Trevo de Quatro Folhas escrita por Dixon


Capítulo 2
Impatiens Bequaertii


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Primeiramente quero começar agradecendo todos os comentários maravilhosos que recebi, vocês são uns lindos e eu quero abraçar todos! Agora vamos aos recadinhos:

01 - Esse capítulo ficou um pouco maior porque vou entrar em semana de provas na faculdade e ficarei desaparecida por um tempo. Por isso, quis confortar o coração de vocês com um capítulo maiorzinho.
02 - Desculpe os erros de ortografia, não deu tempo de revisar o capítulo. Mas qualquer coisa é só me avisar que arrumo.
03 - Após lerem deixem o comentário de vocês, isso me incentiva demais! Também deixem as teorias de vocês dizendo o que acham que vai acontecer no próximo capitulo.
04 - Vai ter a citação de uma flor, então quando dizer o nome da espécie com um link, assim, é só vocês clicarem em cima e ira abrir uma foto mostrando a flor.

Agora tirem os calçados, se assentem e por favor fiquem confortáveis, porque o show vai começar!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/760913/chapter/2

O dia havia chegado e novamente a Rainha do Café estava perante aquela linda e exuberante cachoeira, que serve como um lembrete para mostrar a ela que a vida ainda é bela e que existem beldades para serem conhecidas e apreciadas.

A semana passou lentamente e a impressão que Julieta tinha é que a quarta-feira nunca chegaria. Sentia-se ansiosa e animada ao mesmo tempo e freqüentemente se pegava pensando nas histórias que Aurélio havia lhe contado, assim como no seu sorriso perfeitamente alinhado e no brilho dos seus olhos verdes ao relembrar a sua doce infância.

Porem, nesse exato momento o seu coração outrora possuído pela ansiedade e excitação esta tomado por medo e arrependimento.

Medo do que esta sentindo e de como Aurélio a faz reagir, como se toda a armadura que demorou anos para construir fosse destroçada no exato momento que o filho do Barão estava em sua frente. Medo da maneira que ele a faz agir como uma adolescente, afinal de contas, hoje mesmo ela havia demorado mais do que o habitual para escolher o seu vestido e arrumar os seus cabelos, e até mesmo passar um pouco mais de maquiagem em sua pele.

Arrependimento de ter se deixado dominar pelos seus sentimentos confusos e vindo até o encontro deste homem com um vestido que apesar de preto é mais delicado do que as suas vestimentas habituais e de ainda, ter deixado uns fios do seu cabelo escapar de maneira proposital do penteado. Arrependimento de ter trazido a manta para que novamente sentassem juntos.

Ter vindo era uma loucura, ela não estava raciocinando direito quando resolveu que seria uma boa ideia voltar nesta cachoeira para conversar com Aurélio. Seus pensamentos pareciam de uma pessoa quando esta tomada e embriagada pelo vinho, tão desconcertantes e que certamente renderam apenas dor de cabeça e remorso no futuro.

Já havia dispensado seu motorista e combinado para que a buscasse uma hora depois, mas ela deveria voltar para casa antes que Aurélio chegasse e é exatamente isto que faria, nem que tivesse que ser a pé. Se virou em direção a mata onde havia uma trilha que a levaria para a estrada e deu o primeiro passo que foi interrompido pela a voz do homem que tanto estava tentando fugir.

— Julieta, está tentando fugir? — Ela virou novamente e encontrou Aurélio.

Ele estava com um sorriso confuso e com uma cesta de palha em sua mão direita. Trajava um elegante terno cinza juntamente com um chapéu bege. Aquele maldito chapéu o fazia parecer ainda mais charmoso do que habitual.

Julieta engoliu seco e sentiu o gosto amargo da vergonha de ser pega em flagrante. Ela não era o tipo de mulher que fugia, claro, com a única exceção de hoje na qual a sua tentativa de fuga restou infrutífera, mas obviamente não permitiria que Aurélio pensasse ou dissesse isso sobre ela. Por isso pigarreou e limpou a sua garganta.

