Cronicas de Arcadia escrita por arc4dex


Capítulo 4
A Aberração e o Ninguém - FINAL




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758318/chapter/4

 

— Ainda bem que encontramos essas frutinhas! - Ozires diz enquanto jogava o ultimo punhado de algo roxo em sua boca.

— Eu já vou dizendo que se você passar mal, eu vou te dar umas porradas. - Valavë diz erguendo o punho para ele.

— Eu li num livro sobre elas. São frutas típicas de regiões montanhosas. - Ozires retruca limpando a boca.

— Ah é? Que livro? - A elfa olha para trás sorrindo para ele.

— Hum... Não lembro...

Já havia se passado algum tempo desde que saíram da caverna. O plano de Valavë era encontrar a fenda e seguir em direção oposta ao qual o sol se põe.

— Por que temos que ir a Molluma para fazer esse caminho? -Ozires pergunta observando às arvores que os cercavam.

— Me disseram que a fenda de Molluma vai de Leste a Oeste e que a entrada mais acessível para o reino dos anões fica na direção em que o sol nasce. Além disso, dizem que o pôr do sol é muito bonito por lá.

Os dois continuam caminhando até saírem da floresta e chegarem numa espécie de planície. O sol estava se pondo a esquerda deles. A centenas de quilômetros à frente, haviam várias montanhas formando um paredão. Valavë corre na frente de Ozires sem aviso algum. Ela só para quando solta um grito de surpresa.

— Venha ver isso! - Ela grita espantada.

Ozires se aproxima dela e consegue ver pela primeira vez a fenda a elfa tanto falava.

— Olha! Não tem fim! - Valavë diz apontando para a direita.

Os paredões aparentavam se estender até o infinito, desaparecendo em algum ponto em que eles não conseguiam enxergar.

Os dois olham para esquerda e se deparam com o por do sol exatamente no meio de Molluma.

— Qual a extensão dessa fenda?

— Não sei. Deve ser tão extensa quanto profunda. Mas, a largura não passa de dois quilômetros

Os dois olham para escuridão da fenda por um tempo antes de recomeçar a andar.

— O reino dos anões é muito grande?

— Quem sabe. Alguns deles saem de Molluma para viver na superfície. Mas, eles não falam muito do lugar.

Ozires pensa na grande distância que eles têm que percorrer.

— Você tem um plano, certo? - Ele diz olhando para ela.

— Talvez tenha algumas cidades na beira do abismo. Dizem que os anões são cheios de engenhocas que os levam para cima e para baixo.

— Será que a gente... - Ozires diminui o tom da voz e se abaixa junto com a guerreira.

— Você ouviu também? Parecem cavalos... - Valavë olha para a floresta a procura da fonte do som.

Logo atrás, um grupo de cavaleiros vinham em disparada na direção deles.

— Ladrões? - Diz Ozires apontando para eles.

— Não. Eles estão muito bem equipados com o mesmo tipo de armadura.

— Então eles nos acharam.

— Sim.

Cerca de dez cavaleiros vieram galopando em direção aos dois. Todos berravam e batiam nos escudos. Os cavalos relinchavam toda vez que tinham que escalar algum obstáculo ou desviar de uma pedra.

— Prepare-se, Ozi. - Valavë empunha a espada se preparando para enfrentar o grupo. O garoto fica ligeiramente atrás dela.

Quase todos os cavaleiros passam longe de Valavë e Ozires. Apenas dois deles viam com intenção de atacar. Cada um de um lado.

O que estava à direita da guerreira deixava a ponta da espada sempre apontada para ela e o escudo cobrindo todo o corpo. Numa clara intensão de estoca-la; O que estava à esquerda vinha um pouco mais rápido e estava na frente. Ele tinha que deixar seu corpo exposto para realizar um golpe com a mão direita.

Valavë sorri. Ela empunha a arma desafiando o inimigo da esquerda. Segundos antes dele se aproximar para atacar, o cavaleiro ergue seu escudo para se proteger do ataque da elfa.

Era uma estratégia simples. Distraia o inimigo ficando exposto e se tornando um alvo fácil. Caso o inimigo ataque, o máximo que a espada faria era rebater em seu escudo. Que estava sempre pronto para proteger. Em seguida, o parceiro da direita dispara a velocidade do cavalo para surpreender o inimigo.

