A viagem do tigre - Pov dos tigres escrita por Anaruaa


Capítulo 12
Aulas de mergulho - Ren




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Pela manhã, fui até o quarto de Kelsey, mas ela ainda não estava acordada. Deixei um bilhete perto de seu travesseiro e sai para o café da manhã.

Lua e mar

Ella Wheeler Wilcox

Você é a Lua, meu amor, e eu sou o mar:

A maré da esperança se enche dentro do meu peito

E esconde as pedras ásperas e escuras da inquietação da vida

Quando seus olhos afetuosos sorriem no perigeu.

Mas, quando esse rosto amável me dá as costas,

A maré fica baixa, e as pedras sombrias aparecem,

E o litoral mal-iluminado da terra parece algo a temer.

Você é a Lua, querido, e eu sou o mar.

Kelsey não apareceu para o café da manhã, então imaginei que ela iria direto para a piscina. Quando chegamos, ela já estava lá com Wes. Assim que nos viu, ele começou:

— Eia. Bom dia, pessoal. Parece que Kelsey ganhou o prêmio de madrugadora. E ela não está mais bonita do que um naco de manteiga derretendo sobre uma pilha de panquecas?

Eu o ignorei e me inclinei para beijar a bochecha de Kelsey.

— Você comeu?

— Não. Não tive tempo.

— Trouxe uma maçã para você.

Eu me sentei ao lado de Kishan e Wes começou a nos ensinar. Ele era um bom professor e a parte teórica foi bem interessante. Kelsey quis saber se a roupa de mergulho era resistente a mordida de tubarão.

— A roupa de mergulho protege a sua pele contra cortes e arranhões, mas pode rasgar. Então, em resposta à sua pergunta, não, não é resistente a mordidas, a menos que os peixes sejam bem pequenos.

Kishan explicou:

— Ela tem medo de tubarão.

— Ataques de tubarão a mergulhadores já ocorreram, mas não são tão comuns como as pessoas pensam.  Já participei de mergulhos para alimentar tubarões e achei emocionante. Talvez nós vejamos alguns tubarões, mas duvido que eles nos incomodem ou nos causem problemas. Podemos usar algum tempo extra para praticar exercícios sobre o que fazer em caso de ataque de tubarão, se quiserem.

— Seria uma boa ideia. Obrigada.

Depois do almoço, tivemos aulas de primeiros socorros. Kelsey trabalhou com Kadam e eu com Kishan. Eu fiquei perto de Kelsey a manhã toda, por isto não estava me sentindo bem e precisei ficar distante dela à tarde.

Quando a aula terminou, fui para o quarto e me transformei em tigre. Eu estava me sentindo muito mal e dormi ali mesmo. Não voltei a ver Kelsey naquele dia.

Na aula seguinte, Wes nos fez assistir a vídeos de mergulho durante toda a manhã. Aprendemos sobre segurança, técnicas, manutenção de equipamento, como planejar um mergulho e como mergulhar afeta o corpo. Ele também nos falou sobre riscos comuns e os erros que mergulhadores iniciantes cometem.

— O mal da descompressão acontece quando se sobe rápido demais. Minúsculas bolhas de gás se formam no corpo quando se mergulha em grandes profundidades, e elas precisam de tempo para se dissipar. Seguir as regras de subida diminui muito os riscos. Já a narcose é muito mais comum, e é difícil saber em que profundidade poderá afetar alguém. O segredo é prestar atenção nos indícios e subir para uma profundidade menor se sentir os sintomas. Os sinais são semelhantes aos da embriaguez por álcool. Nos estágios iniciais, há uma sensação de tranquilidade ou de leve euforia. Depois você começa a ter tempo de reação atrasado, torna-se alterado, confuso, tonto e sofre alucinações. Já foi comparado ao mal da montanha.

— Wes, eu fico enjoada em grandes altitudes. Isso significa que estou mais propensa à narcose? — perguntou Kelsey..

— Hum, talvez. Vamos prestar bastante atenção em você nos primeiros mergulhos para definir seu nível de tolerância. Algumas pessoas são mais afetadas que outras. Já ouvi histórias de mergulhadores que vão fundo demais, têm narcose e dão o regulador para um peixe, aparentemente porque o peixe também precisa de ar. Essa é uma das razões por que sempre se deve mergulhar acompanhado.

