Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

"No fundo de um buraco ou de um poço, acontece-se descobrir estrelas" - Aristóteles



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Benjamin

Assim que abri os olhos, saltei da cama como um atleta olímpico. Olhei o relógio e vi que estava meia hora atrasado. Normal. Fiz minha higiene matinal, comi uma maçã e parti disparado para o trabalho. Porém, mesmo estando atrasado, precisava passar no Starbucks, pois fazia parte da minha rotina fazer um lanche enquanto esperava o amor da minha vida aparecer. Ela, diferente do atrasado na vida aqui, já estava lá. Sentada num canto, parecia distraída, observava algo além da janela de vidro. O Sol batia clareando seus cabelos loiros presos num coque frouxo, mas seus lábios me prenderam a atenção, vermelhos e brilhantes como uma maçã no deserto. Ela era tão linda, derretia-me toda vez que admirava sua beleza através das telas.

Meu coração batia acelerado, estive ansioso por esse momento há tanto tempo. Respirei fundo e me aproximei todo na pose de um conquistador nato. Engrossei a voz encarnando um galã de novela e comecei a cantada.

— Olá, bela moça! — Ela virou a atenção para mim e deu um sorriso em forma de cumprimento. — Meu nome é Benjamin, benjaminha boca?

Ela riu cheia de classe, baixo e melódico, com a mão na frente da boca. Ricos! Para minha surpresa, a bela e maravilhosa levantou e nossos corpos estavam quase colados, até meus sonhos se realizarem e acontecer o, senhoras e senhores, o beijo. E, crianças, preciso dizer que foi a melhor coisa da minha vida. Eu me sentia a pessoa mais sortuda do planeta, Via Láctea, Universo e Multiverso. Quem consegue encontrar o ídolo numa lanchonete qualquer e ainda ter a chance dele gostar de você? Ela era a minha cantora favorita e era o destino agindo ao nosso favor com toda a certeza, só precisávamos de uma pessoa para selar nossa união.

Se tudo isso fosse verdade... Despertei e fiquei decepcionado ao notar que ainda estava no ônibus. Devo ter roncado ou babado, porque tinha um menino de mais ou menos 10 anos tentando disfarçar uma risada, enquanto seus olhos estavam fixos em mim. Dei a língua e ele me devolveu. Sou muito maduro, eu sei.

Suspirei e levantei para descer a poucos pontos depois.

Saí do ônibus e encarei o prédio onde eu moro a mais de cem quilômetros, ou metros, não sei, não tenho noção de distancia, só pensa que tem várias casas e alguns edifícios pequenos na frente com umas nove esquinas para atravessar para eu chegar lá. Enfim, já estava cansado só de olhar o tanto que eu teria que andar até encontrar o conforto de novo, e ainda carregando várias sacolas de mercado com o coração apertado por saber que tudo aquilo seria descontado do meu salário, é triste. Cerca de 90% dos trabalhadores de mercado ganham algo próximo a um salário mínimo, eu estou no meio, e os outros 10% são os burgueses que viajam todo final de semana para o litoral ou Nova York com o salário que ganham.

Depois de já ter atravessado quatro esquinas, começo a escutar a Marcha Imperial de Star Wars tocando por perto. Após apreciar as batidas das notas por cinco maravilhosos segundos, me toquei que estavam vindo do meu celular. Entrei numa pastelaria, joguei as bolsas na primeira mesa disponível e peguei o celular com a certeza que ouviria a voz animada e acolhedora, para não dizer o contrário, do meu irmão do outro lado da linha

— Já está indo para casa, Benjamin? — Era ele. Sim, esse é meu nome e eu amo meus pais. — Viu a mensagem que te mandei? Por que não respondeu?

— Estava trabalhando.

— Por que não me contou que agora trabalha com as mãos? — Questionou com o sarcasmo feroz que só ele sabe. Muito acolhedor meu irmão. — Que eu saiba, você apenas utiliza de seus recursos vocais para trabalhar, então sua mão estaria livre para responder minha mensagem.

A vontade era de mandar ele se ferrar. Meu coração estava acelerado de raiva, mas se eu retribuísse, poderíamos chegar a um ponto onde eu seria expulso de casa e viraria um sem-teto, porque ser anunciante não dá dinheiro. Respirei fundo e abri a boca.

— Pois é, tá certo. — Ele precisa acreditar na sua fantasiosa perfeição, e eu que sou o irmão mais novo e idiota. — Peguei tudo da lista e estou indo pra casa.

— Você está mexendo no celular na rua? Desliga o telefone e guarda. Tchau. — Curto e grosso desligou.

No entanto, antes de guardar o celular, fui checar na lista que meu irmão enviou se não havia esquecido nada, estava tudo certo. Depois abri a conversa com a minha mãe.

"Bom dia. Conseguiu pegar os documentos?" - Enviado às 7:12 e visualizado às 11:35.

"Boa tarde. Almoçou?" - Enviado às 12:56 e visualizado às 13:20.

"Alexandre falou que a senhora não vem final de semana, mas não disse o motivo. Por que?" - Enviado às 17:45 e visualizado às 17:50.

