Yellow - Dramione escrita por LeslieBlack


Capítulo 18
Ghost Story




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Hermione estava sentada nas escadas, encolhida e com a voz chorosa. Empunhava sua varinha distraidamente, mas ainda assim conjurava lindas rosas vermelhas. Com um movimento sutil, elas perdiam as pétalas rubras uma a uma até que as flores sumissem por completo. Só então recomeçava o processo. Durante todo esse tempo cantava pausadamente uma música até então desconhecida para a outra pessoa presente na Torre de Astronomia. Ela dizia as palavras de um jeito que mais parecia estar contando uma história para as rosas. O garoto só soube que se tratava de uma música devido ao ritmo das palavras e porque de vez em quando Hermione batia a mão livre no degrau frio.

Maybe I'm just a ghost

(Talvez eu seja apenas um fantasma)

Disappear when anybody's close

(Desapareço quando alguém está por perto)

Go through you when you try to hold

(Passo por você quando você tenta me trazer)

Try to hold me near

(Tenta me trazer para mais perto)

Maybe I'm just a ghost

(Talvez eu seja apenas um fantasma)

Emptier than anybody knows

(Mais vazio do que as pessoas pensam)

Maybe I'm on the ropes

(Talvez eu esteja me equilibrando em uma corda)

Or I'm not even here?

(Eu estou mesmo aqui?)

Yeeah

Every time I try to walk through walls  

(Toda vez que tento atravessar paredes)

More walls appear

(Mais paredes aparecem)

What's the point in feeling love for you

(Qual é o sentido em amar você)

When you don't believe I'm here?

(Quando você não acredita que estou aqui?)

What's the point in trying to raise your voice

(Qual é o sentido em tentar levantar a sua voz)

If no one ever hears?

(Se ninguém nunca ouve?)

Every time I try to pull you close  

(Toda vez que eu tento te aproximar)

You disappear

(Você desaparece)

Maybe I'm a ghost

(Talvez eu seja um fantasma)

Just a whisper in a puff of smoke

(Apenas um sussurro em um sopro de fumaça)

A secret that nobody knows

(Um segredo que ninguém sabe)

No one will ever hear

(Ninguém nunca vai ouvir)

Oh, maybe I'm a ghost

(Oh, talvez eu seja um fantasma)

A spectre on a rollercoaster

(Um espectro em uma montanha russa)

A thorn without a rose

(Um espinho sem uma rosa)

Something people fear

(Algo que as pessoas temem)

Draco Malfoy estava a pouca distância da garota que distraída, nem o notara. Enquanto olhava para o corpo encolhido naquele lugar afastado do castelo, um sorriso triste lhe tomou o rosto. O sorriso típico de Draco costumava ser de lado, apenas metade do seu corpo reagindo ao que fosse. Seus sorrisos não costumavam ser sinceros, aqueles lábios pareciam ter sido esculpidos para dar sinais de ironia, deboche ou desprezo. Nem ele podia lembrar a última vez em que deu um sorriso por motivo ligeiramente feliz. Quando seus lábios se repuxavam, ele sequer tinha um sentimento completo.

Voltando ao presente, a tristeza que sentiu vendo aquela situação lamentável para alguém com a força da garota, era pelo quão certa ela estava sem que tivesse a menor ideia disso. Hermione tinha razão, ela era um segredo que ninguém sabia e nem iria saber. O seu segredo.

Sem contar que Draco conhecia a sensação de se considerar um fantasma. Além da aura cinzenta deles, tinha a questão de serem translúcidos. Era como se as pessoas pudessem entender rudemente o que o garoto era, no caso um ex-Comensal da Morte - embora a parte do "ex" geralmente ser esquecida - e o olhar delas passar através do sonserino, o atravessar. Ninguém nunca conseguiu ver dentro dele, nem sua mãe. Talvez só Hermione, mas poderia ser impressão.

