Snake Eyes escrita por wizardry


Capítulo 3
Parte III




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Sentada no banco das testemunhas e com as mãos juntas, Kaya tentava suportar a crueldade de sua juventude. Questões invadiam sua mente a cada segundo, trazendo incertezas cada vez maiores sobre seu futuro, e completando a festa que seus demônios davam dentro de si, as palavras da mãe se repetiam em seus ouvidos.

— Você matou ela. — Fechou seus olhos ao se lembrar da tarde anterior.

— Vai ficar tudo bem, meu pequeno pôr-do-sol. — Seu pai sussurrou, ainda abraçado a ela. — Às vezes precisamos fazer pequenos sacrifícios por nossa família.

E ali, ao esperar o julgamento do pai começar, ela começava a se dar conta de que estavam todos certos. Sacrifícios eram exigidos pelo destino, ou pelo deus que as pessoas decidiam acreditar, e eram em momentos assim que todos eram testados para verem quão forte eles realmente eram.

— Você nunca vai saber quão forte você é, minha pequena Askook. — Lembrou-se da última vez em que visitaram o avô na reserva indígena, pouco tempo depois de tomar conhecimento de seu dom. — E nunca irá saber se está fazendo o certo ou o errado. Essa é nossa vida, estamos navegando em águas desconhecidas a procura do autodescobrimento.

Sempre acreditou nas palavras de sua tia Angelique sobre o avô ser um velho pirado. Talvez ele realmente fosse. Vivia uma vida perfeita desde pequeno. Era o único herdeiro de sua família, formou-se com notas brilhantes em quase todas matérias, casou-se com uma puro-sangue extremamente bonita... E no final, pouco tempo depois de Eve falecer, largou tudo o que tinha – incluindo os próprios filhos – para viver entre índios. No entanto, apesar de ser um tanto egoísta ao pensar apenas em si, o homem tinha uma sabedoria que somente agora Kaya conseguia compreender.

Ela podia dizer com todo seu amago que finalmente teve seus olhos abertos, embora da pior maneira.

— Estamos prontos para começar. — Um homem anunciou e uma certeza de que não entenderia muitas das coisas que surgiu na mente da garota.

— Julgamento final de Bronwen Askook para apurar a pena a ser executada sobre a acusação de uso de Maldição Imperdoável e Homicídio Privilegiado...

— Privilegiado? — Kaya ouviu a senhora da mesa da acusação comentar. Havia visto aquela mulher apenas duas vezes em sua vida e não se espantou por ela estar ali jogando tudo o que tinha para culpar o homem que outrora havia sido seu genro. — Ele matou minha filha! Ele é um assassino!

Kaya mergulhou em seus pensamentos novamente enquanto o restante do julgamento acontecia. Ela já conhecia a história que iriam contar. Revisariam os fatos mencionados e por fim anunciariam a pena. E os dois irmãos, sentados lado a lado, sabiam perfeitamente o que aconteceria no final. Não tinha chances do pai sair salvo dessa história.

Respirou fundo diversas vezes, segurando bocejos resultantes do imenso tédio que estava. Finn ao seu lado olhava para o relógio de pulso diversas vezes. Era um toque particular dele. Gostava sempre de estar em casa antes do sol se por, graças a doença que o transformava em toda lua cheia.

— Estamos em novembro. — Confessou ao perceber que a irmã o observava. — Vai ser a última mais fraca.

— Você vai passar o natal em casa?

— Cold Moon. — Ele lembrou. Aquela era uma das três piores luas cheias que ele enfrentava. — Odeio essa época.

— Podemos lidar com isso.

— Você e a senhorita Duncan? — Perguntou com incredulidade.

Kaya emburrou-se com o comentário do irmão e voltou a fingir estar prestando atenção no que estava sendo dito. Sentiu-se irritadiça. Não gostava do modo como ele estava falando. Agora teria que aguentar todo o resto sozinha.

E foi pouco depois que seus traços faciais se contorceram que um estranho sono tomou conta de seu corpo, fazendo com que ela se entregasse aos sonhos onde a escuridão ganhava cores e formas aos poucos. Um denso bosque se formou ao seu redor. Folhas secas cobriam o chão, deixando claro a estação em que se encontravam. O vento soprava ao sul e os sons se tornavam distintos aos poucos.

Seus pés criaram vida própria, naquele lugar fantasioso e um tanto familiar, e começaram a arrasta-la para algum lugar próximo dali... Gostaria de tentar impedi-los para que descobrisse como voltar para seu mundo real, mas não tinha escolhas e resolveu simplesmente deixar o que quer que fosse levar seu corpo.

De repente seu corpo parou abruptamente próximo a uma nascente e seus olhos desviaram-se até as pedras de onde a água surgia. Finalmente, observando a pequena abertura das rochas, descobriu o motivo pelo qual conhecia aquele lugar. Havia sido ali onde todos os seus maiores problemas haviam começado.

