O destino do tigre - POV diversos escrita por Anaruaa


Capítulo 8
Um adeus - Ren




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759944/chapter/8

Kadam se foi. O homem que cuidou da minha família, de mim, estava morto. Ele era como um pai para todos nós e nós o havíamos perdido.

Ouvimos o som de algo voando no céu. Ergui os olhos e vi o trem de pouso de um helicóptero, então uma rajada de vento quando a aeronave se aproximava do solo. 

Nilima pousou o helicóptero e correu até onde estávamos. Então caiu no chão perto de Kelsey, gritando de dor e tristeza. Ela segurou a cabeça de Kadam em seu colo e chorou, balançando o corpo para frente e para trás.

Quando estava mais calma, ela aproximou-se de Kishan e pediu para que ele lhe contasse o que havia acontecido. Eles conversaram por algum tempo, depois começaram a juntar nossas coisas para colocar no helicóptero. 

Kishan pegou o lenço divino, cruzou os braços de Kadam em seu peito e tocou-lhe a testa, agradecendo-o. Depois pediu para que o lenço o cobrisse. Então nós dois carregamos o corpo até a aeronave e o levamos para casa.

Quando pousamos, Kelsey e Nilima ainda estavam muito emocionadas. Deixamos que elas fossem para dentro de casa enquanto levávamos o corpo de Kadam para o dojo, sem saber ao certo, que providências tomaríamos em seguida.

Entramos em casa e encontramos Kelsey sentada em uma cadeira e Nilima de pé, ambas abatidas. Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, ouvimos a campainha tocar. Abri a porta. Murphy, piloto do Sr. Kadam, estava de pé ali. 

— Sinto por vir nesta hora avançada, mas Kadam me pediu para que viesse exatamente neste horário — Murphy explicou. — Há algumas semanas, Kadam me deu instruções detalhadas para vir até aqui e entregar-lhes uma carta. Ele disse vocês voariam para algum lugar depois que a lessem. Está bem?

— Por favor, não gostaria de entrar? — Nilima perguntou entorpecida. — Temo dizer que o Sr. Kadam esteja… esteja morto.

A face de Murphy se enrugou, e com a mão trêmula, ele entregou o envelope com o selo e a letra familiar do Sr. Kadam. Nós nos sentamos e eu abri a carta e a li em voz alta:

— “Eu gostaria de ser enterrado em um simples caixão de madeira e sepultado perto dos pais de Ren e Kishan. Um terno passado está pendurado no closet”— fiz uma pausa— Ele fala com tanta naturalidade sobre sua própria morte.

Murphy apertou a mão de Nilima.

— Sinto muito senhorita. Se existir algo que eu possa fazer, por favor, me avise. Ele era um homem extraordinário.

— Sim, ele era — a voz dela falhou, e então ficamos em silêncio.

Todos se dispersaram tristes e eu não consegui mais ler a carta. Kishan se aproximou e a pegou  da minha mão. Depois de ler, ele se ajoelhou perto de Kelsey e acariciou seu rosto com gentileza:

— Murphy vai nos levar para a selva onde nos conhecemos. Na carta, o Sr. Kadam escreveu que seu caixão já está lá. Ele gostaria de ser enterrado perto do jardim de Deschen, de modo que seria lembrado no lugar onde nossas vidas se tornaram um circulo completo. Eu não tenho certeza do que isso significa, mas nós devemos honrar seu desejo. Se não quiser ir, pode ficar para trás. Prefere ficar?

— Não, eu gostaria de ir, mas preciso achar alguma coisa mais apropriada para vestir no funeral.

Kelsey subiu as escadas e foi para seu quarto. Depois de alguns minutos, ouvi o som de coisas sendo lançadas contra a parede. Nilima começou a chorar e Kishan a abraçou. Fui até o quarto de Kelsey e a encontrei sentada no chão sobre uma pilha de roupas e sapatos. Seu rosto estava coberto de lágrimas. Parei a seu lado.

— O que eu posso fazer?— Me sentei a seu lado e a puxei para mim.

Ela fungou, com o rosto encostado no meu peito

— Não tenho nada para vestir.

— Estou vendo isso. Alguém destruiu seu armário enquanto estávamos fora.

Kelsey riu e soluçou.

— Eu nunca… nunca te contei sobre o funeral dos meus pais? Eu queria que eles soubessem o quanto eu precisava deles. Eu ia fazer um discurso sobre minha mãe e meu pai, mas quando a hora chegou, não consegui encontrar as palavras.