— Eu? Fugir? — Disse enquanto franziu a testa, como se não entendesse do que o homem estava falando. — Não seja ridículo! Não, não estava fugindo! Por que eu fugiria? —  Involuntariamente uma risada nervosa deixou os seus lábios e o seu rosto ficou completamente corado pelo constrangimento.

— Você quer dizer que não se arrependeu de ter vindo e não estava tentando fugir antes que eu chegasse aqui? — O filho do Barão inclinou um pouco a cabeça e a olhou de uma maneira desconfiada.

É como se ele pudesse ler a sua mente e isto faz com que ela se surpreenda toda vez. Este homem a conhecia por tão pouco tempo, mas é como se a conhecesse por anos. Consegue a desvendar e decifrar como ninguém pudera jamais fazer.

— Ora! Por favor! Eu sou dona absoluta das minhas emoções! — Ele sabia a verdade, ela também sabia, mas nenhum dos dois iria admitir. Sendo assim, Julieta continuou a afirmar que não estava esgueirando-se. — Se eu decidi estar aqui é porque eu quis e não tenho por hábito arrepender-me de minhas decisões.

— Então, o que você estava indo fazer naquela direção?  — Aurélio com as sobrancelhas arqueadas apontou para a mata que era o local que levava para a estrada. Ele estava brincando e a encurralando para ver qual seria a sua justificativa.

Ela precisava de uma justificativa imediata ou estaria entregue ao vexame por completo. Sentiu um nó se formar em sua garganta e na tentativa de desfazê-lo engoliu seco novamente. Respirou fundo como uma forma de se preparar para arranjar uma desculpa, direcionou o seu corpo para onde ele apontava e rapidamente correu os seus olhos sobre a trilha. Em meio a tantas árvores e plantas o seu olhar parou em cima de uma espécie de flor que era diferente de todas que ela recordava ter visto.

— Não que eu lhe deva satisfações... — Alfinetou Julieta. — Mas eu estava indo observar aquela flor que eu havia visto. — Levantou o seu dedo e apontou, fazendo com que Aurélio olhasse atentamente.

O filho do Barão deixou a cesta que carregava em suas mãos no gramado esverdeado e se direcionou para o local que a mulher havia mencionado, fazendo com que Rainha do Café deixasse a manta também no chão e o acompanhasse. Pararam na frente da flor e observaram atentamente.

— A senhora está se referindo a está flor?  — Foi a vez de Aurélio apontar para a planta, Julieta rapidamente balançou positivamente com a cabeça.

— Sim, está mesmo. — Somente agora observou detalhadamente a flor que servira de escape para o seu flagrante. As pétalas tinham um formato diferente, como se fossem duas pessoas e eram tingidas da cor branca com detalhes quase imperceptíveis nas cores rosa e amarela. Não eram tão lindas e chamativas quanto as rosas vermelhas, mas possuíam lá o seu encanto. — Elas me chamaram a atenção, por serem diferentes. Decidi vir até aqui e vê-las.

— Elas são lindas, não é mesmo? — O homem exibiu um leve sorriso enquanto analisava atentamente a planta, fazendo com que um sorriso nascesse nos próprios lábios da mulher que ao seu lado olhava a flor. — É uma espécie chamada Impatiens Bequaertii.

Pela pronuncia complexa, Julieta sabia que era um titulo científico. A testa dela se franziu automaticamente e o seu rosto lutou para não demonstrar a surpresa que a havia invadido. Ela nunca tinha visto esta flor na sua frente antes e ao seu lado estava um homem que sabia até o nome científico daquela espécie. Como ele poderia saber isto? As pessoas nunca gravam a qualificação científica das plantas, flores ou árvores, afinal de contas, esses nomes são particularmente difíceis de serem lembrados e até mesmo de serem conhecidos pela população.

— Como o senhor tem conhecimento disto? — Julieta perguntou, não podendo evitar a curiosidade que tinha tomado conta da sua mente.

— Eu sou graduado em botânica. — Seu olhar se direcionou novamente para Julieta que exibia uma expressão surpresa em sua face, fazendo com que uma risada divertida saísse dos lábios do filho do Barão. — Bem, pela sua expressão eu acredito que tenha sido uma noticia chocante. Mas, está tudo bem, a maioria das pessoas fica com esta expressão quando descobrem.