Atento, olhou novamente para a garota que estava fazendo o mesmo que antes e perguntou-se mais uma vez se tudo aquilo era imaginação. Ele havia passado há muito da época de fingir a si mesmo que a garota de cabelos revoltos não tinha a menor influência sobre a sua pessoa. A verdade é que ele admitia para si o que já sabia há um bom tempo: se corações podiam ser roubados, e se o mais novo dos Malfoy já teve um, ele era de Hermione. Roubado ou dado, não fazia diferença. Já pertencia àquela grifinória há tempo demais. Não havia realidade ou devaneio diferentes, porque até nos sonhos era assim que ele todo se sentia: dela.

Draco sabia, principalmente por causa dos livros, que pessoas apaixonadas costumam ver sinais em tudo. Ele não queria ser esse tipo de pessoa boba e iludida. Não queria, por exemplo, associar o fato de exercer algum poder sobre Hermione, algo que parecia diferente da implicância ao longos dos anos. Até porque ela se incomodou o suficiente para vencer o orgulho e defendê-lo de preconceito no orfanato. Quem sabe fosse isso, o fato de ela defendê-lo sempre que tem oportunidade que o deixava em dúvida se não estaria vendo algo que não existia. Poderiam ser inclusive aqueles olhos esperançosos e gentis em sua direção ultimamente que lhe deram a coragem de estar ali agora.

Com essas lembranças veio à mente o nome "Montecchio", que o fez amarrar a cara e quase sair do local em que estava. Potter com certeza sabia do que aquilo se tratava, mas não era como se Draco fosse perguntar, tampouco o grifinório responder. Era óbvio que o tal sujeito era alguém importante para ela, e isso o incomodava sobremaneira. Não era o mesmo desconforto que Potter ou Weasley já causaram, pois ao menos eles tinham rosto. O tal Montecchio era um verdadeiro mistério.

Decidido a abandonar esses pensamentos confusos e aproveitando que a música parecia estar acabando, Draco desceu os degraus silenciosamente e esperou que Hermione parasse definitivamente de cantar. Enquanto isso a olhava com toda a atenção.

And every time I find I'm off the walls

(E cada vez que eu acho que ultrapassei as paredes)

It's all becoming clear

(Tudo vai ficando mais claro)

Every time I try to pull you close  

(Toda vez que eu tento te aproximar)

You disappear

(Você desaparece)

Every time I try to pull you close

(Toda vez que eu tento te aproximar)

You disappear

(Você desaparece)

— Granger, você por aqui? - Ele disse em seu tom casual, como se tivesse ido parar ali por acaso. - Falando de fantasmas desse jeito eu poderia jurar que se tratava do Pirraça. Ou pior, da Murta. - Draco observou uma rosa que jazia no chão enquanto aguardava a resposta. Diante do silêncio da garota, sentou-se ao lado dela e continuou. - Seus amigos desapareceram?

— Eu que desapareci, fugi deles. E de todo mundo, aliás. - A sugestão implícita estava evidente em sua voz.

— Francamente, Granger. Já deveria saber que não é fácil assim me expulsar.

— Deixe-me adivinhar... Você não pretende ir a lugar algum?

— Exato.

— O azar é seu. Quero dizer, nosso. Não vou sair daqui também, você é muito folgado.

— Ah, então é isso? - Draco perguntou, divertido - Vai se torturar com a minha presença só para me ensinar uma lição?

Hermione colocou os cotovelos sobre os joelhos, e as mãos espalmadas lhe serviram para esconder o rosto.

— Estou cansada, Malfoy. - Disse no que pareceu ser um último pedido. Entendendo a gravidade da situação, o Malfoy em questão continuou a conversa com cautela.

— Então por que não conversamos sobre isso?

Ela o olhou, incrédula, mas sem forças para procurar em seu cérebro um motivo para o garoto estar fazendo isso.

— Está brincando? Pois se essa não é uma nova tentativa de me humilhar, na melhor das hipóteses está com pena de mim. Eu dispenso. - Cuspiu as palavras do jeito mais grosseiro possível devido à sua condição. Era um ato desesperado para se proteger, não dispunha de muita energia. Estava prestes a voltar atrás em sua palavra, pois se levantou e estava prestes a ir embora. Porém, uma mão excessivamente pálida segurou seu pulso e gentilmente a puxou de volta.