Isso não funcionou contra Valavë. No momento que o cavaleiro ergueu o escudo, a elfa segura a Isil com as duas mãos, de forma invertida. Tornando ela um gancho. A guerreira salta em direção ao cavaleiro e golpeia fisgando o escudo. A força e a velocidade do ataque fizeram todo o trabalho. O cavaleiro é puxado do cavalo caindo ruidosamente no chão e rolando alguns metros.

No mesmo instante em que Valavë pousa, ela dispara contra o cavaleiro que estava a sua direita. Graças ao terreno irregular, a montaria que estava empinando, não conseguiu avançar rápido o suficiente para alcançar Ozires.

Apavorado, o cavaleiro não soube decidir em proteger-se, atacar ou controlar o animal. A guerreira salta colidindo contra o escudo dele derrubando-o do cavalo.

Os dois caem no chão e rolam. O cavaleiro ajoelha-se posicionando o escudo em uma posição defensiva. Valavë levanta-se, sem dar trégua e parte para o ataque.

O primeiro golpe lateral dela não foi forte o bastante para quebrar a defesa do inimigo que arriscou uma estocada em resposta ao ataque. Valavë desvia-se com facilidade e o ataca por cima fisgando o escudo do guerreiro. Ela o puxa para o chão na intensão de desequilibra-lo. Mas, seu inimigo se desfaz do escudo, fazendo com que Valavë ficasse exposta por usar força de mais. Ele a ataca errando por alguns centímetros. O suficiente para receber uma joelhada no estomago e um golpe mortal da Isil em sua nuca.

— VALAVË! - Ozires grita.

A elfa olha para trás esperando o pior, mas o garoto estava montado em um cavalo e indo em direção a ela. A elfa salta agarrando Ozires e monta o animal.

— Muito inteligente! - Ela diz dando tapas em suas costas. - É isso que um escudeiro faz!

— Eu não sei controlar ele! - O escudeiro diz passando às rédeas para a elfa.

Eles estavam indo em direção a floresta, quando percebe que os cavaleiros começam a debandar. Valavë desvia o cavalo e volta a subir o monte.

— O que você esta fazendo? - Ozires diz observando a floresta.

— Eles estavam nos distraindo para [...] - O cavalo tropeça lançando os dois para frente.

Em meio a queda, Valavë abraça Ozires e evita que ele se machuque. Os dois levantam e se deparam com uma enorme quantidade de guerreiros correndo em uma linha que ia da floresta a beira do abismo.

Atrás dos dois, vinha marchando silenciosamente um grupo na mesma formação.

— Então, era por isso que os cavaleiros estavam fazendo tanto barulho... - Ozires conclui.

Um terceiro destacamento surge do mato ligando os grupos em um semi quadrado. A medida que eles se aproximavam de Ozires e Valavë, o quadrado tornava-se um círculo de lanças apontadas para o centro. Apesar de estarem a quase cinquenta metros, os dois foram forçados a ficar de costas para o abismo.

 

Eram pelo menos duzentos deles.

 

— Oz, meu plano é o seguinte: Eu pego os de cá. - A guerreira segue apontando da direita para a esquerda. Passando por todo o grupo que estava diante deles - E você pega quem sobra.

— Isso é sério, Valavë!? - Ozires passou a considerar o salto no precipício uma opção.

— Relaxa, humanos não são tão...Droga... Ele de novo não... - Ao ver o homem, expressão de Valavë  torna-se sombria. A imagem era assustadora. Cercados por centenas de soldados de todos os lados, no meio do exército, uma fileira se fez, e de longe vinha vindo um guerreiro de estatura monstruosa.

Sua arma era maior do que qualquer guerreiro que o cercava. Sua armadura era imponente. O guerreiro era pelo menos cinquenta centímetros mais alto do que os outros a sua volta.

Ozires iria perguntar quem era ele, mas viu que pela primeira vez, sua mestra estava tremendo. Aquilo o abalou. Não importa quem o inimigo era. Eles com certeza estavam com problemas.

— Mikhail...

Ozires iria dizer algo mas sua cabeça começa a doer como se ele tivesse sido atingido por uma paulada.

— Aberração! - A voz de Mikhail era tão imponente quanto sugeria. - Meu Deus exige o seu julgamento! Entregue-se.

— Eu não pedi para nascer - Valavë murmura entre os dentes. - Escute bem! Eu não irei me entregar para um cão do rei só por que ele quer!

