Yellow - Dramione escrita por LeslieBlack


Capítulo 22
Sabedoria dos Poetas Bêbados




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758641/chapter/22

Aquele poderia ter sido o fim do mais novo dos Malfoy. Há certa beleza na tragédia, assim como é inquestionavelmente belo o céu quando está prestes a cair uma tempestade. Seria um final trágico quase que no estilo Romeu e Julieta, e isso seria de uma ironia cruel. Se aquele fosse o fim, Draco morreria sem saber que era o Montecchio envenenado e que chegou a sentir ciúme de si mesmo.

A vida podia ser mais cruel e sádica que a morte às vezes. Todavia, não foi isso o que aconteceu naquele domingo sangrento. Graças a Harry que o socorreu a tempo, o sonserino foi devidamente medicado e era assistido de perto.

Hermione Granger não tencionava sair de perto do garoto que dormindo aparentava a mais plena serenidade, e pouco se importava com o que iriam pensar. Seus dedos estavam entrelaçados com os de Draco, e a grifinória tentava em vão ignorar o quão fria a mão do rapaz estava. Por pouco aquela condição não se tornou permanente.

A Princesa da Grifinória sussurrava palavras de conforto, mesmo sabendo que o loiro não as ouviria. Talvez ela dissesse aquilo para si, afinal. A bruxa estava absurdamente preocupada com Draco, mas a movimentação na Ala Hospitalar tomou um pouco de sua atenção, e isso foi o bastante.

Como se estivesse em um sonho, Hermione viu Madame Pomfrey ir até Pansy Parkinson. O mais impressionante nisso era que Neville se apoiava na garota que, solícita, o segurava com cuidado. Pansy sussurrou algo no ouvido do grifinório segundos antes da curandeira-chefe chegar até eles, e Hermione poderia jurar que viu gentileza ali.

Os seguiu com o olhar, vendo a sonserina ser cada vez mais prestativa. Era nítido o esforço de Neville em cooperar e manter tanto controle quanto pudesse sobre o próprio corpo. O professor Adams atrapalhou sua visão, então ela desistiu por ora de assistir a cena. Abalada, mirou novamente Malfoy para ver se algo naquele momento fazia sentido. Não, sequer chegava perto.

A maca em que o loiro estava era a mais próxima a parede, sendo seguida pela de Max e Neville. Havia cortinas entre todos os leitos, mas elas não foram fechadas. Hermione, que estava sentada, levantou-se à procura de Harry. Os dois eram como irmãos, confiavam a própria vida ao outro. Tudo o que a morena precisava agora era de algo seguro em meio àquele caos, e buscava desesperadamente um pouco de apoio para conseguir passar por aquilo. O viu entre Neville e Luna, notando com o mesmo choque que Blásio Zabini dormia na maca seguinte.

— O que droga…

A realidade se abateu sobre ela com violência. Cinco tentativas de assassinato. Ao menos cinco, se não chegasse mais alguém nas mesmas condições. Se a pessoa tivesse forças para chegar até a Ala Hospitalar, é claro… Todavia, o acaso fez com que todas as vítimas conseguissem o auxílio necessário, somente por isso não houve baixas naquele dia. Ela saberia disso depois.

Muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado de um oceano. Essa é conhecida como a teoria do caos, um nome muito adequado para o que acontecia em Hogwarts. A situação era complicada por si só, e tão difícil quanto é definir em qual esquina da vida se iniciaram os eventos que culminaram na quase tragédia que foi evitada por pouco. Para Hermione havia muitas perguntas a serem respondidas, mas a que mais lhe incomodava agora se resumia a uma palavra.

— Quem?

Perguntou a ninguém em particular, atraindo a atenção de Harry. Seguindo o olhar desolado da amiga, ele imaginou do que aquilo se tratava.

— Vamos descobrir, então essa pessoa vai pagar caro por isso.

Hermione assentiu, não havia muito o que pudesse fazer. Com passos vacilantes foi até o professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, que olhava intrigado para Max. O cenho franzido do senhor Adams a deixou preocupada com o que poderia ter acontecido ao garoto. Max murmurava algo, e a grifinória chegou perto o suficiente para distinguir o apelido da tia dele.

— Granger, quem é essa Mary que ele está chamando? - Visivelmente desconfiado, Vince perguntou.

