Destiny escrita por oicarool
Os primeiros dias frios de outono eram sempre os mais difíceis. Embora estivessem acostumados às baixas temperaturas inglesas, não demorou muito para que a mais nova dos Williamson sentisse os efeitos do vento gelado do Vale do Café. Era a primeira vez que Lizzie adoecia após a morte da mãe, e para o completo desespero de Charlotte, Darcy estava em São Paulo resolvendo negócios.
No primeiro dia a sobrinha apenas reclamara de dor de cabeça e tossira um pouco, mas no dia seguinte, quando a febre chegou, Charlotte já não sabia mais o que fazer. Para sua sorte, Jane estivera na casa naquela manhã e a ajudara com alguns cuidados. Doutor Rômulo orientara compressas, e por algumas horas as coisas pareceram sob controle.
Pelo menos até que Lizzie percebesse a ausência dos pais e iniciasse um choro sem fim, que Charlotte não parecia capaz de acalmar. E entre lamúrias por Mary e Darcy, a própria menina ofereceu a solução, ao incluir Elisabeta em seus pedidos. Elisabeta relia o bilhete de Charlotte, onde oferecia um pedido de desculpas, mas um pedido ainda maior para que Elisa viesse à seu resgate.
Sem pensar duas vezes, entrou no carro que a aguardava e seguiu em direção à fazenda de Julieta Bittencourt, com o coração apertado pelo sofrimento de Lizzie. A essa altura, mesmo conhecendo a menina há pouco mais de dois meses, já sentia que era capaz de qualquer coisa para garantir sua felicidade.
Era noitinha quando Elisa chegou à casa, sendo recepcionada por uma ansiosa Charlotte.
— Que bom que você pôde vir. – Charlotte veio a seu encontro, a abraçando. – Eu já não sei mais como acalmá-la.
— Ora, não precisa me agradecer. – Elisabeta sorriu, segurando as mãos de Charlotte. – Eu faria qualquer coisa por Lizzie.
— Ela se recusa a comer e a febre retornou. Eu não tenho qualquer experiência em cuidar de crianças enfermas. – Charlotte baixou os olhos.
— Não se preocupe, Charlotte. Cuidar de quatro irmãs mais novas me deu algum jeito para estas situações.
— Então venha, vamos até o quarto de Lizzie.
As duas subiram as escadas em silêncio. Ao chegar ao aposento de Lizzie, Elisabeta sentiu seu coração dar um pulo. A pequena estava no meio da grande cama, seus olhos claros com uma profundidade e desânimo pouco habituais. Uma das empregadas tentava convencê-la a realizar as compressas, mas Lizzie apenas mantinha os braços cruzados.
— Boa tarde... – Elisabeta bateu na porta aberta, anunciando sua presença.
— Elisa! – a menina tentou exclamar, seu mal estar transpassando em suas palavras.
— Me disseram que alguém estava doente... – Elisa se aproximou.
— Sou eu. – Lizzie baixou os olhos.
— Dona Charlotte, ela não quer fazer as compressas.
— Lizzie, você precisa. – Charlotte tentou argumentar.
— Não. – a menina protestou. – Estou com frio.
Elisabeta sentou-se na cama, ao lado da menina, olhando em seus olhos. Já estava começando a ficar habituada à conexão que sentia com a menina, ainda que não houvesse uma explicação lógica. Tocou a mão da moça que tentava convencer Lizzie, e puxou para si a bacia com os panos limpos.
Elisa acariciou o rosto de Lizzie, enquanto testava a temperatura da água, e então começou a preparar uma compressa. Sem mais protestos, Elizabeth aproximou-se ainda mais, grudando-se em Elisa e fechando os olhos. Charlotte sorriu com a cena, sentando-se em uma cadeira no canto do quarto.
Era surpreendente para Charlotte observar a confiança que Lizzie tinha em Elisa. Sentia as vezes que era uma ligação ainda mais forte do que a que sentia com Charlotte. Embora fosse parte da criação de Lizzie, Charlotte nunca precisara cuidar da menina. Fora o adoecimento de Mary que dera a ela este papel, mesmo que Darcy absorvesse a maior parte dos cuidados.
Fazia o seu melhor, apesar do pouco jeito com crianças, porque sabia melhor do que ninguém a falta que uma referência feminina familiar fazia na vida de uma criança. Mas agora surpreendia-se ao notar que este não era o único fator. O olhar preocupado de Elisabeta e a busca de conforto de Lizzie não podiam ser nada além de uma ligação de mãe e filha.
Charlotte assustou-se com o pensamento, embora não tivesse dúvida de que era a única forma de descrever. Desde o primeiro momento a sobrinha, que era uma criança marcada pelos meses em que vira sua mãe doente, iluminara-se na presença de Elisa. E percebia agora que a mais velha das Benedito era incluída por Lizzie em todos os momentos difíceis.
Se fosse sincera, também notava um desconforto entre a amiga e Darcy. Quase tudo o que conversavam na ausência de Lizzie se tornava uma troca de farpas, e ao mesmo tempo quando a menina estava presente, automaticamente agiam em conjunto. No último mês era quase palpável a tensão entre os dois.
Charlotte conhecia Darcy o suficiente para interpretar sua confusão. Vira o irmão casar-se por obrigações familiares e viver uma relação de muito respeito e cumplicidade, mas sem nenhuma paixão. Agora era um viúvo jovem demais, com uma filha que dependia de seus esforços, e uma mulher que despertava nele sentimentos intensos.