Julieta pigarreou numa tentativa de desfazer o espavento que ficou estampado em sua face. Isto era surpreendente, nunca imaginou que um dia conheceria um filho de Barão formado em botânica. Normalmente, esta classe graduava-se em direito, medicina ou administração, mas não Aurélio, ele fez completamente o oposto. Novamente, ali estava aquele homem provando para ela que é diferente de todos os homens que já conhecera. 

— Realmente, isso me surpreendeu. — A Rainha do Café afirmou o que já estava evidente. — Mas me surpreendeu de uma maneira boa e admirável. — Um sorriso encantador cruzou os lábios de Julieta, que voltou a olhar para a flor.

Lá estava aquele sorriso esplêndido que o botânico tinha esperado ansiosamente para ver a semana inteira. Os dias passaram-se inacreditavelmente lentos e Aurélio sempre acordava de manhã ansioso para ver novamente Julieta rindo com uma leveza que ele não tinha visto antes, mas também temeroso de que a Rainha do Café não fosse encontrá-lo na cachoeira e que nunca mais pudesse a ver daquele jeito. Ficava revivendo aquela tarde relaxante e feliz em sua cabeça em todos os momentos, fazendo até mesmo com que Brandão percebesse a sua distração.

— Então, Senhor Botânico, o que mais pode me dizer sobre esta curiosa flor? — Julieta levemente ergueu o queixo e sorriu de maneira soberba. Espere, ela estava flertando com ele? Os pensamentos invadiram a mente de Aurélio e ele reuniu todas as forças para não deixar demonstrar a sua surpresa e alegria.

— Essa espécie é conhecida como A Flor Bailarina. — A Rainha do Café ergueu as sobrancelhas quando escutou o título popular da espécie, questionando-o de forma silenciosa. — Pois bem, vou lhe explicar. Está vendo as pétalas? — Ambos apoiaram as mãos nos joelhos, curvando-se para ficarem mais próximos da flor. As faces estavam a curto espaço da espécie, assim como os seus rostos estavam lado a lado, a centímetros de distância. — As pétalas se assemelham a uma menina em uma saia com os braços estendidos. Está vendo? — Julieta assentiu positivamente com a cabeça enquanto observava atentamente. — Esse formato faz com que pareçam bailarinas dançando, por isso o nome. É uma espécie muito rara, normalmente crescida em florestas tropicais e dificilmente encontrada em outros países que não seja a África. — Aurélio direcionou o seu olhar para Julieta e a encontrou sorrindo graciosamente enquanto estudava a planta em sua frente.

O seu coração se encheu de amor. Desejou tanto que os seus olhos conseguissem fotografar tal cena para que ele pudesse ver todos os dias. Julieta estava em sua frente, parecendo uma jovem mulher, curiosa e alegre com as descobertas da vida, sem se importar com os problemas. Não mantinha mais aquele porte ereto e autoritário, mas sim uma postura confortável e suave, assim como uma daquelas pétalas da flor que observava.

Ela olhou para Aurélio, ainda com a mesma expressão sorridente. Agora estavam frente a frente, com apenas alguns centímetros de espaço os separando. Ele pode notar como o rosto dela estava iluminado e cheio de animação, deixando-a ainda mais bonita e até mesmo mais jovial. Os olhos cor de mel estavam brilhosos e mais atraentes. E aqueles lábios estavam cobertos de alegria, tão lindos e inesquecíveis, pareciam tão convidativos. Ele não precisava fotografar aquele momento, pois sabia que jamais se esqueceria.

Julieta estava hipnotizada pelo conhecimento do filho do Barão e pela flor em sua frente, mas quando virou o seu rosto e encontrou Aurélio a olhando fixamente, toda a sua hipnose se direcionou para aquele homem. Ela observou o olhar dele lentamente correr dos seus olhos para os lábios, não podendo evitar fazer o mesmo para com ele. Só agora se deu conta de que estava sorrindo como uma adolescente e por isso, cerrou os lábios e engoliu seco.

