House of Memories escrita por Jules


Capítulo 1
Golden Days


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, leitores!

Essa é uma Fic que comecei há um bom tempo, mas nunca tive a chance de terminar. Agora resolvi reescrever ela por amor à história e para aprimorar a trama.

Espero que gostem!

Boa leitura.



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CHLOE

— Ele roubou minha boneca!

Foi a única frase que saiu em forma de berro dos meus pequenos lábios de criança antes de disparar em toda a minha velocidade atrás do garotinho de cabelos negros que claramente se divertia com a minha raiva. A verdade? Eu não estava realmente com raiva. O ladrão a quem eu perseguia era o meu melhor amigo em todo o mundo, e a mesma pessoa com quem eu sabia que dividira um delicioso bolinho feito por sua mãe como costumávamos fazer em todas as tardes assistindo a maratona de Pernalonga e Patolino.

Ele era rápido e adorava roubar as minhas coisas, principalmente quando eu corria atrás dele para pegá-las de volta, mas eu já o conhecia tão bem que cada movimento que ele fazia para tentar se livrar de mim deixou de ser uma surpresa. Antes que o garoto com a falta de um canino de leite virasse a mesa do parque, pulei sobre a madeira com todas as minhas forças, parando de frente para ele. Em surpresa, ele ergueu as suas mãos e consequentemente deixou minha Barbie a mostra para que eu a pegasse de volta.

Um sorriso largo e vitorioso se formou em meu rosto quando seus olhos verdes se arregalaram indignados, tentando puxar de volta a boneca que eu segurava forte em minha mão. Mas dessa vez eu não deixei. Um suspiro deixou os lábios do garotinho que logo cruzou os braços, irritado, fazendo com que eu gargalhasse malignamente em resposta. Logo pude ouvi-lo resmungar:

— Ok, Chloe. Você ganhou. De novo.

— Eu sempre ganho, cabeça oca. - Mostrei a língua para ele, dando uma risadinha divertida conforme me sentava sobre a mesa de piquenique do parque. - Eu nem sei porque você ainda tenta.

Percy fez uma careta entortando o nariz ao meu comentário e deu de ombros, pulando para sentar ao meu lado. A vista do parque era de uma tarde ensolarada como qualquer outra, e mesmo com o sol não tão forte, eu ainda estava melada pelo protetor solar. Ao longe era possível ver o grande lago que contornava o parque e a imagem de nossas mães nos observando atentamente: tia Sally e minha mãe Jane.

Elas achavam muito legal Percy e eu nos darmos tão bem, principalmente com a idade que tínhamos, já que a maior parte dos nossos amigos apenas falavam com pessoas do mesmo gênero. Mas não nós dois. Nós éramos inseparáveis e não importava o que qualquer pessoa dissesse sobre nós. Ele era um ótimo amigo, mesmo irritantemente lerdo.

Percy era o único menino que brincava comigo das coisas que eu gostava. Os outros garotos diziam que eu não podia brincar de espada, luta e de carrinhos porque eu era uma menina, mas meu melhor amigo sempre achou isso uma idiotice sem tamanho. E era mesmo! Nós éramos de longe os melhores espadachins de Manhattan e ninguém nunca era páreo para nós!

Percy pegou um bolinho azul que tia Sally havia feito naquela tarde e o ergueu me oferecendo um pedaço. Abri um sorriso agradecido quando ele partiu o doce no meio me entregando a outra metade.

— Mamãe e Gabe brigaram. De novo.

Ele comentou me pegando um pouco de surpresa. Fiz uma careta com o que ouvi, principalmente quando ouvi o moreno suspirar em tom triste. Gabe, o padrasto do Percy, era um completo babaca. Eu já havia dito à minha mãe inúmeras vezes que não entendia como tia Sally poderia gostar dele, mas ela sempre me disse que o amor era uma coisa complicada. E aquela era a prova viva de que o que era dizia era verdade!

Eu odiava ver Percy triste, então empurrei o seu ombro com o meu, olhando para o céu conforme as nuvens se moviam, formando desenhos diferentes. Nós gostávamos de ficar vendo formatos nas nuvens e de vez em quando passávamos a tarde assim, pensei que se Percy visse aquele algodão gigante em forma de hipopótamo talvez o fizesse feliz.

— Está vendo? O hipopótamo gordo no céu?

— Hm... Não.

Ele franziu a testa realmente se esforçando para ver. Ergui a mão, apontando para cima.

— Ali! Do lado daquela que se parece um cone de sorvete!

— Ah! Estou vendo! - Ele exclamou, mas logo parou de olhar para o céu para me dar uma careta. - Isso não parece um hipopótamo. Parece um rinoceronte. São animais diferentes!

Abri a boca para responder, mas acabei dando de ombros. Eu não tinha certeza se havia confundido realmente os animais, então apenas soltei uma risadinha quando Percy riu da minha cara. Revirei os olhos, soltando um suspiro.

— Queria que você pudesse morar com a gente. Você e a tia Sally.

— Seria muito legal. - Ele concordou, dando mais uma mordida em seu bolinho. - Eu tentei convencer ela disso, mas ela nunca quer.

— Hm... Eu não entendo. - Concordei com ele, ainda focada nas nuvens no céu. - Bem, mas quando Gabe for malvado e você ficar triste, você pode ir brincar lá em casa.

Percy tentou esconder, mas vi de canto de olho um sorrisinho se formar em seu rosto. Meu amigo pegou minha mão com a sua, e apoiou em seu colo delicadamente. Ele me fitou com os olhos verdes, o mesmo brilho divertido de sempre.

