O destino do tigre - POV diversos escrita por Anaruaa
Começamos a seguir pela tal caverna do sono e da morte. Kelsey pediu para que o lenço lhe fizesse roupas novas sob o belo vestido dourado que ela usava. Então, ela nos contou como foi sua experiência de renascimento com a Fênix e que teve uma nova visão de Lokesh:
— Sonhei com um grande reino do passado. Em uma antiga biblioteca, estava Lokesh torturando um humilde arquivista por informações da Rainha Panhtwar Beikthano, a Rainha Birmanesa de Pyu, cujo irmão havia lhe dado um tambor mágico. Quando ela bateu no tambor, o rio das redondezas ergueu-se e caiu sobre seus inimigos. Ele também trouxe a chuva durante a seca e livrou-se das inundações. O perverso feiticeiro sorriu e murmurou: "O tambor era uma diversão." — Os olhos de Lokesh brilharam de excitação antes de a visão mudar para uma noite escura. Depois, eu vi Lokesh tentar negociar com o neto da rainha pela sua parte do amuleto, mas ele recusou-se a vendê-lo. Lokesh o matou, curvou-se sobre o homem morto e deslizou o anel de ouro do dedo do neto da rainha para sua própria mão. Lokesh sorriu com desdém e esticou a mão sobre uma fonte. A água ergueu-se da bacia e rodopiou em círculos. Então o sonho terminou. "Água", eu pensei. "Uma das partes do amuleto de Lokesh controlava água".
Kishan e eu nos entreolhamos preocupados. Parecia que havia uma conexão entre Lokesh e Kelsey. Tínhamos que estar atentos.
Segundo as recomendações da Fênix, nós não poderíamos dormir naquele lugar ou jamais despertaríamos. Não sabíamos o que de fato ocorreria, até que Kelsey dormiu.
Assim que ela fechou os olhos, seus dedos ficaram cinzas e duros como pedra. Eu chamei por ela, mas ela não despertou. Víamos a coloração cinzenta se espalhar pelas mãos e braços de Kelsey, até alcançarem suas pernas. Kishan e eu tentávamos despertá-la desesperadamente, em vão. Tivemos que bater em seu rosto para que ela enfim despertasse, sem entender o que estava acontecendo. O corpo de Kelsey doía e ela sentia dificuldade em caminhar. Nos disse que teve outro sonho com Lokesh.
Nós precisávamos deixar logo aquele lugar. Mas Kelsey estava cansada e com dores, não conseguiríamos seguir, tampouco poderíamos parar ali para descansar. Ela se apoiou em Kishan e eu pedi para que ela me contasse o novo sonho. Este lhe mostrou como Lokesh conseguiu a outra parte do amuleto, antes de ir à Ìndia, buscar as duas últimas partes.
Depois de uma longa caminhada, resolvemos provar a fruta de fogo. Kishan providenciou uma faca e o cortou em fatias paralelas. O suco era meio azedo, mas revigorante. As sementes eram crocantes, porém comestíveis e tinham o gosto de nozes. Era saborosa, enfim. Quando terminamos de comer a fruta e começamos a caminhar pela caverna. Kelsey parecia revigorada e disse que a fruta havia curado as bolhas em seus pés.
Continuamos caminhando e Kelsey resolveu pedir ao fruto sagrado que produzisse suco da fruta de fogo. Ela experimentava um pouco de vez em quando e disse ter o mesmo efeito do fruto.
Chegamos a uma bifurcação do túnel e paramos para descansar um pouco. Enquanto Kelsey pegava Fanindra, Kishan dormiu.
O mesmo que havia acontecido com Kelsey, aconteceu com Kishan, mas muito mais rápido. Seu rosto ficou cinza e seu corpo desabou no chão, como se ele estivesse morto. Nós gritamos, eu tentei esbofeteá-lo, mas ele não despertou. Eu tentava sacudi-lo e Kelsey o encharcou com água, mas nada adiantou. Então ela pegou uma cabaça com o suco da fruta de fogo e a colocou nos lábios de Kishan. A maior parte escorreu, mas ele deve ter engolido um pouco, porque logo se mexeu. Kelsey colocou mais um pouco e ele foi capaz de beber. A cor cinza começou a recuar e finalmente Kishan piscou e abriu seus olhos. Kelsey o abraçou e beijou seus lábios.
— Nunca mais me assuste assim.
Ele tentou falar, mas Kelsey pressionou o dedo em seus lábios.
— Não fale ainda. Apenas beba.
Depois de duas garrafas de suco da fruta do fogo, ele pareceu completamente recuperado e levantou-se. Eu o ajudei a caminhar, por causa da dormência e da dor. Kishan recuperara suas forças e quando o túnel tornou-se mais estreito, ele assumiu a liderança, seguidos por Kelsey e por mim.
