A viagem do tigre - Pov dos tigres escrita por Anaruaa


Capítulo 8
O festival das estrelas




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REN

— Nilima está em Mumbai preparando o navio — explicou Kadam. — Vamos navegar pela Índia e parar em Goa a fim de buscar o nosso instrutor de mergulho. Ele vai permanecer a bordo até nós o deixarmos em Trivandrum. Para se tornarem mergulhadores exímios vocês deverão praticar a viagem toda, e não temos muito tempo.

— Então, está pronto para partir? Assim, sem mais nem menos? Não precisamos fazer muito mais pesquisas antes? — perguntou Kelsey

— Vamos viajar bem devagar, e já supri a biblioteca do navio com todo o material de pesquisa de que precisamos, de modo que poderemos trabalhar enquanto navegamos. O iate é capaz de alcançar a velocidade de 20 nós e pode nos levar até lá em poucos dias se viajarmos à noite, mas prefiro avançar mais lentamente. Precisamos fazer paradas ao longo do caminho, em um templo de Durga, por exemplo, e também quero que vocês tenham tempo suficiente para praticar mergulho antes de chegarmos à Cidade dos Sete Pagodes.

— Quando partimos?—Perguntou Kelsey, agitada.

— Depois do Festival das Estrelas, na semana que vem — declarou Kadam, com a calma de sempre.

Fiquei surpreso ao saber que este festival ainda era celebrado na Índia. Kelsey quis saber o que era o festival e eu expliquei:

— É o equivalente chinês ao Dia dos Namorados.

— E a Índia tem um festival para isso?

Kadam esclareceu:

— O Japão e também o Brasil celebram um dia sagrado parecido. Não é exatamente a mesma coisa que o Valentine’s Day nos Estados Unidos. O festival que acontece aqui é resquício de um dia sagrado que foi iniciado por esta família.

Kishan completou:

— A minha mãe adorava este dia sagrado e quis celebrá-lo na Índia, então o meu pai o estabeleceu em seu reino. Parece que fazem a celebração desde aquela data.

— O que acontece durante o Festival das Estrelas? Quais são as tradições?

Kadam se levantou.

— Acho que vou deixar Ren e Kishan darem as explicações. Boa noite, Srta. Kelsey.

—Boa noite.

Kishan e eu nos entreolhamos e Kelsey nos encarou, esperando, depois cutucou Kishan.

— Então? Pode me contar.

— Fique sabendo que não participo das celebrações há alguns séculos, mas, se me lembro corretamente, a cidade faz uma festa com fogos de artifício, comida e lanternas. As moças se arrumam. Tem dança e música.

— Ah. Então não tem nada a ver com o Valentine’s Day? O tema é o amor? Tem chocolates, flores e cartões?

— Bom, há flores e cartões, mas não do tipo comprado em lojas.

Eu interrompi:

— Também é uma oportunidade para uma moça solteira fazer um pedido para se casar com a pessoa de quem gosta.

— Mas achei que a maior parte dos casamentos entre vocês fosse arranjada.

— E é — respondeu Kishan. — É só um jeito inocente de uma donzela se expressar. Estou curioso para ver como os costumes mudaram desde o nosso tempo. Acho que você vai se divertir, bilauta.

Ele apertou a mão de Kelsey e piscou para ela. Eu continuei:

— Na China se chama Noite dos Setes e ocorre supostamente no sétimo dia do sétimo mês do ano, mas a data não é tão importante quanto as estrelas. A celebração ocorre quando as estrelas Orihime e Hikoboshi se alinham. Então, quando você escreve o seu desejo, está fazendo um pedido para uma estrela. Não sei qual é o nome em inglês para essas estrelas. Você vai ter que perguntar ao Sr. Kadam.

— O que eu devo vestir?

— Você confia em mim?

— Confio. O seu gosto para roupa costuma ser melhor do que o meu.

