Dessa Vez o Amor Venceu escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
Como qualquer outro casal


Notas iniciais do capítulo

Esse foi, acredito, o capítulo mais difícil de ser escrito. Não por ser o penúltimo da série de contos, mas pela revelação da Sol. Como não é minha realidade, fiquei bem preocupada em como colocar isso no papel. Peço desculpas adiantadas caso não tenha feito direito ou alguém se ofenda de alguma coisa.



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—Como é que você consegue acordar tão cedo?-Missy perguntou, vindo para a sala. -A gente passou quase a noite toda acordada... Estou exausta... Sol, o que foi?-Franziu a testa. Larguei meu celular no sofá e suspirei.

—Meus pais acabaram de ligar.

—Eles estão bem?

—Estão... Missy, eles estão vindo pra cá. -Ficou pensativa por alguns segundos.

—Desculpe. Eu não entendi. Por que está tão preocupada?

—Eu não contei a eles que estou namorando você. -Sentei no braço do sofá. -E não sei como contar a eles.

—Que tal: “Mãe, pai, essa é a minha namorada”?

—Não é tão simples. -Pareceu confusa.

—Por que não?

—As pessoas na Terra são diferentes. Nem todo mundo entende... Isso.

—Isso?-Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, pensando em como explicar a minha sociedade para uma Senhora do Tempo.

—Missy, as pessoas, não todas, são preconceituosas. E não são todos os pais que entendem quando um dos filhos se assume.

—Então você acha que se disser aos seus pais que é bissexual e está namorando comigo... Eles não vão entender?

—Não sei. Eu... Sei lá. Eles não são exatamente... Pessoas de mente aberta. Não sei como vão reagir.

—Quer manter segredo? Podemos dizer que sou só uma amiga...

—Mas eu não quero mentir. Não quero que seja segredo. Quero que eles te conheçam como minha namorada e gostem de você. Entende?

—Entendo. Bem... Eu não sei o que fazer. Os Senhores do Tempo não ligam pra esse tipo de coisa. Nós somos mais evoluídos nesse quesito...

—É, eu sei. Nós terráqueos somos só um bando de criancinhas estúpidas. -Sorriu.

—Parece que nem todos. -Se aproximou, segurando minhas mãos. -Devemos ter um tempo antes dos seus pais chegarem. Por que não fazemos um bolo pra eles enquanto tentamos achar um jeito de você contar?

—Tudo bem. -Fiquei de pé. -Eu preciso me distrair um pouco, ou vou pirar.

—Então vamos lá, corujinha. -Me deu um beijo rápido. -Vai ficar tudo bem.
***

Quando ouvi as batidas na porta, pensei em me esconder em baixo da cama. Era um pensamento tão estranho e infantil que teria me feito rir em outra situação.

Missy parecia preocupada, olhando pra mim enquanto eu estava parada no mesmo lugar, encarando a porta como se ela fosse uma coisa assustadora e perigosa.

—Quer que eu atenda?-Sussurrou. Fiz que não, respirando fundo pra me acalmar.

Vai ficar tudo bem, Sol. Seja corajosa.

Me movi lentamente até a porta, abrindo-a em seguida. Meus pais estavam ali, sorridentes. Fazia um bom tempo em que eu não os via, principalmente depois que Missy se mudou para o meu apartamento.

—Querida, olhe pra você, tão magrinha. -Mamãe comentou. -Ela está mais magra, não é, Miguel? Olhe pra ela. Não está comendo direito, filha?

—Ela sempre foi magrinha, Josie. Não seja dramática. -Beijou meu rosto e entrou no apartamento, minha mãe fez o mesmo.

—Eu trouxe um pouco do doce de morango que fiz. -Me entregou um pote verde que devia ter mais de vinte anos. -Na próxima trago mais alguma coisinha.

—Não se preocupe, estou bem. -Avisei, deixando o pote na bancada da cozinha e parei ao lado de Missy. Meus pais pareceram tê-la notado pela primeira vez.

—Quem é a sua amiga?

—Hã... Essa... Essa é a Missy. -Respirei fundo. -Ela é a minha namorada.

