A viagem do tigre - Pov dos tigres escrita por Anaruaa


Capítulo 3
Em busca de uma cura - Kishan




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Depois que resgatamos Ren, eu notei que ele estava muito diferente, não só sobre sua memória em relação à Kelsey. Ren parecia distante, desinteressado.

Ele sempre foi um homem ativo, envolvido em muitas atividades. Me lembrava que em tempos de guerras, Ren sempre esteve presente nas batalhas, nas estratégias e nunca teve problema em tomar decisões. Ele sempre esteve interessado em aprender coisas novas, conhecer pessoas. Sempre gostou de arte e de leitura, gostava de escrever, dançar e tocar instrumentos musicais e sempre estava fazendo uma coisa ou outra.

Ultimamente, Ren estava quieto e desinteressado. Ele ficava deitado em seu quarto, pensativo, e até para treinar, eu precisava chamá-lo. Ele não tomava nenhuma iniciativa e parecia dependente de mim.

Eu imaginava que era por causa do trauma vivido quanto estava cativo e tentava ajudá-lo. Nós começamos a passar longos períodos juntos e conversávamos sobre diversos assuntos. Ele me contou que se sentia mal na presença de Kelsey, e eu achei que ele estava falando sobre as cobranças pela sua memória. Mas então ele me disse que eram sintomas físicos.

Eu comecei a tentar ajudá-lo a se livrar daquilo. Cheguei a pesquisar um pouco sobre stress pós-traumático, imaginando que esse era o problema.

Ren sabia como eu me sentia em relação à Kelsey, e eu acabei lhe contando sobre Shangri-la, e lhe disse como Kelsey e eu nos tornarmos próximo. Ele parecia não sentir ciúmes, mas eu preferi não dizer a ele sobre os beijos roubados ou compartilhados, pois Kelsey poderia se ofender se eu contasse.

Nos últimos dias, no entanto, Kelsey e Ren tinham ficado mais próximos. Desde que ela resolvera não esperar nenhum sentimento romântico por parte dele, mas tornar-se sua amiga, Ren também relaxou e acabou percebendo como Kelsey era especial. Mais de uma vez eu o vi olhando para ela, pensativo e percebi como ele ficava diferente, mais alegre e animado quando estava com ela.

Esta reaproximação estava deixando Kelsey feliz. Era bom rever o sorriso em seu rosto. Mas eu ficava um pouco enciumado, pois mesmo sem memória e sem poder tocá-la, Kelsey ainda preferia a atenção do meu irmão à minha.

Um dia, Kadam nos disse que Phet tinha respondido às suas mensagens e Kelsey, Ren e eu deveríamos ir vê-lo, levando os presentes de Durga. Assim, nos preparamos para a viagem.

Ren providenciou as roupas, depois de ter feito uma pesquisa e solicitado os modelos mais adequados ao lenço. No dia de partirmos, colocamos as malas no jipe. Kadam colocou as armas, o lenço e o fruto em bolsas no banco de trás. Kelsey jogou a mochila no mesmo lugar e encarou Ren, satisfeita. Depois fez um comentário sarcástico sobre a roupa dele:

— Você consegue respirar com esta camiseta, Ren? Podia ter escolhido um tamanho maior.

— A camiseta é justa para não atrapalhar os movimentos — respondeu ele.

Nós rimos debochados e Kelsey continuou:

— Está achando que tem alguma garçonete bonitinha na selva, Ren? Não há motivo para você exibir os seus músculos.

Sem parar de rir, eu ocupei o lugar do motorista, já que eu seria o primeiro a dirigir. Kelsey se preparava para entrar, quando eu ouvi Ren, que se inclinava para ela, lhe dizer baixinho:

— Caso você não tenha notado, a sua camiseta também é bem apertada, Kelsey.

Ela ficou sem palavras, e Ren disse alto:

— E pronto

Kelsey deu um soco leve no braço dele, perguntando:

— Pronto o quê?

Ren se encolheu de forma teatral enquanto respondia:

— Seu lindo rosto corado.

Kelsey entrou no carro sorrindo. Ren sentou-se ao meu lado e me empurrou brincando, para ouvir as instruções de Kadam.

Fomos conversando pelo caminho. Ren parecia animado e me contava sobre a visita anterior que ele fez a Phet. Ele se lembrava de tudo, exceto o que se referia à Kelsey, que foi preenchendo as lacunas. A viagem começou animada, mas eu percebia, e acho que Kelsey também, que Ren não estava se sentindo bem.

Quando chegamos ao Santuário de Yawal, Ren já estava desesperado para descer do carro e ficar longe de Kelsey. Ele saiu e se pôs a caminhar pelo meio das árvores. Eu o observei se afastar rapidamente, então peguei a mochila e coloquei nas costas, depois chamei Kelsey.