— Não estou brincando com você, está certo?

Hermione lhe olhava desconfiada, mas Draco sabia por algo nas orbes castanhas que ela não iria embora. Curiosidade? Não, não era a sabe-tudo de Hogwarts ali, só uma garota perdida. Talvez fosse só cansaço, como ela disse. O Príncipe da Sonserina não apostaria um galeão naquilo, já que o olhar de Hermione carregava o mundo naquele momento. Eram tantos sentimentos que nem ela conseguiria enumerá-los.

O garoto quis muito pedir perdão a ela naquele momento, finalmente dizer o quanto estava arrependido por tudo o que fez, por cada olhar feio que lançou. E também explicar que a atitude não era originada pelo grande amor que sempre sentiu, embora até agora não se permitisse... amá-la. Era puro remorso, pois muitas vezes se arrependia da ofensa no momento em que ela saía de sua boca. Algumas vezes Draco queria odiá-la e ser odiado na mesma medida, em outras a atitude agressiva era mais forte que ele. Mas não disse nada disso. O mais próximo que conseguiu chegar de zerar sua situação com Hermione foi perguntando algo que o incomodava há tempos.

— Por acaso vai me odiar para sempre, Granger?

— Eu não odeio você. - Ela respondeu rápido demais. Foi tão involuntário quanto respirar.

— Não?  

Draco estava com o cenho franzido, confuso, mas com um sorriso bobo ameaçando enfeitar-lhe o rosto. A grifinória mais admirada da atualidade não soube disso, já que encarava o chão depois de sua resposta impensada. Mais especificamente uma parte em que uma rosa solitária descansava.

— Não, Malfoy. - Disse de uma forma mais contida dessa vez, e finalmente encontrando as orbes cinzas que lhe fitavam com expectativa. - Eu não odeio você. Acho que durante todo o tempo em que nos conhecemos, te odiei por bem menos tempo do que imagina. Acho que apesar de tudo, o desprezo sempre teve um papel mais ativo, sabe?

As palavras seguintes de Draco vieram com uma risada fria e sem humor, beirando o cruel.

— Claro. Então você é nobre demais para me odiar, talvez porque só as pessoas más têm esse sentimento, e o que sente por mim é desprezo. Confesso que prefiro o ódio, mas obrigado por esclarecer isso.

— Você não entendeu. - Olhou em direção ao céu, claramente frustrada. - Mas também, como poderia? Muitas coisas nem mesmo eu entendo.

— Inclusive sobre mim?

— Sim.

Então Draco estava errado. Hermione não via como ele era por dentro, afinal.

— Bom... Estamos sozinhos aqui. Pergunte o que quiser, ninguém em sã consciência acreditaria que eu te disse algo. Só não garanto ser um livro aberto para você.

— Minhas dúvidas não morrerão com suas respostas. Eu sei que sinto algo forte e ruim por você, que ainda hoje resta um pouco de despeito pelo seu jeito sempre tão metido. Que desprezo tanto esse seu sorriso debochado que... Céus! Eu poderia te estrangular por causa disso.

— Uau! Sinceramente, Granger... E você ainda diz que não me odeia? - Ele disse isso com um sorriso tão bonito que Hermione não teve opção que não sorrir também.

— Você vai ter que aceitar minha palavra, Doninha.

Draco sorriu ainda mais e concordou com a cabeça. Olhou para a frente naquele momento, e qual não foi sua surpresa ao ver uma estrela cadente. Arregalou os olhos e pegou na mão de Hermione, a chamando como se a garota estivesse a vários metros de distância.

— Granger! - Olhou para ela com expectativa para logo em seguida voltar sua atenção para o céu. - Veja aquilo, Granger!

E Hermione olhou. Uma estrela cadente que fazia seu caminho em meio a tantas estrelas ali imóveis, costuradas no manto celeste. Sorriu e apertou a mão que ainda segurava a sua.

— Sim, Malfoy. É uma estrela cadente, faça um pedido.