— É a tia dele, o nome é Rosemary Palmer. Eu não faço ideia de onde mora… - Hermione sentia tanta culpa que desligou-se do restante do mundo por um instante. Sem a menor intenção de deixar Draco sozinho, ela continuou. - Preciso dar um jeito de avisá-la.

— Não se dê ao trabalho, sabe-tudo. Eu vou buscá-la.

O senhor Adams foi embora sem maiores explicações. A bruxa não soube o que mais a surpreendeu, Vince chamá-la pelo apelido ou dizer que buscaria a tia de Max. Como ele poderia saber onde encontrá-la? A garota tampouco estava certa se ele a reconheceria quando a visse. O senhor Adams saiu dali com pressa, alheio às divagações de Hermione. Ia a passos rápidos rumo à sala de McGonagall, onde viu Mary pela última vez. Torcia para a mulher ainda estar lá, pois ela merecia estar junto ao sobrinho em um momento como aquele.

Sua capa farfalhava, sendo levada pelo vento quando ele subiu na Nimbus 2001 que deixou na entrada da enfermaria e levantou vôo. Vince era muito habilidoso, e a determinação que sentia apenas fez com que chegasse mais rápido em seu destino. Desceu da vassoura e a colocou no lado de fora da sala da diretora. Não havia motivo para instaurar pânico, então entraria na sala, avisaria Minerva sobre o ocorrido e arrancaria Mary de lá. Os outros não precisavam saber de nada ainda.

Mal fez a primeira dessas coisas e paralisou, ainda na porta. Mary estava levemente inclinada em direção a Fílio Flitwick, o professor de Feitiços. O diretor da Corvinal fazia alguns bolinhos voarem na direção dela, que exibia um sorriso maravilhado. O contraste da mulher forte com essa que Vince via agora o deixou fascinado. Ela parecia muito à vontade se divertindo com algo tão simples. O senhor Adams concluiu que a inocência era mesmo algo belo de se ver.

Ainda admirado com as muitas facetas que a mulher podia exibir, o bruxo se sentia bobo mesmo sabendo o quão inapropriado aquilo era. Forçando-se a ter o problema dos envenenamentos em mente foi que caminhou até os colegas e os cumprimentou com um movimento discreto, antes de seguir na direção de McGonagall. Flitwick falava, mas a atenção de Mary estava no rosto sério do indivíduo que nutria por ela certa hostilidade. Ao menos essa era a impressão causada.

A senhora Palmer notou com curiosidade crescente que a diretora saiu alarmada após ouvir as palavras cochichadas de Adams. A desconfiança de Mary em relação àquele homem apenas aumentou. Como que para intensificar a sensação, o colega virou-se e cravou o olhar no dela, que o sustentou. O rosto de Vince era uma máscara que não deixava qualquer sentimento vir à tona, ainda assim Mary julgou ver determinação quando o bruxo se aproximou rapidamente de onde ela estava.

Ao estar perto o suficiente para ser notado, pigarreou. Quando a atenção de ambos estava sobre ele, Vince superou o nervosismo para falar.

— Tudo bem por aqui? - Ele perguntou, com um sorriso particularmente nervoso. Mary olhou para Flitwick buscando apoio, mas o professor estava entretido com a presença repentina do senhor Adams.

— Oh, tudo na mais perfeita tranquilidade. Acredita que a senhora Palmer sabe tocar violão, aquele instrumento trouxa do qual falamos no começo do ano?

Vince franziu o cenho. Não foi necessário muito esforço para lembrar que no começo do ano letivo certo aluno que tocava sozinho perto da Floresta Proibida teve o instrumento transfigurado em uma cascavél por alguns sonserinos. Os professores tiveram alguma dificuldade em transformar o animal peçonhento novamente em um violão, já que por ser um objeto mais comum entre os trouxas, eles não tinham certeza acerca de sua aparência.

O garoto teve sorte por Hagrid lhe auxiliar, pois estava apático ao ponto de não se importar com o desrespeito sofrido. Era um lufano que vivia sozinho pelos cantos e não falava com ninguém, Vince lembra-se perfeitamente do pesar na voz do meio gigante ao relatar a história.

A expressão do bruxo foi de choque para culpa quando se deu conta que o dito lufano do violão era o mesmo que estava naquele exato momento em uma maca da Ala Hospitalar lutando pela própria vida. Saber que estava prestes a transmitir uma notícia daquele porte para a tia do aluno não trazia paz para a alma atormentada de Vince, tampouco essa mulher ser um fantasma de seu passado falho.