— O que faremos, Val? - O escudeiro sussurra para a guerreira enquanto segurava a cabeça.

— Pelo bem da criança. - Mikhail continua. - Entregue-a para os elfos. - Um grupo de elfos surge de trás do guerreiro.

— Não, não, não, não...- Valavë enfinca sua lâmina no chão e segura Ozires pelos ombros. - Oz, me desculpe se eu não te contei toda verdade[...]

— O que...?

— Eles não estão atrás de mim, estão atrás de você!

— Val, o que você quer dizer? - A dor de cabeça se intencifica.

— Segure firme!

Valavë abraça Ozires erguendo ele. Às tatuagens de dela começam a brilhar. Ela flexiona às pernas e num instante, parecia ter desaparecido da vista do exército.

Ozires sente a ventania batendo em sua nuca. Ele abre os olhos e tudo que vê é o céu. Logo, ele entendeu o que a guerreira fez. Ela utilizou toda sua força para arriscar um salto.

— Val! Nós vamos conseguir? - O jovem grita. A elfa não responde. - Valavë!

— Estamos quase lá! Segure minha mão.

 

Ozires fecha os olhos novamente.

 

— Ei... Ei! - A voz ecoava pelo calabouço escuro. - Eu sei que você me entende. Acorda.

A elfa estava ajoelhada e acorrentada pelo pescoço, como um animal. Suas tatuagens estavam negras em contraste com o sangue espalhado pelo seu corpo. Principalmente, em seu cabelo.

A criatura ergue um olhar exausto para a criança que estava parada a quase cinco metros dela.

— Você não come e não bebe nada a semanas... Mesmo assim, continua lutando... Eu estou indo aí. - O garoto diz num tom hesitante.

Ozires caminha em direção a elfa que, mesmo ajoelhada, ainda era mais alta do que ele. A tensão de seus nervos aumentava a cada passo que dava. Mesmo acorrentada, a visão que ele tinha era de algo monstruoso e perigoso.

O jovem estende a mão aproximando-a lentamente da cabeça da elfa. Ele prende a respiração, pronto para reagir a qualquer movimento brusco. Ela baixa o olhar e Ozires toca em sua cabeça.  Alguns segundos se passaram. O garoto solta o ar relaxando o corpo. No mesmo momento, a elfa ergue a cabeça e salta para frente falhando ao tentar abocanhar a mão do garoto.

 Às correntes que prende o pescoço na parede e as mãos no chão salvam Ozires por centímetros. O garoto cai no chão se arrastando para longe. A elfa morde com força o ar e urra de raiva, tentando se livrar das correntes. Ela engasga e se deixa cair sentada, com a respiração pesada. Estava exausta. Filetes de sangue saiam de sua boca.

"Ela é pior do que um animal" dizia a mãe dele.

— Eu... só queria ajudar... - Diz Ozires segurando sua mão tremula.

— Aj-da? - A elfa responde entre suas arfadas.

— Você não vai se recuperar sozinha. Precisa de ajuda.

— Não...

— Não? Por que? Não quer viver?

 

A elfa ergue a cabeça com olhar de fúria para o garoto.

 

— Eu não quero que você morra! - A expressão da elfa muda para surpresa e depois, para indiferença. - Eu não quero te ver assim...

— Porque...?

— Mamãe insiste que eu aprenda magia. - O garoto diz se levantando. - Mas eu não sou bom nisso. Eu vejo você lutar e... É isso que eu quero. Quero que me ensine a ser forte como você.

— Não te entendo...

— Mamãe está errada em dizer que você é uma abe [...] - A elfa rosna para ele. - O fato de você absorver a centelha dos outros não interfere em quem você é. Assim como eu... - Ele diz tocando às orelhas.

— Saia daqui garoto...

— Papai disse que, quando eu for grande, poderei fazer o que quiser. - Ozires diz caminhando em direção a elfa. - Eu disse para ele que queria conhecer o mundo. E que iria te levar comigo. Para ser minha sentinela.

— Hum...?

— Mas, eu não poderei te levar se você não sobreviver... - Ozires diz estendendo os braços. Tatuagens no mesmo padrão dos da elfa surgem pelo seu corpo. Porém elas eram de um tom azul radiante. - Não tenha medo de drenar minha energia.