— Vamos?

— Vamos — suspirou. — Ele já está bem adiantado, não está?

— Está. Mas não muito longe. Vai ser fácil seguir a trilha dele.

Caminhamos em silêncio por alguns minutos às sombras das árvores. Eu estava pensando sobre meu relacionamento com Kelsey e com Ren, e imaginado como aquilo tudo acabaria. 

— Vamos caminhar até o lago Suki, depois almoçar e descansar durante a parte mais quente do dia — expliquei..

— Beleza.

Depois de caminharmos por mais algum tempo em silêncio, enquanto eu me lembrava de nós dois em Kishikinda, eu comecei a conversar com ela:

— Sinto falta disso — eu disse.

— De quê?

— De caminhar pela selva com você. Passa tranquilidade.

— Isso quando não estamos fugindo de alguma coisa.

— É gostoso. Sinto falta de ficar sozinho com você.

— Detesto lhe dar esta notícia, mas nós não estamos sozinhos.

— Não. Sei disso. Mesmo assim, é o mais “sozinho” que estive com você em semanas — eu pigarreei. — Eu ouvi vocês na outra noite, quando Ren foi ao seu quarto.

— Ah. Então você sabe que ele se sente mal perto de mim. Não pode me tocar.

— Sinto muito. Sei que isso dói em você.

— Acho que dói mais nele.

— Não. A dor dele é apenas física. A sua é emocional. É difícil superar esse tipo de coisa. Eu só queria que você soubesse que estou aqui, se precisar.

— Eu sei que está.

Eu segurei a mão dela, que me olhou nos olhos de forma interrogativa, depois perguntou:

— Por que isso?

— Eu queria segurar a sua mão. Nem todo mundo se encolhe de dor quando toca em você, sabia?

— Obrigada.— Ela disse sorrindo.

Nós caminhamos de mãos dadas por algumas horas, em silêncio. Eu estava aproveitando o momento, a sensação de liberdade que experimentava na floresta e o deleite de sentir o calor de Kelsey na minha pele.

Chegamos ao lago Suki e vimos Ren de costas, jogando pedrinhas na água. Ele se virou sorrindo, mas seu semblante se fechou por alguns segundos, ao nos ver de mãos dadas. Ren sorriu novamente e falou brincando:

— Já estava na hora de vocês me alcançarem. São mais lerdos do que tartarugas. Estou morrendo de fome. O que temos para o almoço?

Kelsey tirou a mochila das costas e se abaixou para abrir o zíper.

— O que você vai querer?

Ren se agachou ao seu lado.

— Qualquer coisa. Surpreenda-me.

— Achei que você não gostasse da minha comida.

— Que nada! Eu gosto, sim. Só não gostei de vocês todos ficarem olhando para mim enquanto eu comia, achando que cada mordida iria despertar uma lembrança. Aliás, um daqueles biscoitos de chocolate e manteiga de amendoim cairia muito bem.

Eu observava Ren interagindo com Kelsey e não conseguia não sentir ciúme. Ela ficava mais feliz na presença dele, e eu tinha que admitir que era recíproco. Ren estava se apaixonando por ela.

— Certo. E você, Kishan?

Ela olhou para mim, protegendo os olhos do sol com a mão.

— Faça para mim a mesma coisa que fizer para ele.

Ren e eu fomos até o rio e começamos a competir para ver quem mandava as pedrinhas mais longe. Até que Kelsey nos chamou para comer.

Nós conversávamos enquanto comíamos. Kelsey comia devagar e reclamou por termos acabado com toda a comida enquanto ela apreciava o ambiente.

Ren e eu começamos a falar sobre as nossas caçadas na época em que éramos tigres. Kelsey parecia enjoada e Ren lhe perguntou se ela estava bem.

— Será que podemos mudar de assunto? — A coxa de frango estava quase caindo da sua mão. — Acho que não vou mais conseguir comer isto aqui. Aliás, chega de falar de caçadas enquanto estamos comendo. Já foi bem ruim eu ter que ver vocês dois em ação.

Ren mastigou e brincou:

— Pensando bem, você tem o tamanho ideal de um petisco. Não acha, Kishan?

Eu olhei pra ela e ri brincalhão:

— Sempre achei que seria divertido caçar a Kelsey.

Ela me olhou com raiva e eu pisquei pra ela rindo.

— O que me diz, Kelsey? Quer brincar de esconde-esconde com os tigres?— perguntou Ren.

— Acho que não.

— Ah, vamos lá. A gente dá vantagem para você.