Com um esforço sobre-humano, ele sorriu e tentou esconder qualquer emoção negativa que pudesse denunciá-lo. Portanto não havia emoção alguma no sorriso frio de Vince Adams. Seu rosto era uma máscara quando voltou a se pronunciar, no que parecia ser tanto tempo depois.

— Meus parabéns, senhora Palmer. Espero que algum dia nos agracie com uma demonstração do talento que certamente tem.

— Obrigada, Adams. Quem sabe um dia, não é mesmo? - Ela declarou, nem um pouco confiante no interesse daquele senhor.

— Será que pode me acompanhar e no caminho me contar mais sobre essa habilidade impressionante? - Ele franziu o cenho, praguejando internamente contra a própria sorte. Logo atrás de Mary, Sibila Trelawney acenava em sua direção. A bruxa não lecionava mais no castelo, mas morava ali porque Hogwarts era sua casa. Mesmo frustrado ao extremo, Vince não queria ser mal educado com a mulher que o chamava insistentemente, então suspirou e concluiu sua fala sem qualquer animação. - Depois que eu cumprimentar Trelawney, é claro.

— Se me dão licença, vou trocar algumas palavras com a professora Sprout. E senhora Palmer, foi um prazer conhecê-la. Espero que goste da estadia em Hogwarts. - Flitwick disse e se afastou com um sorriso gentil nos lábios.

Desconfiada por natureza, a senhora Palmer achou aquilo estranhíssimo. A nova professora levantou uma sobrancelha para Vince, que exausto, suspirou.

— Você é esperta o bastante para saber que estou escondendo algo. Poderia me esperar lá fora, Mary? Preciso falar com Trelawney antes, garanto que será rápido. - Ele mal disse isso e foi em direção a Sibila enquanto tentava relaxar a expressão dura.

Mary não o conhecia, não entendia o motivo do bruxo chamá-la pelo apelido ou porque se portava de um jeito tão intragável quando o assunto era ela. Ainda assim, confiou naquele homem estranho de olhar azul e intenso. Lançou um olhar intrigado nas costas largas do ser que se afastava e fez o que lhe foi pedido. Já no corredor, a loira cruzou os braços na frente do corpo e arqueou a sobrancelha para a vassoura largada ali, como se a seu desejo ela fosse começar a contar o que droga estava acontecendo. A Nimbus 2001 de Vince permaneceu quieta, como no fundo a senhora Palmer achou que ficaria.

Não demorou muito para que seu colega de trabalho aparecesse, claramente apreensivo. Um suspiro aliviado foi ouvido quando o bruxo pousou os olhos nela.

— Você está aqui.  

— Pode finalmente me contar o que está acontecendo?

— Você precisa vir comigo. - Ele respondeu solene.

Um riso de incredulidade escapou dos lábios dela. Já o tom de deboche foi proposital.

— Ok… - Disse fazendo menção de entrar novamente na sala de Minerva. - Era só isso?  

Ele não aceitaria a derrota com tanta facilidade, não depois de tudo o que passou para estar ali. Estava vencendo o orgulho para ajudá-la, então o mínimo que Mary podia fazer para facilitar a vida de ambos era ser menos teimosa do que de costume por cinco minutos.

Antes que a mulher alcançasse seu objetivo, ele usou o corpo para bloquear seu caminho.

— O que quer comigo, Adams? - Perguntou com irritação.  

— Preciso que me acompanhe.

— Por que eu faria isso?

Essa era uma pergunta que o homem não se sentia particularmente inclinado a responder, apenas por ser igualmente incapaz tanto de mentir, quanto de falar a verdade. Ele não iria se omitir de ajudar, mas não seria com palavras.

— Prefiro que veja com os próprios olhos.

— Eu não vou.

— Mary, por favor…

— Como infernos você soube meu apelido desde o começo? Quem diabos é você? E por que eu deveria subir na vassoura de um maluco que obviamente não vai com a minha cara?

Prestes a perder o último resquício de paciência, ele se afastou, apoiando-se na parede oposta de modo a encarar a mulher que o exasperava cada vez mais. Mary sustentou o olhar, não iria recuar. Aquelas questões a estavam incomodando mais do que ela admitiria.