Como se fossem uma extensão do corpo dele, os desenhos de Ozires se espalham pelo ar como uma nuvem em direção criatura. A elfa começa a respirar de forma rápida e a espirar de forma pesada. Os desenhos em seu corpo recuam até o centro das esferas e desaparecem. Ela relaxa o corpo e sua respiração se torna um suspiro.

 

Ozires dá mais alguns passos e envolve seus braços no corpo da elfa.

 

— O que é isso?

— É um abraço. - Ozires diz simplesmente.

— É bom... E quente. - A elfa começa a chorar. - Nunca senti isso.

O jovem começa a desfazer o abraço. A elfa morde seu ombro. Ozires paralisa prendendo a respiração e engolindo um grito. A mordida suaviza lentamente.

— Não!... Não me deifa! - Ela diz entre os dentes.

— Calma [...]

— Vofe é fom! Não quero ficar aqui sozinha! - Ela começa a tremer e a soluçar.

— Ei!  Eu só vou tirar às correntes do seu braço, certo?

Ela concorda várias vezes com a cabeça. Ozires desfaz as correntes em seus pulsos e a elfa o agarra apertando suas costas.

— Você está fazendo errado. - Ozires diz segurando os braços dela. - Primeiro, você tem que estar da minha altura. Depois, você passa um braço pelo meu ombro e o outro por aqui.

A elfa para de chorar assim que abraça o garoto. Eles ficam parados ali por um tempo. Apenas admirando o momento.

— Agora, eu estou cheio de sangue...

— Desculpa...

— Sabe, eu estava pensando em um nome para você...

— Nome?

— Sim, meu nome é Ozires. Mas, pode me chamar de "Ozi" ou até "Oz".

— Ozi... Eu não tenho nome...

— Eu sei. Você se chamara Valavë. - Ele diz segurando os ombros da elfa e olhando nos olhos dela.

— O que?

— Significa "Divina" em elfico.

— Va-aaalavë. - Ela diz lentamente. A elfa parecia saborear a palavra.

— Segure minha mão, Valavë.

A elfa obedece.

— Me promete que você não morrerá...

Lembrança e realidade se misturam. A voz de Ozires e de Valavë pareciam uma só.

— E que um dia iremos conhecer o mundo juntos!

 

 Os dois estavam voando sobre o abismo. Ele sente o vento diminuir de intensidade. O jovem abre o olho e vê que ela ainda estava brilhando e que sangue saia pelo seu nariz. Olha para os lados e nota que eles passaram apenas um pouco mais da metade da fenda.

— Não faça isso... - Ozires murmura olhando para ela.

Valavë começa a girar tão rápido que Ozires estava começando a perder os sentidos. E então, o garoto voa pelo abismo. Enquanto se afastava de Val, ele pode ver ela caindo. Alguns segundos depois, Ozires colide com o chão.

 

— Você acha que eu não sei o que está tentando fazer, Johan! - Um vaso se despedaça ao bater na parede. - Você deu uma roupa a ela, uma arma para ela, deixou ela ser amiga de Ozires por três anos!

— Nós não podemos ficar para sempre com eles [...] - A voz de Johan é bruscamente interrompida pelos gritos da mulher.

— Você perdeu o foco! - Ela berrou cada palavra pausadamente. - Eu deveria ter destruído aquela aberração quando eu tive a oportunidade.

Valavë rosna ao ouvir a mãe de Ozires falar.

— Não ligue para ela. Os experimentos deles estão chegando ao fim. - O jovem diz enquanto procurava sentado por algo em uma mochila.

Os dois estavam no mesmo calabouço em que se encontraram anos atrás. Porém, o local deixou de ser uma sala de tortura para ser um quarto simples. Iluminado por duas tochas; chão forrado com feno; cama com coberta e travesseiro e até uma mesa.

— Eu queria ver se nosso filho era capaz de domesticar Valavë para que pudéssemos avaliar ela melhor.

A elfa olha para Ozires com um olhar acusador

— Ele só está enrolando minha mãe, Val. Papai ama você tanto quanto eu.

— Eu sei... - Valavë nutria uma certa empatia pelo pai de Ozires. Apesar dele não trata-la como trata o filho, ele nunca a chamou de aberração.

— Val, me promete uma coisa?

— Hum?