Todas visualizadas e ignoradas com sucesso. E ela ainda mandou mensagem de bom dia com um coração e uma corrente de oração no grupo da família. Não sei porque ainda me importo, pensei e suspirei.

Fiquei mais uns minutos olhando para a coxinha do outro lado da vidraçaria, enquanto criava ânimo para seguir minha jornada e comer o que estivesse na geladeira de casa, depois continuei a caminhar.

Entenda, todos possuem hobbies e formas de lidar com o tédio e nervosismo, e o meu era brincar com a voz. Meu sonho é ser dublador, pode parecer bobo e motivo de rosto enrugado para muita gente, mas é real e é meu sonho, porque além de ser o meu único talento, fazer várias vozes não deixando de fora a clichê do Silvio Santos, é que eu adoro atuar, mas tenho um pouco de vergonha de atuar para um público, então a vantagem dos dubladores é que não é necessário ficar em frente de um público para me divertir e entreter as pessoas, outra coisa que eu gosto muito e é uma das razões.

— E olha só o leite condensado! — Usava a voz do Faustão. — Faz guerra dentro do meu coração, porque também tem... — Abaixei o volume — ... ninguém mais, ninguém menos que... — Pausa dramática para causar suspense. Olha o suspense. — O querido e delicioso doce de leite, vem aí, galera! Olha a fera, já consolou muita gente, já alegrou o dia das pessoas, já fez alguém se apaixonar e já fez também as pessoas engordarem. É fera, bicho! Ô loko meu! Mas a melhor fera mesmo é minha cremosa que briga comigo por eu preferir jogar vídeo-game. — Eu juro que estava falando baixo, e mesmo assim uma senhora dos cabelos vermelhos ficou me encarando com a testa franzida por uns bons 30 segundos. Dei uma pequena risada e continuei. — Mas eu tenho culpa, bebê, se você me ignora quando peço ajuda de madrugada? O Master Tif me ajuda, meu bombom com mel. — Ainda faltava três quadras. — Sério? Não sei de nada, não sei. Ah mãe, estou falando palavras aleatórias para te fazer feliz. — Tomei cuidado para permanecer neutro no rosto. Difícil. — Que? Tem certeza? Ah sim, como se eu me importasse com qualquer coisa nessa vi...

Parei. Parei de sussurrar. Parei de andar. Parei de piscar. Parei até de respirar, porque o tempo e o mundo pararam para mim.

Já vou antecipando e pedindo desculpas pela frase clichê que direi daqui a pouco, mas é que eu sempre quis dizer isso, ao mesmo tempo que é uma das maiores verdades que posso acreditar.

Depois desse dia, minha vida mudou para sempre.

Primeiro, foi como se tivessem colocado uma barreira de gelo na minha frente, fria o suficiente para que meu corpo todo parasse e se arrepiasse, que logo substituiu-se por uma onda de fogo. Era a primeira vez que estava sozinho numa situação de vida ou morte, em que se eu fizesse qualquer coisa errada ou simplesmente não fizesse nada, poderia me arrepender pelo resto da vida.

Engoli em seco e gritei o máximo que podia por ajuda. Olhei ao redor e só tinha eu e ela, nem carros passavam por ali, nem mesmo um mendigo dormindo no canto tinha. E num impulso de agir, minhas mãos agiam mais rápido do que eu pudesse raciocinar, larguei as compras no chão e meus olhos ansiavam por uma utilidade dentro das sacolas junto à bagunça que estava fazendo entre elas. Peguei a mochila, revirei tudo, roupas, pacotes, guarda-chuva, casaco e nada ali servia. Logo, senti meu estômago embrulhar ao encarar o acidente, foi como se tivessem colocado o peso do mundo em cima de mim. Me sentindo completamente inútil, pedia várias desculpas embargadas e dificultosas em saírem e serem ouvidas. Então, escutei um estalo, lembrei que carregava no bolso da calça um celular que poderia ligar para emergência, e foi o que eu fiz.

— A-a-alô? — Gaguejei, esperando uma resposta.

— Boa noite. Qual a emergência? — Perguntou uma voz feminina suave e simpática.

— Emergência! — Não conseguia pensar direito, as palavras só vieram aleatórias. — Acidente. Garota. Dormindo. Rua das Flores. Carro e destruição.

— Certo. — A voz continuava, calma. — Estamos mandando uma equipe para aí agora. Obrigada por informar.

Coloquei o celular no bolso e aguardei alguma ajuda sentado ao lado dos resquícios de um carro, enquanto deixava as lagrimas rolarem e os pensamentos me carregarem.

Quando os carros de polícia e ambulância estacionaram ao redor do carro virado e estilhaçado, formaram um círculo e fecharam a rua. Lembrava uma cena de um filme de ação, era correria por todo o lado e muito barulho desconfortável. Pernas e braços à toda velocidade, alguns gritos e sirenes altíssimas. Pessoas saíram de cada carro e foram atender a moça acidentada, a coitada estava tão acabada que seria impossível compará-la com uma foto sua, se tivesse alguma. Os médicos agiram rápido e colocaram, cuidadosamente, na maca e depois dentro da ambulância. Eu estava tão confuso na hora que vieram uma policial e um médico falar comigo, mas eu demorei para perceber que estavam sequer perto de mim.

