O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 37
O aniversário - Kishan




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758448/chapter/37

Deixei Kelsey e Ren conversarem sozinhos, mas não fiquei longe. Ren não se lembrava dela e parecia irritado com sua presença. Ele chegou a rugir para ela quando estava na forma de tigre. Eu tinha medo de que ele a machucasse, de alguma forma. Caso ele fizesse isto, eu estaria perto para cuidar dela.

Depois de algum tempo, Kelsey gritou desesperada e eu corri até ela, pronto para atacar Ren, se fosse necessário. Ela acabara de descobrir sobre a falta de memória dele e estava arrasada. Kadam tentou consolá-la enquanto Ren dava de ombros. Ele disse que procuraríamos uma cura para o problema e que iria atrás de Phet, para ver se ele podia nos ajudar. Mas Ren saiu da sala irritado, deixando uma Kelsey fragilizada e triste.

Chorando, ela disse que queria ficar sozinha e saiu mancando, subindo as escadas com dificuldades. Eu ouvi seus passos vacilantes até que ela parou. Eu fui até ela e a encontrei prostrada, segurando o corrimão com força. Coloquei a mão em seu ombro e ela se virou, enterrando o rosto molhado em meu peito. Eu a peguei no colo e a levei até seu quarto, a coloquei na cama e fui até o banheiro pegar uma caixa de lenços. Retirei o cabelo do seu rosto e murmurei em hindi que estaria com ela sempre. Depois dei-lhe um beijo na testa e saí, deixando-a sozinha.

Durante toda a semana, Kelsey se esforçou para parecer bem. Mas eu sabia que aquela situação com Ren a estava magoando. Percebia em seu olhar o quanto ela estava triste. Eu sentia falta do seu sorriso.

Eu prometi a ela que ajudaria Ren a se lembrar. Eu faria isto por ela. Ainda que eu soubesse que, talvez, as coisas entre eles não mudassem. Mesmo recuperando a memória, eu achava que Ren não se sentiria da mesma forma. Eu sabia que os dois não continuariam juntos, mas eu esperava que as coisas fossem mais fáceis para Kelsey.

Ren também estava se esforçando para conviver com ela, mas era perceptível seu desagrado. Fizemos de tudo para ajudá-lo a se lembrar: contamos histórias dos dois, Kelsey fez biscoitos de manteiga de amendoím e lhe deu seu diário para que ele pudesse ler. Mas Ren estava cada dia mais irritado com a situação e nem perto de se lembrar. Ele nem queria mais comer aqueles biscoitos que antes adorava e evitava ficar perto de qualquer um de nós, passando mais tempo com Nilima, a única pessoa com quem ele parecia estar à vontade.

Kadam, me disse que o aniversário de Kelsey seria dali a alguns dias e ele não sabia o que fazer, devido à situação em que nos encontrávamos.

— Não há dúvidas Kadam, vamos organizar uma festa surpresa. Podemos providenciar tudo com o fruto e o lenço.

— isto não será necessário. Ren providenciou tudo há meses.

No dia da festa, Kelsey ficou o tempo todo trancada no quarto. Nilima e eu decoramos a sala de jantar com bandeirolas cor de pêssego e marfim que Ren havia encomendado. Kadam e Nilima fizeram o bolo e nós arrumamos a mesa com o ele ao centro.

Eu pedi ao lenço que fizesse um roupão parecido com o que Kelsey usou em Shangri-la, pois sabia que era especial e que ela ficaria linda como uma princesa das fadas. Também pedi para que o lenço fizesse algo para Ren lhe dar, já que ele obviamente não se lembraria do aniversário dela. Pensei em algo e só me ocorreu meias. Então o fruto produziu um par, que eu embrulhei às pressas e entreguei a Ren, avisando-lhe sobre a festa.

Quando Kelsey desceu para jantar, estávamos todos reunidos à sua espera. Ela nos olhou surpresa. 

— Feliz aniversário, Srta. Kelsey! — exclamou Kadam.

— É meu aniversário? Esqueci completamente!

— Quantos anos está fazendo, Kells? — perguntei.

— Hã... 19.

