No domingo pela noite, Evelyn foi solicitada, para cobrir o horário de uma funcionária que havia faltado. Essa era a parte ruim de ser freelance, mas o bom é que tinha seu dinheiro.

Por ser final de semana, a pizzaria estava lotada. Evelyn ia de um lado para o outro anotando pedidos e trazendo os pedidos. Finalmente conseguiu alguns minutos para pausar e descansar.

— Estou morta!

— E melhor você se recuperar. Acabou de chagar mais um grupo de pessoas. – disse o outro funcionário que entrava na cozinha trazendo as louças sujas.

— A alegria durou pouco!

Evelyn levantou e foi atender aos clientes. Ao chegar à porta, viu que o grupo de amigos nada mais eram que Lucas, a noiva e alguns amigos. No mesmo instante ela virou e retornou para a cozinha.

— Com tantas pizzarias nessa cidade, porque justo essa?

— Aconteceu alguma coisa Evelyn?

Ela olhou para a Valentina e com o olhar em súplica disse:

— Por favor Val, atente aquela mesa.

— O que houve?

— Por favor!

— Sinto muito Evelyn, mas preciso ir atender aquela mesa. Faz quase meia hora que eles estão aguardando.

“Isso é brincadeira. Só pode!”

Ela suspirou, colocou seu melhor sorriso e foi até a mesa.

— Boa noite, o que vocês vão pedir?

Evelyn evitou olhar para Lucas que estava fitando-a com um olhar sério, mas Nádia demonstrou surpresa ao vê-la.

—Oi! Não sabia que você trabalhava aqui.

Evelyn forçou um sorriso e disse:

—Olá Nádia, Lucas.

Para Lucas, foi uma surpresa vê-la naquela noite. Ela parecia nervosa e anotava os pedidos de maneira apressada. Após anotar todos os pedidos ela seguiu rumo a cozinha.

— Essa garota é bonita.

— Por favor Pedro!

O comentário debochado foi feito por Nádia. Ela não gostou da atenção que os rapazes davam à Evelyn.

—Ciúmes, Nádia?

— Daquela garota? Por favor!

Nádia olhou para Lucas que estava sério e falava pouco. Ela não sabia o que se passava em sua mente. Fazia uns dias que ele estava distante.

— Amor, vou ao banheiro lavar as mãos. Já volto!

Quando Nádia ia em direção ao banheiro, encontrou com Evelyn que seguia para limpar uma mesa.

— Evelyn, onde fica o banheiro?

— Por aqui! – Evelyn levou Nádia até o local onde ficavam os banheiros. Aproveitou a oportunidade para lavar o rosto. Estava muito cansada de toda aquela agitação. E já sentia a cabeça latejar. Quando ela puxou a toalha de papel para enxugar o rosto, viu que Nádia estava parada atrás dela.

— Era assim que eu queria encontrar você!

Evelyn fitou-a pelo espelho. Nádia parecia muito furiosa. Ela virou e a encarou de frente.

— Não entendo...

— Não entende ou não quer entender?

— Seja mais clara!

—Eu sei que você está dando em cima do meu noivo!

— O que? Do Lucas?

Aquela acusação era ridícula, pois em nenhum momento isso aconteceu.

— Pensa que o Lucas não me contou sobre o beijo entre vocês?

Evelyn ficou surpresa.

— Então você deve saber, que foi apenas um beijo e nada mais!

— Sim! O Lucas ficou arrependido disso e fez questão de me contar tudo. Espero que a partir de hoje você não confunda as coisas!

“Confundir as coisas? Tinha sido boba ao imaginar, que Lucas poderia estar sentindo alguma coisa!”

— Não se preocupe, isso não irá acontecer!

Evelyn jogou o papel no lixo e seguiu para sair do banheiro, mas Nádia se colocou no caminho impedindo-a.

— Eu quero sair!

—Só depois que fizer o que vim fazer aqui!

Evelyn não teve tempo de desviar do tapa que atingiu seu rosto. Ela ficou surpresa e encarou Nádia, que tinha um riso cínico.

