Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 68
Destino


Notas iniciais do capítulo

Tenso



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759767/chapter/68

O navio do Minus estava há poucos metros do porto quando foi surpreendido por uma tripulante inesperada. Lya tomou impulso no cais e saltou até o barco, a sua aterrissagem violenta casou um estrago significativo no solo do primeiro andar. Antes mesmo que qualquer caçador pudesse tomar uma atitude, Lya saiu arremessando todos que estavam à sua volta para fora do barco.

Enquanto a confusão se instalava no primeiro andar, Agnes desceu sorrateiramente até o segundo, em busca de Kai. Não demorou muito para que os gritos desesperados do rapaz chamassem sua atenção. Nem mesmo haviam partido e Hoffman já havia iniciado suas experiências. Desesperada, diante da possível perda do filho, Agnes desistiu da descrição e da invisibilidade, e entrou em combate com os enfermeiros da sala.

Luta corporal nunca havia sido seu ponto forte, mas quando se tratava de humanos comuns, magias imobilizadoras e um pouco de reforço corporal era suficiente.

Desesperado com a aparição da intrusa, Hoffman acionou um alarme que chamou a atenção de diversos caçadores. Haviam cerca de 10 homens naquele andar e Agnes foi rapidamente rendida. No entanto, dispensando o uso de escadas, Lya despencou do teto e iniciou uma batalha com os 10 inimigos. Ciente de que não seria de grande ajuda naquela batalha, Agnes seguiu o plano inicial e tratou de libertar Kai, que nesse momento estava inconsciente.

Enquanto a bruxa e os caçadores travavam uma batalha confusa e agressiva, Hoffman, que havia se preparado para possíveis inconvenientes, acionou um pequeno botão de emergência que liberou um gás que ele havia desenvolvido. O mesmo gás que havia possibilitado a captura de Kai, no entanto a quantidade que se propagava naquele pequeno local era muito superior à que Lya havia sentido anteriormente.

A cada respiração dada, Lya sentia como se seus pulmões estivessem em chamas. Sem saber quanto tempo ainda aguentaria de pé, a bruxa puxou violentamente o braço de Agnes e utilizando a mão livre, ela abriu um buraco na extremidade do navio. Sem que qualquer um pudesse impedir, ela arremessou os dois companheiros para o mar. Lya também se esforçou para alcançar as bordas, mas foi parada por uma porção de correntes banhadas em raiz de laranjeira e arrastada para longe do buraco.

— Parece um animal selvagem! — Hoffman observava a garota caída — Mas você dará um belo tesouro celestial, isso eu tenho certeza.

— Preparem grupos de busca para caçar os dois bruxos fugitivos! — O que parecia ser o líder do pelotão, passava as ordens.

— Façam isso — Hoffman dizia com certa tranquilidade — Além de eles terem visto demais, ambos podem render ótimos soros para fortificar os soldados.

— Porco velho… — Lya murmurava.

— O que? — Hoffman estava incrédulo, mas pediu para que os guardas erguessem a garota, dessa forma podendo ver o seu rosto — Acha que está em condições de fazer ofensas, bruxa tola? — O velho sorriu com escárnio — Vou cuidar para que sua morte seja ainda mais dolorosa.

— O que? — Apesar de estar sofrendo uma pressão imensurável sobre seu corpo, Lya se esforçou para sorrir cinicamente — Você acha que pode conter uma bruxa do meu nível com essas malditas ervas, humano tolo? Vou cuidar para que você queime no inferno junto comigo.

Apesar de ter certeza de que tudo estava sob controle, Hoffman sentiu todo o seu corpo em alerta de perigo.

— Não me venha com seus malditos blefes! — Hoffman estava visivelmente nervoso —  Seus poderes estão bloqueados, você não pode usar sua magia em ninguém aqui!

— Eu posso sim… — Lya continuava com seu sorriso cansado no rosto — Eu posso usar em mim. A raíz impede que a magia que está dentro de mim, volte para o mundo. Mas você nunca será capaz de extingui-la.

Naquele dia, o demônio de Otium fez a sua mais brilhante explosão e levou consigo a pequena frota de navios que a cercava.

Enquanto se apoiava em algumas pedras, Agnes se esforçava para trazer o corpo de cai a superfície. Depois de se certificar que estavam a salvo, ela iniciou sua sessão de reclamações.