Ela se recostou no tronco da árvore e perguntou:

— Mas a questão é: o que vocês fariam quando me pegassem?

Eu ri, imaginando a resposta. Ren se apoiou nos cotovelos e deixou a cabeça cair de lado, como se realmente estivesse refletindo sobre a questão.

— Acho que a decisão caberia ao tigre que pegasse você. Não acha, Kishan?

— Ela não vai correr.

— Acha que não?

— Acho. 

Eu me levantei para retornarmos o caminho.

— Está bem quente agora. Avise quando ficar cansada — Eu lhe disse, depois sai pela selva para encontrar a trilha.

— Kishan tem razão. Eu não vou correr — Ouvi Kelsey dizer.

— Que pena. Na maioria das vezes, a diversão está na caçada, mas desconfio que, no seu caso, a captura seria igualmente interessante. Fiz você ficar vermelha de novo.

— Deve ser por causa do sol

— Não é o sol.

Quando Kelsey reclamou que estava cansada demais para continuar andando, eu sugeri que parássemos e pedi ao lenço para fazer uma tenda pequena.

— Aí não vão caber dois tigres, Kishan.

— Não precisamos dormir ao seu lado, Kells. Está calor. Só iríamos deixá-la desconfortável.

— Eu não me incomodo, de verdade.

Eu molhei um pano e passei no rosto de Kelsey, enquanto Ren nos observava encostado em uma árvore.

— Que gostoso.

— Você está quente demais. Não devia ter caminhado tanto em um dia só. A culpa é minha.

— Vou ficar bem. Quem sabe não faço um banho de leite mágico com o Fruto Dourado, hein?

Eu ri daquela ideia.

— Uma tigela gigante de leite com você dentro pode ser um pouco demais para nós, gatos, resistirmos. Você precisa relaxar, Kelsey. Tire um cochilo.

— Certo.

Ela entrou na tenda, enquanto Ren e eu nos transformamos em tigre e nos deitamos do lado de fora. Estava quente e Kelsey saiu na tenda, se encostando em uma árvore entre nós dois. Ela cochilou e sua cabeça tombou para o lado algumas vezes. Então ela se deitou, apoiando em minhas costas de tigre. Fiquei satisfeito por ela ter escolhido o tigre negro. Mas durante a noite, como que por instinto, ela se afastou de mim e agarrou-se ao tigre branco.

Levantei-me pela manhã e me transformei em homem, encostei- me na árvore e fiquei olhando os dois. Aparentemente Kelsey não machucava o tigre branco. Quando abriu os olhos, Kelsey me olhou e parecia confusa:

— Kishan?

Ela ergueu a cabeça e viu que tocava o pelo de Ren:

— Ren? Ren? Desculpe! Machuquei você?

Ren se metamorfoseou e ficou pensativo por alguns segundos, depois a tranquilizou:

— Não me machucou, não.

— Tem certeza?

— Tenho. Você se mexeu enquanto dormia. Não queimou nem me causou dor nenhuma.

— Por quanto tempo?

— Um pouco mais do que duas horas.

— Você não sentiu necessidade de fugir? De se afastar de mim?

— Não. Foi... gostoso. Talvez eu deva ficar mais como tigre perto de você.

Ele se transformou em tigre e foi para perto dela, enfiando o focinho em seu rosto. Kelsey sorriu e coçou a orelha do tigre branco carinhosamente. Eu os observava e senti ciúmes, depois tristeza e frustração. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu saí dali, para não chorar diante dos dois. Disfarcei:

— Como vocês dois estão... retomando o relacionamento, vou esticar as pernas um pouco, quem sabe ficar um pouco de tocaia só por diversão.

Kelsey se levantou e colocou a palma da mão na minha bochecha, preocupada.

— Não vá cair numa armadilha.

Coloquei minha mão sobre a dela e a tranquilizei:

— Vou ficar bem. Volto daqui a uma ou duas horas, mais ou menos quando o sol se pôr. Você pode tentar me rastrear com os celulares novos se quiser.

Me transformei em tigre e Kelsey fez um carinho na minha cabeça antes de eu ir. Sai correndo pela selva, tentando não pensar em Kelsey retomando o relacionamento com meu irmão. As coisas não estavam indo como eu imaginava. Kelsey estava feliz como eu queria, mas eu estava sendo deixado de lado. Eu estava com ciúme e queria lutar por ela, mas eu sabia que ainda não era o momento, pois ela ainda estava apaixonada por Ren.

Voltei algumas horas depois e encontrei Ren e Kelsey dentro da tenda. Eu os avisei da minha chegada emitindo um som com a garganta. Me transformei em homem e enfiei a cabeça na barraca.