— Isso, é para você nunca mais chegar perto do Lucas!

Evelyn levou a mãos ao rosto e o local ardia. Tomada pela raiva, ela pensou revidar, mas ficou sem reação quando Nádia começou a agredir seu próprio rosto. O local ficou vermelho e bem machucado. Podia ver que no canto dos seus lábios sangrou.

De repente , Nádia começou a gritar pedindo socorro. Foi então, que Evelyn percebeu o que estava acontecendo.

— Você planejou isso!

Como resposta, teve um sorriso irônico.

Evelyn sabia que ela tinha planejado aquilo. Sentiu apreensão quando viu o olhar acusador das pessoas em sua direção.

Mathias, que era o gerente do local apareceu segundo depois.

— O que está acontecendo?

— Essa funcionária me agrediu!

Nádia começou a dissimular uma situação. Todos estavam acreditando no que ela falava. Era difícil não acreditar numa pessoa, que chorava de maneira convincente.

— Eu estava aqui e de repente, essa mulher começou a me agredir!

— Isso é mentira!! – Evelyn olhou desesperada para Mathias. – Você não pode acreditar nessa louca!

—Evelyn!

— O que está acontecendo aqui?

Ambos olharam para Lucas. Ele foi em direção a noiva. Seu olhar foi de preocupação ao ver que Nádia estava machucada.

Naquela hora, Evelyn sentiu raiva, por não ter batido naquela mulher!

— Meu amor, essa amiga da Melissa me agrediu!

O olhar acusador de Lucas em sua direção lhe enfureceu ainda mais.

“Não seria acusada, sem nem ao menos se defender!”

— Quer dizer, que eu não posso me defender dessa acusação?

— O que você pode dizer a seu favor? – A pergunta foi feita por Lucas. Pelo olhar acusador como ele a encarava, estava muito claro que tinha acreditado nas palavras de Nádia.

— Que eu não fiz isso! Eu nem ao menos encostei nessa louca. O que me arrependo grandemente agora! Na verdade, quem me agrediu foi ela!

— Que absurdo! Porque eu faria isso?

Aquela mulher era cínica demais! Um riso irônico se formou nos lábios de Evelyn. Não conseguia acreditar na cena que estava vendo.

— Porque você não responde a essa pergunta?

Nádia viu que estava caindo numa armadilha. Então continuou atuando.

— Eu não vou descer ao nível dessa mulher! – Ela olhou para Mathias – Você precisa selecionar melhor seus funcionários, ou esse lugar vai a falência num estalar de dedos!

Ela tocou no braço de Lucas e com o olhar suplica pediu:

— Por favor, vamos embora daqui!

—Claro.

Evelyn observou em silencio, enquanto o grupo se retirava do local. Antes de sair, Lucas  olhou para ela. Por alguns segundo, desejou que ele acreditasse nela. Mas o modo como ele a encarou, deixou muito claro em quem acreditava.

“Porque todos pareciam estar contra ela? Ela era a verdadeira vitima ali!”

Mathias também não ficou satisfeito com a situação ocorrida. Assim que acalmou os clientes, mandou que Evelyn fosse até a sua sala. Ela estava apreensiva, pois já imaginava o que ocorreria. Não podia ser dispensada agora. Precisava muito daquele trabalho! Ainda que fosse “freelance” aquele dinheiro ajudava muito!

—Sente-se!

Ela fechou a porta e sentou na cadeira indicada. Antes que ele perguntasse algo, ela começou a falar:

— Mathias, por favor, você não pode acreditar no que ela disse.

— Você está dispensada Evelyn!

— Eu não posso aceitar isso! Mathias, eu não fiz o que aquela louca disse!

— Você sabe que não devia ter começado essa discussão.

— E o que você queria que eu fizesse? De repente ela começou a me agredir!

— Eu sinto muito Evelyn, mas o dono do restaurante nunca vai aceitar isso. Você sabe que a Nádia é uma cliente... e nós precisamos muito de clientes!