Não sabia se Darcy estava se apaixonando, mas nunca o vira reagir a qualquer pessoa com tanta emoção. Seu irmão era controlado, mantinha o máximo de cordialidade com todas as pessoas, por isso era sempre intrigante observar as discussões dele com Elisabeta.
Também já conhecia um pouco da personalidade da nova amiga, e não pudera deixar de notar que, apesar de permitir-se ter opinião sobre tudo, Elisa não reagia com tanta impaciência às outras pessoas. E ainda que nada disso entregasse Elisabeta ou Darcy, os olhares intensos que trocavam diziam muito mais do que imaginavam.
Mas sabia que, fosse lá o que estivesse acontecendo, era Lizzie o foco do pensamento dos dois. Só não podia deixar de sonhar e torcer que houvesse entre eles a mesma ligação que existia entre Lizzie e Elisa. Gostaria de acreditar que o irmão estivesse destinado a encontrar Elisabeta Benedito, que fosse ela a segunda chance dele e de Lizzie.
Mais tarde, Elisabeta convenceu Lizzie a tomar um pouco de sopa, e apesar da oferta de Charlotte para que voltasse para casa, não saiu do lado da menina. Lizzie adormeceu no colo de Elisabeta, e não demorou para que o cansaço do dia atingisse Elisa e ela também adormecesse, em uma posição que certamente traria desconforto no dia seguinte.
Já era madrugada quando Darcy chegou em casa, vindo o mais rápido que conseguiu após receber o recado de Charlotte. Com a casa silenciosa e escura, mal teve tempo de raciocinar ao chegar ao quarto da filha e encontrar Elisabeta adormecida sentada, com a Lizzie enrolada sem seu colo, uma das mãos de Elisa repousando calmamente em seus cabelos.
Foi a doçura do momento que o atingiu e desnorteou, o familiar de uma cena que nunca vira, e o alívio pela filha estar com Elisabeta. Aquela mulher tão surpreendente, que o irritava na mesma medida que o encantava, a quem jamais poderia compensar pela mão que estendera a sua filha no momento mais confuso da vida de Lizzie.
Ali, observando as duas adormecidas, deu-se conta do quanto eram parecidas, ainda que tão diferentes. Com a luz baixa do quarto, seus cabelos pareciam do mesmo tom, e suas expressões tranquilas se complementavam. E mais do que fisicamente, Darcy percebeu o quanto Lizzie dava sinais de uma personalidade forte, o quanto a filha já era disposta a brigar pelo que queria, e apesar das constantes alfinetadas, concluiu que não se importaria nem um pouco se Elizabeth espelhasse Elisabeta no futuro.
— Papai? – a pequena chamou, com um olho aberto e o outro fechado.
— Papai está aqui. – ele disse, se aproximando e sentando-se do outro lado da filha.
A menina sorriu sonolenta, voltando à seu sono, e embora Darcy não pretendesse, a viagem fora cansativa e seu sono veio sem aviso.
##
Elisabeta despertou com um incomodo em seu pescoço. Os primeiros raios de sol invadiam o quarto de Lizzie, e Elisa aos poucos tomou conhecimento do ambiente a sua volta. Em algum momento da noite havia deitado de verdade na cama de Lizzie. Não lembrava-se em que momento isso havia acontecido, apenas uma vaga lembrança de sentir muito frio.
Para seu completo espanto, não estava com a cabeça encostada em um travesseiro, e o perfume de Darcy estava mais forte do que jamais sentira. Com seus sentidos retornando, percebeu que seu corpo inteiro estava grudado à Darcy, enquanto sua cabeça repousava no peito do pai de Lizzie. Arregalou os olhos abruptamente, sem entender o que estava acontecendo. O braço de Darcy a mantinha firmemente atrelada ao corpo dele, e Elisabeta percebeu que, em algum momento da noite, Lizzie trocara de posição.
Ao invés de estar deitada no colo de Elisa, a menina agora dormia calmamente do outro lado do pai, que havia ficado entre as duas, embora Elisa sequer recordasse vê-lo chegar. Ouviu a respiração de Darcy mudar, incapaz de mover-se, e em seu despertar Darcy a puxou ainda mais contra seu corpo e beijou sua testa.
Elisabeta levantou seus olhos para ele, temendo despertar Lizzie e assustar a menina. Os olhos de Darcy se abriram aos poucos, e ele também pareceu demorar a absorver o ambiente à sua volta. De repente, seus olhares se encontraram, e o desconfortável da situação se dissipou. Em um estado sonolento, ainda desarmados, no frio da manhã e com Lizzie adormecida ao lado deles, Elisa e Darcy deixaram o momento acontecer, sem preocupação com nada mais.
Darcy sorriu para Elisabeta, acariciando os cabelos dela, e depositou mais um beijo em sua testa, antes de novamente acomodá-la em seu abraço. Elisabeta acariciou o rosto de Darcy, recebendo um beijo em sua palma, e repousou-a acima da mão de Lizzie, no peito dele.
Entregando-se ao aconchego, os dois adormeceram novamente. Um par de horas mais tarde, quando a agitação de Lizzie despertou Darcy, Elisabeta já havia ido embora, confusa demais com seus sentimentos para permanecer ali. Darcy sorriu ao sentir o perfume dela em sua roupa.
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