— E por que eu faria isso?

— Vamos, confie em mim. Só aproveite o momento, eu prometo explicar tudo depois. Não temos muito tempo, então só olhe a estrela passear pelo céu. - Os dois faziam o que a garota anunciava sem terem precisado combinar nada antes. - Feche os olhos e faça um pedido. Agora abra os olhos e veja a beleza em sua forma mais pura, que é o estado natural.

Hermione tinha um lindo sorriso lhe adornando os lábios, mas os olhos estavam extasiados acompanhando o movimento do corpo celeste. Já Draco fez tudo o que ela disse no momento em que as palavras foram pronunciadas. As mãos de ambos ainda estavam entrelaçadas, e quando Hermione pediu que o garoto abrisse os olhos, assim ele o fez. Olhava a estrela cadente queimar o céu em sua descida, mas quando lhe foi pedido para ver a beleza em sua forma mais pura, automaticamente virou-se para ela. Viu primeiro os olhos de Hermione brilhando mais do que se carregasse todas as estrelas nas orbes castanhas. Ao descer minimamente a atenção, notou a boca entreaberta que exibia um sorriso sereno. Então o frio alojado na barriga de Draco subiu mudando drasticamente a temperatura, até se tornar um calor no peito. Pela primeira vez em muito tempo, ele dava um sorriso completo e sincero, pois era assim que se sentia com ela.

— É realmente muito linda.  

Ele disse, estranhamente tímido. Quantas vezes não imaginou beijá-la e usar sua boca para calar a dela? Tantas e tantas vezes que jamais se deu ao trabalho de contar, apesar de saber que os números, assim como o que sentia pela grifinória, não eram coisas finitas. E por mais que o desejo de beijá-la ainda estivesse ali, o garoto não ousaria desfazer aquele sorriso uma outra vez. Merlin, que Hermione Granger continuasse sorrindo, mesmo que não para ele.

Aquela grifinória era seu segredo, o desejo oculto. Draco estragou a própria vida de várias formas diferentes, concordou em ser destruído. Mentiras, desrespeito, preconceito, egoísmo... Deixou que cada falha levasse um pedaço de si, já não sobrava muita coisa. Mas desde cedo aquela garota foi uma parte dele também, então em determinado momento o sonserino se agarrou ao último pedaço de sua alma e a protegia com a própria vida. Então não seria ele a acabar com um sorriso tão puro.

Independente do que acontecesse no futuro, ele sabia que se seu "eu" mais velho tivesse a oportunidade de viajar no tempo, deveria voltar para aquela noite. Pois Draco Malfoy, que passava as noites observando Hermione Granger olhar as estrelas, não estava mais na Torre de Astronomia sozinho. Naquele segundo que se estendeu para sempre, a garota olhava para o céu e sorria. Draco olhava para ela e repetia o gesto. Ele, que não costumava sorrir. Naquele pequeno círculo, o tempo era algo secundário.

Se o manto azulado salpicado de estrelas pudesse revelar seus segredos, expôr os corações apaixonados ou ao menos dar-lhes coragem para viver o sonho, e não temê-lo... Aquele céu tão comum a alguns guardava grandes segredos e sentimentos atrás do brilho. Sentimentos outrora obscuros, escondidos. A paixão agora estava nítida no olhar, bastava se encararem.

O sonserino abaixou a cabeça para se recompor, tentar parecer com algo mais próximo ao que Hermione estava acostumada. Então notou um pequeno livro perto dela, a garota usou uma rosa ressecada para marcar onde parou na leitura. Draco então pegou o livro e o analisou discretamente. “O Amor é um Cão dos Diabos”, dizia a capa. Ele simpatizou instantaneamente com o tal Charles Bukowski ao analisar o título. Ao abrir no lugar marcado, o bruxo achou um pergaminho solto onde pôde ler o título “Bluebird”. Hermione o olhou nesse momento e pegou o livro de volta.

— Desculpe, foi o hábito. Às vezes o Harry faz isso e declama os poemas a plenos pulmões, eu quase morro de vergonha. Posso te emprestar, se quiser.