— Eu... Eu acho melhor nós nos sentarmos. — A voz da Rainha do Café saiu em forma de um sussurro fraco, quase inaudível. Aurélio apenas concordou com a cabeça sem dizer uma palavra. Mesmo que ele quisesse dizer algo não poderia encontrar a sua voz nesse momento.

Os dois se encararam por mais alguns segundos, como se fossem incapazes de quebrar essa ligação mágica. Até que ela, após engolir seco novamente, reuniu as suas forças e colocou-se em pé, endireitando a sua postura, fazendo com que botânico seguisse o seu exemplo.

Julieta caminhou rapidamente e desajeitadamente na frente de Aurélio, sentia-se como se tivesse perdido a capacidade de andar após aquela troca de olhares intensa. Levou a sua mão até o cabelo preso e passou os dedos sobre as madeixas de uma maneira desastrosa, numa tentativa infrutífera de disfarçar o seu desconcerto. Aurélio caminhava atrás da mulher e segurava o riso na sua garganta ao observá-la agir daquela maneira, pois sabia que se soltasse uma gargalhada agora, seria mal compreendido e Julieta voltaria a ser a Rainha do Café que todos conheciam naquele vale. Então focou a sua atenção em outra coisa: no vestido que ela usava. Observou que era mais suave e delicado do que ele estava acostumado a vê-la usando, era lindo, assim como a mulher que o usava.

Ela pegou a manta que anteriormente havia sido esquecida no chão, estendeu no mesmo local da semana de uma maneira quase perfeita e sentou-se. Aurélio por sua vez, pegou a cesta de comidas e rapidamente sentou-se ao lado dela.

— Deixe-me lhe apresentar o cardápio do dia, senhora. — O filho do Barão disse enquanto abria a cesta, fingindo ser um garçom e arrancando uma leve risada de Julieta. — De entrada nós temos as já conhecidas, mas não menos apreciadas, maças e peras do senhor Augusto Damião. — Retirou as frutas do balaio e as colocou sobre a manta, entre os dois. Dessa vez ele havia trazido uma quantidade maior do que da semana passada. — Para o prato principal temos um maravilhoso bolo de fubá, acompanhado por um delicioso suco de maça, ambos da Dona Agatha. — Tirou o bolo que estava em uma embalagem, a garrafa com o suco e dois copos que havia trazido, colocando-os perto das frutas. Nesse momento notou que Julieta estava com os braços cruzados, a sobrancelha arqueada e o queixo erguido, agindo como se fosse uma cliente exigente, mas ele claramente podia ver que ela segurava o riso. — E finalmente, a sobremesa é um pudim de leite feito pelas mãos da incrível e talentosa governanta Nicoletta.

Julieta continuou com a expressão soberba em seu rosto, precisando fazer um grande esforço para não soltar uma gargalhada ao ver o homem interpretando tal papel. Ela esticou a mão para pegar a pera quando foi impedida por Aurélio. Ele pegou a fruta com um sorriso educado em seus lábios, retirou um guardanapo de pano da cesta, lustrou atentamente a fruta e entregou para a Rainha do Café.

— Eu não seria um bom garçom se não servisse a senhora. — O filho do Barão piscou um dos olhos para a Rainha do Café, que nesse momento deixou uma expressão divertida substituir a de soberba que anteriormente estava em sua face.

— Muito obrigada! O senhor é um garçom muito qualificado! — Disse Julieta em tom brincalhão fazendo com que um riso saísse da boca de Aurélio. Lembrou-se que fazia anos que não se sentia a vontade o suficiente para fazer uma brincadeira com alguém, também recordou como fazer uma pessoa rir é uma sensação ótima, principalmente quando você tem um carinho e admiração especial por esta pessoa. — Eu sei que o senhor está procurando um emprego. — O tom dela continuava suave mas agora estava sério novamente. — Também sei que ser garçom não lhe dará o prestigio que o senhor merece pela sua graduação, mas já cogitou a ideia de procurar um emprego como garçom, apenas por agora?