— Quando sairmos daqui, iremos esquecer tudo isso. - Ozires diz levantando-se. - Eu serei seu escudeiro e você será uma cavaleira. Como nos livros.

— A vida não é um livro, Ozires. - Valavë diz sentando-se na cama. Ozires faz uma careta fingindo dor. - Mas, é uma ideia divertida.

 - Você sabia que esse dia iria chegar, Johan! Chega! Eu irei retomar o controla da situação.

Uma porta se abre e o barulho de várias pessoas entrando toma conta da discussão.

— O que é isso? - Johan diz, aparentemente sendo agarrado.

— Me perdoe, Johan – A mulher diz chorando. - Eu não entendo esses sentimentos humano que você tem. Por favor, não resista.

— O quê que está acontecendo. – Ozires diz olhando para o teto.

— Oz, parece que são muitos. - Valavë diz levantando-se. - Pegue minha espada, rápido!

Ozires estende as mãos para o chão. Suas tatuagens azuis surgem por todo o corpo. Um círculo no chão começa a brilhar.

— Isil! - A voz de Ozires aparentou ter ecoado por todo o quarto. - A lâmina como formato de lua crescente surge num piscar de olhos.

— Ozires! Fuja! - O pai dele berra correndo pela casa.

— Senhor Johan! - Valavë corre pelas escadas, empunhando a espada e deixando Ozires para trás.

— Val! Espera!

 

— Val... Val... - Ozires dizia enquanto se arrastava até a beira da fenda.

Com a queda, ele quebrou um braço e uma perna. Estava quase cego devido a ao sangramento e às lagrimas que cobriam seus olhos. Ozires para na beirada do precipício e limpa os olhos com a manga de sua roupa. Ele encara a escuridão sem fim a baixo dele. Suas tatuagens azuis surgiram e então, Ozires salta.

"Ainda dá tempo". Foi o último pensamento dele antes da energia azul o envolver numa mistura de queda e voo. Aumentando cada vez mais a sua velocidade. Indo cada vez mais profundo. Até que ele se torna a única luz na escuridão.

Quando se dá conta, Ozires estava de pé, no fundo da Fenda de Molluma. Suas feridas não doíam, apesar de estarem lá. Ele olha em volta a procura de algum sinal de Valavë. Mas, não vê nada. Ozires engole em seco e começa a farejar o ar. Ele queria sentir o cheiro de sangue tanto quanto não queria.

 

Em meio ao cheiro da humidade e de rochas...

O odor de sangue era forte.

 

Ozires segue seu olfato em meio a escuridão total, que era quebrada apenas pela fraca luz que suas tatuagens produziam. Não foi preciso caminhar muito até encontrar um filete de sangue escorrendo pelo chão. Um pouco mais a frente, estava Valavë. Ozires aproxima-se do corpo da elfa e a abraça apoiando sua cabeça em seu ombro. Seu peito doía como se estivesse sendo esmagado. Sentia como se uma rocha estivesse presa em sua garganta. Sua boca estava seca.

 

De seus olhos...

Nem uma lagrima...

"Eu nunca mais a verei...?"

"Nunca mais...?"

"A centelha..."

 

As tatuagens de Ozires se espalham para o ar numa explosão azul, indo para todas às direções.

— Por favor... - Ele murmura. - Por favor, Val... Por favor... Por favor...

 

 - Fiquem longe! - Vociferou Ozires para os soldados a sua frente.

Ele estava segurando Valavë em seus braços. A elfa ajoelhada, apoiando em sua espada, se esforçando para manter-se consciente. Suas tatuagens negras estavam espalhadas pelo corpo. Sangue saia dos olhos e dos ouvidos da elfa. A trás deles, uma casa queimava arduamente.

— O que é essa coisa? - Um dos soldados diz.

— Ela matou mais de trinta de nós em um piscar de olhos! - Outro indaga.

— Ela lutou contra Mikhail e está viva... - Um soldado fala olhando para seu parceiro ao lado.

— Mas, ele estava desarmado... - O soldado retruca.

— Já o vi ganhar um minotauro usando só às mãos...

— Aberração...

— Monstro...

— Ela é um demônio.

Valavë rosna aparentando ter recobrado às energias. Ela começa a se levantar, mas Ozires a impede.

— Val, segure essa pedra e prepare-se para esmagar ela. – Ozires diz passando a rocha de cor verde para a mão da elfa. - Quando você fizer isso, absorva minha centelha.