— Que bom. Vou providenciar algo adequado para você. Se a celebração for fiel à tradição, as donzelas ficam perto dos pais e podem ser acompanhadas a certas atividades ou jogos apenas com a anuência deles. De acordo com o costume, você e Nilima devem ficar próximas a Kadam. No entanto, como você não é indiana, na verdade não faz diferença. Poderá circular livremente, se quiser.

— Hum. Vou pensar sobre o assunto.

Lembrei-me dos meus pais e como eles tinham um amor forte e verdadeiro e de como celebravam este amor no festival das estrelas. Me lembrei de como minha mãe ficava linda, usando o qipao e pensei que seria maravilhoso ver Kelsey vestida assim.

Eu poderia ter pedido ao lenço para produzir o vestido, mas achei que Kelsey merecia algo especial, que me desse um pouco mais de trabalho, então, encomendei o vestido.

Escolhi um vestido azul, em tons que variavam de azul-royal do pescoço até a metade do peito e mudando para um azul bem escuro... a cor do céu à noite. Havia Estrelas, luas, planetas e dragões ferozes bordados com fios dourados e prateados por todo o tecido Os símbolos se entremeavam com gavinhas e flores, também douradas e prateadas. A gola era em estilo mandarim, com uma casa de botão pequena e um fecho prateado em forma de sapo. O vestido acabava no meio da panturrilha, e havia uma fenda lateral comprida. Ela ficaria linda.

No dia da festa, encontrei Kelsey na varanda, à tarde. Ela estava escrevendo algo. Me aproximei e lhe disse que tinha trazido seu vestido.

— Ah, obrigada. Pode deixar em cima da cama? Mais tarde eu guardo.

— Guarda? O festival é hoje à noite, Kells. E o que é que você está escrevendo?

— O quê? Como uma semana passou tão rápido? —Ela escondeu o caderno quando eu tentei olhar— Se quer mesmo saber, seu enxerido, estou escrevendo um poema.

Eu sorri.

— Eu não sabia que você escrevia outra coisa além dos relatos no seu diário. Posso dar uma olhada?

— Ainda estou trabalhando em algumas palavras. Não é tão bom quanto o seu. Você vai dar risada.

Sentei-me a sua frente e falei sério:

— Não vou rir, Kelsey. Deixe-me ver, por favor. Sobre o que é?

— Amor — suspirou. — Você vai ficar aí sentado me azucrinando até eu mostrar, não vai?

— Provavelmente. Estou morrendo de curiosidade.

— Tudo bem. Pode olhar. Mas é o meu primeiro, por isso, seja bonzinho.

Fiz uma reverência.

— Claro, strimani. Sou sempre um perfeito cavalheiro.

Li em silêncio, enquanto Kelsey me observava nervosa. Depois li outra vez, em voz alta:

Amar é cuidar

Amar é cuidar

Começa...

Um creme de cheiro doce é aplicado sobre a pele áspera

Uma colônia é espalhada no rosto recém-barbeado

Rostos reluzentes, camisas engomadas, saias curtas

Lábios, bochechas e cabelos pintados

Nós brilhamos

Somos depilados, enfeitados, perfumados e empoados

Compramos flores, chocolates, velas e joias

Não é real

O amor verdadeiro é pálido, áspero, natural

É a mãe trocando a fralda

É cortar as unhas dos pés, assoar o nariz, acordar com mau hálito

Trocar o salto alto por tênis e chinelo de ficar em casa

Juba desgrenhada

Mechas embaraçadas

O amor tem lábios rachados, cera na orelha, barba que pinica e unhas roídas

Tem coceira nas costas, pelo nas pernas e o aviso

“Tem alguma coisa no meio dos seus dentes, querido”

Amor de verdade

É tirar pelos das costas do marido

Esvaziar o penico do vovô

Ficar de moletom na sexta à noite

Guardar dinheiro, não gastar

Enxugar rostos febris com compressas frias

As leoas lambem os filhotes para limpá-los

Macacos tiram piolhos das costas

Seres humanos lavam o cabelo da mãe antes do enterro

Amar é cuidar

Senti uma certa tristeza. Kelsey precisava de amor e merecia ser amada plenamente, porque era desta maneira que ela própria amava. Eu não me sentia digno daquele amor.

