Snake Eyes escrita por wizardry


Capítulo 2
Parte II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758744/chapter/2

Na manhã seguinte, a sala de História da Magia encontrava-se em um completo silêncio – indicando o completo tédio dos alunos – quando a diretora entrou com passos pesados e assustadores, caminhado diretamente para a professora que usava o modo no-maj tradicional para escrever no quadro negro.

Inclinando-se, aquela soberana sussurrou algo próximo ao ouvido da colega de trabalho e se virou ameaçadoramente para os alunos. Seus olhos percorreram a sala, analisando rosto por rosto, deixando todos constrangidos. Foi quando as suas íris repousaram sobre uma garota de pele naturalmente bronzeada e um sorriso cínico surgiu em seus lábios azuis matte. 

— Senhorita Askook? — Sua voz ricocheteou pela sala, fazendo com que os olhos castanhos da menina se levantassem em surpresa. — Junte suas coisas e me acompanhe, por favor.

Ligeiramente assustada com aquelas últimas palavras, jogou suas coisas dentro da bolsa e se levantou. Esperava que não houvesse se metido em encrenca por causa do acontecimento do dia anterior, mas pelo rosto sorridente e ameaçador da diretora, sabia que certamente não vinha coisa boa.

Sem mais, a diretora refez o caminho pelo qual havia entrado, sabendo que sem dúvidas Kaya Askook a seguiria.

— Professora Spellman, eu posso explicar. — Sussurrou assim que atravessou para o corredor.

— Não há nada a ser explicado, Senhorita Askook. Exceto se você houver quebrado alguma regra grave que eu devesse saber. — A mulher sorriu novamente, mas dessa vez parecia até mesmo simpática. — Sua mãe está aqui para te buscar.

— Eu juro que... — Kaya travou no meio do corredor e levantou a sobrancelha. Aquela informação sobre a mãe era um tanto curiosa. — Desculpe, você disse que minha mãe está aqui para me buscar?

— Sim, aparentemente você tem uma consulta médica. — Obviamente a mulher havia acreditado naquela história tosca. Ilvermorny era a melhor escola de magia do mundo, com uma especialidade particular em medibruxaria. Por que precisava ir para um médico?

— Professora Spellman, — Chamou novamente, mas a mulher já estava tocando o nó celtico encravado na parede no final do corredor. Kaya conhecia aquele local perfeitamente. Havia estado ali alguns diversas vezes por ter se metido em encrencas. — eu não tenho autorização para sair da escola com minha mãe.

— Ah, seu pai enviou uma carta mais cedo.

Com aquela informação, não havia como ela contestar a mulher. No entanto, não entendia como o pai repentinamente mudou de ideia sobre o perigo que a esposa representava há algum tempo.

— Você tem certeza que a carta era de meu pai?

— Oh, vamos, querida. — Tentou encorajar a menina, ignorando a pergunta anterior.

A parede grunhiu e seus tijolos se afastaram, abrindo um acesso a outro corredor. O espaço, embora não parecesse confortável, era bem iluminado graças as enormes janelas – que eram encantadas para assemelhar-se a janelas de verdade, pois não haviam conexão com o lado de fora ali – e o piso claro de mármore que dava um efeito ainda melhor. Ao longo do corredor, alguns bustos dos antigos diretores e diretoras da escola enfeitavam o local e no final desse de tudo estava uma enorme porta de madeira com desenhos que recontavam a história da magia americana.

— Venha, querida, não há nada a temer. — A diretora incentivou, mas o interior de Kaya tinha a enorme certeza que deveria correr dali enquanto ainda tinha tempo. Não que tivesse medo da mãe, e não o tinha, mas tinha medo do que poderia acontecer.

Engoliu a saliva com dificuldade, seus sentidos entrando em pânico... A maçaneta girou e a porta se abriu. Seu coração quase parou com tal ação. Olhou para trás, sabendo em seu interior que ao atravessar aquela porta as coisas jamais voltariam a ser a mesma coisa.