Eu ainda lembrava das expressões deles, de cada uma delas que veio a seguir.

Meu pai pareceu surpreso, olhando de Missy pra mim repetidas vezes. Eu praticamente podia ouvir seu cérebro trabalhando, tentando assimilar a informação.

Minha mãe também tinha ficado surpresa, depois olhou Missy de cima a baixo como se estivesse a avaliando e fechou a cara.

—Sol, que história é essa?-Perguntou. -Você não é... Não é... Você sabe. Você tinha um namorado. Como é mesmo o nome...? João?

—John. John Smith. -Esse era o nome que meus pais achavam ser do Mestre. Eles nunca o conheceram pessoalmente. Eu sempre adiei o encontro, achando que seria uma péssima ideia.

—Isso mesmo. Você tinha um namorado.

—Eu tinha, mas nós terminamos. Então eu conheci Missy e...

—Você namorava um homem. E ela é uma mulher. -Disse, como se eu não tivesse percebido.

—Mãe, as pessoas podem gostar dos dois. Isso se chama...

—Não. Não. Não me venha com essa. Você, não. Não é... -Meus olhos começaram a arder. Missy segurou minha mão. -Eu... Não entendo. Isso sequer faz sentido...

—Mãe...

—Você tem que estar brincando. -Parou, como se me esperasse dizer que era uma pegadinha, mas pareceu ter entendido que era real. -Ah, Sol... Você não... Não pode... -Então se virou e saiu.

Algumas lágrimas recorreram pelo meu rosto, as limpei depressa, tentando parar de chorar. Missy começou a sussurrar algumas palavras tranquilizadoras. Aí eu lembrei que meu pai estava na sala ainda.

—Sol, eu sinto muito. -Murmurou, parecendo desconfortável. -A sua mãe, ela... Ela vai entender.

—Você não está bravo?

—Bravo? Com o que? Você não fez nada de errado. -Me abraçou com força. -Por que eu ficaria bravo com você, querida? Eu te amo, não importa o que você faça. -Se afastou pra me olhar, limpando meu rosto com a mão. -Não me importo com quem você esteja namorando, desde que seja um relacionamento saudável e com amor. -Sorriu quando viu minha cara de surpresa. -E você dizia que eu não era moderno, não é?-Olhou para Missy. -Você gosta da minha filha?

—Sim. -Respondeu. -Eu amo a Sol. E é verdade, posso jurar pelo que quiser.

—Então por mim tudo bem. Agora... Estou sentido cheiro de bolo?-Comecei a rir, me acalmando, e abracei meu pai de novo.
***

—Sua mãe é uma cabeça dura, mas ela vai entender. -Papai garantiu, sentado ao meu lado. Missy colocou mais um pedaço de bolo no prato dele. Os dois estavam se dando muito bem. -Ela só ficou... Você sabe, surpresa.

—Não entendo por que a surpresa. -Missy confessou. -Somos todos pessoas, não é?

—Bom... Uma parte da sociedade não entende isso. Mas as coisas estão mudando, vocês podem até se casar.

—Não estamos pensando tão longe. -Avisei, Missy olhou pra mim. -Estamos?

—Há quanto tempo vocês estão juntas?

—Hum... É uma questão complicada. Não tenho certeza... É uma coisa... Meio recente.

—E como se conheceram?

—Temos um amigo em comum. Ele nos apresentou. -Sorri. -Nos estranhamos no começo, mas agora está tudo certo.

—Ah, acontece com os melhores casais. Oh, Sol, eu já ia esquecendo... Sua tia está planejando uma festa para a família toda. É sábado que vem. Vocês duas podiam aparecer.

—Não sei se é uma boa ideia. Você conhece nossa família.

—Acha que vão dizer alguma coisa?-Missy perguntou.

—Eles que ousem. -Papai desafiou. -Eu não vou deixar ninguém falar da minha filha e da minha gentil nora. -Missy sorriu. -Bem, preciso ir. Espero que decidam aparecer na festa. Você sabe que suas primas vão estar exibindo aqueles namorados horríveis delas, Sol. Mas nem todo mundo da nossa família é ruim, Missy. Alguns se salvam, você vai ver.