Julieta colocou com muito cuidado e delicadeza as suas palavras, afinal, não queria de forma alguma magoar com esta sugestão o homem que a estava fazendo tão bem ultimamente. Um minuto, ela estava tentando proteger o botânico? Estava colocando cuidadosamente as suas palavras para não machucar aquele homem? O seu próprio pensamento a chocou e a surpreendeu. O único homem que já tentara proteger em toda a sua vida foi Camilo, e mesmo assim, sempre fora muito dura e ríspida com o rapaz. Agora, ali estava ela, se dando o trabalho de pensar duas vezes no que iria dizer apenas para não magoar os sentimentos de um homem que não era o seu filho.

— Sim. Já pensei, assim como já procurei emprego de garçom em todos os estabelecimentos do Vale do Café. — Aurélio sorriu tristemente e o brilho nos olhos dele subitamente se apagou. — Mas todos se negaram a me dar tal emprego, disseram que ser garçom não honra e nem condiz com o meu título. — O tom de voz do homem era triste e ver esta imagem fez com que uma tristeza também invadisse o coração de Julieta.

— Sinto muito. — Ela lamentou. Arrastou a sua mão esquerda que estava apoiada na manta lentamente até o encontro da mão de Aurélio. Pensou em tocá-lo, em confortá-lo com uma leve carinho, mas não sabia como fazer isso, não era boa com carícias e toques, por isso, desistiu e parou de deslocar a sua mão, deixando-a apenas próxima da do homem. — Tudo isso aconteceu...

— Aconteceu por causa da má administração minha e do meu pai. — O botânico a interrompeu, não permitiria que ela se culpasse por algo que não era responsabilidade dela. — Está tudo bem, estou confiante e sei que em breve arrumarei um emprego. Além do mais, neste lugar é proibido falar de problemas. Estamos aqui apenas para relaxar e aproveitar um tempo de folga, está lembrada? — O sorriso e o brilho nos olhos voltaram habitar na face do homem e a Rainha do Café tentou fazer o mesmo.

Ela queria ter a mesma habilidade que ele, simplesmente esquecer dos problemas e voltar a ter o sorriso nos lábios e o brilho no olhar, mas ela não era assim, não conseguia fingir que tudo estava nos conformes quando claramente não estava.

Não, não esta tudo bem igual Aurélio tinha afirmado. Sabe que a atual situação dele e do Barão é por culpa dos próprios e também tem a consciência limpa de que a transição e o despacho dos dois daquela propriedade foi realizada de maneira totalmente legal. Mas a verdade é que Julieta fez aquilo por puro capricho, não precisava daquela propriedade, tanto que vendeu por um valor irrisório para o Lorde Williamson. Ela fez aquilo para provar para Aurélio que ele não despertava nenhum sentimento nela, na verdade, Julieta fez isso para provar a si mesmo que o filho do Barão não despertava nenhum sentimento nela.

Alguns minutos em silêncio se passaram, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Olhou para o homem ao seu lado e apenas o admirou por alguns segundos. Ele observava a cachoeira na frente deles, estava calmo e com uma expressão serena no rosto. Era engraçado como ele conseguia bagunçar os seus sentimentos, a sua vida, mas ao mesmo tempo trazer tanta paz e tranqüilidade.

— Quando era jovem eu li um livro sobre botânica. — Dessa vez foi Julieta quem quebro o silêncio que habitava entre ambos. — Não consigo me recordar o título dele, mas era especificamente sobre rosas.

— Sério? A maioria das pessoas não se interessam por botânica. — Aurélio falou de uma forma animada, virou o seu todo o seu corpo de frente para ela e esperou atentamente pela continuação. Estava agindo igual uma criança prestes a ouvir uma história de piratas e Julieta achou isso adorável.