— Ah, ela ainda é um bebê, hein, Ren?

 Ren assentiu e sorriu educadamente. Eu abracei Kelsey, empolgado.

— Fique sentada aqui enquanto vou pegar os presentes.

Nós jantamos antes de abrir os presentes. Cada um pôde escolher seu prato preferido e nos divertimos ao comentar as escolhas um dos outros. Fiquei satisfeito ao ver Kelsey sorrindo, depois de todos aqueles dias.

Após o jantar, Kelsey abriu os presentes. Ela começou pelo de Nilima, que era um perfume chique. Kelsey fez com que todos cheirassem o perfume. Eu achei muito forte e comentei que preferia o cheiro natural dela. Quando o frasco chegou a Ren, ele sorriu para Nilima e disse:

— Eu gosto.

Ren parecia estar flertando com Nilima e eu mal podia acreditar. O sorriso de Kelsey se desfez e ela voltou a ficar triste. Fiquei com ódio do meu irmão, mas resolvi não dizer nada naquele momento, mas tentar animar Kelsey novamente.

Kadam lhe entregou o seu presente, deslizando um envelope sobre a mesa. Kelsey o abriu e havia a foto de um carro dentro dele. Kelsey a ergueu:

— O que é isto?

— É um carro novo.

— Não preciso de um carro novo. Tenho o Porsche em casa.

Ele sacudiu a cabeça com tristeza.

— Não tem mais. Eu o vendi, assim como a casa, através de outra organização. Lokesh sabia dela e poderia rastreá-la até nós, então achei melhor não deixar vestígios.

Ela agitou a foto no ar e sorriu.

— E que tipo de carro o senhor decidiu que eu preciso desta vez?

— Nada de mais, de verdade. Só um veículo para levá-la daqui para ali.

— Qual é o carro?

— Um McLaren SLR 722 Roadster.

— E muito grande?

— É um conversível.

— Cabe um tigre nele?

— Não. Só tem lugar para dois, mas os garotos agora são humanos pela metade do dia.

— Custa mais de 30 mil dólares?

Ele se remexeu e tentou se esquivar:

— Sim, mas...

— Quanto mais?

— Muito mais.

— Muito quanto?

— Uns 400 mil a mais.

— Sr. Kadam!

— Srta. Kelsey, eu sei que é uma extravagância, mas quando o dirigir verá que vale cada centavo.

— Não vou dirigi-lo.

Ele pareceu ofendido.

— Aquele carro foi feito para ser dirigido.

— Então que o senhor o dirija. Eu fico com o Jeep.

Ele pareceu tentado.

— Se isso a deixa feliz, podemos partilhá-lo.

Eu fiquei animado:

— Mal posso esperar.

Kadam sacudiu o dedo em minha direção.

— Ah, não! Você não. Vamos comprar para você um belo sedã. Usado.

— Eu sou um bom motorista!

— Precisa praticar mais.

— Está bem. Quando o carro chegar, falaremos mais sobre ele—disse Kelsey.

— O carro já está aqui, Srta. Kelsey. Está lá na garagem. Talvez possamos dar uma volta mais tarde.

— Está bem, somente o senhor e eu. Obrigada pelo meu presente extraordinário e maravilhosamente extravagante.

Ele assentiu, feliz.

— Muito bem — ela sorria novamente. — Estou pronta para o próximo presente.

— Abra o meu — eu disse, lhe entregando a caixa que eu havia embrulhado com capricho.

Ela desfez o laço azul, abrindo-a. Em seguida tocou o tecido azul e levantou o vestido. Ela parecia encantada com o presente.

— Ah, Kishan! É lindo!

— Mandei fazer igual ao vestido que você usou no Bosque dos Sonhos. Obviamente o Lenço não pôde copiar as flores de verdade entremeadas no tecido e em vez disso incluiu flores bordadas.

— Obrigada! Eu adorei!

Ela me deu um abraço e um beijo no rosto, me deixando completamente feliz.

— Obrigada a todos!

— Hã... ainda tem o meu presente. Mas certamente não é tão interessante quanto esses outros.— Disse Ren, sem graça, empurrando o embrulho para Kelsey.

Vi um sorriso tímido no rosto dela, e seus olhos brilharem surpresos por ele ter se importado. Ela apalpou o pacote:

— O que será? Deixe-me adivinhar. Um gorro e luvas? Não, eu não precisaria disso aqui na Índia. Ah, já sei, um lenço de seda!

— Abra para que possamos ver — disse Nilima.

Ela o abriu e seus olhos ficaram cheios de lágrimas. Ela piscou várias vezes para não deixá-las cair. Eu não entendi se ela estava emocionada ou triste.  Kadam se inclinou para a frente.

— O que foi, Srta. Kelsey?

Uma lágrima desceu por seu rosto e ela limpou com o dorso da mão.

— É um par de meias muito lindo. Obrigada. Você devia saber que eu estava precisando.

Nilima sentiu que havia algo errado e apertou o braço dela levemente, oferecendo bolo a todos. Ela cortou o bolo enquanto Kadam adicionava bolas de sorvete a cada prato.

— É de pêssego! Nunca tinha comido bolo de pêssego. Quem o fez? O Fruto Dourado?

— Na verdade, Nilima e eu que fizemos — disse Kadam.

— O sorvete — ela sorriu — é de pêssego e creme também?

Kadam riu.

— É. Na verdade, é da fábrica que você adora. Tillamook, se não estou enganado.

— Bem que reconheci o sabor. É minha marca de sorvete favorita. Obrigada por pensar em mim.

Kadam sentou-se para saborear seu pedaço e disse:

— Ah, bem, não foi ideia minha. Isso está planejado há muito... — Suas palavras morreram quando ele percebeu seu erro. Então tossiu, constrangido, e gaguejou: — Bem, basta dizer que não foi ideia minha.

— Ah.

Kadam começou a falar sobre o pêssego ser o símbolo e vida longa na China e representação de boa sorte. Mas Kelsey, que era sempre tão interessada no que Kadam dizia, estava distraída e não prestava atenção.

— Ainda temos aquele sorvete de chocolate com manteiga de amendoim? Não sou muito fã de pêssego com creme — disse Ren.

Kelsey olhou para ele imediatamente. Seu olhar era de dor e decepção.

Ren saiu da sala para pegar o sorvete no freezer. Os olhos de Kelsey se encheram de lágrimas e ela nos pediu licença.

Levantei-me sem entender o que estava acontecendo. Ela tentou fingir entusiasmo ao perguntar a Kadam se poderiam dirigir seu novo carro outro dia.

— É claro — disse ele baixinho.

Kelsey subiu as escadas e eu fui atrás de Ren:

— O que foi que você fez?

— Eu não sei — foi a resposta sussurrada de Ren.

No dia seguinte, Kadam e Kelsey saíram cedo para dirigir o carro novo. Combinei com ela de treinarmos quando ela voltasse.

Eu estava no dojo e Ren me perguntou se poderia treinar comigo. Eu o avisei que Kelsey logo se juntaria a nós. Ele pareceu decepcionado e disse que voltaria para o quarto.

Eu não estava satisfeito com a forma que ele vinha tratando Kelsey ultimamente. Ren virou-se para sair, mas eu segurei seu braço, virando-o para mim.

— Porque você foge dela? Você a evita. Sai quando ela chega. Não fala com ela. Você a está magoando.

— Acha que não sei disso? Eu não quero magoá-la, mas não vou ser coagido a sentir algo que não sinto.

— Você não pode pelo menos tentar?

— É o que venho fazendo.

— Já vi você dar mais atenção a uma bola de sorvete do que a ela.

Ren soltou um suspiro exasperado.

— Olhe, tem alguma coisa... perturbadora nela.

— Como assim?

— Na verdade, não sei descrever. É só que, quando estou perto dela... mal posso esperar para me afastar. É um alívio quando ela não está presente.

— Como pode dizer isso? Você a amava! Era mais apaixonado por ela do que já foi por qualquer coisa em toda a sua vida!

Ren falou com calma.

— Não consigo me imaginar sentindo isso por ela. Ela é legal e bonitinha, mas é um pouquinho nova demais. Pena que não era por Nilima que eu estava apaixonado.

Eu fiquei indignado ao ouvir aquilo. Eu já tinha percebido que Ren, às vezes, parecia flertar com Nilima, mas eu preferi acreditar que eu estava errado.

—Nilima! Ela é como uma irmã para nós! Você nunca demonstrou nenhum sentimento especial por ela!

— É mais fácil ficar na companhia dela — Ren replicou baixinho. — Ela não me olha com aqueles olhos castanhos enormes cheios de mágoa.

Nós ficamos em silêncio por alguns instantes. Eu não conseguia compreender como Ren tinha mudado daquela forma, como ele podia não se lembrar?

—Kelsey é tudo que um homem pode desejar — Comecei — Ela é perfeita para você. Ela ama poesia e fica feliz ouvindo-o cantar e tocar seu violão por horas a fio. Esperou meses para que você fosse atrás dela e arriscou a vida repetidamente para salvar esse seu pelo branco sarnento. Ela é doce, amorosa, afetuosa e linda, e o faria imensamente feliz.

Ren me olhou surpreso e incrédulo:

— Você está apaixonado por ela.

Fiquei em silêncio, avaliando se eu deveria lhe dizer ou não o que eu sentia. Então falei baixinho:

— Nenhum homem em seu juízo perfeito não estaria, o que prova que você não está em seu juízo perfeito.

— Talvez eu me sentisse grato a ela e tenha permitido que ela acreditasse que a amava — disse Ren, pensativo — mas não sinto isso por ela agora.

— Acredite em mim. Não era gratidão o que você sentia por ela. Você se consumiu por ela durante meses. Andou de um lado para outro em seu quarto até fazer um buraco no tapete. Escreveu milhares de poemas de amor descrevendo a beleza dela e quanto você se sentia infeliz depois que ela se foi. Se não acredita em mim, vá até seu quarto e leia você mesmo.

— Já li.

— Então qual é o seu problema? Eu nunca o vi mais feliz em sua porcaria de vida do que quando estava com ela. Você a amava e era verdadeiro.

— Eu não sei! Talvez o fato de ser torturado repetidamente tenha causado isso. Talvez Lokesh tenha plantado alguma coisa no meu cérebro que a destruiu para sempre em minha memória. Quando ouço seu nome ou sua voz, eu me encolho. Fico na expectativa de sentir dor. Eu não quero isso. Não é justo com nenhum de nós. Ela não merece que mintam para ela. Mesmo que eu pudesse aprender a amá-la, a tortura ainda estaria lá, no fundo da minha mente. Todas as vezes que olho para ela, vejo Lokesh me interrogando, sempre me interrogando. Me machucando por causa de uma garota que eu não conhecia. Não posso fazer isso, Kishan.

— Então... você não a merece.

Houve uma longa pausa.

— Não, acho que não.

Ouvimos um soluço e nos viramos para a porta, mas não havia ninguém. Ouvi o som dos passos apressados de Kelsey. Chamei por ela, que não respondeu. Subi as escadas correndo para alcançá-la, mas ela chegou a seu quarto e trancou a porta.

Eu sabia que ela tinha ouvido minha conversa com Ren e estava magoada. Bati na porta e implorei para que ela abrisse. Eu podia ouvir seu soluço vindo lá de dentro, mas ela não me respondia.

Chamei Kadam e ele bateu delicadamente na porta, chamando por ela, oferecendo-se para conversar. Em vão.

Voltei a bater desesperado e nada. Nilima também tentou, e até Ren veio chamar por ela. Mas Kelsey não atendeu a ninguém.

Kadam nos aconselhou a deixá-la sozinha, para que ela se acalmasse, dizendo que quando ela sentisse necessidade,  nos procuraria.

Saí dali, pensando em como eu poderia consertar o coração quebrado de Kelsey. Eu sabia que ela estava sofrendo, e sofria junto com ela.

Mas eu sabia que ela seria feliz. Eu a faria feliz. Daria a ela todo o amor que lhe estava sendo negado.

Eu jurei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O resgate do tigre" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.