No restante da manhã, treinamos como montar e desmontar o equipamento. Depois do almoço, estávamos de volta à piscina, mas dessa vez trabalhamos com o equipamento. Pedi para que Kelsey fizesse dupla com Kishan, para que eu não me sentisse mal como no dia anterior.

— Este é o treinamento em águas confinadas — disse Wes. — Vamos praticar todas as habilidades básicas aqui antes de irmos para o mar.

 Foi um bom dia de aprendizado. Kishan e eu fomos para a academia treinar, mas Kelsey não quis nos acompanhar. Naquela tarde, o Deschen ancorou na praia de Betul e Kadam deu a noite de folga para a tripulação, dizendo ao Chef que encomendaria a comida a um serviço de bufê.

Kishan, Wes e eu chegamos juntos ao jantar. Kelsey e Kadam pareciam empolgados levantando as tampas das travessas para exibir o “legítimo churrasco texano”. Wes ficou extasiado sentindo os aromas da comida. Então ele agarrou Kelsey e lhe deu um beijo na boca.

Meus músculos se retesaram e minhas narinas dilataram-se. Eu estava louco de raiva e pronto para atacá-lo. 

— Solte-a. Agora.

Mas Wess me olhou quase inocente e disse:

— Caramba, sinto muito mesmo por beijar a sua garota. Mas esta é a coisa mais legal que alguém faz por mim desde que Louellen Leighton, a segunda colocada no concurso de Miss Austin, pagou mil dólares por um encontro comigo no nosso leilão beneficente do time de futebol americano.

Percebi que para aquele homem, tudo não passava de brincadeira. Então me acalmei. Kelsey riu e comentou:

— Deve ter sido um encontro e tanto.

— Um cavalheiro sulista nunca relata suas aventuras amorosas — disse Wess, sério.

Começamos a comer e Wes parecia muito feliz. Ele olhou para o meu prato e o de Kishan e comentou que nós dois éramos diferentes:

— A maior parte dos homens indianos fugiria de um churrasco como fugiria de uma cobra cascavel. Comem mais como o nosso Sr. Kadam aqui. Ficam no frango e nas verduras.

Olhei rapidamente para Kishan, que respondeu calmamente:

— Já cacei javalis e búfalos. Têm quase o mesmo gosto que porco. Apesar de este aqui estar um pouco mais bem-passado.

Wes inclinou-se para a frente.

— É caçador? Que tipo de rifle você tem?

— Não tenho.

— Como caçou sem rifle?

— Ren e eu caçamos de um modo mais... primitivo.

Wes assentiu, como se tivesse entendido.

— Ah, caçam com arco. Estou querendo tentar isso aí. Meus primos caçam cervos e porcos-do-mato assim. É muito mais perigoso e exige mais habilidade.

Kishan assentiu e continuou comendo. Wes completou:

— Quem poderia imaginar que eu iria ensinar dois carnívoros da Índia a mergulhar?

Kelsey engasgou com água e Kishan lhe deu tapinhas nas costas. Wes continuou:

— Talvez, se tivermos tempo, eu possa dar algumas aulas de caça submarina.

— Caça submarina? — perguntou Kelsey.

— É. Pesca com lanças, atirar arpões... esse tipo de coisa.

— Pesca com lança até que nos interessa — respondi olhando para Kishan.

— É. Eu também não iria me incomodar de aprender isso — completou Kelsey.

— É mesmo? Olhe, vocês são tão cheios de surpresas quanto uma bolsa de mulher!

No dia seguinte, treinamos na piscina. Kelsey e Kishan formaram par novamente. Os dois pareciam muito à vontade enquanto meu irmão massageava as panturrilhas da minha namorada para treinar o que fazer caso alguém tivesse cãimbras. Eu os observava, com ciúme e inveja, por Kishan poder tocar em Kelsey e ficar perto dela, enquanto eu tinha que manter o máximo de distância ou passaria tanto mal que não conseguiria terminar as aulas naquele dia.

Eu estava cada dia mais apaixonado por Kelsey. Apesar dos sintomas físicos, ela me fazia bem, emocionalmente. Ainda assim, eu me sentia incompleto. Sempre sonhei em ter um relacionamento, me apaixonar, casar, ter uma família, e sentia que Kelsey poderia ser a pessoa com quem eu realizaria este sonho. Mas não conseguia vislumbrar como.  

No início da nossa relação, achei que pudesse me acostumar com as sensações, até me curar delas, mas isto não ocorreu. Na verdade, estava cada vez pior. Mesmo mantendo distância, só o fato de estarmos juntos no mesmo cômodo por tanto tempo me fazia ter enjoos e dores de cabeça.

