em novembro de 1981. Agora ele trabalhava na Chicago PD, além de ser um pai atencioso e doce, bastante atrapalhado também, era verdade. Ela sorriu para ele que sorriu de volta, para Michael, Jackie agora tinha apenas carinho e um grande sentimento de amizade. Ele fora seu primeiro namorado e eles tiveram um relacionamento quase infantil. Sim, ele havia mentido para ela e a magoado muito, mas sim, tudo já fazia tanto tempo. E com Kelso, Brooke e Betsy por perto, ela sentia que tinha uma família em Chicago. Um pedaço de casa.  

Do lado dele estava Fez. O sorriso do amigo para ela era grande e impossível não retribuir. Fez tinha sido, talvez, o melhor amigo que Jackie já teve e ela sentia muita falta dele. Ela evitou rir quando relembrou a tosca tentativa de torná-lo seu namorado. Bem, eles de fato namoraram por quase dois meses. O primeiro mês se resumiu em beijos esquisitos e uma chuva de presentes que ele lhe dava. E no segundo mês, era tão evidente que aquilo era um erro, que eles acabaram tudo em risadas antes mesmo da 7ª semana. Jackie o tinha escolhido por que ele representava tudo o que ela queria em um homem, ou tudo que ela achava que queria. Ele a amava, era doce e confiável e constantemente lhe dizia o quão perfeita ela era. Mas ela nunca o amou e nem ele a ela. Então tudo aconteceu rápido demais e ela conseguiu uma nova oportunidade naquele canal televisivo de Chicago e então ela foi, empacotou tudo e partiu. 

Claro que um dos principais pesos em sua decisão foi poder se afastar dele.  

Steven Hyde. 

Uma pontada incomodou seu estomago quando ela o espiou com o canto dos olhos, de pé ao lado de Eric no altar. Ele era o mesmo, mas parecia mais bonito do que ela recordava da última vez que o vira. Vestia um terno simples e escuro, a barba crescida e bem alinhada lhe dava um ar maduro. De repente seus olhares se cruzaram pelo altar, Jackie pensou em desviar, mas se deixou ficar presa ali por alguns segundos, só para ver um sorriso puxar o canto dos finos lábios dele.  

E de repente ela se pegou sorrindo de volta. 

E de repente seu coração bateu mais rápido. 

Deve ter sido uma reação normal. Àquela altura, ela não negava pra si mesma que Steven fora seu grande amor. Ela realmente tinha apostado todas suas fichas nele e mesmo que ele não fosse nada – nada — do que ela tinha sonhado como homem, ela o tinha amado com todo seu coração. E ele tinha partido seu coração como nenhum outro. Uma sucessão de erros motivados pelo orgulho de ambos fez com que eles chegassem ao fim, deixando-a em frangalhos. Todo aquele Chicago Fiasco, o falso casamento com a Stripper nojenta, todo aquele teatro de quem se importava menos com outro. Tudo aquilo tinha acabado com ela. Jackie nunca imaginou que alguém tivesse tanto poder sobre ela. Era seguro admitir que tudo que ela tinha feito depois era em razão de tentar esquece-lo: a total indiferença, seu relacionamento com Fez, sua partida de Point Place. No entanto, também era seguro dizer que ela tinha, de fato, o superado. E olhando para ele agora, ela não sentia nada. Nada mesmo.  

A cerimônia havia sido muito emocionante. Era bonito ver como o amor de Eric e Donna havia perdurado pelos anos e amadurecido. Era bonito assistir e saber que ela também fazia parte daquela história. Jackie forçou para baixo o bolo que se formava em sua garganta, ela não era daquele tipo, de chorar por qualquer bobagem, mas naquele dia ela estava muito nostálgica. Sensível. Essa história de casamento lhe fazia reviver e repensar muitas coisas. Voltar a Point Place também não ajudava. 

Depois de parabenizar o casal e dar um grande e demorado abraço em Bob, Red e Kitty, ela se dirigiu até a mesa. Não sem constrangimento, ela cumprimentou a todos e sorriu, sentando-se no único lugar disponível, ao lado de Brooke e Steven. Uma forte sensação de desconforto à presença física de Steven ao seu lado tomou conta dela. Por causa disso, ela preencheu mais uma vez sua taça com a champanhe.  

O clima estranho foi completamente quebrado quando Kelso anunciou que ele e Brooke iriam ser pais novamente. Houve muito riso e abraços, além, é claro, das costumeiras implicações entre Steven, Michael e Fez. O jantar fora agradável e, conforme o álcool deixava todos mais à vontade, eles riram muito, relembrando algumas das melhores histórias entres os amigos. Depois das primeiras horas, os convidados já começavam a se movimentar e circular pelo pequeno salão. 

—Então, Jackie! Quanto tempo, han? Como estão as coisas em Chicago? - Steven lhe perguntou quando restou apenas os dois à mesa, virando-se um pouco em sua cadeira pra olhá-la, um braço escorado no encosto e uma perna meio dobrada sobre o acento.  

—Oh, estão ótimas. - Respondeu, sentindo uma urgência em mentir um pouco e dando um gole um tanto longo em seu champanhe logo após. - Você sabe, estou totalmente focada no meu programa. - Ela encolheu os ombros um pouco. 

—É, seu programa tem sido um sucesso e tanto. Não me surpreenderia nada ver você em Hollywood daqui uns anos.  

Ela riu, talvez demais, sentindo um nervosismo estúpido em seu interior, que ela decidiu ignorar. - Quem me dera! O horário não me favorece muito, mas tenho trabalhado bastante, então...  

Um estranho momento de silêncio veio logo depois. Jackie evitou levantar seu olhar, pois sentia que Steven a analisava, então ela se manteve fitando as próprias mão sobre a mesa. Deu outro gole na sua bebida. 

—Eu ouvi que você está em Milwaukee agora. - Disse, finalmente olhando para ele. Hyde assentiu com a cabeça, parecia não ter realizado com clareza o que ela dissera. Depois de um segundo ele finalmente disse algo.  

—Sim, eu... Precisei dar um apoio para WB, mas não é nada definitivo. 

—Ele está bem? - Jackie perguntou, genuinamente preocupada. 

—Sim, sim. Agora está. 

—Que bom! - Houve um pequeno momento de um silêncio embaraçoso - Pensei que Angie viria.  

—Ela está em Nova York. - Ele respondeu de pronto.  

—Uau. A cidade? -  Hyde assentiu. - Puxa, que legal. Mas ela ainda está na Grooves? 

—Está. Na verdade ela ganhou uma bolsa de especialização. Deve retornar no próximo ano.  

—Isso é bom pra ela.  

—É sim.  

Mais um momento de silêncio, com ambos olhando para frente. Porque aquilo tinha que ser tão estranho? Jackie preencheu sua taça novamente. E de repente a ideia de ainda restar qualquer sentimento por Steven dentro dela a apavorou. Talvez ela não estivesse tão pronta assim para tudo aquilo.  

—Bem, eu... eu vou procurar Donna. Te vejo depois. - Ela disse sem olhá-lo de fato. 

Steven apenas assentiu para ela e então Jackie saiu dali um tanto apressada. Aquilo ia bem mal. E seu coração batendo desesperado não ajudava em nada. Ela soltou um pesado suspiro, virando sua taça em seguida.