Solitude escrita por Lillac


Capítulo 19
Hubris.


Notas iniciais do capítulo

hú·bris
(grego húbris, -eos, excesso, ardor excessivo, impetuosidade, violência, ultraje)
substantivo feminino de dois números
Orgulho excessivo. = ARROGÂNCIA, INSOLÊNCIA, SOBERBA
Também conhecido como: o defeito mortal da Annabeth.


Como eu tinha dito várias vezes, o plano eram atualizações diárias se o meu notebook não desse problema, e... MANO DO CÉU, vocês não fazem ideia do quanto eu tive que me virar para conseguir postar esse capítulo porque, adivinhem? O notebook quebrou.

Enfim, espero que gostem!



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A cabeça de Annabeth já estava à mil mesmo antes de Nico sentir a necessidade de lembrá-la de que:

— Não vai demorar muito para esse prédio desmoronar.

Annabeth teria engolido em seco, mas a fumaça que havia se acumulado em sua boca doía demais. Eles haviam feito uma breve pausa na curva de um corredor para tentar recuperar o fôlego, mas ela sabia bem que não tinham muito tempo. O fogo alastrava-se atrás deles sem piedade, e a pele de Annabeth estava tão quente que sequer conseguia expelir suor.

Os acontecimentos de poucos minutos atrás não deixavam de girar em sua mente, pertubando-a, como uma tortura lenta sem indício de pausa. Ela não conseguia fechar os olhos sem ver a poça de sangue por baixo de Clarisse. Não conseguia se esquecer do som da arma disparando, de Hazel atingindo o chão. Pior do que isso, não conseguia parar de pensar na morte que menos deveria tê-la afetado: Ares. Por algum motivo, sua cabeça martelava na cena do coronel morrendo sufocado.

Muito possivelmente, porque mesmo enquanto a morte esvaía-se de seu corpo, Ares a havia encarado no fundo dos olhos e sorrido, com o sangue derramando dos cantos de seus lábios, dos olhos, dos ouvidos, dos poros abertos no rosto...

Ela havia conseguido matá-lo, e, de alguma forma, não sentia como se houvesse ganhado.

Porque Ares havia conseguido o que queria. Fizera Percy matá-lo com as próprias mãos, colocara o próprio filho em uma espiral de sofrimento, e fizera com que ela ateasse fogo ao prédio. Ele havia dito que queria divertir-se, e Annabeth só conseguia pensar que aquele era exatamente o tipo de entretenimento que um sádico maluco como ele estava procurando.

Ares a havia manipulado como um brinquedinho, e Annabeth sentia-se enjoada só de pensar nisso.

— Eu... — ela ofegou, tossindo um pouco. — Eu sei.

Ela segurou o pequeno rádio de Piper com mais força, sentindo o metal fumegante machucando sua pele. Semanas atrás, no auditório, Percy havia segurado a mão dela na sala de som, e lhe dissera que gostaria de acreditar que eles iriam sobreviver. Na época, ela estava utilizando uma bandagem para um machucado aberto, as ataduras marrons de sangue seco. Agora, ela imaginava que precisaria de muito mais do que um curativo para aquela mão.

Mesmo com a dor excruciante, ela não conseguia convencer a si mesma a soltar o objeto ou colocá-lo no bolso. Sentia como se aquele pequeno pedaço de metal excruciante fosse a última linha conectando-a a dois de seus amigos. Leo, que havia os dado a chance de sobreviver, mesmo que só mais um pouco e-

Annabeth fechou os olhos.

Ainda não conseguia acreditar do que Jason havia feito.

Mais do que isso, não conseguia acreditar que havia deixado. Que havia ficado parada enquanto o garoto se jogava na morte certa. Droga! Ela era tão covarde assim?

— Annabeth — Nico chamou —, eu sei o que você está pensando. Eu entendo. Eu... — ele tentou umedecer os lábios, mas sua boca estava seca demais — eu sinto o mesmo. Mas não é o momento para isso. Nós precisamos sair daqui. Eu preciso de você agora.

Ela assentiu. Eles continuaram a andar. Nenhum alarme de segurança havia soado ainda, o que, ela tinha esperanças, significava que Percy havia conseguido impedir que os portões fossem abertos. Mas não queria pensar em como ele havia feito isso. Não queria pensar que Percy tinha ainda mais sangue humano nas mãos, não quando ela mesma mal conseguia lidar com as mortes que havia causado no incêndio.