— Esse Charles Bukowski é o autor, certo?

— Sim. E antes que pergunte... Sim, é um trouxa. Ele escreve muito bem. Não é o que importa quando vamos ler um livro?

— Costuma ser. E meu problema com ele ser um trouxa é que... Bom, não sou especialista no assunto. É mais provável que eu não entenda muito.

— Pode me perguntar o que quiser, garanto que não é tão difícil quanto parece. Se não quiser arruinar sua reputação sendo visto comigo - Hermione brincou. - minha janela estará aberta para o caso de uma coruja me procurar. Quem não orientaria uma coruja com dúvidas, não é mesmo?

— Vou pensar no assunto, está bem? - Disse ele já segurando o livro novamente. Mal sabia ela que Draco leu o começo do poema que dizia “Há um pássaro azul em meu peito que quer sair, mas sou duro demais com ele”, e que o garoto, assim como o autor e ela própria, tinha um pássaro azul no peito também.

Então a madrugada avançou lentamente, enquanto diversos assuntos vinham. O garoto conheceu a crendice de fazer pedidos a estrelas cadentes, conversaram sobre mitos em geral, literatura, sem nunca falar deles. Quando o silêncio tomou conta do lugar, não foi desconfortável. Foi em um silêncio contemplativo que o sol que havia morrido no fim da tarde anterior renasceu. Sob o azul pontilhado de estrelas, o laranja avermelhado e o amarelo, Hermione adormeceu. Draco, que vigiava seu sono por alguns minutos, conjurou um colchão, travesseiro e cobertor. Apesar do cansaço, arrumou as coisas manualmente em um canto seguro. Ela não cairia de vários metros caso acordasse assustada, por exemplo.

Poderia ter conjurado uma cama, mas mesmo com os sentidos embotados pelo sono e cansaço do dia anterior, lhe sobrava um pouco de discernimento. Hermione desconfiaria de muita gentileza. Pensou em levitá-la com magia até onde seria o local de descanso, mas desistiu. Quando teria uma chance como essa de novo? O sorriso triste significava “nunca”.

Então tomando todo o cuidado do mundo, trouxe a cabeça dela para o seu peito e passou um braço por baixo dos joelhos da garota. Ao ficar em pé com Hermione em seu colo, Draco teve que segurar a emoção quando ela imediatamente se aconchegou em seus braços, encostando mais em seu peitoral e segurando minimamente sua blusa branca já amassada.

A mão de Hermione estava perto do brasão da Sonserina, outra coisa que os afastava. A garota murmurou algo ininteligível e Draco não conseguia tirar os olhos dela. O sonserino verbalizou baixinho a dúvida que tinha há tantos anos, mas que a resposta lhe doía ainda mais aquela noite.

— Será que um dia você será minha?

Ele perguntou confuso, os sentimentos conflitantes o fazendo sentir novamente aquela angústia. Draco não esperava uma resposta, e tampouco a recebeu. No fundo do seu coração sabia que o desejo que fez à estrela cadente era impossível de se realizar, ele e Hermione não ficariam juntos. Na hora de pedir pensou algo como “Que mal pode fazer algo tão bobo?”. Mas agora, algumas horas depois, viu o quão doloroso era viver sonhando e se esquecer de viver.

O cheiro dela o inebriado aos poucos ao longo daquelas doces horas, o jeito que os cachos caíam delicadamente, sua boca entreaberta… Ela era simplesmente perfeita. Draco não merecia a perfeição, e merecia menos ainda Hermione Granger. Desejando uma boa vida àquela grifinória irritantemente inteligente e audaciosa que estava acomodada em seus braços, ele reuniu sua coragem e a colocou delicadamente em cima do colchão.