— Você primeiro. — A velhota dos lábios azuis colocou a mão sobre suas costas, empurrando-a levemente para dentro.

Hesitante, Kaya deu um passo para dentro e inspirou o ar frio que vinha daquela sala.

— Mãe? — Sua voz estava tremula. A última vez haviam se visto havia sido no verão, mas a mulher estava totalmente fora de si e era mantida trancada em casa e a base de poções calmantes.

— Ah, meu amor... — A mulher se ergueu de uma poltrona com um enorme sorriso e, com braços abertos, se aproximou da filha.

Ela não parecia com aquela figura doentia que Kaya havia visto na ilha da família. Havia voltado a ter a pele rosada e o rosto – tão semelhante ao da filha no formato – estava novamente cheio. Era impossível para qualquer pessoa imaginar que há poucos meses seu estado era deplorável.

— Obrigada, Madame Spellman. — A mãe usou do sotaque francês para falar com a mulher, provando os boatos de que havia passado as férias na França.

— Ah, não há de quê, querida. — Novamente os lábios azulados se curvaram e os olhos azuis, mais claros que o céu, encararam de forma afetiva a mais jovem. — Vejo você em poucos dias.

Poucos dias. Aquelas palavras fixaram na mente de Kaya como uma tatuagem. Não queria ir embora dali. Contra sua vontade, deixou sua varinha na mesa da diretora, seguindo as regras da escola e forçou um sorriso para a mesma que já pegava uma caixa para guardar o item de grande preciosidade para os bruxos.

Assim, Kaya Askook permitiu com que sua mãe a levasse para fora do castelo, onde um carro esperava no imenso estacionamento onde os ônibus escolares voadores paravam no inicio e final do ano letivo para deixar e buscar os alunos.

Seu primeiro pensamento enquanto caminhava na direção do automóvel, foi que aquele carro não era seu carro. Não era o mesmo modelo e nem mesmo o mesmo ano. A cor era a única coisa em comum.

E dentro do carro, a grande surpresa a aguardava.

— O que você está fazendo? — Kaya perguntou para a mãe logo após ver os dois homens nos bancos da frente.

— Kaya, meu amor, se acalme. — A mulher pediu enquanto fechava a porta de seu lado. — Vai ficar tudo bem.

— Quem são esses homens? — Todos os traços em seu rosto pareciam tensos diante da atual situação. Deveria ter ouvido seu sexto sentido.

— Eles são nossa garantia de que tudo vai ficar bem, querida. — Respondeu com a voz calma como se estivessem em um dia cotidiano.

— Tudo vai ficar bem? — Sua voz se alterou. — Você mentiu para mim. Você mentiu para o papai.

— Kay, por favor...

Kaya virou-se para abrir a porta, mas ela estava trancada e não importava quantas vezes tentasse abrir, não seria tão fácil sair. Obviamente os homens haviam pensado em todos os detalhes.

E o carro já se movimentava.

— Me deixe ir! — Gritou para a mãe. — Por Morgana, mãe! Você é insana!

— Por favor, Kay, fique calma! Está parecendo que vamos te matar.

— Eu não vou ficar calma enquanto você e esses malucos não me deixarem sair! — Berrou. — E sim, parece mesmo que irão me matar.

— Acalme sua filha, Auralie, ou vamos ter que dar um jeito nela — Um dos homens grunhiu e a mulher rapidamente sacou a varinha, surpreendendo a filha.

— Por favor, meu amor, fique quietinha. — Havia lágrimas brotando no canto dos olhos esverdeados da mulher. Lágrimas que ela se recusava deixar cair. Essa era outra coisa que elas tinham em comum: odiavam demonstrar fraqueza. — Eu não quero te machucar.