— Foi você que fez a ligação? — A policial tentou chamar minha atenção e eu não conseguia falar, então só balancei a cabeça em confirmação. — Viu o acidente? — Neguei virando a cabeça para os lados. — É parente dela ou conhecido?

Apesar de nunca ter visto aquela mulher e o carro, afirmei e quando voltei a ter noção das coisas, estava ao lado de fora da sala de cirurgia preocupado com uma total desconhecida.

***

Riley

 Abri os olhos devagar. Havia alguma coisa neles que não me permitia enxergar com clareza, mas mesmo assim me esforcei: eu estava deitada num quarto branco, sozinha, só com um monitor cardíaco ao meu lado. Não estava entendo nada. Haviam bandagens pelo meu corpo todo, mas conseguia senti-las em maior quantidade no rosto. Tentei franzir o cenho, mas nem isso conseguia fazer sem sentir incômodo.

— Meu Deus! Como vim parar aqui?!- Me perguntava.

      O pior é que não conseguia me lembrar de nada. Quando digo nada, pensem realmente NONADA. Era muito estranho, nem meu nome lembrava. Só sabia que era impossível ter nascido naquele momento, até pelo meu tamanho. Eu podia ter entrado em pânico, mas as dores de cabeça não me davam espaço para isso. De qualquer forma, médicos deviam ter receitado algum remédio para me dopar, porque na verdade, eu comecei a rir da situação. Sério, imaginem uma ninguém numa cama de hospital rindo estupidamente: eu.

    Depois que recuperei um pouco da minha serenidade, olhei melhor ao redor (o máximo que conseguia) e encontrei uma campainha. Sem pensar muito, acionei-a para ver o que acontecia. Em poucos segundos apareceu uma moça com um uniforme branco: devia ser enfermeira. Ela me fez um enorme questionário com várias perguntas que qualquer outra pessoa acharia extremamente desnecessárias e entediantes. Bem, acho que fui uma das poucas pessoas que tiveram uma experiência intrigante com esse questionário. Eu definitivamente não consegui responder NADA. Minha mente estava perfeita para um filósofo: uma tábula rasa. A cada pergunta me sentia pior; conseguia nem lembrar meu nome. O rosto preocupado da enfermeira me deixava ainda mais aflita. Aquilo foi ficando insuportável aos poucos, me sentia completamente incapaz a cada pergunta que não sabia responder, desde onde morava, se conhecia alguém até qualquer acontecimento pregresso. Apesar de todo o torpor medicamentoso, perguntei exasperada  se não seria mais fácil tirar essas dúvidas perguntando para alguém que me conhecia ou olhando em meus documentos.

Ela fixou os olhos negros em mim, com uma expressão insegura. Hesitou um pouco e me explicou da maneira mais gentil que conseguiu que só havia um rapaz me aguardando, mas que ele só prestara os socorros, ou seja, não tinha a menor chance de ser um conhecido. Ninguém além dele apareceu para me procurar. E eu havia chegado ao hospital sem documento algum.

Benditos remédios que não me deixaram entrar em pânico naquela hora. Ao invés, disso comecei a chorar mole na maca. A enfermeira me deu um certo espaço, saindo logo, com a desculpa de que precisava falar com o médico de plantão. Antes que saísse, porém, perguntei:

— Posso saber, ao menos, como vim parar aqui?

Ela sacudiu a cabeça de leve, afirmativamente, e respirou mais um pouco inflando as narinas de maneira insegura, mas sem tirar o sorriso forçado se seus lábios grossos. Depois da pausa incerta, confidenciou:

— Acidente de trânsito. Foi atropelada ao atravessar a rua. Teve sorte pelo rapaz que se preocupou e chamou a ambulância logo.

— Ele.. ainda está aí? Pode chamá-lo por favor?

Estava ficando desesperada. Precisava de alguém lá comigo, ainda que fosse um desconhecido. 

 Ela novamente fez que sim, e saiu de mansinho me encarando. Então estava lá, sozinha, com toda aquela informação na minha cabeça; e nenhuma ao mesmo tempo. Fora o torpor e os incômodos físicos. Sinceramente, não sei medir quanto tempo fiquei aguardando pelo desconhecido, mas preciso confidenciar que se ele demorasse um segundo a mais, eu surtava.

  Quer dizer, acho que surtei de qualquer maneira. A enfermeira tinha dito claramente que ele não me conhecia… Só que eu tinha certeza que conhecia aquele homem. Apenas não sabia de onde.

 


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Notas finais do capítulo

Oii, aqui é S Queen postando! Eu e a Louisa fizemos essa capítulo juntas. A narração do Benjamin é toda obra dela (merece parabéns essa garota, não?). Já a Riley, é criação minha. Veremos o que vai acontecer quando esse dois se encontrarem...
Lembrem-se: Riley não sabe quem realmente é. Guardem a informação para o prox capítulo.
Nos vemos lá ;)