Ela bateu o pé ansiosa e falou aflita:

—E aí? Desembucha logo.

—É um pouco... taciturno. Mas eu gostei. Apesar de, tecnicamente, os macacos não tirarem piolhos por amor. Fazem isso para comer um lanchinho à tarde.

Ela puxou o caderno das minhas mãos.

—Você já experimentou todas essas formas de amor, não é mesmo?— Perguntei curioso.

—A maior parte delas, eu acho. Mas admito que nunca esvaziei um penico.

—Nem arrancou pelos das costas do namorado, presumo.

—Não. As suas costas são perfeitas.

Sim, era isso que eu era, seu namorado. Eu a observei por um momento.

—Você tem uma enorme disposição para o amor, e foi magoada. Sinto muito por ter contribuído para isso.

—Não se preocupe com isso.

Eu toquei sua mão de leve, mas retirei logo.

—É a única coisa que eu tenho na cabeça. A gente se vê à noite. E reserve uma dança para mim.

Fiquei fora o dia todo. Havia um costume no festival das estrelas: escrever um pedido em um pedaço de papel e pendurá-lo na árvore dos desejos, e aquele pedido se tornará realidade. Eu só tinha um desejo naquele dia: merecer o amor de Kelsey.

KISHAN

Havia séculos desde que eu participara do festival das estrelas pela última vez. Naquela ocasião, como de costume, eu escrevi um desejo em um papel: encontrar o amor. Isto foi um pouco antes de eu conhecer Yesubai.

Hoje, eu tenho um desejo, mas não farei nenhum pedido. Sei que meu desejo se tornará realidade se eu for digno de recebê-lo.

Era costume as moças irem ao festival com os pais, por isso Kadam acompanharia Nilima e Kelsey. Ren e eu fomos mais cedo para o local onde o festival seria celebrado e os encontraríamos mais tarde. Meu irmão sumiu assim que chegamos lá.

Circulei pelo lugar, admirando as luzes e cores, comi alguma coisa, então fui até a fonte onde encontraria Kadam. Cumprimentei-o e a Nilima, que estava linda, então me virei para Kelsey e quase fiquei sem ar. Soltei a respiração e falei sem ao menos piscar:

—Você está... maravilhosa. Nunca vi uma mulher tão linda.

Fiz uma mesura e lhe ofereci o braço.

—Posso acompanhá-la?

Ela riu.

—Eu ficaria lisonjeada com a companhia de um rapaz tão bonito, mas precisa perguntar ao meu pai.

Kadam sorriu.

—Claro que sim. Desde que a traga de volta antes da cerimônia das lanternas.

Eu a puxei para longe, e ela perguntou pelo meu irmão.

—Ele desapareceu quando chegamos aqui. Disse que precisava fazer uma coisa.

—Ah.

Não pude deixar de perceber a decepção de Kelsey, o que me deixou magoado. Mas eu resolvi ignorar.

—Venha. Vamos pegar algo para comer.

Caminhamos entre as pessoas e provamos diversas comidas. Estávamos nos divertindo, apesar de eu perceber o olhar perdido de Kelsey entre a multidão, procurando por Ren.

Encontramos Kadam e Nilima, que puxou Kelsey pelo braço:

—Vamos para a cerimônia das lanternas.

—O que precisamos fazer?

—Você vai ver—disse Nilima, dando risada.—Venha.

Uma multidão já estava reunida na ponte. Os organizadores do festival estavam numa plataforma elevada e cumprimentavam o público. Kadam traduziu o discurso para Kelsey.

—Estão nos dando as boas-vindas e desejando que aproveitemos as festividades. Agora aquele senhor está falando sobre a grandiosa história da nossa cidade e dos feitos que alcançamos este ano. Ah!— Kadam bateu palmas.—Chegou a hora de os pais com filhas solteiras irem pegar uma lanterna. Fiquem aqui. Já volto.