Não podia acordá-la, por isso a cobriu sem pressa enquanto desejava que as coisas tivessem sido diferentes. O loiro quase fez um carinho na bochecha de Hermione, mas hesitou e desistiu a tempo. Entretanto, a pulsão por demonstrar seu carinho de alguma forma, mesmo que ela nunca ficasse sabendo, foi mais forte que a voz da razão insistindo para Draco sair dali. Um afago mínimo na bochecha dela, isso foi tudo o que o bruxo se permitiu. A luz do luar, iluminando o belo rosto moreno, a deixava ainda mais encantadora. O sorriso triste de Draco era de partir o coração de quem porventura o visse, isso porque o dele estava assim. Levantou-se e saiu de perto dela devagar, indo em direção a saída da Torre de Astronomia.

Enquanto isso, aquela que todos conheciam por bruxa mais inteligente da sua idade, sorria serena em meio ao sono tranquilo. A paz que lhe inundava permitiu que ela se sentisse ainda mais apaixonada pelas imagens que passavam em sua mente. Em seus sonhos, um sorriso ladino e lindo preenchia o rosto alvo. Os fios loiros estavam em um emaranhado que lhe dava vontade de pegar. Os olhos de tempestade que tanto fascínio causavam lhe encaravam. Também havia o cheiro de grama recém-cortada e de uma companhia que cheirava a livros. Seu perfume era inebriante, mesmo sem ser forte. Nem mesmo no sonho a beleza de Draco a deixava em paz. Mas aquela era uma guerra tão gostosa que Hermione certamente aceitaria perder.

E aquele estado entre a inconsciência e a lucidez aos poucos foi se modificando, trazendo a garota de volta à realidade. Ao abrir os olhos, a primeira coisa que notou foi o aroma delicioso que ainda a cercava. A segunda, foi que estava sobre um colchão posto no chão de pedra. Procurou pelo único que lhe acompanhava momentos antes, o único que ela queria ver naquele instante.

Tomada pela total ansiedade, seus olhos o encontraram indo embora e a grifinória não pôde controlar os próprios impulsos. Simplesmente não podia deixá-lo ir. Levantando-se de forma desajeitada, ela o chamou.

— Draco?

Draco Malfoy, que andava a caminho da saída da Torre de Astronomia, estacou de chofre. Seu medo era que Hermione tivesse escutado as palavras mais reveladoras que já ousou dirigir a ela. A própria voz retumbou em sua mente, quase o fazendo se arrepender. “Será que um dia você será minha?”... Era errado não querer ouvir um não como resposta? Porque Draco temia que se ela tivesse ouvido a frase, era o que iria receber. Apesar do susto e da apreensão por notar que Hermione estava acordada, virou-se e encontrou os olhos dela, só então percebendo que a garota chamou seu nome. O coração parecia dar cambalhotas dentro do peito quando ele caminhou em sua direção.

— Sim? - Perguntou enquanto seus olhos encontravam aquela imensidão marrom, que o fazia sucumbir aos próprios sentimentos.

— E-eu... - Ela começou ainda sem jeito pela proximidade de ambos. Em se tratando de distância, apenas dois passos os separavam. A coragem que lhe auxiliou a dar o próximo passo, ela não sabia de onde veio. Pegou nas mãos dele e tentou desviar o olhar para baixo. - Obrigada por fazer essa noite tão, tão melhor do que imaginei depois de todos aqueles discursos. Foram tantas lembranças... - Ela concluiu, sincera.

Sua doçura e beleza, ou talvez fosse apenas o jeito meigo de menina que precisava ser protegida pelo mundo, fez com que Draco sentisse vontade de abraçá-la. O choque elétrico anda percorria seu corpo, com o toque inusitado das mãos tão pequenas e macias que ainda seguravam as suas.

— Eu é quem devo agradecer. - Sua voz não passava de um sussurro, sua respiração ficando descompassada. De repente, ele não queria mais pensar em nada. Foda-se o mundo ou quaisquer outras questões. - Agradecer e pedir desculpas.

Ela levantou o olhar, agora confusa. Seu rosto a centímetros do dele. Foi quase impossível resistir ao impulso de olhar para os belos lábios.

— Desculpar por quê?