— Kaya. — Seu nome ecoou pelo local como se o próprio vento falasse com ela.

— Quem está ai? — Ousou perguntar.

Olhou a sua volta, mas não havia ninguém ali. Era somente ela e... Seus olhos se desviaram para uma pedra onde deveria estar a cobra presa pela pedra. Não havia nenhuma cobra. Aquilo não era uma simples memória. Uma complexidade se escondia entre as cores a sua volta.

— Kaya. — A voz chamou outra vez, fazendo-a estremecer.

— Onde você está?

— Bem aqui.

Kaya olhou novamente para trás e vislumbrou o homem que se materializava ali. Ele vestia preto de cima a baixo. Tudo estava coberto por aquele tom de tecido, exceto o rosto. Sua máscara, que parecia ter sido feita a partir da pele de uma serpente, cobria apenas metade do rosto.

— Quem diabos é você?

— Um amigo de longa data. — A garota pode ver a língua se movimentando enquanto ele falava. Não era uma língua normal. Era como a língua de um réptil, dividida em duas partes. — Me lembro de quando você nasceu. Tão pequena... Tão curiosa. Se parece tanto com seu pai quando jovem. Não me surpreendo por ver quem você se tornou.

Kaya, por seu lado, não tinha nada a dizer. Estava assustada demais para dizer qualquer coisa.

— Se lembra daquelas cobras no seu berço? — Ele perguntou, mas ela não conhecia muito bem aquela história, exceto pelo que havia escutado por cima de uma das "conversas sérias" de seus pais.

— Eu não sei do que está falando.

— Claro que sabe. — Soltou uma leve risada. — Seus pais surtaram naquele dia... Ah, não. Seu pai até que não ficou muito surpreso. Ele sabia que hora ou outra um ofidioglota nasceria na família. Acho que só não esperava que fosse sua princesinha.

— Isso é loucura. — Bufou, sentindo a (química responsável pelo medo) em suas veias. — Eu quero acordar.

— Ah, me desculpe, querida. — Se aproximou, fazendo que Kaya desse um passo para trás para evita -lo. — Você gostaria de ver o julgamento de seu pai, não? Eu irei libera-la antes de decretarem a sentença. Nada a se preocupar, tudo bem?

— Quem é você? — Questionou novamente.

— Eu já lhe disse.

Então demônios eram assim, Kaya pensou. Eles a vigiavam a vida inteira até que a pessoa chegasse em um ponto sem escapatória onde eles apareciam para assombra-las e puxa-las de vez para o inferno.

— O que você quer?

— Ah, finalmente está falando minha língua. — Ele sorriu com seus dentes amarelados e pontiagudos. — Sente-se, eu vou explicar tudo.

Quando ela olhou para trás, uma cadeira se materializava. Mal teve tempo para pensar e o objeto empurrou-lhe de modo que caiu sentada sobre o mesmo.

— É um pouco simples, mas requer um pouco de sacrifício de sua parte. — Ele se aproximou com aquele sorriso psicótico, inclinando-se levemente na direção da garota. — Você é ofidioglota, minha querida. É um dom raríssimo e, desde o surgimento dos primeiros portadores desse divino presente, somente os herdeiros de Salazar Slytherin o apresentavam. Somente esse simples detalhe já era o suficiente, não acha? — Fez uma pausa, talvez esperando que ela respondesse, mas a pergunta era retórica. — Eu também achava, mas você tornou o jogo ainda mais emocionante.

— O que quer dizer com isso? — Franziu o cenho.

— Não importa. — Ele deu de ombros. — Não agora.

— Então o que você quer?

— Não é óbvio? — Sua pergunta fez com Kaya tremesse. Em algum lugar dentro de si, sentia que a resposta de sua própria pergunta estava clara. — Eu quero você. Nós queremos você. A Ordem quer você.

— Por que?

— Porque você tem o olho da serpente.

— Eu tenho o que? — Surpreendeu-se com o termo. Nunca havia ouvido nada igual.

— Ah, você vai entender quando for a hora. — Ele deu de ombros e afastou-se para sentar-se numa outra cadeira que surgiu repentinamente. — Tudo que posso dizer é que há perigo em seus olhos.

— Perigo? — Arqueou a sobrancelha.

— Provavelmente você nunca ouviu dizer que o perigo não está no veneno da serpente, mas nos seus olhos, não é? — Kaya balançou a cabeça. — Ah, minha criança. Esconderam tanto de você.

— Então me conte...

Novamente o homem sorriu sombriamente e cruzou as pernas. Parecia extremamente confortável ali.

— Não estou aqui para contar histórias. Estou aqui para fechar um acordo.

— Não iriei fechar nada com você.

— Tem certeza? — Ele pareceu desafia-la. — Porque sempre pensei que fosse igual a sua mãe, capaz de sacrificar sua própria vida pelo bem de seus familiares.