—Eu espero que sim. Foi um prazer conhece-lo, senhor...

—Não, não. Pode me chamar de Miguel. “Sogrão” também serve. -Revirei os olhos, enquanto ele ria.

Meu pai se despediu e foi embora. Ele não disse nada sobre a minha mãe, e eu entendia o por que. Nenhum de nós sabia o que ela ia fazer em seguida. Ia parar de falar comigo? Ia dizer que eu não era mais filha dela?

—Seu pai é bem legal. -Missy comentou, tirando as coisas da mesa.

—Ele gostou de você.

—Ah, todo mundo gosta de mim. Bem... Talvez não todo mundo. Sinto muito pela sua mãe.

—Tudo bem... Deixa pra lá.

—Sol, você não precisa fingir que está tudo bem. Eu sei que a reação dela te deixou magoada.

—Eu esperava que ela fosse voltar. -Confessei, me encostando no balcão da pia. -Achei que ela voltaria e pediria desculpas, então íamos ficar bem.

—Ela vai mudar de ideia. Tenho certeza. Você é filha dela. Sei que a mulher que te criou, aquela que te fez essa mulher incrível, não vai te abandonar. -Me abraçou. Fechei os olhos, aproveitando o abraço. Missy se afastou e sorriu. -Agora você lava a louça.

—Eu tenho certeza de que a louça é sua hoje. -Sorri.

—Não, tenho absoluta certeza de que é sua.

—Ah, é? Tudo bem. -Abri a torneira, enchendo a mão de água e jogando em Missy.

—Não! Corujinha!

—Sua trapaceira. Sábado é o seu dia de lavar a louça.

—Você vai jogar sujo? Okay.

Jogou o pano de prato em mim. Revidei com mais água e de repente aquilo virou uma guerra maluca que molhou e sujou a cozinha toda. No fim, Missy e eu nos sentamos lado a lado no chão, exaustas e encharcadas.

—Você sabe que vai ter que limpar toda essa bagunça, não sabe?-Provoquei.

—Só nos seus sonhos, corujinha. -Encostei a cabeça no ombro dela, bocejando.

—Missy?

—Sim?

—Eu te amo. -Beijou o topo da minha cabeça.

—Também te amo, Sol.
***

Mesmo depois me vestir, permaneci no quarto, roendo as unhas.

Será que era uma boa ideia ir na festa? Minha mãe (que não falava comigo) ia estar lá, e uma penca de parentes que jamais entenderiam o que eu sentia por Missy como amor. Talvez ir fosse pedir para receber olhares feios e umas palavras duras.

Mas... Eu não podia me esconder, podia? Meu pai estava certo. Não fiz nada de errado. Missy e eu não éramos criminosas e não precisávamos nos esconder. Se as pessoas não iam entender, problema delas.

Saí da sala, vendo se tudo estava no lugar. Tinha colocado o vestido que Missy me deu de natal, acrescentando um cinto preto, assim como as sapatilhas. O colar que Mestre me deu estava no meu pescoço.

Missy esperava na sala, já pronta: calça jeans preta, saltos pretos, uma camiseta branca e o cabelo solto, com uma trancinha lateral presa para trás, exatamente como eu tinha feito nela uma vez.

—Você fica linda em roupas normais. -Avisei, fazendo-a rir.

—Não me elogie muito, ou vamos acabar sem roupas.

—Nem pense nisso, levei horas pra me arrumar.

—Certo. Você quer mesmo ir? Parece um pouco... Nervosa.

—Pensei em não ir... Mas sentiria que estou sendo covarde. Acho que preciso ser um pouco corajosa.

—Você é. -Se aproximou, segurando minhas mãos. -Você é a humana mais corajosa que eu já conheci. E está linda. -Sorri.

—Obrigada. Bem... Acho que devemos ir... Ou posso acabar desistindo. -Peguei minha bolsa.

—Pronta?-Assenti.