Caixas de lanternas em forma de flor foram abertas e entregues aos pais com filhas solteiras. Kadam pegou duas. Entregou uma cor-de-rosa para Nilima e uma branca para Kelsey.

—O que eu faço?

—Tem que descrever o homem com quem deseja se casar—explicou Kadam.

Em pânico, ela perguntou:

—Em voz alta?

—Não, no papel ou na sua cabeça, se quiser. Então as moças, uma por vez, colocam a lanterna no fogo se sentem que o homem que buscam está perto ou na água se acham que ele está longe.

Ela olhou rapidamente para mim e eu pisquei para ela. Tinha esperanças que ela pensasse em mim, mas no fundo sabia que ela pensaria em outro.

—Ah

Nilima se virou para ela:

—Está pronta, Srta. Kelsey?

—Estou.

—Que bom. O locutor acaba de pedir que todas as moças solteiras deem um passo adiante.

Fiquei observando enquanto as duas se afastavam. Vi quando Nilima colocou sua lanterna na água, o que significava que o homem com quem ela achava que se casaria estava longe.

Kelsey olhou para mim e eu sorri. Ela retribuiu o sorriso e colocou a lanterna no fogo. Kadam e eu comemoramos.Ela estava certa. O homem com quem ela se casaria estava muito perto dela agora. Ela ainda não sabia, mas seria a minha esposa.

Quando ela voltou, nós dançamos. Eu a segurei em meus braços e capturei sua atenção. Dancei com ela como se não houvesse mais ninguém ao nosso redor. Fiquei aborrecido quando a música acabou, porque, conforme o costume, o homem só podia dançar uma música com a mulher, para dar a chance para outro cortejá-la.

Voltamos para perto de Kadam, e havia uma fila grande de homens esperando para dançar com Nilima e outra para Kelsey. Kadam estava orgulhoso e eu estava infeliz. Entrei na fila várias vezes e dancei com Kelsey e também com Nilima.

Quando voltei, Kelsey não estava. Olhei ao redor e a vi saindo com Ren. Chamei por ela, mas ela não respondeu. Eu teria ido atrás deles, mas Kadam me impediu.

— Deixe-os Kishan, é a vez de Ren.

REN

Kishan e eu chegamos cedo ao local do festival. Eu disse a ele que precisava fazer algo e o deixei.

Encontrei uma árvore e comecei a pendurar todos os meus pedidos. Aquela seria a minha árvore. Toda a minha esperança estaria depositada em seus galhos. Demorei um pouco para pendurar todos. Então esperei. Eu não queria estar com Kelsey no meio de todos. Eu a queria só para mim.

Quando achei que estava pronto, caminhei entre as pessoas e a vi dançando com Kishan. Fiquei afastado, observando de longe. A música terminou e Kishan foi dançar com Nilima. Kadam também se afastou. Então me aproximei de Kelsey, sem que ela percebesse.

Ela segurava um leque dourado que caiu no chão. Ela olhou para baixo e bateu o pé, frustrada.

—Permita-me.

—Ren!

Ela levantou a cabeça e sorriu ao olhar para mim. Kelsey estava mais bonita do que eu podia imaginar. O vestido ficou perfeito em seu corpo e as lindas pernas longas e torneadas se destacavam na longa fenda. Ela usava um sapato de salto alto e seus cabelos, presos em um coque, estava enfeitado com pentes incrustados de safiras e diamantes em forma de estrela, lua e flor. Os brincos compridos também eram azuis e combinavam com o vestido. Ela usava maquilagem e era a coisa mais linda que eu já tinha visto.

Eu sorri para ela, e me afastei alguns passos. Abaixei para recolher o leque e subi lentamente, acompanhando com o olhar a curva de suas pernas e a admirei até ver seu lindo rosto corado. Então eu sorri satisfeito.

— Esse vestido... foi uma decisão muito, muito boa. Eu poderia escrever um poema inteiro sobre as virtudes das suas pernas, mais nada. Você é um banquete para os sentidos.

Ela sorriu timidamente.

— Não sei se sou um banquete. Talvez só uma entradinha.