— Sim. — Continuou. — Eu estava completamente encantada com rosas vermelhas, sendo assim, queria aprender tudo sobre elas, principalmente como cultivá-las. Quando meu pai percebeu que não poderia tirar isso da minha cabeça, ele me comprou um livro de botânica, onde ensinava tudo sobre as rosas. Passados alguns dias eu fiz o primeiro jardim na casa dos meus pais. — Julieta sorriu enquanto se lembrava da sua doce juventude, que infelizmente foi arrancada cedo demais dela. Aurélio estava mais atento do que nunca, nem ao menos piscava, era a primeira vez que ela compartilhava algo da sua história e ele não queria perder uma palavra sequer. Um sorriso doce nasceu nos lábios do homem ao imaginar a jovem Julieta lendo um livro de botânica e em seguida correndo para treinar o que aprendeu. — Infelizmente quando me casei eu não pude levar os meus livros, o tempo passou e este exemplar se perdeu.

— Por que não pode levar os seus livros? — Aurélio franziu a testa em confusão, não entendeu tal colocação.

— A minha sogra considerava leitura um passatempo. — Julieta desviou rapidamente o olhar para a fruta em sua mãos e finalmente deu a primeira mordida na pêra que estava em sua posse já fazia alguns bons minutos.

— É um ótimo passatempo! — A expressão do filho do Barão continuava confusa. Na sua concepção, além de passatempo, os livros são também uma maneira de adquirir conhecimento. Um livro era capaz de levar as pessoas para outros lugares, de emocioná-las e de ensiná-las muito mais sobre a vida do que os próprios pais. Sempre incentivou Ema a ler pois sabe a extrema importância da leitura na vida de uma pessoa.

— Um passatempo para moças solteiras. — A Rainha do Café disse com um tom rancoroso. — No dia do meu casamento ela se desfez de todos os meus livros. — Tal fato fez com que Aurélio erguesse as sobrancelhas e abrisse a boca em surpresa, este pensamento da sogra dela não fazia nenhum sentido para ele. Ela por sua vez, deu mais uma mordida na pêra, dessa vez a dentada foi mais forte e certeira, como se estivesse descontando a sua raiva na pobre fruta.

— Você ganhou um marido e perdeu os livros. — Aurélio afirmou ainda em estado de choque e Julieta balançou a cabeça positivamente enquanto mastigava o mais forte que conseguia, era uma maneira de descontar a raiva que sentia sempre que se lembrava daquela família horrenda. — Não sei se foi um bom negócio. Sinto muito. — O botânico pronunciou tais palavras de uma maneira divertida, em uma tentativa de fazer com que Julieta sorrisse já que havia percebido que ela estava tensa. A mulher soltou uma risada, mas que não estava carregada de diversão e sim de mágoa.

— Ela era uma tirana. — Julieta afirmou com um olhar de desprezo e Aurélio percebeu o ressentimento que ela possuía pela sua sogra. — Mas quando minha sogra e o pai de Camilo faleceram, eu fiz questão de recuperar tudo o que consegui dos livros que eu tinha.

Aurélio notou que a viúva não se referiu ao seu falecido marido como esposo, mas sim como o pai de Camilo. Achou estranha aquela utilização de palavras, afinal, era normal sentir rancor da sua sogra por ter tirados os seus livros e quem sabe mais o que aquela mulher fez, já que ela mesma a descreveu como tirana. Mas por que parecia compartilhar do mesmo rancor para com o seu marido? Ele resolveu não fazer tal questionamento nesse momento. Sabia que Julieta não gostava de ser pressionada sobre o seu passado ou sentimentos, precisava de tempo para confiar em Aurélio e assim, ele tinha certeza de que ela se sentiria a vontade para compartilhar o seu passado, aliás, essa história já era um bom começo e um sinal de que a Rainha do Café estava começando a confiar dele.

— Eu consegui recuperar grande parte das obras, com exceção de alguns, como por exemplo, este que lhe contei. — Continuou a Rainha do Café. — Entretanto, o meu título predileto eu não consegui nunca mais encontrar em uma livraria ou biblioteca. — A voz dela apesar de calma suou triste, assim como o lábios se curvaram de maneira tristonha e o filho do Barão exibiu um sorriso reconfortante, como forma de consolo.  

— E qual seria este livro? — Aurélio questionou. Estava cheio de curiosidade para saber qual livro que fascinou aquela mulher tão resistente em ser cativada. Sendo sincero, ele estava sempre curioso para saber mais e mais de Julieta, por mínimo que fosse o detalhe era sempre uma descoberta fantástica.

— Orgulho e Preconceito de Jane Austen. — A Rainha do Café disse enquanto exibia um sorriso que logo se transformou em uma risada, deixando o homem em seu frente confuso sobre o motivo de tal riso. — Você tinha que ver a cara da minha sogra ao descobrir que eu lia um livro sobre uma mulher a frente do seu tempo! Ela ficou irada! — Ela continuou em meio ao riso e Aurélio riu junto com ela. Ele também notou que ela usou a palavra “você” ao invés de “senhor”, deixando a formalidade de lado e isso aumentou ainda mais a alegria dele. — Foi o primeiro livro que ela se desfez.

— Eu acho esse livro fantástico! — Informou o botânico. Ele tinha esse título, pois sua mãe amava as obras de Jane Austen. Lembrou-se que quando a sua genitora faleceu, ele ficou com todos os livros dela, inclusive esse, e uma vez ou outra lia tais exemplares. — Qual é a sua parte favorita em Orgulho e Preconceito?

A Rainha do Café silenciosamente se surpreendeu. Um homem achava este livro fantástico? Normalmente eles odiavam tal título, visto que, sentiam-se ameaçados pelas atitudes e livre espírito da protagonista. E ainda, ele estava pedindo qual era a sua parte favorita do livro? Aurélio Cavalcante era louco, esta era a única explicação para as atitudes do homem. Era um louco encantador, e ela só podia imaginar quão sortuda a esposa dele era em ter se casado com um homem tão sensível e compreensível, quisera ela ter tido a mesma sorte.

Julieta respondeu a pergunta do botânico e ambos iniciaram uma conversa sobre aquela maravilhosa obra enquanto lanchavam todas aquelas maravilhas que o filho do Barão havia trazido. Tal conversa levou a comentarem outros livros. Aurélio se surpreendeu ao descobrir que Julieta e Ema compartilhavam do mesmo gosto literário. E a Rainha do Café por sua vez, surpreendeu-se por saber que aquele homem conhecia todos aqueles exemplares na ponta da língua.

Infelizmente, a tarde passou mais rápido do que imaginavam e eles puderam ouvir o carro que ficara de buscar a Rainha do Café se aproximar. Julieta ajudou Aurélio a guardar as coisas dentro da cesta novamente e ele a ajudou a dobrar a manta. Estavam um de frente para o outro com seus pertences em mãos e um sorriso alegre e sonhador no rosto.

— Obrigada pela tarde, Aurélio. Foi encantadora. — Julieta disse, arrancando um aceno positivo e um sorriso bobo daquele homem.

Ele queria convidá-la para estar novamente no mesmo lugar na próxima semana, mas não o fez por medo de que a Rainha do Café se sentisse cercada e pressionada demais por ele, queria respeitar o tempo e o jeito dela. Observou a mulher se virar e caminhar em direção a trilha, mas após alguns passos dados, ela se virou para ele e o encarou com um sorriso nos lábios e um brilho naqueles olhos cor de mel.

— Até a próxima semana! — Julieta disse e o seu sorriso apenas aumentou quando viu a animação que Aurélio de maneira infrutífera tentou esconder.  Ela ergueu a mão e acenou um leve adeus.

— Até a próxima semana, Julieta! — Aurélio estava sorrindo praticamente de orelha a orelha. Ergueu a sua mão e acenou de volta para ela. Fitou-a enquanto ela entrou na trilha e desapareceu em meio as árvores. Esperou o barulho do carro desaparecer novamente e então ergueu as mãos para o alto, como forma de comemoração.

Finalmente, Aurélio Cavalcante estava começando a quebrar as barreiras da Rainha do Café.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se você é um botânico ou gosta de botânica e esta lendo essa história, por favor, me desculpe se escrevi besteira, acontece que sou leiga no assunto. Além do mais, acho que essa flor nem é possível encontrar no Brasil, mas na nossa imaginação tudo conta hahaha.

Obrigada pela leita, beijokas e até a próxima!