— Por que vocês estão escondidos?

Kelsey saiu e me contou que havia uma cobra real enorme, e que ela havia tentado dar o bote em Ren, mas Fanindra ganhou vida e acalmou a outra cobra, que foi embora.

— O que foi esse barulho que você acabou de fazer? Perguntou enquanto preparava o jantar.

Ren se transformou em homem e se sentou à frente de Kelsey, que lhe entregou um prato, enquanto ele respondia a sua pergunta:

— É um cumprimento de tigre.

Kelsey o olhou surpresa:

— Você nunca fez isso.

Ele deu de ombros.

— Acho que nunca quis fazer.

Eu resmunguei:

— Então é isso? — Eu cutuquei Ren com o cotovelo. — Acho que agora sei o que todas aquelas tigresas estavam dizendo. Onde aprendeu isso?

— No zoológico.

— Sei.

Ren sorriu.

— Então... você e as tigresas, hein? Quer compartilhar alguma coisa com a gente, Kishan?

O comentário me constrangeu e irritou um pouco:

— Que tal eu compartilhar o meu punho com a sua cara?

— Nossa. Que sensível. Tenho certeza de que todas as suas amigas tigresas eram muito charmosas. Então, eu sou tio?

Me transformei em tigre, pronto para brigar, mas Kelsey se colocou entre nós.

— Ei, já chega — ameaçou — E você, Ren, quer que eu compartilhe com Kishan a sua história sobre a tentativa de reprodução com uma tigresa branca?

Ren ficou pálido.

— Você sabe disso?

Ela deu um sorriso debochado. Me acalmei e transformei em homem, peguei meu prato sorrindo, ansioso para ouvir a história.

— Sei.

— Por favor, continue, Kells. Fale mais sobre isso.

— Certo — suspirou — Vamos pôr tudo na mesa. Kishan, você já se envolveu em alguma... atividade promíscua com tigresas?

— O que você acha?

— Apenas responda à pergunta.

— Claro que não!

— Foi o que pensei. Ren, já sei que também não rolou com você, apesar de o zoológico ter tentado muito fazer com que você procriasse. Agora, chega de piada e de briga sobre esse assunto, ou vou dar um choque de raio em vocês. Será que não conseguem se comportar sem uma coleira? — Ela sorriu. — Aliás... de repente seria bom investir em coleiras de choque para vocês dois. Não, melhor não. Seria tentador demais para mim.

Eu e Ren demos gargalhadas e continuamos a comer. Depois do jantar, acendi uma fogueira e Kelsey nos contou uma história sobre tigres e porcos-espinhos, o que nos levou a uma conversa sobre caçadas. Kelsey ficou pouco à vontade com a conversa, contorcendo-se, mas tentou nos ignorar. 

Mais tarde, nós fomos observar o pôr-do-sol. Eu a abracei enquanto descrevia as mudanças que eu percebia na selva quando o dia se transformava em noite. Kelsey entrou em sua barraca para dormir. Ren enfiou a cabeça na tenda para dar-lhe boa noite. Ouvi os dois conversando e a risada suave dele enquanto amarrava o cordão da barraca para ela.

Depois de algumas horas ouvindo Kelsey inquieta se mexendo de um lado para o outro, eu enfiei a cabeça na barraca para ver o que estava acontecendo:

— Não consegue dormir?

Ela se apoiou no cotovelo:

— Eu gostaria muito de ter um tigre ao meu lado. Isso me ajuda a dormir na selva.

 Suspirei satisfeito.

— Certo. Chegue mais para lá.

Ela se ajeitou feliz e eu me transformei em tigre, deitando-me as seu lado e encostando-me em suas costas. Eu estava feliz por ela ter me pedido para ficar com ela, quando Ren entrou na barraca e se deitou do outro lado, meio por cima de Kelsey. 

— Ren! Não consigo respirar. E o meu braço está preso embaixo de você.

Ele rolou e lambeu o seu ombro. Kelsey empurrou o tigre branco e tentou se acomodar na barraca minúscula. Exasperada, ela disse:

— Lenço Divino, será que pode fazer com que a barraca seja grande o suficiente para nós todos, por favor?

O lenço obedeceu e logo estávamos todos confortáveis. Kelsey se virou para mim, me beijou na cabeça e acariciou o meu pescoço. 

— Boa noite, Kishan.

Depois ela se virou para Ren. Eu levantei a cabeça para olhar e a vi acariciando a cabeça dele e dar boa noite. Ren pressionou a cabeça no rosto de Kelsey:

— Tudo bem. — Ela beijou a cabeça dele também. — Boa noite, Ren. Vá dormir.


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