Ela volta da festa de carona. Quieta, mais sóbria que a motorista, mas não conseguiria dirigir no estado em que estava.

Os belos momentos de tensão, quando o coração bate tão forte que quer parar de bater para não assistir o que vai acontecer em seguida.

A sensação da música tocando ao fundo. Funk, eletrônica, ela só conseguia lembrar que a vibração dos auto falantes se confundia com a própria pulsação.

Olhar nos olhos dele. Sua visão periférica parecia explodir de cores enquanto ela sentia a magia do ar tocando-a, enquanto ele falava alto para superar a barulheira ao redor.

As batidas do coração. As batidas da música. As cores. A voz dele. Os olhos dele. As cores. O melhor momento da vida dela, quando ele responde que também gosta muito dela. Que para ele, ela é incrível. Nem parece verdade, nem precisa ser também, mas ela acredita porque tem sonhado com esse momento desde que pusera os olhos naquele rapaz.

Quando ela relembra o momento, é como se acontecesse novamente. Ela o vê e seu coração dispara novamente quando lembra de como abraçou-o num impulso. Eu não acredito, eu estou tão feliz! Eu... quero te amar. Eu quero te amar por toda a vida, ela pensou, tão delirante de paixão que estava. Ela sabia disso, e queria continuar delirante pela vida toda. Não me solte, por favor, nunca mais me solte.

Ele se afasta um pouco e ela põe seus olhos suplicantes nos dele. Talvez por ela estar olhando para cima pareça ainda mais suplicante, mas ela pode ver que ele a quer. Como eu posso ter logo essa garota tão linda nos meus braços? Ele pensa. Ele quer protegê-la. Ele quer tê-la sempre ao seu lado. Não sem o medo de não ser para ela tudo o que ela merece. Porque ela merece tudo de melhor nesse mundo.

Ela foi beijada. Ele foi beijado. Ela ficou na ponta dos pés ao mesmo tempo que ele se inclinava. Seus dentes se encostaram, tão insignificante naquele momento.

Os lábios dele eram finos e carinhosos. Os dela eram finos também, e tão delicados que se podia pensar que ela era assim também, e não que era vontade de degustar tudo do momento.

O ar parecia mais gelado, mas seu corpo ardia. Do quê, ela não sabia explicar. Ardeu mesmo depois do beijo. Ardia ainda enquanto estava no carro.

Ela queria continuar para sempre ardendo ao lado dele.

Quando se separam, ela não consegue dizer nada. Ele, idem. Ela lança mais um olhar intenso, pedindo pelo amor de Deus que eles ficassem juntos. Entreabriu os lábios, tão ligeiramente que foi quase imperceptível. Como que fosse dizer “eu te amo”.

Racional que era, sabia que não amava. Ainda.

Irracional, queria que aquilo que ela achava que era real — reciprocidade, paixão, desejo — fosse mesmo. Se fosse mentira, que ela pudesse ainda ficar um pouco naquela linda ilusão.

Não observava a paisagem noturna pela janela. Ela só via os olhos dele, como se tivesse fotografado aquele momento.

Igual a ela, a motorista não via direito.

Não viu que avançara o sinal vermelho no momento que um caminhão passava na outra rua do cruzamento.  

* * *

Ela acorda e vê de canto de olho paredes e teto brancos. Mas em foco, a mesma imagem que vira antes do acidente. Os belos olhos de quem beijara.