Evelyn balançou a cabeça concordando. Não tinha muito o que falar. A decisão já estava tomada e dificilmente voltariam atrás. Afinal, Nádia era uma cliente, que poderia trazer muito dinheiro para aquele local!

— Tudo bem Mathias, eu vou pegar minhas coisas. Muito obrigada pela oportunidade de trabalhar aqui.

***

Evelyn não conseguia parar de pensava naquela situação. Estava furiosa! Mas se negava a chorar! Não era esse tipo de garota. O que realmente lhe preocupada, era o dinheiro que ajudava. Teria que encontrar outro trabalho. Quando sua madrasta soubesse, certamente falaria a noite toda!

“Que ódio!”

A lembrança do olhar de Lucas ainda lhe causava ira. Como ele podia acusa-la daquele jeito? Sentia raiva! Talvez aquilo fosse um sentimento de frustração. Por isso sentiu vontade de rir quando sentiu as lágrimas rolando em sua face.

— Idiota, se não fosse você nada disso teria acontecido!

De repente, em sua mente veio as palavras de seu pai “Não é bom guardar sentimentos ruins. Eles precisam sair.” Ela limpou o rosto e afastou aquelas lembranças. Deu graças quando chegou em casa e a madrasta já estava dormindo.

Durante a semana, ligou para seus amigos. Tentou conseguir algum emprego, mas a “informação” sobre o desastre na pizzaria já tinha chegado entre eles.

Ela saiu da aula e a cabeça parecia estar em outro planeta. Não conseguia se concentrar em nada daquilo. Já estava dando esse vestibular como perdido! O celular dela vibrou e viu que era Nicolas. Ela suspirou impaciente e durante alguns segundos, ficou na dúvida se atendia... Diante da insistência ela atendeu.

— Oi Nick.

— Sua voz parece aborrecida.

— Não é só a voz! Desculpa, você não tem culpa disso ... Perdão. Tudo bem contigo?

— Se estivesse com você estaria bem melhor.

Evelyn sorriu. Acabou notando, que aquela era a primeira vez que relaxou durante aquela semana. Conversar com Nicolas era realmente refrescante.

— Você faz bem para o meu ego.

— Adoraria ver você hoje.

— Hoje não... Fiquei de encontrar com a Melissa. Faz uma semana que a gente não conversa.

— Tudo bem. Mas você fica me devendo um encontro.

— Eu te envio uma mensagem e podemos marcar.

Evelyn saiu do cursinho e encontrou com Melissa numa lanchonete, que ficava próxima a sua casa. Chegando no local, ela avistou a amiga, que estava distraída lendo alguma mensagem no celular.

— Oi Melissa.

Melissa colocou o celular de lado e sorriu para a amiga.

— Saudades! Parece que faz uma vida que não te vejo.

Evelyn riu, pois, seu sentimento era o mesmo. Gostava muito daquela sua amiga travessa.

—Você está bem? – Melissa estava realmente preocupada.

Evelyn puxou a cadeira e sentou ao lado dela.

—Sim estou. Apesar de tudo, eu ainda consigo me virar.

—O Lucas me contou o que aconteceu. Nossa, fiquei chocada! Ainda não acredito que você tenha feito isso.

— Esse é o ponto, eu não fiz! O que agora me arrependo... Porque acabei perdendo meu emprego por causa daquela maluca.

— Detesto aquela mulher! E agora como você vai fazer? Você precisava daquele emprego!

— Eu posso conseguir outro.

— Se você quiser posso falar com meu irmão ...

Evelyn riu descrente.

— Duvido que ele queira me ajudar! Toda essa confusão começou, porque a Nádia descobriu sobre o beijo que aconteceu entre a gente.

—Sério?

— Sim. O Lucas contou para ela sobre o que aconteceu!

—Não acredito!

— Quem não acreditou fui eu quando levei um tapa! A Nádia armou para parecer que eu bati nela.

— Você tem certeza que foi o Lucas que falou?