— Eu não sou como minha mãe.

— Isso é triste porque nesse momento ela estaria chorando pelo homem que ela sempre amou.

Kaya nem mesmo teve tempo de perguntar o motivo, pois visualizou, através de uma densa nevoa que surgia entre eles, a imagem de seu pai que fechava os olhos enquanto a sentença era declarada.

— Bronwen Dakota Askook, — Disse a voz da juíza — você está sendo condenado ao período de 15 anos em Alcatraz pelo crime...

— Não! — Gritou, levantando-se da cadeira. — Não! Isso não... Faça alguma coisa! Não!

— Pobre Bronwen. — O homem a sua frente comentou. — O triângulo é terrível. Ninguém nunca conseguiu sair dali... Não vivo.

— Papai! Não! — Continuou gritando. — Me deixe ir! É o meu pai...

— Não sem uma resposta...

— Não! Nunca! Eu nunca vou fazer seja lá o que vocês querem! — Kaya permanecia histérica. — Eu não vou fazer parte disso! Eu não quero ser parte disso! Apenas me deixem em paz! É sobre o meu pai que estamos falando...

— Você fez sua escolha, minha pequena. — O homem suspirou. — Porém não se esqueça que não se pode escolher a consequência.

E com aquelas palavras, o homem desapareceu. Havia sido abandonada em um lugar onde não tinha ideia de como sair até que a névoa – aquela que mostrava seu pai – começou a expandir-se em sua direção.

Em outras situações, Kaya provavelmente entraria em pânico e imploraria por sua própria vida, mas tomando consciência de que estava presa em uma espécie de visão ou sonho, aceitou o abraço pálido daquela fumaça que a envolvia.

Voltar a realidade não foi tão ruim quanto entrar naquele mundo nada real, mas ainda sim estava diante de uma situação da qual gostaria de escapar.

— Parem! — Gritou, dando-se conta de que estava em pé.

Todo o tribunal silenciou-se naquele momento. Ninguém esperava que ela fosse surtar daquela forma.

— Kaya, sente-se. — Finnick sussurrou.

— Não! — Se impôs. — Eu não posso deixar que façam isso! Ele é nosso pai! Ele não fez nada errado!

— Kaya, por favor. — Ele continuava sussurrando.

— Se há alguém que merece ser punida pelo que aconteceu aqui sou eu!

— Kaya, me escute, nada que você falar agora vai adiantar.

— Não, é? E quanto a isso? — Ela encarou o irmão uma última vez e então virou-se para o juiz que esperava ansiosamente algo interessante acontecer. — Eu menti sobre meu depoimento.

Murmurinhos foram ouvidos em todos os cantos do salão. Até mesmo a mulher na mesa ao lado pareceu estar intrigada com a afirmação da jovem. Os jornalistas, que procuravam ansiosamente por uma matéria que lhes desse a primeira página, inclinaram-se prontos para ouvirem com perfeição o que seria dito.

O coração de Kaya falhou. O juiz martelou em pedido de ordem. Os olhos espantados do irmão e do pai a encararam. Pela primeira vez ela notava que ser impulsiva as vezes poderia colocar uma corda sobre seu pescoço.

— Prossiga, garota. — O juiz a encorajou.

— Eu... — Hesitou. — Eu menti sobre meu depoimento. Não foi meu pai quem matou minha mãe.

— Fizemos a análise e a varinha foi quem executou o feitiço.

— Eu sei. — Respirou fundo. — Eu peguei a varinha dele, pois a minha havia ficado em Ilvermorny...

— Ela está mentindo! — Bradou o pai.

— Eu o forcei a me dar a varinha. — Kaya ignorou o protesto, precisava continuar com aquela mentira. — Eu estava cansada deles me impedindo de seguir o meu destino. A Ordem havia me chamado e eu havia aceitado.

— A Ordem? — O juiz parecia interessado. — E por que a Ordem chamaria você?

— Porque eu sou Ofidioglota.

E as conversas iniciaram-se novamente. A jovem já conhecia perfeitamente aquele preconceito. Declarar-se um Ofidioglota era o mesmo que se declarar um Bruxo das Trevas.

O efeito esperado pela garota, no entanto, foi o contrário. O juiz gargalhou tão alto que todos estremeceram. Era como se ele fosse a Rainha de Copas em Alice no País das Maravilhas e fosse gritar a qualquer momento para alguém ser executado.

— Levem o senhor Askook para Alcatraz. — Declarou, ignorando por completo as palavras da garota. — Até seus filhos atingirem a maioridade, a guarda deve ficar com a senhora Warren.

— O que diabos você fez? — Finnick perguntou ainda incrédulo com o que havia acabado de ouvir.

— Coloquei a corda em meu pescoço. — Respondeu, olhando para a mulher cheia de classe que iria leva-los embora.


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