— Que grosseira — A sacerdotisa observava o enorme roxo em seu braço — Não sabe como tratar uma dama sensível como eu!

Quanto mais encarava o mar a sua frente, mais irritada a bruxa ficava.

— Ela poderia avisar, não é mesmo? — Agnes virava para Kai, que ainda estava desacordado — “Vou explodir tudo, tomem cuidado, ok?” Não custa nada!

Conforme os minutos passavam, um vazio tomava o peito da bruxa e ela sentia que Lya não iria voltar.

— Garota estúpida — Agnes enxugou uma lágrima que ousou cair do seu rosto insatisfeito — Como vou dar a notícia para ele agora?

No topo do morro que cercava a instalação do Minus, Blanc continuava suas ameaças.

— Me dê o que eu quero — O homem mantinha seus olhos fixos nos de Catherine.

— O QUE VOCÊ QUER? — A bruxa se desesperava — Eu dou o que você quiser, mas por favor não machuque o meu pai!

— Sabe, eu poderia dizer que ter o seu fim decretado por suas escolhas mais incontestáveis era algo inesperado para um homem, mas estamos diante de um caso diferente! — Blanc sorriu — Ele sempre soube que as suas escolhas o levariam a isso, mas nunca recuou um passo sequer.

— E não recuaria se tivesse outra chance — Ivan murmurou.

— Está vendo? — Blanc sorriu com entusiasmo —  Apesar de odiá-lo, eu o admiro.

— Cat! — Ryu finalmente havia alcançado o topo do morro — Eu vou te tirar daí! Fica calma!

Por mais que os dois guerreiros golpeassem incessantemente aquela barreira de energia que envolvia o campo de batalha, ela não se abalava nem por um segundo.

— Eu não entendo — Josh encarava suas cimitarras — Por que vocês não conseguem passar por isso?

“Não reconhecemos essa magia Josh” Marie se pronunciou.

“Isso é mais forte do que tudo o que já vimos.” Joane completou.

— Eveline! — Ryu batia sem parar com a espada contra o escudo — Destrua isso!

— Receio que não há uma bruxa viva capaz de destruir isso — Eveline tinha um tom perplexo — Essa magia tem mais de mil anos.

— Por favor... — Catherine sussurrava — Deixa ele em paz… eu imploro…

— Em todas as bruxas, existe uma válvula de emergência muito importante. Geralmente ela é usada quando uma bruxa chega no limite mais extremo que seu corpo e sua alma podem suportar — Blanc explicava de forma didática, ignorando os lamentos da menina — Nesse momento, a alma libera toda a magia contida no indivíduo, buscando de alguma forma repelir qualquer que seja o causador de tamanha agonia.

— Por favor… — Catherine dizia em meio a soluços — Não machuca ele…

— Abra a válvula Catherine — Blanc sacou uma pequena lâmina e a posicionou no pescoço de Ivan.

— Eu não sei como fazer isso… — Catherine sentia como se não tivesse mais fôlego para dizer qualquer palavra, mas continuou implorando — Eu juro que não sei…

— Não acredito que você seja do tipo que mente, principalmente dada as circunstâncias — Blanc tinha um tom tranquilo — Mas não se preocupe, eu vou auxiliá-la a alcançar o total desespero.

Ao encerrar suas palavras, com apenas um movimento leve, Blanc cortou a garganta de Ivan e assistiu seu sangue verter pelas rochas do morro.

Catherine gritou tão intensamente que sua agonia pôde ser sentida por todos que a cercavam. Naquele momento, o céu que apesar de nublado ainda tinha um azul notável, se escureceu em cinza de luto. Uma densa chuva desceu sobre Montis e talvez sobre todo o continente.

— Solte-a — Blanc ordenou.

No instante em que a força dos guardas não auxiliavam mais o seu corpo, a bruxa despencou no chão. Catherine engatinhou os metros que a separavam de seu pai. Próximo ao corpo de Ivan a bruxa escorregou no sangue que o cercava e caiu algumas vezes antes de alcançá-lo.

— Papai… — A menina hesitou pouco antes de tocar o rosto do cadáver — Pai…

Catherine debruçou sobre o corpo de Ivan e chorou mais alto e mais forte que jamais havia chorado em toda a sua vida. Ela também nunca havia experimentado dor tão angustiante quanto aquela. Catherine hora gritava pelo pai, hora pedia perdão, algumas vezes amaldiçoava a própria existência, era difícil entender o que a bruxa soluçava. Mas de fato, não era do interesse dela que os presentes ali a entendessem, suas palavras eram dedicadas tão somente a quem jamais poderia ouví-la de novo. Era claro para ela, que não restava mais nada. Não havia para onde ir, nem para onde voltar. Não havia motivos para estar respirando e ela gostaria que tudo acabasse ali.

Do lado de fora da barreira que os isolavam, Ryu estava desolado. De joelhos, ele se apoiava no escudo. A chuva caindo sobre seus cabelos, impossibilitaram uma visão do seu rosto, mas ele estava chorando. Chorando pela morte de seu mestre, alguém que foi para ele um alicerce no meio da caos em que sua vida estava. Chorando pela dor Catherine, que havia sido a luz que o mostrou pela primeira vez um caminho que valia a pena seguir.

Catherine não mais brilhava e talvez nunca mais conseguisse forças para fazê-lo. Nem mesmo o seu persistente sorriso poderia suportar tamanha crueldade. Ela era boa demais para o mundo e o mundo cruel demais com ela. Muitos acreditavam que a bruxa do azar era um demônio, mas para ele, ela era apenas um anjo perdido no inferno.

Josh sentiu uma agonia em seu peito, apesar de não cultivar tantos sentimentos por Ivan, sentia a dor de não ter sido capaz de salvá-lo e principalmente de não poder impedir que Catherine fosse tão machucada. Ele carregava consigo a culpa de nunca ter sido capaz de matar Blanc, seu pai, tendo então responsabilidade por todas as atrocidades que ele continuou fazendo em sua vida.

“Se eu não tivesse nascido, o mundo seria um lugar melhor. Se o Ivan não tivesse me salvado, o mundo seria um lugar melhor. Se eu tivesse aceitado o meu fardo, o mundo seria um lugar melhor.” Agarrada ao corpo de Ivan, Catherine tinha a mente inundada por pensamentos destrutivos.

Uma onda de energia vinda do corpo da bruxa, fez todo o morro tremer.

— Por que? — Catherine enterrava o rosto no peito de Ivan.

Um som grave e alto, foi o cartão de entrada para um novo tremor que fez sacudir o morro com mais força do que antes. Era como se todos estivessem a bordo de um barco que suportava a mais vil das tempestades.

Um raio rasgou o céu negro e atingiu o campo que cercava o morro, dando início a um incêndio.

— 25? — Blanc observava um pequeno aparelho em suas mãos que estava ligado a coleira presa no pescoço de Catherine — Você sabia que a bruxa mais forte registrada só chegou a 13 níveis?

A bruxa se afastou lentamente do peito de Ivan e ainda de joelhos encarou Blanc. O rosto de Catherine carregava uma expressão abatida e incrédula.

— Você é tão doce Catherine… — Blanc se ajoelhou e acariciou o rosto deprimido da garota — Mesmo com toda essa dor, você continua sendo uma criatura indefesa, seu pai a fez mole demais — Ele retirou sua adaga da cintura — Mas não se preocupe, vou acabar com o seu sofrimento.

No momento em que se preparava para perfurar o peito da bruxa, Blanc teve seu movimento interrompido pela mão de Catherine. Os olhos dela, antes perdidos, agora o encaravam fixamente. Sem que ao menos fosse capaz de sentir qualquer dor, Blanc viu seu braço direito ser completamente fragmentado e resumido a cinzas.

Instintivamente, o caçador rolou para longe da bruxa e chamou por Irma, o tesouro celestial que guardava a relíquia de Masumi. Catherine se levantou e caminhou em direção ao general em passos lentos, passos que foram interrompidos pelo brilho intenso da relíquia.

A expressão abatida da bruxa foi substituída por uma expressão de ódio e ela continuou a caminhar com persistência. Os números do aparelho que Blanc carregava consigo marcavam agora 37 níveis.

— Magnífico… — Blanc sussurrou antes de ver a relíquia de Masumi explodir diante de seus olhos.

— Atirem! — Um grupo de soldados se aproximavam de Catherine armados com artilharia pesada. A extinção do campo de força fez possível que centenas deles cercassem o local.

— Ryu! — Josh se armava de suas cimitarras mais uma vez — Levante-se!

Ainda um pouco atordoado, o guardião se pôs de pé e partiu em defesa da bruxa.

Dezenas de Flechas eram lançadas em direção a Catherine, mas todas elas pareciam ser repelidas do corpo da garota. Aquilo não parecia mais coincidência ou sorte, a energia que saía do corpo de Catherine estava tão densa que se tornava visível a qualquer um ali presente. Essa magia ora a defendia, ora atacava seus inimigos. Foi então que em um acesso de raiva, Catherine liberou uma quantidade energia tão poderosa que varreu o campo de batalha com um fogo intenso. O céu agora havia tomado um tom vermelho, que tornava ainda mais aterradora a imagem dos soldados em chamas.

— Vocês diziam que eu era um demônio — Delirante, Catherine caminhava em meio aos corpos agonizando — Então apreciem o inferno.

Era o que eles mereciam, todos eles mereciam. Não havia bondade no mundo, não havia justiça no mundo.

— Os humanos são maus… — A bruxa sussurrava enquanto se lembrava das pessoas de Ita que a puseram na fogueira sem nem ao menos dar a ela um julgamento decente, ou das atrocidades que havia passado por conta dos ideais dos caçadores — Os bruxos são maus… — A imagem de Claire, juntamente com os irmãos Chermont pulsavam em sua memória.

— Meu pai acreditava que coisas boas acontecem a pessoas boas — Catherine observava o céu sangrento emanar um brilho poderoso — Mas todas as pessoas boas que eu conheci tiveram vidas terríveis.

O brilho aos poucos tomava a forma de uma esfera de fogo.

— O que está acontecendo? — Ryu, juntamente com Josh, saía debaixo do escudo de Eveline.

— É como a pintura… — Josh estava atônito diante da paisagem a sua frente.

Um impacto estrondoso fez com que ambos caíssem de joelhos.

Desesperado, Josh correu em direção a beira do morro e se deparou com o inferno a sua frente.

— É Montis… — O caçador sussurrou — Ela destruiu a cidade!

— E não é só isso… — Ryu apontava para o céu iluminado.

Haviam centenas de bolas como aquela surgindo até onde não se dava mais para ver.

— Catherine! — Ryu correu em direção a garota e a agarrou em um abraço — Por favor se acalma!

— Me solta — Catherine tentava se livrar do domínio do garoto — Me deixe em paz!

— Para com isso Cat… — Ryu estava em pânico — Milhares de pessoas inocentes vão se ferir e eu sei que não é isso que você quer!

— Eu quero que todos eles morram! — A bruxa continuava resistindo ao abraço de Ryu — Eu quero que toda essa merda acabe!

Um atrás do outro, os estrondos seguiam. Alguns mais próximos outros abafados e distantes.

— Cat, você não é assim! — O guardião sussurrava enquanto a abraçava ainda com mais força — O mundo é uma merda, mas você não é! Eu não me importo com o mundo, mas eu me importo com você! Isso não é você!

— Talvez… Talvez você não saiba quem eu sou de verdade… — Aos poucos Catherine cessava seus movimentos — Talvez eu realmente seja o fim.

— Você pode ser o fim, se você quiser ser o fim — Ryu se ajoelhou junto com a bruxa e a manteve em seu abraço — Você é a única capaz de decidir o seu destino.

— Então foi minha escolha toda essa desgraça? — Catherine tinha ódio em sua voz — Foi minha escolha estar sozinha?

— Você não está sozinha… — Ryu afagava os cabelos da garota — Eu nunca substituirei o Ivan, mas eu sempre estarei ao seu lado.

Pela primeira vez desde que todo o inferno começou Catherine olhou nos olhos de Ryu.

— Eu estou com você agora… Eu sempre vou estar com você — Ryu acariciou o rosto da bruxa — Descanse agora, as coisas vão melhorar a partir de hoje. Eu vou me esforçar para isso.

Aos poucos o corpo tenso de Catherine se acalmava e sem nenhuma resistência, ela acabou perdendo a consciência. Junto ao sono da bruxa, veio a calmaria ao seu redor.

— É tudo minha culpa… — Josh sussurrava diante de toda a destruição que cercava o morro — Eu falhei…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar quais sentimentos esses capítulos trouxeram a vc



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Questão de Sorte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.