Na mente de Evelyn, essa era a única explicação, para Nádia ficar sabendo sobre o que tinha acontecido.

— Eu só não entendo porquê. Afinal, foi um beijo foi sem importância.

Melissa percebeu, que Evelyn se mantinha firme para não chorar. Mas era possível ver , que seus olhos estavam rasos de lágrimas.

— Você está gostando do meu irmão!

Aquilo era óbvio para Melissa. Não gostava que Evelyn estivesse passando por aquilo. Um sentimento não correspondido, era ruim demais.

— Eu fui uma boba em imaginar que podia acontecer..., mas quem raios manda no coração?

— Você diz isso para mim! Esqueceu que me apaixonei pela pessoa errada?

— Eu preciso tirar isso da minha cabeça! E já! Minha vida está uma droga. Não tenho tempo para  ficar iludida com o Lucas!

Evelyn pereceu decidida! Melissa achou melhor não comentar sua opinião. Acreditava que aquele não seria o melhor momento.

***

No dia seguinte, Evelyn saiu bem cedo para ir aos locais, que marcou no jornal. Parada em frente ao prédio, ela olhou para cima. Aquele era o último local que tinha selecionado. Já estava sem forças para continuar sorrindo diante das tantas negativas.

Minutos depois, ela desceu e saiu do prédio. Suspirou para reunir forças depois de mais uma negativa. Evelyn guardou o jornal dentro da mochila e retornou para casa. No caminho ficou torcendo para não encontrar com sua madrasta. Mas para seu infortúnio, ela estava em casa e parecia muito disposta a brigar.

— Você conseguiu alguma coisa? – disse Raquel entrando no quarto de Evelyn, sem bater à porta.

— Porque você não bateu na porta?

— Eu não preciso! Essa é a minha casa!

Evelyn estava furiosa com aquela mulher. E pior ainda, vindo lhe cobrar as coisas quando na realidade, deveria ser o contrário!

— Não. Eu não consegui!

— Até quando eu vou ficar sustentando vagabunda?

Evelyn levantou furiosa, pegou o jornal e o jogou aos pés de Raquel.

— Está aí, eu fui em todos esses locais, mas não consegui nada! Vagabunda? Como você ousa falar assim comigo? Desde que meu pai morreu, eu tenho ajudado nas despesas dessa casa como uma louca! Não vou admitir ser ofendida desse jeito!

O olhar de Raquel era cínico.

— Eu não vou ficar te sustentando! Não tenho essa obrigação! E você sabe muito bem. Já basta eu aceitar que você more na minha casa... de favor.

Agora ela não podia mais aguentar! Estava cansada daquela mulher! Estava cansada de tudo aquilo! Evelyn foi até o guarda roupa e começou a recolher suas coisas.

— Quer saber Raquel? Eu estou cheia de você! Cansei! Se quiser ficar com isso. Que fique! Eu vou embora!

Raquel parecia não acreditar no que ela fazia.

— O que você está fazendo?

— Não era isso que você queria? Pois sinta-se realizada, porque eu vou embora dessa casa!

Raquel debochou de Evelyn, pois sabia que ela não tinha para onde ir.

— E para onde você vai?

— Eu não sei! Mas qualquer lugar é melhor do que contigo!

Evelyn guardou as coisas mais necessárias dentro de uma mochila. As demais, pegaria depois que conseguisse algum lugar para ficar.

— Eu nunca te odiei, apesar de você sempre ter deixado claro, que não me aceitava. Eu sinto muito, se não fui a filha que você sempre sonhou, mas saiba que eu tentei.

Por um breve segundo ela viu no olhar de Raquel um arrependimento, mas logo percebeu que não passava de alucinação.

—Pode ir, mas saiba que não a aceitarei novamente!

“Sim, era alucinação!”

Evelyn pegou a mochila e saiu, mas antes olhou em direção a sua casa e disse:

— Adeus! 

 Pela primeira vez sentiu uma leveza em seu corpo. Era como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros.