Através do Tempo - Entre Vidas escrita por Biax


Capítulo 38
XXXVIII – Frágeis




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Ao contrário do que Rebeca achou, a casa era um chalé de madeira de dois andares em “V” de ponta cabeça. A madeira escura contrastava com as molduras das janelas e portas que tinham um tom de branco desgastado. Havia canteiros de flores no jardim, com um corredor de pedras até as escadas da varanda.

— Quando eu vi essa casa, não pensei duas vezes antes de pegá-la — falou Isabel, um tanto nostálgica.

— Por quê?

— Porque ela é igual a uma casa onde você morou, e eu sempre fui apaixonada por ela. Tenho quase certeza de que alguém copiou a construção.  — Deu risada, começando a caminhar pelo caminho entre as pedras.

— Então foi alguém daqui, não? Já que humanos não vêm para cá.

— É, parece que sim.

Na varanda, havia um conjunto de cadeiras de balanço, alguns vasos de flores e enfeites pendurados nas ripas de madeira do telhado, o que fez Rebeca achar ainda mais cômico. Assim que entraram no chalé, observou tudo. O espaço não era muito grande e logo próximo da entrada tinha uma escada em espiral. À direita, havia uma sala de estar, em anexo, à frente, um escritório. À esquerda, uma sala de jantar, onde dava para ver uma cozinha no cômodo da frente.

Mais uma vez, Rebeca se surpreendeu, fazendo Isabel sorrir com sua reação. 

— É normal, não é?

— Sim… É engraçado como é tão… humano.

— Eu queria que fosse assim. Como disse antes, eu era apaixonada pela casa que você morou e decorei o mais parecido possível. Claro que tive que acrescentar algumas coisas, como um banheiro, colocar algumas paredes e tal.

— Você reformou tudo?

— Sim. A fachada e modelo do chalé eram iguais, mas parte do interior, não.

— Entendi… E quando foi isso? Quando eu morei na casa?

— Eu te “conheci” — Fez aspas com os dedos. — Em 1800 e você tinha dez anos.

— Não era cansativo? Você me encontrava, virávamos amigas, vivíamos e eu morria, e você só me achava de novo anos depois, e assim sucessivamente…

— Claro que não — exclamou, fingindo estar brava. — Era sempre como se fosse a primeira vez. O engraçado é que mesmo que eu te conhecesse como a palma d minha mão, você sempre me ensinava coisas novas.

— Eu sempre fui igual? — perguntou sorrindo, curiosamente.

— Não completamente. Alguns traços sempre mudavam. Às vezes, você era tímida demais, até depois de adulta, e em outras, era completamente dada, como em sua vida em Veneza.

— Rebecca... — pensou em voz alta, lembrando como ela tinha se atirado para Gabriel.

— Sim. E olha que na época, as mulheres eram muito reprimidas a se comportar, e Rebecca apanhou muito dos pais e avós. Eu tinha muita dó dela... E, apesar disso, ela nunca deixou de ser daquele jeito.

— Uau...

— Alguns traços mudavam, mas sua essência não. Sempre foi altruísta e sempre se preocupou em ajudar qualquer um que precisasse. Bom, nessa vida você pegou os traços dos seus pais, como ser direta e muitas vezes grosseira. — Deu uma risadinha.

Rebeca deu de ombros. — Fazer o quê.

— Não importa quais seus traços da vez, você é a minha Rebequinha para sempre.

— Fico feliz por você sempre me achar. — Sorriu, sinceramente, segurando a mão de sua amiga.

— E eu fico por sempre te achar.

— Quanto amor, me sinto até sufocado aqui. — Uma vez estranha disse. Ambas procuraram de onde vinha, e seus olhos pararam no mezanino do segundo andar, se deparando com um homem de cabelos pretos e longos e pele acinzentada.

— Como você entrou aqui, seu ixtho? — Isabel indagou, surpresa e enraivecida.

— Nossa, ela ficou brava — debochou, se apoiando no balaústre. — A janela estava aberta.

— Você só pode estar de brincadeira. — Apertou as pálpebras com as pontas dos dedos, suspirando.

Ele sorriu abertamente. — Certo, estou brincando. Entrei pela porta mesmo, estava destrancada.

— Ignora que ele vai embora — disse Isabel, revirando os olhos, impaciente.

— Poxa, não vai me apresentar a sua Rebequinha? — A garota humana se assustou com a repentina aparição do rapaz em sua frente. De perto, notou que seus olhos tinham as íris de uma cor violeta rosada. Sua pele cinzenta parecia tão macia quanto um pêssego, o que lhe proporcionava um ar inocente e sombrio ao mesmo tempo.

— Pode parar. — A morena puxou Rebeca, que percebeu estar encarando o homem.

— Parar com o quê?

— Eu te conheço muito bem e felizmente sou imune aos seus encantos. Não vou deixar você fazer isso com a minha amiga.

— Você deve estar me confundindo com outra pessoa. E já que você foi mal-educada, vou me apresentar. Meu nome é Ludevik, muito prazer. — Ergueu as mãos com a palma para cima, como se pedisse algo. Rebeca observou sem entender, ainda encantada por sua beleza.

— Nem pense nisso. — Isabel deixou Rebeca de costas para ele, a abraçando como se ela fosse uma criança vulnerável.

— Espera, ela é de Dyotrr? — Ele perguntou, boquiaberto.

— Te interessa? — respondeu evasivamente, puxando a menor para a cozinha, sendo seguida por ele.

— Se eu perguntei, é claro que sim. Foram poucas as vezes que eu vi um dyotrreini de perto.