— O que nós fazemos agora? — Nico perguntou.

Ele parecia estranhamente calmo. Annabeth não queria pensar no que aquilo significava, embora soubesse perfeitamente bem.

O cérebro de Nico havia entrado em crise. Era como se ele não processasse a realidade. Ela temia pelo momento no qual ele voltasse a si e todos os fatos remexessem-se em sua cabeça.

— O único jeito de sairmos daqui é com os carros dos militares. Preciso das chaves. E precisamos encontrar os outros.

— Se as chaves estiverem na sala de comando, tenho certeza que o Percy deve pegá-las.

— Eu não posso apostar — Annabeth concluiu, empurrando Nico um pouco para o lado quando uma parte de uma parede desabou e o fogo subiu. — Se estiverem, ótimo. Se não...

Nico pulou por cima de um escombro.

— Vamos até a cabine do Ares. É o segundo lugar mais provável.

Enquanto caminhavam, Annabeth não conseguia parar de preocupar-se cada vez mais. Queria pensar que o fato de que nenhum alarme havia soado significava que Percy e Reyna haviam encontrado a sala de comando, mas...

Ares mesmo havia dito aquilo. Era uma base antiga. Nada garantia que um sinal fosse soar.

Até onde ela sabia, era completamente possível que os zumbis estivessem entrando naquele mesmo momento.

Mas se esse fosse o caso, aquilo significava que Percy...-

— Você precisa parar de pensar nisso — Nico a advertiu. — Não vai te levar a lugar algum.

Annabeth odiava quando ele estava certo.

Eles alcançaram a cabine de Ares, e Annabeth ignorou o arrepio que subiu pela sua espinha. Ao invés disso, sua atenção foi capturada pela cama na qual havia visto Grover pela primeira após chegarem à base. Ela lembrou-se mais uma do que o despertar do garoto havia significado para ela à princípio. Uma nova chance de sobrevivência. A possibilidade de uma cura.

Ao final das contas, tudo o que acontecera fora adicionar combustível à loucura de Ares e resultar em uma de suas colegas em coma em um prédio em chamas.

Nico começou a procurar pelas chaves imediatamente, e Annabeth sentiu o rádio vibrando em sua mão queimada. Sem o microfone que Leo havia dado um jeito de acoplar ao aparelho, não havia modo que conseguisse se comunicar, mas ao menos podia ouvir quem estava do outro lado da linha.

Clarisse...? O que aconteceu? Por que você ainda não mandou um relatório?

O sangue de Annabeth congelou nas veias.

Atena — uma voz grave soou, repreensiva. — Clarisse nos disse que entraria em contato assim que conseguisse levar todos até os carros. Não adianta. Leo deve ter esquecido o rádio na cabine de novo.

Nico parou o que estava fazendo. Annabeth viu os olhos escuros do garoto arregalando-se.

Como você pode estar tão calmo, Hades?! — Atena retrucou — São os nossos filhos-

Eu gostaria que você lembrasse, Atena — Hades a interrompeu, em uma voz fria. — Que eu já perdi uma filha. Acredite em mim quando eu digo que estou tão receoso quanto você. Mas eu quero acreditar em Nico e nos outros.

— ... Pai? — A voz de Nico falhou.

De qualquer forma — Hades continuou, e a voz dele pareceu mais firme, como se houvesse se aproximado do rádio. Estática preencheu o ambiente — você deveria estar com Esculápio, como é sua responsabilidade. Eu odiaria pensar que está colocando os próprios sentimentos acima da razão.

Você está insinuando que...

Que você está surtando? Estou — uma outra voz soou, e Annabeth conhecia essa. Bem demais. — A sobrevivência da humanidade pode estar nas suas mãos Atena, e eu não quero pensar que você está colocando todos nós em risco.

Não seria a primeira vez — Hades comentou.

Eu gostaria de saber — Atena rosnou. — O que qualquer um de vocês dois sabe sobre a sobrevivência da humanidade. O que qualquer um de vocês sabe sobre ter passado o último mês enfurnada em um laboratório fazendo experiências em seres humanos. Então calem a boca, os dois. Se eu estou preocupada com Annabeth, isso é problema meu. Quando qualquer um de vocês for capaz de contribuir com mais do que apenas reclamações, eu estarei feliz em ouvir.