Além disso, algo sobre os meus sentimentos me deixava frustrado. Eu sempre achei que quando amasse alguém de verdade, este sentimento me dominaria, me encheria e tomaria meu coração. Meu pai sempre me dizia que o amor era assim, que ele e a minha mãe se amavam tanto, que ele sentia o coração dela, como se ambos estivesse ligados. Eu sempre acreditei que amaria desta forma. Mas o que eu sinto por Kelsey é diferente.

Eu a amava. Muito. Faria qualquer coisa por ela. Mas eu não sentia esta ligação. Talvez  fosse a falta do contato físico, mas eu ainda sentia que falta alguma coisa. Percebia parte do meu coração vazio e desejava muito preencher este pedaço.

Wes anunciou que na manhã seguinte começaríamos os treinos no mar. Kelsey entrou em pânico:

— Espere um minuto, Wes. Estamos prontos para isso? Quer dizer, será que já aprendemos o suficiente? Acho que preciso de mais algumas aulas.

— Você vai ter mais aulas, só que no mar.

— Certo. Mas acho que talvez precise de mais algumas na piscina.

— Desculpe, querida, mas há limite para o que posso ensinar na piscina. Está na hora de encarar as profundezas salgadas.

Eu queria ir até ela para confortá-la, para garantir que eu ficaria perto dela e não deixaria que nada de ruim lhe acontecesse. Mas se eu dissesse isso, estaria mentindo.

A verdade é que eu teria que ficar longe dela, principalmente durante os mergulhos, ou eu poderia causar o afogamento de nós dois. Então, eu apenas observei enquanto meu irmão fez o que eu deveria fazer. 

— Vamos estar com você, Kells. Nada vai passar por nós.

Wes completou:

— Se tem alguém capaz de superar o medo do mar, é você, mocinha. Coragem é estar morrendo de medo e selar o cavalo assim mesmo.

Kelsey ficou nervosa o dia todo e não subiu para jantar. Na manhã seguinte, seguimos para a garagem molhada e entramos na lancha. Depois de ajudar Kelsey a embarcar, dei um beijo rápido em sua cabeça e fui para longe dela. Eu estava passando muito tempo longe dela, já que não podia me transformar em tigre durante o dia, por causa de Wes.

Paramos em um trecho da praia onde Wes queria iniciar o treinamento. Entramos na água, ajeitamos as máscaras e calçamos os pés de pato. Trabalhamos em dupla e eu fiquei com Kadam novamente. Treinamos mergulhos verticais, nadar embaixo d’água e limpar o snorkel.

Kelsey ficou mais calma e começou a se divertir. A água era transparente e vários cardumes passavam por nós. Sorri para ela e indiquei com os polegares que era hora de subir à tona.

— O que achou? — perguntei.

— Adorei. Desde que eu não veja nenhum tubarão, está tudo ótimo.

— Que bom.

— Você queria me perguntar algo?

— Não. Só queria dizer que você é linda.

Depois de retornarmos ao navio e terminarmos o almoço, concordamos que estávamos prontos para a próxima aula. Vestimos nossas roupas de mergulho e pegamos os tanques. Dessa vez, mergulhamos direto do iate.

Nadamos um pouco para longe e fizemos os exercícios de subida de emergência controlada, que, segundo Wes deve ser realizada quando um mergulhador fica sem ar e precisa subir de um só fôlego, enquanto expira devagar.

Repassamos as subidas e descidas de cinco passos. Para as subidas, assinalamos que o mergulho tinha acabado, subimos a 4,5 metros, realizamos uma parada de segurança e conferimos a superfície – em busca de barcos ou jet skis – fizemos sinais para o companheiro e então estendemos o desinflador soltando lentamente o ar do colete.

Quando chegamos à superfície e estabelecemos a flutuação, demos voltas verificando possíveis ameaças e fizemos sinal para o iate. Wes achou que tínhamos ido bem o suficiente para fazer um mergulho curto juntos. Eu fui com Kishan desta vez é Wes acompanhou Kelsey e Kadam.

Depois de algum tempo, Wes fez sinal e todos começamos a subir. Quando cheguei à superfície, olhei ao redor e vi Wes submergir, seguido por Kadam, mas não vi Kelsey.

Então ouvi um grito é vi o corpo dela descendo.


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