— Porque se não subir agora mesmo, eu te coloco sobre os ombros e carrego por todo o castelo até que estejamos aonde você tem que estar! - O estresse, somado ao desespero da situação, fez o bruxo outrora tão equilibrado agir de maneira impensada. Ameaçar a mulher na sua frente não era a solução, sabia disso. Todavia, ele não foi capaz de se controlar a tempo.

— Experimente, seu ogro! - Ela replicou, mas Vince continuou a falar como se isso não fizesse a menor diferença.

— Você não confia em mim, eu já entendi. Não me conhece, não tem porque me dar um voto de confiança. Ainda assim, eu peço que me acompanhe porque… Entenda, eu não sei fazer isso. Preciso que veja com os próprios olhos. - Fez uma pausa, na qual tentou se acalmar e ser mais gentil com a mulher. Afinal, Vince estava prestes a deixar o mundo dela de cabeça para baixo. Ao contrário do que desejava, não de uma forma positiva. - Acredite, quem eu sou não é importante agora. Não vou te fazer mal, está bem? É tudo o que precisa saber. Faça o que estou pedindo e nunca mais falo contigo, se não quiser.

Ele a encarava ostensivamente esperando uma resposta, enquanto tudo o que a loira fez foi devolver um olhar intrigado. Mary estava absurdamente curiosa, mas seu senso de preservação gritava para ela deixar o estranho ali e ignorá-lo para que o homem continuasse assim, um mero desconhecido que veria muitas vezes.

A preocupação da senhora Palmer não era com sua integridade física, por mais que Vince tivesse dentre outras vantagens, a magia. Ela era uma mulher independente que não se deixava intimidar por quem quer que fosse. O que ela temia verdadeiramente era dar um voto de confiança a alguém e essa pessoa a decepcionar. Pudera, já saiu ferida até quando não chegou a confiar no próximo. Não valia a pena de qualquer modo, não quando o que estava em jogo era seu estado emocional e psicológico. A própria família a traumatizou, e a loira de aparência angelical tinha verdadeiro horror a se arriscar naquele campo.

Tendo ou não curiosidade em relação a ele, Mary não podia confiar em um estranho. Ainda mais naquele. E era isso o que Vince Adams pedia, para que ela agisse diferente de como a vida lhe instruiu a duras penas. A mulher julgou já ter feito a escolha errada vezes demais.

— Nenhum de nós vai ceder, então essa conversa estranha chegou ao fim. Aproveite o resto do final de semana, Adams, o dia está lindo.

Cansado de tudo aquilo, Vince não mediu as palavras ao desabafar sua frustração.

— McGonagall sabe. Tem algo acontecendo, e isso a afeta diretamente. Eu jamais te faria mal. Jamais, ouviu bem? Droga, Mary, por que tem que ser sempre tão difícil? É incrível como você não mudou nada.

O bruxo só percebeu que falou demais quando já era tarde. Conhecendo muito bem o mundo mágico e trouxa, Mary não se surpreendia com facilidade. Não mais. Mas aquela declaração de Vince mudava as coisas, tanto é que a calou. A nova professora tinha o cenho franzido, os olhos verdes mirando o homem em sua frente inquisidoramente e os braços cruzados para começar o interrogatório.

Sempre? - Ela repetiu com extrema desconfiança. - Como pode saber se eu mudei ou não, Adams? - A senhora Palmer pronunciou as palavras do mesmo modo que perguntaria a uma criança coberta de tinta se ela era a responsável pelos desenhos nas paredes. A primeira vez que passou por isso foi com Max, quando o garoto tinha cerca de dois anos. Por coincidência ou não, a expressão do senhor Adams estava bastante parecida com a de seu sobrinho ao acabar com um vidrinho de esmalte para pintar a família pelas paredes da casa.

— Você tem razão, esse assunto chegou ao fim. Rowena sabe que eu tentei. Desculpe pelo transtorno e por… Bem, você vai saber em breve. - Disse ele dando as costas para Mary.

— Você quer parar de fugir de mim? - Ela perguntou, farta daquilo. Seria tão difícil para o bruxo dar uma resposta objetiva?