Palavras cruéis — Frederick disse —, mas eu gostaria de lembrar que Héstia ainda está morta. Que você matou nossa única chance de conseguir uma cura.

Héstia foi um acidente!

Um acidente? — Hades repetiu. — Héstia acordou de um coma de cinco dias completamente consciente e imune, e então você teve que submetê-la a centenas e centenas de experimentos e uma dúzia de transfusões de sangue, porque você é incapaz de aceitar quando alguma coisa não funciona do seu modo! Agora Héstia está morta, e nenhum de nós sabe se o sangue em nossas veias está contaminado ou não!

— Annabeth... — Nico ergueu uma das mãos, aproximando-se, como se ela fosse um animal selvagem, mas Annabeth recuou, assustada, o rádio tremendo nas mãos.

Se Héstia não tivesse perdido tanto sangue... — Frederick suspirou — se não tivesse enfraquecido o próprio sistema imunológico tanto assim, talvez houvesse uma forma de...—

A voz de seu pai ficou mais distante, e foi então preenchida por estática, até a linha ficar muda. Nico a alcançou, mas Annabeth estava perdida demais para poder fazer qualquer coisa.

— Annabeth — ele tentou.

— Eu nos condenei — ela sussurrou, olhos presos no chão, a voz saindo tão fraca que mal podia ser escutada —, eu matei todos nós, Nico.

— Isso não é verdade!

— É claro que é! — Annabeth gritou. — Eu não parei para pensar em nenhum momento que poderia estar estragando nossa única forma de sobreviver! Eu não pensei duas vezes antes de drenar o sangue do Grover e colocar na Rachel!

— Eu sou tão culpado quanto você!

— Não, você não é — ela sentiu alguma coisa borbulhar dentro de si — você nunca foi nosso líder, Nico. As pessoas não procuravam você para tomar decisões. Não foi nas suas mãos que todos colocaram as vidas. Foi nas minhas. Eu fiz isso, Nico.

— Nós ainda não sabemos — Nico murmurou, mas nem ele parecia completamente convencido daquilo. As palavras deles começaram a ficar distantes — sua mãe pode ter feito a coisa certa-

— Coisa certa?! Minha mãe matou aquela mulher! Assim como eu matei o Grover. Assim como eu acelerei a morte da Rachel. É minha culpa. Minha culpa. Minha culpa...

Ela ainda não sabia como, mas havia caído de joelhos. O chão, quente como um forno, queimava sua pele. Ela enfiou o rosto nas mãos, tremendo, mas nenhuma lágrima surgiu em seu rosto. Ela não tinha mais nada para chorar. Seus ombros balançavam neuroticamente, sua cabeça parecia ter sido partida ao meio.

Uma risada cruelmente sarcástica ganhou vida em sua garganta e rompeu o silêncio.

Annabeth Chase, ela pensou, lembrando-se de todas as vezes nas quais havia sido elogiada pelos professores. Pelos seus amigos. Por todos. Grande gênio.

Grande gênio, claro.

Um grande gênio incapaz de ver através do próprio ego, incapaz de pensar além da própria visão. Um grande gênio tão convencido de sua própria inteligência que nem por um momento sequer havia pensado na possibilidade de estar errada. Que em nenhum momento havia considerado estar colocando a vida de Grover na linha.

Porque Annabeth Chase era um gênio, não era?

Porque Annabeth Chase não poderia estar errada. Nunca.

Porque Annabeth Chase era uma arrogante, narcisista egocêntrica com mania de superioridade e que havia condenado a única chance de sobrevivência deles em favor do próprio ego e da necessidade de estar certa.

Ela continuou rindo, secamente, o som vibrando em seus pulmões, rasgando sua garganta, fazendo em frangalhos seu orgulho.

— Annabeth?

Dois braços a envolveram imediatamente, mas Annabeth desvencilhou-se deles como se queimassem mais do que o chão no qual estavam ajoelhados. Através da própria visão turva, ela viu o rosto magoado de Percy. Ele tinha vários ferimentos novos, mas seus olhos a encaravam como se fossem ela quem estava coberta de sangue.

— O que houve? —  A voz de Reyna surgiu, um pouco trêmula.