— O que é isso? — Rebeca questionou sussurrando, enquanto atravessavam uma porta para fora.

— É como chamamos os humanos aqui.

— Vamos lá, Isabel, deixe de ser chata... — resmungou Ludevik, parando de falar quando as duas alcançaram alguns arbustos e Isabel arrancou algumas flores roxas.

— Melhor você ir embora. — Indicou as flores, ameaçadoramente.

— Por que essa agressividade toda? — Ele espantou-se, recuando alguns passos. Rebeca estranhou aquela reação, como se aquelas flores fossem armas de fogo.

— Porque você não me deixa em paz, por isso. — Começou a caminhar em direção a ele.

— Eu não quero brigar.

— Agora você não quer? — ironizou. — Que engraçado.

— Eu só quero conversar com ela um pouco, o que tem de errado nisso?

Isabel direcionou seu olhar a mais nova, questionando silenciosamente se estava tudo bem por ela. Como a garota estava muito curiosa sobre o rapaz, acenou afirmativamente, o fazendo sorrir.

— Eu não mordo, sabe — comentou Ludevik, saindo da posição de defesa.

— É, sei — retrucou Isabel, baixando as flores. — Se você fizer qualquer gracinha, é melhor sair correndo.

— Sem gracinhas, prometo.

Como as coisas se acalmaram, Rebeca se permitiu analisar o espaço atrás da casa. Um jardim pequeno e retangular, cercado por arbustos de flores e árvores diversas. Próximo à saída, havia somente uma mesa de madeira de piquenique sobre a grama bem aparada.

Ludevik se sentou no banco, chamando a atenção da garota. Ao notar que era observado, fez um gesto para o banco oposto, para que se juntasse a ele. Quase de forma automática, Rebeca foi até lá, se sentando de frente a ele. De canto de olho, viu Isabel negando com a cabeça.

Como se estivesse orgulhoso de seu feito, o rapaz sorriu brevemente, ao ver que Isabel foi se sentar ao lado da garota, de forma protetora.

— Então... Rebeca. — Ludevik a olhou, cruzando os dedos sob o tampo. — Você é mesmo uma dyotrreini?

— Sim... — respondeu um pouco envergonhada, de repente, por falar com ele mais de perto do que antes. — E você?

— Eu? Eu sou turnkstein. Ou como falam aqui, sou turnksreini.

— Tem a ver com a Planície de Turnks?

Ele arregalou os olhos. — Você conhece...?

— Claro que não — interrompeu Isabel, como se fosse óbvio.

— Então como ela sabe? — Ambos se encararam.

— Eu ouvi o Tempo falando, uma vez. Ele disse que queria levar uma moça nesse lugar, e quando eu perguntei o que era aquilo, Ethan o fez parar de falar.

— Ah... — Ludevik respirou aliviado.

— O que é esse lugar, afinal?

— Turnks é a dimensão considerada mais... bonita e atrativa, digamos assim. A natureza daquele lugar faz com que estrangeiros se sintam... apaixonados. Especialmente nas colinas, onde o efeito é mais intenso.

— Então... quem mora lá não é afetado?

— Não da mesma forma. Nós... nascemos com essa natureza que afeta qualquer um que esteja por perto. — Deu um pequeno sorriso, convencido, fazendo Rebeca corar e desviar o olhar, começando a compreender o porquê se sentia daquela forma perto dele.

— Para! — Isabel deu um tapa leve na mesa, o fazendo ficar sério novamente.

— Eu faço sem perceber, desculpe.

— Então se concentra! — esbravejou, apontando para as flores ali perto.

— Por que você tem medo? — Rebeca questionou, tentando retomar o assunto com ele.

— Não é medo. Essas flores são tóxicas para mim e meu povo.

— É como o chumbo para vocês — explicou Isabel —, só que pior e mais rápido para matar.

— Não é muita maldade você ameaçá-lo desse jeito...?

— Claro que não. Você não falaria isso se convivesse com ele.

— Acontece que Isabel não gosta de companhia, tirando a sua, provavelmente — resmungou Ludevik, puxando seus cabelos para trás. — Ela prefere se isolar do mundo e quando ele aparece, ela ignora completamente ou foge.

— E quem é você para falar de mim? — Isabel disparou, irritada. — Você acha que me conhece, mas não sabe nada.

— Bom, parece que eu toquei na ferida — provocou, admirando suas unhas.

Isabel fechou as mãos em punho e levantou rapidamente, quase correndo em direção aos fundos, sumindo entre as árvores.

O que diabos deu nela...?

— Posso não conhecer muito, mas sei o suficiente — sussurrou Ludevik, seriamente.

— Por que ela... — Rebeca se virou para ele, sentindo a voz falhando ao encará-lo.

Seus olhos violeta-rosado a analisavam como se conseguissem enxergar tudo, da mesma forma que Ethan fazia. Rebeca sentiu-se desprotegida, mesmo sem saber se ele também tinha a habilidade de ler mentes.

— Vocês realmente são tão... frágeis — comentou, pensativo. — Eu estou, literalmente, sem fazer nada, e ainda assim...

Rebeca queria dizer que ele não tinha culpa, porém, não conseguia. Não entendia por que estava tão deslumbrada com Ludevik a ponto de não conseguir ordenar seus pensamentos. Seus instintos estavam bagunçados. Ao mesmo tempo que ela queria se esconder, queria ficar ali, apenas observando aquele ser.

Ludevik desviou o olhar, querendo perder o contato, entretanto, Rebeca não deixou de observá-lo. Ele se levantou e, por reflexo, a garota o imitou.


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