Vince paralisou imediatamente. Foi isso o que ele fez no passado, tendo ou não seus motivos. Era o que estava fazendo agora, mesmo sabendo que era errado. Mary tinha todo o direito de agir como estava agindo, afinal só estava sendo cautelosa. O reencontro deles foi desastroso, e daquele momento em diante tudo o que ele fez foi provocá-la para se sentir melhor. Vince fez questão de atormentá-la para abrandar o próprio desconforto, sabia que estava sendo infantil ao extremo e mesmo assim continuou com a atitude pouco profissional. Sem contar que para Mary aquilo sequer era um reencontro, já que não se lembrava dele. As primeiras impressões que tinha dele eram péssimas.

No fundo, Vince sabia que não podia condená-la por agir com a razão, coisa que o bruxo não fez. Ainda assim, um resquício ínfimo de esperança foi irrefreável ao ouvir a frase da mulher. Teria ela finalmente se lembrado dele? Será que sabia quem Vince era desde o começo? Ele não fazia ideia, mas torcia desesperadamente que aquela falta de memória chegasse ao fim quando a encarou.

— Não estou. - Era mentira e ambos sabiam. Sua voz saiu débil, sem qualquer resquício de convicção. Aquele não era o confiante Vince Adams.

— Não mesmo, Adams. Você tem que me levar a algum lugar. Vamos lá, quero ver se você é um bom taxista.

Taxista… - Ele repetiu baixinho, esquecendo de toda aquela confusão por um instante para buscar na memória o significado daquele termo. Tinha a impressão que era algo relacionado aos trouxas, graças ao tempo em que lecionou nos Estados Unidos. O Natal o deixava nostálgico ao ponto de vagar por horas entre bairros trouxas e bruxos. Ele tinha quase certeza que ouviu a palavra em ao menos um desses anos em que passou na américa. Interrompendo suas recordações, Mary se pronunciou novamente.

— Isso não é uma trégua. - Ela declarou enquanto relaxava o corpo e se deixava conduzir por Vince.

— Eu não esperava que fosse. - O professor disse, não soando tão amargo quanto de fato se sentia.

Mary foi para o lado dele, que a acomodou primeiro na vassoura. Levantaram vôo com o senhor Adams estranhamente calado, enquanto ela não conseguiu segurar a gargalhada na primeira curva. Vince sorriu, satisfeito com a empolgação da mulher. O sorriso morreu assim que lembrou o motivo daquele passeio, tornando sua expressão grave até a chegada a Ala Hospitalar. Ele sentia que aquele seria o começo do fim. Não queria tirar o sorriso do rosto dela, mas era isso que acabaria acontecendo em alguns instantes.

Ao chegarem na enfermaria, o bruxo pôs-se em frente a ela. O semblante preocupado e confuso de Mary fez com que seu coração perdesse uma batida.

— Desculpe por não contar antes. Ele está na segunda maca da esquerda para a direita.

Antes que ela visse, Vince disse e Mary não pôde acreditar. O tal “ele” era Max. Só poderia ser, o sobrinho era a única pessoa que ela tinha. Completamente aturdida, a mulher buscou a confirmação ao mesmo tempo em que torcia para estar errada. Olhou para o local indicado, sentindo o desespero a consumir em milésimos de segundos. Um nó se formou em sua garganta, e Mary seria capaz de vomitar, tamanho seu nervosismo.

Encolhido em uma maca estava a pessoa que ela mais amava no mundo, o afilhado que Mary jurou proteger desde que soube de sua existência. O som do ambiente sumiu, o tempo não a afetava mais. A loira não sabia dizer se o clima estava quente ou frio, na verdade não saberia dizer nada. Só o que existia para ela naquele momento era Max, e ele não estava perto o suficiente. A mulher julgou-se a pior das criaturas por não conseguir mantê-lo a salvo. Mary correu quando a letargia passou, ficando ao lado do lufano adormecido.

Com um bolo de sentimentos o deixando confuso, Vince olhava a cena sem se importar em classificar aquela bagunça. O senhor Adams tinha suas próprias questões a resolver e foi arrastado para presenciar os problemas dos outros. Isso bastava para uma pessoa geralmente atenta aos detalhes não ter percebido que havia mais pessoas no recinto do que quando o deixou. A diretora conversava em um canto afastado com Madame Pomfrey, não que o professor prestasse atenção nisso. Por longos instantes, para ele só existia Mary e o sofrimento que apresentou a ela. Ele sabia, a atitude foi necessária. Aquela certeza não o fazia aceitar as coisas com mais facilidade.