— Garoto! - Mikhail, que era o mais próximo dos dois, diz apontando para Ozires. Algumas pessoas que, pareciam elfos estavam atrás dele. - Afaste-se dessa coisa

— Desistam! Eu já queimei todas as pesquisas do meu pai.

— Do que você está falando? - Mikhail diz parecendo atordoado.

— Vojaĝo al Loko Ne Unu! - A voz de Ozires ecoa em todas às direções. Um círculo surge em baixo dos dois. - Agora, Val!

Mikhail estava para dar uma ordem quando Valavë ergue a pedra no alto da cabeça e a esmaga em suas mãos. Um brilho ofuscante e um som ensurdecedor toma conta do local.

— AMNESIA!!! - A voz de Ozires irrompe ainda mais alto que a própria pedra.

No instante seguinte, o garoto e a elfa desapareceram como se nunca estivessem lá.

 

Ozires não sabia a quanto tempo estava lá, sentado, irradiando energia. A espera de algum movimento... Alguma reação da elfa. Se fosse preciso, ele ficaria ali o resto da vida.

Ozires sente algo se mover. Ele olha para Valavë incrédulo. A elfa se meche novamente, num espasmo.

— Valavë? - Ele sorri. Aparentemente estava dando certo.

O corpo da elfa passa a tremer por completo. O que parecia algo bom, tornou-se algo assustador. Valavë abre a boca e uma esfera vermelha brilhante flutua para fora dela. O corpo dela volta a ficar inerte.

— O que é isso...?

A esfera flutua se afastando de Ozires que a acompanha apenas com o olhar. Após flutuar por alguns metros, um par de mãos surgem da escuridão e colocam a esfera em um pequeno recipiente transparente.

 

Ozires olha um pouco mais para cima e vê um par de olhos vermelhos.

 

— ISIL! - Instintivamente, o garoto diz entre os dentes, erguendo o braço fazendo surgir a lâmina com formato de lua.

Ozires repousa o corpo de Valavë no chão e levanta-se sentindo seu sangue ferver.

— Acalme-se jovem... - A voz de um homem idoso chega até Ozires. - Eu entendo sua dor.

— O que você fez com Valavë!? - Ozires empunha a espada apontando-a para o que estava a sua frente.

O par de olhos se aproxima lentamente do garoto. Ozires pode jurar ter visto a forma de um urso. Mas, conforme a coisa chegava perto, ela diminuía de tamanho. Até ficar ligeiramente menor do que Ozires.

Ele era cabeludo, tinha barba e cabelos grisalhos. Ligeiramente magro e os olhos de fato eram vermelhos.

— Esta daqui é sua amiga. - O velho diz estendendo a mão com o frasco transparente. - Ela lhe pertence.

— O que é você? - Ozires diz apanhando o vidro.

— Eu sou um necromante, jovem...

O coração de Ozires para pôr um segundo. Necromantes sempre são retratados como figuras malignas e perigosas. Estar no território de um, era como estar em um pesadelo. Quando Ozires se dá conta, o velho estava indo embora.

— Você pode ressuscitá-la?

— Ri-ri-ri... - O necromante pigarreia e expele um catarro da garganta. - Não, jovem. Eu não posso. - Ozires iria dizer algo mas o velho o interrompe. - A ligação dessa garota com você é extremamente poderosa. Quanto mais forte a alma se apega a algo, mais complicado é de reanima-la. - O garoto abre a boca para dizer algo, mas o velho continua. - De fato, você poderia tentar. Com você, seria o oposto. Mas, eu serei seu amigo, jovem e recomendo você não fazer isso.

— Por que...? - Ozires diz olhando para o corpo de Valavë.

— O corpo dela foi terrivelmente danificado. Mesmo em boas condições, uma alma sentiria a dor da morte e o corpo apodreceria como se estivesse morto. Você não quer isso, não é?

— O que eu devo fazer, então? - Lagrimas começam a escorrer pelo rosto do garoto.

— Seja meu aprendiz! - O velho diz estendendo a mão. - Tenho certeza que você conseguirá ressuscitar a alma de sua amada um dia.

Ozires coloca o frasco com a alma de Valavë em frente ao seu rosto. Depois olha para o corpo dela e em seguida, para o necromante.

— Pode apostar que sim...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cronicas de Arcadia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.