— Por isso…  

Antes que ela pudesse calcular os movimentos seguintes, Draco segurava seu rosto delicadamente. Os lábios colados aos seus e a outra mão repousando em sua cintura, fazendo uma leve pressão. Totalmente extasiada por sentir seu gosto, ela cedeu imediatamente quando a língua pediu passagem e explorou cada canto de si. Menta. Misturado com um verdadeiro doce que ela jamais saberia distinguir.

Naquele momento nada mais importava, ambos entregues a uma força avassaladora. O beijo de descoberta, tão diferente de todos que já deu ou recebeu dos outros garotos, agradava Hermione de um jeito que ela não conseguia entender. O beijo de Draco era único, tinha toda uma delicadeza e sincronia que a deixava ali, nos braços dele. O garoto estava igualmente entregue e extasiado.

Temia fazer um movimento em falso e acordar em sua cama, tamanha a sua felicidade. Aquilo era bom demais pra ser verdade. Nem em seus sonhos mais loucos pensou vê-la tão entregue e o aceitando tão completamente. Enquanto a beijava, era como se não tivesse pensamentos. Ele todo estava carregado de emoções. E não era por ser ela ali, sua rival desde criança. Não era pelo fato do proibido ser mais emocionante, ela não era um mero conceito para o garoto. Se sentia em êxtase por ser Hermione, a garota que ele gostava há tanto tempo.

Não haviam mais distâncias, pudor ou medo. Tantos sentimentos que tinha ultimamente se esvaíram, só existia o momento. E especificamente naquele, Hermione passava lentamente a mão na nuca de Draco, permitindo-se finalmente acariciar os cabelos loiros e sedosos que habitavam seus pensamentos.

A grifinória decidiu que queria, que estava na hora de anos de medo darem lugar à mais plena felicidade. Tomando os lábios do garoto para si, ela expressou a pureza de seus sentimentos em um beijo lento, preciso e carinhoso. Já que não podia gritar ao mundo o que se passava em seu coração, nada melhor do que mostrar. Nem mesmo Hermione seria capaz de pôr em palavras o quão melhor o simples gesto era.

Draco fazia carícias mínimas em seu rosto, com uma delicadeza que não condizia com a intensidade dos sentimentos que tinha. Ele todo era só sensações. Céus, qual a necessidade de respirar quando se poderia estar fazendo isso? Algo na cabeça dele até tentava o alertar que isso era errado e que deveria sair dali o mais rápido possível, mas já estava muito embriagado pelo perfume dela, pela sensação de sua mão nos cabelos revoltos, naquela textura. Se tivesse forças para pensar agora, riria de si por achar que um dia Hermione já tinha o levado à loucura, pois definitivamente nada se comparava àquele momento.

A lua ainda estava no céu, mas agora não passava de um círculo opaco. O azul do céu já estava consideravelmente mais claro quando o majestoso primeiro beijo do casal apaixonado foi aos poucos chegando ao fim. Algumas estrelas, curiosas, permaneceram o bastante para presenciar um distanciamento mínimo e necessário entre aqueles dois.

Com as respirações descompensadas, ambos se encararam mais uma vez. O brilho novo e indefectível no olhar não podia ser ignorado. Hermione estava desconcertada, a timidez deixando suas bochechas coradas. Achando isso muito bonito, Draco sorriu, feliz. A tempestade de seus olhos se acalmou quando o sonserino passou o polegar no lábio inferior de Hermione. Ela ainda o olhava, atônita, quando o garoto se aproximou mais uma vez para dar-lhe um beijo casto na testa. Se divertindo com a expressão da sabe-tudo de Hogwarts, ele sorriu mais uma vez.

— Boa noite. Espero que possamos nos ver mais tarde.

Quando terminou de falar, pegou o livro que estava ali perto e saiu da Torre, deixando Hermione confusa. Algumas coisas nunca mudam, eles estavam certos disso. Mal sabiam que a certeza nem sempre era a coisa mais coerente em se tratando de sentimentos. Até mesmo dois raios são capazes de atingir o mesmo lugar, por mais que a probabilidade seja menor. Até mesmo Leoa e Serpente podem ficar juntos.


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