E por ter saído para buscar Mary o senhor Adams não soube que em determinado momento Harry Potter chamou Hermione Granger para um canto com discrição, dizendo que estava orgulhoso dela. Ele não tinha como saber que o menino que sobreviveu solicitou a presença de Ron Weasley via patrono corpóreo no mesmo instante em que Hermione chamava a melhor amiga. Os grifinórios não imaginavam que os irmãos estavam juntos quando receberam o recado, pedindo para que comparecessem na enfermaria o quanto antes. Vince só acordou do transe quando Gina passou como um furacão ao lado dele.

A mais nova dos Weasley estava na dianteira, sendo seguida por Ronald. O grifinório olhava para os colegas feridos sem esboçar reação, mas a ruiva não havia os notado ainda.

— Está vendo, babaca? - Agora abraçada a Hermione, Gina se dirigia ao irmão. - Eu disse que os dois estavam bem. Não é possível que todas as desgraças do mundo aconteçam só com vocês, não é mesmo? Mas por que nos chamaram até a Ala Hospitalar?

A ruiva encerrou o abraço e avaliou o corpo da amiga em busca de ferimentos. A expressão culpada de Hermione foi finalmente registrada, e antes que a morena pudesse explicar sua causa, Gina a viu.  

Quando olhou por cima do ombro de Hermione, o que primeiro lhe chamou a atenção foi o tom loiro das longas madeixas que podiam ser notadas mesmo ali. Gina se aproximou, apenas para comprovar algo que já sabia desde o primeiro segundo: era Luna. Sua incompreensão apenas aumentou ao caminhar por ali, leito por leito, e reconhecer facilmente os colegas restantes. Olhou para Harry e Hermione em um pedido silencioso por respostas. Não as obteve, era a vez do irmão tentar assimilar o que via.

— Merlin, logo cinco… - O grifinório estava tão absorto nos próprios pensamentos que parecia ter esquecido que tinha companhia. - Por quê?

Harry pigarreou, sobressaltando-o. Um leve rubor tomou conta do rosto do ruivo quando ele virou-se em direção aos amigos.

— Obrigado por virem tão depressa, vamos contar tudo. Só por favor, vamos falar baixo e nos afastar um pouco deles. - O menino-que-sobreviveu disse, acenando em direção aos enfermos.

Ronald Weasley lançou um último olhar aos colegas nas macas, assentindo para se afastar em seguida. Um pequeno grupo se formou, e Harry foi o primeiro a se pronunciar.

— Ok, não sabemos bem o que está acontecendo, mas descobrir é uma questão de vida ou morte, como podem ver.

— O que aconteceu com eles? - A ruiva perguntou. - Malfoy parecia estar morto.

Um arrepio subiu pela espinha de Hermione. Ela não julgava ser possível, mas a raiva e o medo que sentia se intensificaram.

Mal a amiga disse isso e a sabe-tudo de Hogwarts voltou a atenção para os alunos inconscientes, esperando uma resposta que não veio. Seu olhar se demorou em Draco, sua imobilidade a preocupando. Ela teve que ir até ele para ter certeza que o garoto ainda respirava. Os outros viram aquela cena intrigados. Pelo menos os Weasley, já que Harry sabia a respeito dos sentimentos da jovem bruxa.

Quando Hermione se aproximou do grupo novamente, os desafiou com o olhar a dizer uma palavra que fosse sobre aquilo. Seu desespero era tal, junto com o medo de Draco morrer, que a última de suas preocupações era ser descoberta. Pansy checava o estado os amigos a cada dois minutos, então não seria ela a julgar. Por mais que tenha achado estranho, a sonserina estava suficientemente afastada para não ouvir uma palavra do que eles diziam.

Sendo assim, Pansy continuou a olhar para Blásio com uma expressão grave enquanto os grifinórios - ao menos os conscientes - quase podiam ouvir o cérebro de Hermione funcionar. Sua inteligência estava sendo testada, mas sua resistência emocional também. Lembrou dos livros que leu, das experiências vividas anteriormente e cada passo que a levou ali, até a enfermaria de Hogwarts naquele domingo. O silêncio foi quebrado por McGonagall, que se dirigiu aos alunos.

Vince olhou mais uma vez para Mary, decidido a ir até ela. Mais uma vez o professor foi vítima das circunstâncias, pois mal deu um passo e a voz irritada de Hermione pôde ser ouvida.