— Quero lhe perguntar algo, mas se a fizer se sentir desconfortável, não precisa falar sobre isso.
— Qual é a sua pergunta?
— Quando você se sacrificou para a Fênix, nós a vimos queimar.
— Sim.
— O que houve?
— A Fênix me fez algumas perguntas que eu custei a responder, e queimar foi o resultado. Havia algumas coisas que eu precisava aprender e admitir para mim mesma. Pôr Do Sol disse que ouviu o chamado de meu coração assim que entrei na floresta. Ele queria me curar.
— Seus métodos de cura deixam a desejar.
— Talvez — nós caminhamos em silêncio por um momento — embora a Fênix não tenha perguntado mais do que ela esperava para si mesma.
— O que você quer dizer?
— Quando o cometa riscou o céu, observei-a queimar. Pôr Do sol deu sua vida para que uma nova Fênix, Nascer Do Sol, pudesse nascer.
— O que ele perguntou a você, Kelsey?
Ela suspirou e permaneceu em silêncio por algum tempo. Eu esperei até que ela se sentisse confortável para responder.
— Meu coração esteve machucado por um longo tempo e eu me agarrei à dor. A Fênix me fez encarar isso. E agora que reconheço, estou tentando descobrir como dar os próximos passos. Quanto às perguntas que ele me fez... — Ela parou e segurou minhas mãos. — Quero manter para mim mesma por enquanto. Prometo que irei lhe contar algum dia. Mas não agora.
Eu levei suas mãos até meus lábios e beijei seus dedos.
— Então eu terei apenas que esperar até esse dia.
Depois de caminharmos algumas horas, chegamos a um local onde o clima mudou, tornando-se estranhamente mais frio e sombrio. Fanindra ia à nossa frente no guiando até que ela parou e sibilou, percebendo um perigo que nenhum de nós percebêramos.
Kishan e eu pegamos nas armas e nos posicionamos à frente de Kelsey. Continuamos seguindo em frente. Fanindra cada vez mais agitada. Até que sentimos um cheiro horrível de morte.
Depois de algum tempo, começaram a surgir formas humanas deterioradas, a fonte daquele fedor insuportável — mortos-vivos. Um deles caminhava em nossa direção. Eu o ameacei, mas ele me ignorou. Golpeei a criatura violentamente, fazendo um corte certeiro em seu braço direito, mas ele nem pareceu sentir dor.
Kishan saltou para frente e deslizou sua espada através da barriga inchada do cadáver, fez um corte profundo na região do abdômen e um líquido jorrou dele. Fumaça cortante e um líquido espesso derramou-se dali. O cheiro de putrefação e esgoto rodopiava no ar. Kelsey ergueu a mão para atingi-lo com um raio, mas a criatura agarrou-lhe o pulso. Kelsey puxou o braço, mas ficou horrorizada ao perceber que a pele do morto ficou agarrada em si. Ela saiu correndo e nós a seguimos.
Enquanto nos movíamos pela caverna, encontramos corpos em diferentes estágios de decomposição.
— O que vocês acham que eles querem?— Kelsey perguntou.
— Pareciam interessados em Fanindra. Talvez eles desejem a luz que ela emite.
Ela me agarrou pelo braço enquanto caminhávamos pela caverna. Kishan ponderou:
— A Fênix disse que aqui era a Caverna do Sono e da Morte.
— Terei que agradecê-la por sua tradução literal.
Comecei a observar a pele cinzenta dos mortos-vivos que cruzaram nosso caminho e lembrei-me do que houve com Kishan e Kelsey quando dormiram na caverna. Suas peles ficaram cinzentas, como as
daqueles cadáveres. Então compreendi que aquilo era o que acontecia com quem dormia naquelas cavernas.
— Não estou mais com medo deles — Eu disse.
— Por quê? Por que não? — Kelsey perguntou.
— Eu acho... acho que eles poderiam ser nós.
Kishan replicou:
— O que você quer dizer?
— Quando vocês dois dormiram, suas peles ficaram cinza. Se vocês nunca tivessem acordado, talvez um de vocês pudesse ter tido o mesmo destino deles. Eles não puderam fazer nada para impedir o que acontecia com eles. Sinto-me triste por eles estarem, de alguma forma, conscientes o bastante para vivenciarem a decadência de seus próprios corpos.
— Se eu ficasse presa na escuridão por anos, eu também iria querer um pouco de luz.
— Talvez seja melhor para eles que fossem poupados de ver seus próprios destinos — Kishan observou.
Movemo-nos pela caverna em silêncio. O sentimento uma vez assustador de estar cercado por zumbis em decomposição fora substituído por uma melancolia sombria.
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