Annabeth não conseguiu responder. Parecia que alguma coisa havia fechado sua garganta definitivamente. Nico tentou explicar da melhor forma que conseguia. Mas tudo soava ainda pior nas palavras dele. Não era que o garoto estivesse tentando ser cruel. Longe disso. Era só que ouvir os fatos serem contados do ponto de vista de alguém que ela havia condenado era ainda pior do que soava em sua cabeça.

Porque Annabeth conseguia lidar com a culpa de ter acabado com a própria vida.

Mas ali estava Nico di Angelo, o garoto que havia perdido a própria irmã a menos de vinte minutos, explicando para o namorado de Annabeth e para a garota que sempre confiara nela que Annabeth havia condenado todos eles à morte.

Ela imaginou Reyna ficando furiosa, andando até ela e jogando-a contra a parede, cuspindo os insultos que certamente havia segurado até então. Porque Reyna confiara completamente nela. Reyna havia a apoiado durante todas as decisões que Annabeth havia feito por conta própria, sem quase nunca questionar. 

Reyna havia levado a facada no lugar de uma garota, para que semanas depois, Annabeth acelerasse a morte dela.

— Então é isso — foi tudo o que a garota falou, com um suspiro —, que merda.

— O... o que? — Annabeth virou-se para encará-la, e só então percebeu que, de alguma forma, Frank e Thalia estavam ali também. Concluiu que eles haviam seguido os dois depois que Annabeth havia partido com Nico e Jason.

Jason.

Thalia.

Ah, deuses... Annabeth não teve coragem de olhar para ela.

— O que você esperava? —  Reyna soava, no máximo, irritada. — Que todas as suas hipóteses estivessem certas de primeira? Você sabe melhor do que nós que o mundo não funciona assim.

— Mas eu...—

—  Estava tentando nos salvar? — Percy completou, dessa vez apenas colocando uma mão no ombro dela. — Tendo ideias e insistindo, mesmo quando todos nós estávamos na beira de desistir? É. Eu sei.

Ela sabia que eles estavam tentando animá-las, mas as palavras dos dois não surtiam efeito. Percy e Reyna podiam dizer o que quisessem. Podiam tentar convencê-la de que tudo o que havia feito fora por um bem maior, que ela não tinha culpa.

Mas a verdade é que ela tinha.

A verdade é que, de um jeito ou de outro, todos os passos que haviam dado até ali haviam sido ditados por ela. Que ela fora a primeira a matar um zumbi, a primeira a tentar compreender o vírus, e a primeira a matar um humano. Que todos eles só se sentiam capazes de fazer o mesmo porque ela o fizera primeiro.

Annabeth tinha culpa de tudo aquilo.

E... ainda assim.

Ainda assim, ela era só uma de vários sobreviventes. Não podia se dar ao luxo de derreter em mártir e desistir de tudo. Não ainda. Não podia deixar a culpa consumi-la e deixa-la incapaz de fazer algo mais. Não enquanto ainda houvesse a pequena, quase inexistente, sim, mais ainda existente, possibilidade de conseguir tirar ao menos algum deles dali com vida.

E se esse alguém fosse Percy...

Annabeth achava que podia conviver com a culpa.

Ou morrer. O que viesse primeiro.

As palavras de nenhum dos três surdiu efeito nela. Não se sentia menos culpada, ou menos responsável. Ainda tinha plena consciência de que havia enfraquecido o sistema imunológico de Grover sem pensar nas consequências, e que ele poderia muito bem ter perdido a imunidade.

Que o parasita poderia estar se espalhando pela corrente sanguínea dele naquele exato momento, fazendo o sangue brotar em seus olhos e seu coração bater mais devagar.

Que Rachel poderia estar tremendo de febre com suor brotando em sua pele, inconsciente em uma cama em uma cabine rodeada de fogo naquele instante, vagarosamente perdendo a vontade própria e tornando-se apenas mais um deles.

Se suas intenções eram boas ou não, se ela havia feito aquilo pensando na sobrevivência deles ou não — não importava. A responsabilidade continuava sendo dela, e unicamente dela.

Mas se deixasse que Percy, Nico e Reyna – três dos sobreviventes mais fortes que ela podia pensar — vê-la daquele modo, então ela estaria jogando suas esperanças em um poço sem fundo.