— Eu não vou. Desculpe, diretora, mas será mais fácil me expulsar de Hogwarts do que dessa enfermaria! - O tom decidido estava carregado de desafio, sinal que a garota não estava brincando.

— De novo não. - Vince murmurou baixinho.

Teria que lidar com outra mulher teimosa minutos após enfrentar a primeira. Ele ouviu algumas histórias sobre Hermione Granger quando voltou a Hogwarts, dessa vez com a intenção de lecionar. E somado ao que presenciou como professor, o que a garota disse não fazia sentido. Disseram para Vince que a frase “Podíamos ter sido mortos, ou pior, expulsos…” era dela. Sendo assim, aquele não parecia ser um dos melhores dias da moça das prioridades.

Enquanto ia até sua melhor aluna, o senhor Adams considerou que se terminasse aquele dia respirando seria um sujeito sortudo. Ignorando todos os outros, manteve certa distância do grupo e a chamou.

— Hey, sabe-tudo, venha aqui. - Notando a hesitação dela, tratou de tranquilizá-la. - Aqui, ainda na Ala Hospitalar. Venha, só quero conversar. Não vou jogar sujo com você.

Ela lhe lançou um olhar desconfiado, e após ver Harry acenando positivamente, seguiu Vince até um local afastado em que não seriam ouvidos.

— Senhor Adams, eu serei eternamente grata pela ajuda de hoje, mas não vou sair daqui. Isso não é negociável. - Sem conseguir se conter, a morena lançou um olhar preocupado a Draco antes de voltar a encarar o professor. Ela estranhou aquele sorriso triste, como se Vince a entendesse.

— Confia em mim, Granger?

— Sim, mas…

— Então me ouça. - Ele disse gentilmente, calando-a. - Eu estou passando por um dia de cão sem sequer conhecer muito bem essas pessoas, e sei que se formos comparar, seu estado deve ser muito pior. Eu respeito isso, acredite. Só quero chamá-la a razão novamente, até porque esse é nosso lado forte. Pelo que notei, não nos damos muito bem no que diz respeito a sentimentos. - Ele deu um risinho resignado. - Você será mais útil ao idiota loiro usando seu cérebro genial para se ocupar com outras coisas, além de checar de cinco em cinco minutos se ele ainda está respirando.

— Mas eu não… Quem disse que eu…? - Ela não seria capaz de terminar a sentença, mesmo se Vince não escolhesse aquele instante para falar.

— Do mesmo modo que não me incomoda a Mary não lembrar quem eu sou. - Ele não soube porque disse isso, a frase só saiu. Talvez a confissão tenha sido motivada pelo estresse acumulado ou só pelo professor ter encontrado alguém que também estava em uma situação delicada com o interesse romântico. Porque do jeito que Hermione agiu com Draco, Vince via aquela como a opção mais provável, mesmo os conhecendo a relação de gato e rato dos dois.

Ele não disse aquilo com a intenção de conquistar a confiança dela, uma vez que a aluna afirmou confiar nele antes. Mas foi o que aconteceu. Hermione não sabia o motivo, ainda mais depois do senhor Adams descobrir seu segredo, mas confiava absurdamente nele.

— Então o senhor… - A garota não sabia bem como continuar.

— Não há nada entre mim e ela, e pelo visto nunca terá. Também não vou contar nada sobre você e Malfoy. Mais alguma dúvida?

— Eu acho que não.

— Ótimo, Granger. Então use sua sempre bem-vinda sabedoria dos poetas bêbados enquanto tenta não se preocupar tanto com o Malfoy. Eu prometo, cuidarei dele. Deles, na verdade. Madame Pomfrey e Mary também estarão aqui, nós daremos conta.

— O senhor tem certeza? - Ela perguntou, uma centelha de esperança no olhar.

— Eu sempre estou certo, sabe-tudo. - Ele finalmente conseguiu arrancar um sorriso mínimo da garota, o que o deixou com a sensação de dever cumprido. - Temos um acordo?

— O pior é que temos.

Hermione respondeu e foi até o grupo que os observava com apreensão. Vince suspirou, cansado. Ainda distraído olhou na direção de Mary, que o avaliava com simpatia. O sorriso gentil que deu foi replicado por ela, fazendo o coração do homem perder uma batida. Apesar de toda a agitação, Vince finalmente poderia relaxar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!