— Isto é muita coisa para se esperar de uma adolescente.—Falei enquanto enxugava suas lágrimas.

— Eu queria fazer isso. Queria que todos naquele funeral soubessem que grandes pais eu tinha. Queria que todos soubessem o quanto eu precisava deles. Quão importante eles eram para mim. Queria que eles soubessem que eu os amava.

Ela levantou o rosto e olhou para mim. Eu afastei seus cabelos do rosto e os coloquei atrás de sua orelha.

— Quando chegou a hora, eu não consegui. Fiquei ali olhando para aqueles dois caixões e não consegui dizer uma única palavra. E eles mereciam mais que aquilo. Mereciam ser lembrados, amados e ter um discurso, e eu trouxe tudo ao chão.

— Tenho certeza de que eles não teriam pensado dessa maneira.

— Essa era a última coisa que eu poderia fazer para honrá-los, e estraguei tudo. Não quero que aconteça o mesmo com o Sr. Kadam.

— Kells — eu suspirei. — Você honra seus pais cada dia da sua vida. Não precisa de um discurso para mostrar o quanto os amava. Eles não iriam querer que você carregasse esse fardo por todo esse tempo. Eles te amavam. Kadam te amava também. Não precisa dizer a coisa certa ou usar o vestido perfeito. Você os honra por viver, por ser essa mulher maravilhosa que é. 

— Você sempre sabe a coisa certa para dizer, não sabe? Obrigada.

Entramos no avião e seguimos para a floresta. Todos estávamos muito tristes, mas Nilima era quem mais me preocupava. A morte de Kadam a havia afetado muito. Ela estava muda e seu olhar era distante. Kishan ficou perto dela, preocupado. 

Kelsey dormiu durante a viagem e eu a acordei quando chegamos ao local indicado por Kadam. Estranhamente havia um clareira no lugar, grande o suficiente para que o avião pousasse. 

— De onde isto veio? — Kelsey perguntou.

— Não faço a menor ideia — Kishan respondeu. — Conheço essa floresta como a palma da minha mão, e nunca houve uma clareira ali, muito menos espaço para se pousar um avião.

Kishan e eu carregamos o corpo até o jardim da velha casa, onde vivemos com meus pais após a maldição. Então começamos a cavar, conforme as orientações que Kadam deixara, enquanto Kelsey, Nilima e Murphy conversava embaixo de uma árvore.

Terminamos logo de cavar, pois estranhamente, a terra estava fofa e praticamente se dissolveu por si mesma. Kishan e eu ficamos intrigados com o que encontramos enterrados naquele local. Nos olhamos interrogativos, mas permanecemos calados.

Fomos buscar os três e Kishan segurou a mão de Kelsey, enquanto a guiava até o local do sepultamento. Ren e eu já tínhamos vestido o corpo com o terno que Kadam escolhera e o colocado no caixão simples de madeira. 

— Este é meu pai. Kadam deve ter colocado isto aqui recentemente. As lápides antigas apodreceram há muitos séculos — Kishan falou, agachando-se para traçar a escrita em sânscrito.

Me virei e vi que ele e Kelsey estavam perto do túmulo antigo. Me aproximei para ver também.

— O que diz? Perguntou ela.

— Aqui diz “Rajaram, amado marido e pai, o rei esquecido do Império Mujulaain. Ele governou com sabedoria, vigilância, bravura e compaixão”.

— Assim como no selo.

— Sim. A lápide é na verdade uma réplica, se você olhar de perto.

Eu me abaixei para ver o túmulo de minha mãe.

— “Deschen, querida e amada mãe e esposa”.

Kishan e eu paramos em silêncio. Eu me lembrei dos meus pais e de como éramos felizes. Eu sentia falta deles. 

— Aqui é um lugar encantador — Kelsey falou, depois de algum tempo.

— Sim — Kishan concordou. — Mas nós encontramos uma coisa estranha enquanto escavávamos.

— Ossos de Tigre — Respondi.

Kelsey respirou fundo e seus olhos se encheram de lágrimas. Eu toquei sua bochecha e perguntei se ela estava pronta. 

— Sim.

Nos posicionamos perto da cova e eu me dirigi a Murphy, perguntando se ele gostaria de dizer algo. Murphy sacudiu a cabeça e limpou o nariz com um lenço, soprando ruidosamente.