— Entradinha coisa nenhuma. É a sobremesa. E tenho planos de pular alguns pratos.

Peguei-a pelo braço e comecei a levá-la, mas Kadam se aproximava. Então fui até ele e lhe falei que voltaríamos mais tarde com o jipe.

— O que disse a ele?

— Que ia manter você ocupada durante o resto da noite. Vamos voltar com o Jeep.

— Kishan não vai ficar muito feliz.

Franzi a testa, irritado:

— Kishan já teve você só para ele por mais da metade da noite. O resto dela agora é meu. Venha.

Começamos a nos afastar quando ouvi Kishan gritar. Demos de ombros e continuamos nos afastando

— Para onde vamos?

— Você vai ver. É surpresa.

Pedi para que ela fechasse os olhos antes de chegarmos, e fui guiando, até que chegamos ao local onde a minha árvore dos desejos se encontrava. Eu lhe entreguei um galho de lilases, coloquei flores em seu cabelo e toquei seu rosto.

—Você é uma mulher de tirar o fôlego, Kelsey — eu sorri—Principalmente quando fica corada desse jeito.

— Obrigada. Esta árvore está linda! Deve haver centenas de pedidos nela.

—E há mesmo. Minha mão ainda está com cãibra.

—Você fez isso? Mas por quê?

— Kelsey, o Sr. Kadam lhe disse mais alguma coisa a respeito do Festival das Estrelas? Falou da origem dele?

— Não. Por que não me conta?

— Ali. Está vendo aquela estrela?

Ela assentiu.

— Aquela ali é Vega e a que está ao lado é Altair. A versão chinesa da história conta que Vega e Altair eram amantes separados pelo Rei do Céu. Ele criou um rio enorme, a Via Láctea, para apartá-los. Mas Vega chorou tanto por seu amado que o Rei do Céu ficou com pena dos dois e permitiu que ficassem juntos uma vez por ano.

— No sétimo dia do sétimo mês.

— Exato. Por isso, quando as duas estrelas se juntam, nós celebramos a união romântica delas colocando desejos numa árvore, na esperança de que elas olhem aqui para baixo, para nós, e, em sua felicidade, nos concedam nossos desejos.

— Que história bonita!

Eu me virei para ela e toquei seu cabelo.

— Eu enchi a árvore com meus desejos, que são todos variações do mesmo tema.

— Qual é o seu desejo? — perguntou baixinho.

Eu entrelacei nossos dedos, suportando a dor que aquilo causava.

— O meu desejo é encontrar uma maneira de atravessar aquele rio e voltar para você.

Eu ergui sua mão até meu rosto e ela afastou uma mecha do meu cabelo, carinhosamente

— Esse também é o meu desejo.

Eu coloquei meu braço ao redor de sua cintura e a puxei para mim

— Não quero machucar você — sussurrou.

— Não pense nisso.

Eu a segurei e a beijei de leve, quase sem encostar meus lábios no dela. Meu desejo era beijá-la com paixão, mas eu sabia que não seria capaz. Meu corpo tremeu de leve e Kelsey se afastou.

— Você está começando a passar mal. Vai conseguir ficar mais tempo perto de mim se se afastar um pouco.

— Não quer que eu a beije?

— Quero. Quero isso mais do que qualquer outra coisa, mas, se eu tiver que escolher, prefiro ficar perto a dar um beijo rápido e depois você precisar ir embora.

Eu suspirei.

— Tudo bem.

— Desta vez, vai ter que me cortejar com palavras, em vez de beijos.

Dei uma risada seca.

— “Tão impossível é avivar o fogo com neve quanto buscar aplacar o fogo do amor com palavras.”

— Bom, se tem alguém capaz de fazer isso é você, Shakespeare. Posso ler alguns dos seus desejos?

Eu sorri.

— Se fizer isso, eles não vão se tornar realidade. Você não acredita nos desejos feitos às estrelas?

Kelsey se levantou e caminhou até a árvore, então arrancou uma folha.