Por esse motivo, Annabeth engoliu em seco, sentindo a dor da garganta seca e inflamada, e olhou nos fundos dos olhos de Percy. Os músculos de seu rosto doeram quando ela forçou um sorriso fraco, mas foi o suficiente para fazer o semblante do namorado relaxar a expressão de preocupação.

— Eu vou ficar bem — mentiu — vamos dar o fora daqui.

Percy sorriu, concordando, e acariciou a pele do rosto dela.

Por enquanto, Annabeth fingiria que não havia um monstro enorme de culpa a consumindo por dentro, espremendo seus pulmões e deixando-a sem ar, sussurrando em seus ouvidos como ela havia acabado com as vidas de todos que estava tentando salvar.

Por enquanto, ela fingiria que ficaria bem. Pelo bem de Percy.

E esperava que ele acreditasse.

— Não havia ninguém na sala de controle —  Reyna contou, em um tom urgente.

— Nós pegamos o molho de chaves que estava um gancho, porque achamos que você precisaria deles —  Percy completou, gesticulando para o mesmo objeto, preso no, agora vazio, passador de cinto das calças  camufladas dele —, e agora?

Alguma coisa não clicava naquela situação. Ares havia especificamente dito que os soldados partissem para...

— Ah, merda.

— Eu sinto que não vou gostar disso — Reyna comentou.

— O sistema é dividido entre o setor norte e o sul. Como estamos no sul, eu pensei que seria lógico, mas... — ela mordeu a própria língua — eles devem ter dado a volta. Estão desativando os portões de saída, não de entrada.

— Não dá tempo de ir atrás deles — Nico concluiu — nós precisamos ir embora, Annabeth.

— Você está certo. —  Annabeth enfim levantou-se. — Onde estão os outros?

— Nós os deixamos na única parte do prédio que encontramos que ainda não está pegando fogo. O estacionamento.

— Isso é ótimo — ela tirou o molho de chaves da calça de Percy — vamos colocar todos nos carros e ir embora.

— Vocês vão para o estacionamento — Percy assentiu —, eu vou buscar a Rachel.

Um silêncio assombroso postou-se sobre eles. Annabeth olhou para Nico, mas ele também não sabia o que dizer.

— Percy—

— Eu sei. As chances dela se tornar um deles são muito grandes, eu sei... — ele abaixou os olhos. — Mas eu preciso tentar. Não posso simplesmente deixá-la aqui para morrer no fogo. Isso... não seria eu.

O coração de Annabeth errou uma batida no peito. Porque Percy estava certo. Esse era o garoto pelo qual ela havia se apaixonado tão absurdamente. O cara que jamais deixaria ninguém para trás, mesmo que isso custasse a própria vida.

— Então eu vou com você.

— De jeito nenhum — ele balançou a cabeça —, as pessoas confiam em você. Escutam você — cada palavra dele foi como uma facada, lembrando-a de como aquela verdade era a razão de toda a sua culpa. — Você precisa estar lá para liderá-los. Eu alcanço vocês.

— Tem mais uma coisa — Frank falou pela primeira vez, e só então Annabeth notou o quão... quebrado ele soava — Octavian ainda está preso na cela dele. Nesse ritmo, ele vai morrer sufocado.

Duas horas atrás, Annabeth teria dito “vai tarde”.

Mas agora, ela só conseguia pensar em quantas mais pessoas morreriam por causa dela. Já não bastavam todas que haviam morrido no incêndio, agora mais uma vida estava prestes a ser ceifada por culpa de suas ações.

— Eu vou com o Percy — ele disse, por fim — se ele não se importar.

— Eu também — Thalia assentiu, e Annabeth quase protestou, mas ela foi mais rápida: — eu... já fui cruel demais. Quis matá-lo com as minhas próprias mãos. Eu não tenho o direito de decidir quem vive e quem morre. Não sou deus. E deixá-lo para trás agora, quando existe a mínima chance de conseguir salvá-lo, seria exatamente isso.

— Certo, então Reyna, Annabeth e eu vamos-

— Eu vou com o Percy também — ela abriu um sorriso incerto, mas seus olhos estavam grudados em Nico — eu levei uma facada por aquela garota. Não posso deixar ela morrer agora.