Mesmo que a mulher tentasse esconder o que se passava dentro de si, pela primeira vez Kaya foi capaz de ver naquelas orbes o sofrimento que era carregado pelos terríveis anos que havia tido tentando proteger seus filhos do mau que perseguia a família Askook há anos. Ou melhor, a cinco anos.

— Por que você está fazendo isso? — Choramingou, esperando ainda encontrar algum juízo dentro da mulher que se intitulava mãe.

— Às vezes precisamos sacrificar algo para salvar nossa família. — Respondeu com a varinha tremendo em sua mão.

Vendo claramente a fraqueza da mulher que outrora havia sido a dama perfeita da alta sociedade bruxa, Kaya quase sentiu pena do rumo que sua vida havia tomado. E no fundo ainda sentiu uma pitada de culpa, pois o grande caos se estabeleceu por sua causa.

— E você precisa me sacrificar? — Tomou coragem para perguntar, já sabendo que isso doeria na mulher, afinal de maneira ou outra, ela continuava sendo sua mãe.

— Não vai ser tão ruim quanto parece. — Sorriu fraco em resposta. — Você será bem tratada. Vai estar segura.

— Segura? — A menina quase riu. Não acreditava em como sua mãe podia ser tão ingênua para acreditar em vãs palavras dos bruxos das trevas. —Você acha que ser obrigada a usar essa porcaria de dom para trazer o caos é estar segura?

Auralie, como previsto pela filha, não respondeu.

— Eu não quero ser um instrumento nas mãos desses nazistas. — Murmurou. — Eu não quero gastar o resto da minha vida servindo a um homem que está na lista dos mais procurados do mundo.

— E o que você pensa que eu quero? — Auralie gritou, perdendo a cabeça. — Eu não quero ver minha família inteira sendo morta.

Lembrou-se novamente do verão. Quase todas as noite implorava para que o pai mudasse de ideia sobre o Elias Camp, o acampamento bruxo para jovens, e não precisasse ouvir os gritos da mãe. As palavras da mãe eram sempre as mesmas toda noite. Ela parecia realmente doente, tinha paranoia de estarem sendo seguidos e que os bruxos das trevas matariam toda nossa família...

Indiferente sobre suas lembranças, Kaya estava pronta para lançar uma nova questão por cima do que a mãe dizia quando algo apareceu bem no meio da estrada. Era o vulto de uma pessoa, possivelmente alguém que havia acabado de aparatar. O motorista tentou frear, mas algo atravessou o ar antes que pudesse o fazer e a o carro foi jogado para trás.

Sem o cinto de segurança, a jovem foi lançada de lado para outro conforme o carro virava. Apesar da situação de emergência, Kaya teve atenção o suficiente para conseguir ver a varinha de sua mãe girando pelo carro e rapidamente ela agarrou o item.

Ela não sabia nenhum feitiço que pudesse parar o acidente, mas desejava no fundo de sua alma que algo acontecesse antes que fosse tarde demais.

E então aconteceu, logo após de sua cabeça bater violentamente contra o vidro.

O carro pousou com as rodas no chão e os homens sentados a frente saíram com suas varinhas em mãos, mas sua mãe encontrava-se desacordada ao seu lado. E enquanto Kaya recobrava os sentidos, os lampejos de luz, resultantes de feitiços, disparavam em todas as direções.

Ainda tonta, a jovem teve uma pequena dificuldade para destrancar a porta através do vidro quebrado. Finalmente livre, esgueirou-se para fora e tomou um lugar próximo a roda onde não seria atingida.

Respirando lentamente, tentava se manter calma diante a situação e abraçou suas próprias pernas. Precisava se acalmar antes de pensar em um plano sobre como sairia dali sem que ninguém percebesse.

Não passado muito tempo, Kaya foi tomada pela curiosidade. Precisava saber o que estava acontecendo, por isso se inclinou levemente para frente até conseguir ver mais do que a lataria do veículo.