—Pronta.
***

Estava praticamente todo mundo lá. Alguns estavam na longa mesa montada no centro do pátio, conversando e pegando alguns dos aperitivos. Outros se reuniam em alguns cantos, e uma boa parte estava perto das churrasqueiras. As crianças corrias e brincavam.

—Família grande. -Missy comentou. Segurei a mão dela.

—E ainda falta gente.

—O que fazemos agora?-Olhei em volta. Meus pais não estavam lá.

—Hum... Aquela é minha avó paterna. Vamos falar com ela.

Começamos a nos aproximar. Quase vacilei ao ver Dolores ao lado da vovó. Era minha tia... E era totalmente preconceituosa, por mais que não tirasse os pés da igreja.

—Oi, vó. -Saudei, me inclinando para beijá-la no rosto. Eu era uma das poucas netas de quem ela lembrava.

—Sol. Você veio. -Sorriu. -E está linda.

—Obrigada. -Respirei fundo. -Vó... Essa... Essa é a Missy... Minha namorada. -Vovó moveu o olhar para a mulher ao meu lado, então sorriu para ela.

—Olá. -Estendeu a mão, Missy sorriu de volta, apertando a mão dela.

—Sol. -Dolores chamou. Me virei lentamente pra ela. -Você disse que ela é quem?

—Minha namorada. -Respondi. Ela ergueu as sobrancelhas.

—Ah, Sol... Que feio... Você sabe que Deus...

—Cala a boca, Dolores. -Vovó resmungou, revirando os olhos.

—Não acredito que teve coragem de trazer essa mulher aqui. Sol, isso é tão errado... Eu nem sei o que dizer. Você sempre foi uma menina tão educada...

—Ah, Dolores, fecha essa boca!-Me virei, era minha mãe. Todo mundo começou a ficar quieto, observando o que estava acontecendo. -Você fica aí lançando seu veneno na vida dos outros e esquece da sua! E depois é a santinha da família, não é?

—Só estou dizendo que...

—Esse é o problema: você continua abrindo essa boca preconceituosa. Por que não fala do seu filho que usa drogas?-Minha tia arregalou os olhos.

—Meu filho não usa...

—Você saberia disso se parasse de cuidar da vida alheia. Minha filha tem uma namorada sim!-Olhou em volta. -E daí? O que isso muda na vida de vocês? Droga nenhuma!-Respirou fundo. -Eu fui uma estúpida. Fiquei zangada, parei de falar com ela... Achava, como Dolores, que isso era o fim do mundo. Mas quer saber? Não é. Ela se apaixonou por essa mulher. É como qualquer outro casal. Eu demorei para perceber isso... Mas finalmente aconteceu. E não vou deixar ninguém, -Olhou para Dolores. – eu disse ninguém, magoar a minha filha. Então façam o favor de manter suas línguas venenosas dentro da boca.

Por um momento, todo mundo ficou em silêncio. Então minha avó começou a aplaudir, sendo seguida pelo meu pai, por Missy, e enfim por mais alguns parentes. Minha tia olhou em volta como se não acreditasse no que estava vendo, e saiu marchando para dentro de casa, furiosa.

Minha mãe olhou pra mim, os olhos brilhando com lágrimas, exatamente como os meus.

—Eu posso dar um abraço na minha filhinha?-Perguntou, assenti, me apressando para abraçá-la. -Desculpa, desculpa.

—Tudo bem. Está tudo bem. -Se afastou, limpando o rosto com a mão.

—Seu pai falou comigo... Eu fui tão horrível com você... Você me desculpa?-Assenti.

—É claro, mãe. -Olhou para Missy, timidamente.

—Você pode me desculpar também?

—Posso, sim. -Respondeu.

—Então abrace sua sogra. -Me afastei, sorrindo ao vê-las se abraçarem. Vovó piscou pra mim, enquanto meu pai se aproximava, passando o braço por cima dos meus ombros e beijando meu rosto.

Eu não sabia o que ia acontecer agora. Mas dessa vez... O amor venceu.


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Notas finais do capítulo

Decidi optar por um final feliz, para o conto em questão, por que acho que o casal Missol merece isso. Infelizmente essa não é a realidade de muitos.
Até mais.



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