Reyna tentou soar bem-humorada, mas Annabeth conseguiu ouvir o medo na voz dela.

Todos eles estavam completamente aterrorizados.

Nico não respondeu. Ao invés disso, ele caminhou até o armário de metal no canto da cabine e o abriu com urgência. Parecia estar procurando por algo específico.

— Eu sabia que esse desgraçado teria algo assim. Aparentemente, Ares nem sempre foi um lunático sem medo de morrer — ele caminhou e colocou alguma coisa na mão de Percy — isso é um sinalizador. Dispare se estiver em emergência. A gente vai dar um jeito de te encontrar. E isso...

Reyna tomou o objeto das mãos dele.

— Eu me sentiria mais segura se isso ficasse com você.

— Eu vou estar com a Annabeth — Nico fechou os dedos em torno da mão da garota, que agora segurava outra arma — e, além disso, não sou em quem vou estar andando no meio de um prédio em chamas infestado de soldados malucos.

Talvez sarcasmo fosse o modo daqueles dois lidarem com o que parecia com uma morte iminente.

Thalia a envolveu em um abraço apertado. Ela não mencionou Jason, e Annabeth soube que fora de propósito. Talvez ela não quisesse deixá-la ainda mais nervosa. As mãos de Annabeth tremeram onde pousaram na amiga. Thalia havia sido seu porto seguro, sua família...

E agora, a abraçava como se tivesse certeza que nunca mais a veria.

Reyna a abraçou também, e Annabeth sentiu-se na obrigação de apertá-la com força, como se isso retribuísse toda a confiança cega que Reyna havia depositado nela ao longo dos dias que elas haviam lutado juntas. Depois, a garota andou até Nico, e eles trocaram um aperto singelo. Nico enfiou o rosto no ombro dela, e Reyna beijou o topo da cabeça dele.

— Fica bem — ela disse, em um sussurro — não importa o que aconteça, ok?

Annabeth não conseguiu ouvir Nico respondendo.

Quando a vez dela e de Percy chegou, Annabeth não teve muito tempo para pensar em nada antes de Percy puxá-la pela cintura e abraçá-la tão forte que ela não conseguiu dizer palavra.

Ele estava tremendo.

Annabeth estava também.

Ele tirou uma das mãos do abraço e levantou o queixo dela até estar olhando-a nos olhos. Parecia tão sério, assustado, apaixonado... tantas emoções ao mesmo tempo. Annabeth sentia-se como um balde transbordando sensações. Mal conseguia acreditar que o garoto que semanas atrás não era mais do que uma quedinha boba havia se transformado na pessoa mais importante da sua vida, e como a ideia de perde-lo a assustava mais que tudo.

Eles trocaram um beijo digno de fim do mundo.

Ela queria que nunca acabasse. Mas o fogo lá fora só ganhava mais força, e a noite ficava cada vez mais escura – e Percy soltou-a com um olhar desolado no rosto.

— Eu te amo — ela disse, antes que pudesse ao menos perceber o que estava fazendo.

Percy sorriu.

— Que ótimo momento para uma declaração de efeito — disse. — Eu te amo também. E eu prometo que vamos nos ver de novo. Você não vai se livrar de mim.

Lá fora, eles partiram em direções diferentes. Percy, para salvar uma amiga, e Annabeth, para tentar salvar as vidas que ela havia condenado.

Duas situações tão diferentes, e, ainda assim, tão parecidas.

Havia sido sempre assim?

Quando eles alcançaram o estacionamento, e ela encontrou todos os sobreviventes, cobertos de fuligem e sangue e queimaduras, seu estômago afundou.

— Eu não posso fazer isso.

— Tem razão — Nico concordou, mas ele a empurrou para frente mesmo assim — mas você não tem escolha.

Ela fechou os olhos, respirou fundo, e então preparou-se para liderá-los de novo.

Annabeth Chase precisava ser o gênio, sobrevivente, e a última esperança deles novamente.

E, para isso, ela precisava permitir-se ser arrogante uma última vez.


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Notas finais do capítulo

Então... as minhas aulas voltaram. Com isso e o notebook com problema, eu realmente não faço ideia de quando posso postar o próximo, mas tentarei fazer isso o mais rápido possível.
Muito obrigada por lerem, espero que tenham gostado, e comentários são sempre apreciados! Até a próxima.



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