Não muito distante, três homens batalhavam contra os dois que estiveram no carro. Um daqueles homens tinha uma aparência muito familiar para ela... Não, não era apenas uma aparência familiar. Era seu pai, um homem robusto de cabelos grisalhos perfeitamente penteados para trás.

— Pai! — Kaya gritou para chamar a atenção do homem, sem se preocupar se isso iria o distrair. Sabia que o homem era um perfeito duelista. — Estou aqui! Pai!

Como previsto, ele estava concentrado demais em desarmar seus inimigos e nem mesmo se virou para ver onde ela estava. E concentrada na luta a sua frente, a jovem nem mesmo ouviu alguém se aproximar até ter a varinha arrancada de sua mão.

— Você foi uma garota muito má, querida. — Auralie disse em reprovação, pegando a filha de surpresa.

— Mãe!?

— Pensou que eu estava morta? — Levantou a sobrancelha. — Vamos, Kaya, não tenho tempo a perder. Levante-se.

— Olha o que você fez! — Kaya protestou, não se movendo do lugar onde estava. — Você vai nos matar.

— Eu vou nos matar? Você acha mesmo que sou eu quem vou nos matar? — A mulher riu de maneira insana. — A assassina aqui é você, não eu. É você quem se recusa a fazer esse pequeno sacrifício pela família.

— Esse sacrifício custa a minha vida!"

— Não, ele custa a sua liberdade. — Corrigiu. — E pelo visto essa liberdade vale mais que a vida de seu irmão.

— Eu... — Uma lágrima escapou pelos olhos da garota. Havia sido pega no ponto mais fraco. —Eu não sou culpada pelo que aconteceu aquele dia.

— Sim, você é. — Se havia uma coisa que Auralie fazia melhor do que feitiços, era machucar as pessoas com palavras. — Você é a culpada por toda essa maldição.

— Não! — Protestou com força, mas as palavras já haviam se hospedado em sua mente como um parasita. — Você é a culpada! Você quem deixou as pessoas erradas saberem disso. Você quem criou o caos dentro de nossa própria casa.

Auralie riu novamente e ergueu a varinha em direção a filha, fazendo Kaya finalmente notar sua distração em ter deixado a mãe tomar aquele item de novo.

— Mamãe estava certa. — Sorriu maniacamente. — Deveria ter me livrado de você no momento que tudo isso começou.

Talvez Auralie estivesse certa. A vida certamente seria melhor para os Askook sem Kaya. Ninguém teria que se machucado se ela... E enquanto mergulhava em memórias ruins, tudo que pode ver foi a boca da mãe se abrindo para realizar algum tipo de feitiço, mas as palavras que foram ditas não saíram de sua boca.

— Avada Kedrava! — A voz masculina brandiu, fazendo um frio percorrer por todo corpo da mais nova.

Imaginou que teria morrido, mas o som da pequena guerra a sua frente deu-lhe a certeza que permaneceu no mundo sombrio em que vivia. No entanto, seus olhos se abriram e ela encontrou à sua frente a figura materna incrivelmente pálida no chão.

Morta. Sua mãe estava morta e seu assassino... Era o próprio marido. Sim, seu pai havia matado a mulher que mais havia amado em toda vida. E agora, pela primeira vez, Kaya via o homem tão pálido quanto a mulher no chão. Ele não tinha mais reação. Talvez, já estava se dando conta dos problemas que aquele ato sem pensar lhe traria.

— Papai... — Kaya chamou como se ainda tivesse cinco anos e se levantou, correndo para os braços do homem a sua frente.

O choro veio com força, fazendo-a engasgar enquanto escondia seu rosto entre as vestes negras do mais velho. Somente então ele se moveu e afagou os cabelos castanhos da menina que lembravam a tonalidade dos seus próprios fios em sua juventude.

— Vai ficar tudo bem, Eve. — Sussurrou, chamando-a pelo segundo nome carinhosamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Snake Eyes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.