— Ele… Ele já sabia o que eu sentia — falou.

Nilima recusou a oferta também, erguendo os olhos assombrados para nós e balançou a cabeça em silêncio.

Foi Kishan quem deu um passo a frente e discursou:

— Sua morte foi a de um guerreiro. Você entregou sua vida por seu rei, seu reino, e sua família. Hoje nós o honramos e você toma seu lugar entre nossos ancestrais. Somos ricamente dotados, tendo sido ensinados por você sobre todas as coisas. Você foi nosso conselheiro, nosso exemplo, nosso soldado mais confiável, e nosso pai. Eu honro suas ações. Honro sua lealdade. Honro sua generosidade de espírito. Foi nosso privilégio lutar ao seu lado e viver em sua presença. Que sua alma cansada atinja o resto da labuta terrena e encontre a paz. Não fomos deixados desolados porque sempre permanecerá em nossa memória e em nosso coração.

Kishan recuou e eu apertei a mão de Kelsey, indicando que era sua vez. Ela limpou as lágrimas do rosto e recitou um poema:

O Guerreiro Morto

Por Alfred, Lord Tennyson

De volta ao lar, o guerreiro morto.

Dela nem desmaio, nem pranto:

Vigilantes – todas exclamaram suas donzelas

“Caso ela não chore, a dor não suportará”

Depois, tributos lhe renderam, delicadamente em silêncio quase.

Digno de ser amado o consideraram

O mais autêntico, o inimigo mais nobre.

Dos seus lábios, no entanto, palavra alguma ou simples gesto.

Despercebida, suavemente, uma donzela saiu.

Em direção ao guerreiro.

Da face lhe tirou delicado tecido.

Da mão, nenhuma reação ou sequer pranto.

Erguendo-se, uma aia nonagenária

Sobre os joelhos o filho dela pôs.

Tempestuosas lágrimas de verão dos olhos lhe brotaram:

“Doce alminha querida, de ti cuidarei.”

Nilima chorava baixinho, amparada por Kishan, que se pôs a seu lado. Kelsey fez uma pausa para olhá-los, depois continuou:

— Para mim é difícil expressar meus sentimentos, bem como a garota do poema. Sr. Kadam, o senhor foi meu pai substituto, e me senti conectada a você assim como ao meu pai — sua voz falhou e ela passou a sussurrar dolorosamente— não sei como vou continuar sem o senhor. Já sinto tanto a sua falta. Darei o melhor de mim para ajudar seus príncipes, e sempre tentarei honrá-lo. Eu te amo.

Kishan colocou os braços ao redor dos ombros dela, que o abraçou, enterrando o rosto em seu peito.

Eu comecei a falar:

— Kishan deu um elogio de guerreiro e eu gostaria de acrescentar um por mim mesmo. Eu o honro como meu amigo e pai. Foi firme dando ajuda em meio à aflição, sempre inabalável. Você merece um memorial de herói. Humildemente, nós oferecemos nossa admiração, nosso respeito e nosso amor.

Então eu peguei o poema que trazia comigo e comecei a recitar:

A Casa Deserta

Por Alfred, Lord Tennyson

Vida e Pensamento foram embora

Lado a lado,

Deixando as portas e janelas abertas.

Inquilinos descuidados eles!

Tudo dentro é escuro como a noite:

Na janela não há luz;

E nenhum sussurro à porta,

Tão frequente entre as dobradiças antes.

Feche a porta; as venezianas cerradas;

Ou através das janelas nós veremos

A nudez e o vazio da escura casa deserta

Venha: não há mais alegria aqui

Ou o som do que traz alegria.

A casa foi construída da terra,

E deve cair novamente para o chão.

Venha: pela Vida e Pensamento

Que aqui já não mais habitam;

Mas em uma gloriosa cidade –

Uma grande e distante cidade – onde comprou

Uma mansão incorruptível.

Ele poderia ter ficado conosco!

— Estamos diminuídos com sua morte, meu amigo, e apenas consigo rezar para que possamos viver de tal maneira que o deixe orgulhoso. Espero que tenha encontrado sua mansão incorruptível, pois se há alguém que merece esse lugar, é você.

Acenei para Kishan e nós nos aproximamos do caixão para baixar a tampa. Kelsey colocou uma rosa branca de tecido dentro do caixão e nós o fechamos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O destino do tigre - POV diversos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.