— Shakespeare também disse: “Não cabe às estrelas controlar nosso destino, mas a nós mesmos.” Nós vamos fazer o nosso próprio destino. Vamos moldar a nossa vida do jeito que quisermos. Quero você na minha vida. Escolhi você antes e escolho de novo. Vamos simplesmente ter que lidar com as barreiras físicas. Prefiro estar perto de você desse jeito a estar longe.

Emocionado, caminhei até ela e a abracei, tomando cuidado para não tocar em sua pele. Ela deitou a cabeça no meu ombro, sobre a camisa.

— Você está aceitando isso agora, Kelsey, mas, no fim, talvez faça outra escolha. Vai querer ter família, filhos. Se eu não conseguir superar isso, nós nunca poderemos ficar juntos.

— E você? — balbuciou contra o meu peito — Você pode ficar com outra mulher e ter essas coisas. Não quer isso?

Eu pensei um pouco sobre aquilo. Eu sentia falta do contato físico, eu queria ter um futuro com alguém, ter filhos com alguém. Tentei imaginar essa pessoa, e só pensei em Kelsey.

— Sei que quero ficar com você. Kishan tinha razão quando disse que você era a garota perfeita para mim. A verdade é que podemos desejar o que quisermos, strimani, mas não há garantias nesta vida. Não quero que você sacrifique todas essas coisas, que sacrifique a sua felicidade, para ficar comigo.

— Eu iria sacrificar a felicidade se deixasse você. Não vamos mais falar sobre isso esta noite.

— Vamos ter que falar sobre isso em algum momento.

— Mas você não sabe o que vai acontecer. Pode recobrar a memória quando encontrarmos o próximo objeto ou completarmos as quatro tarefas. Estou disposta a esperar todo esse tempo. Você não está?

— Não se trata do que eu quero. Trata-se de você e do que é melhor para você.

— Você é o melhor para mim.

— Talvez eu tenha sido no passado.

— Ainda é.

Suspirei frustrado, começando a me sentir mal e me afastei. 

— Vamos voltar? — sugeri.

— Não. Você me prometeu uma coisa.

— Prometi mesmo —Estendi a mão e perguntei: — Você me concede esta dança?

Ela fez que sim e eu coloquei as mãos em volta de sua cintura, depois beijei o alto de sua cabeça. Ela se aninhou em mim, e dançamos ao som da música distante.

Quando começou a queima de fogos, nós nos sentamos no banco e admiramos as cores brilhantes contra o céu escuro. Eu ainda a abraçava, mas sem encostar em sua pele. No final, ela disse:

— Obrigada pela árvore e pelas flores.

Assenti e toquei de leve um dos botões em seu cabelo.

— São lilases. Quando um homem dá um lilás a uma mulher, está lhe fazendo uma pergunta: você ainda me ama?

— Você já sabe a resposta.

— Eu queria ouvi-la dizer.

— Sim. Eu ainda amo você.

Ela retirou uma das flores e me entregou. Eu brinquei com ele entre os dedos, pensando em como lhe responder.

— Quanto a mim... acho que nunca deixei de amar — eu toquei sua bochecha e deslizei meus dedos até chegar ao seu queixo. — Sim, eu amo você, Kelsey. Fico feliz por termos nos reencontrado.

— É a única coisa de que preciso saber.

Eu olhei para ela, desejando poder beijá-la, mas eu já estava me sentindo muito enjoado, àquela altura. Dei um sorriso triste.

— Venha, Kells. Vamos para casa.

— Espere. Vou pegar alguns dos seus desejos.

Ela retirou alguns papéis da árvore e segurou meu braço. Voltamos para casa em silêncio. Eu a acompanhei até o quarto e me despedi.

Voltei para o meu quarto e fechei os olhos, pensando em cada um dos desejos que eu escrevi naqueles papeizinhos. Repeti cada um deles silenciosamente, desejando que se realizassem:

Quero dar a ela o melhor de tudo.

Quero fazê-la feliz.

Quero me lembrar dela.

Quero tocar nela.

Quero amá-la.


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