— Nós vamos ser amigos para sempre, né? Até ficarmos bem velhos. Tipo uns quarenta anos.

— Tipo até a morte.

Concordei erguendo o dedinho, conforme Percy fazia o mesmo gesto e entrelaçava o seu com o meu em uma promessa não verbal. Abri um sorriso largo e apoiei a cabeça no ombro do menino, finalmente terminando o meu bolinho. Meu coração pulava feliz dentro do meu peito e eu sentia aquela sensação gostosa de ter alguém do seu lado. Percy era o meu melhor amigo e sempre seria assim. E ficamos em silêncio, observando o céu até que ele começasse a perder a cor e ser substituído por uma imagem escura.

Aos poucos, todo o parque era tomado por sombras, se desfazendo aos poucos junto com as imagens que perdiam seus formatos. As cores sumiram, e o foco também. As nuvens desapareceram, se desfazendo em milhões de pedaços, e Sally e Jane viraram apenas borrões em minha memória conforme Percy também desaparecia aos poucos. E então tudo ficou completamente escuro.

Quando eu abri os olhos novamente, me deparei com a imagem do ônibus onde havia caído no sono em primeiro lugar. Pisquei algumas vezes tentando desembaçar minha visão, e me estiquei sentindo o meu corpo doer por ainda usar Matty como travesseiro. Não foram os olhos verdes infantis de Percy que encontrei, mas sim as grandes orbes azul claras do rapaz contra quem eu dormia. Eu estava cansada, aquela era a primeira vez em um tempo em que eu havia conseguido de fato dormir, e minhas pernas doíam por terem ficado dobradas por tanto tempo. Eu odiava viajar de ônibus, mas era a nossa única opção.

— Bom dia, Bela Adormecida.

Ouvi a voz grave de Matty conforme eu esticava os braços tentando espreguiçar meu corpo com tão pouco espaço. Bocejei antes de conseguir lhe dar um olhar significativo pelo apelido.

—  A Bela Adormecida não descansou nada. Tive aqueles sonhos. De novo.

— Com aquele garotinho? - Matty franziu o cenho e eu apenas assenti. - É o quarto sonho que tem com ele na última semana.

— Sexto. - Corrigi, soltando um suspiro e massageando meu cenho. - Algo de errado não está certo.

— Que charmosa, fazendo piadas até quando está um lixo.

O moreno sorriu em tom divertido, fazendo com que eu devolvesse seu comentário com um olhar mortal. Eu até responderia que lixo era o lugar para onde ele iria se não calasse a boca, mas eu estava cansada demais para discutir.

— Você acha que está reacendendo seu amor de infância?

O garoto perguntou em tom debochado, fazendo com que eu o encarasse com rabo de olho. Revirei os olhos e me esforcei para dar um soco em seu ombro que gerou uma reclamação, e apenas isso fez meu esforço valer a pena.

— Claro que não, idiota. Eu só não consigo entender o porquê agora. E porque sempre ele. Isso é muito bizarro.

— Perturbador: ter sonhos agradáveis de infância. Eu odiaria ser você. - Matty balançou os dedos em uma expressão exagerada de “medo”, mas eu apenas ignorei. Eventualmente ele desistiu de me fazer rir. - O que foi dessa vez? Uma nadadinha no lago?

— Foi a última conversa que eu tive com ele. - Contei. - Quando tínhamos dez anos. Antes de Jane me contar quem eu realmente era e eu fugir.

—Ah! A história da rebelde sem causa! Eu gosto dessa.

Revirei os olhos, mas um sorriso teimoso se formou em meu rosto. Balancei a cabeça em negação.

— A história da semideusa adotada que foi enganada a vida toda, você quis dizer.

Matty deu de ombros, respirando fundo e se ajeitando melhor em seu assento.

— Não me importa o título: o importante é que você quebrou o coração do seu amorzinho de escola e agora está recebendo uma dose diária de culpa. Quer dizer, se eu fosse ele eu te odiaria. Amor de ensino fundamental? Esses costumam durar uma vida inteira.

Meu amigo tinha um tom divertido e irônico na voz, mas aquelas palavras eram realmente algo que me preocupavam de tempos em tempos. Eu realmente temia que Percy me odiasse por tê-lo abandonado quando prometi ser sua amiga para sempre, digo, sempre fomos apenas ele e eu, e eu havia quebrado nossa promessa feita de forma tão inocente. Eu me sentia um monstro por aquilo, mas foi uma escolha que tomei há muito tempo e não poderia mudar agora. Logo quaisquer esforços de pensar sobre e me sentir culpada eram completamente inúteis.

— Ok, podemos mudar de assunto?

Cortei antes que aquilo pudesse se estender mais, tentando tirar meus pensamentos sobre aquele dia infernal. Matty apenas concordou com um “sim, senhora” que foi mais do que suficiente para mim. Percebendo que eu havia ficado quieta, o moreno abriu um sorriso e me abraçou forte, depositando um beijo em minha bochecha. Revirei os olhos tentando negar o sorriso teimoso em meu rosto, mas falhei miseravelmente. Ele era simplesmente adorável demais para se resistir.

Foi em meio àquela demonstração corriqueira de afeto que os cabelos loiros de Cassie se movimentaram no banco da frente, demonstrando sinal de vida. Minha amiga esticou os braços para tentar despertar do sono pesado em que estava, e então se ajoelhou no banco, virando para que pudesse ficar de frente para nós. Matty e eu observamos conforme ela fazia um silêncio mortal e olhava para o nada, parecendo completamente concentrada no que acontecia à nossa volta.

— Estamos chegando perto. - Ela anunciou, nos observando séria. - Logo vamos desembarcar.

— Por aqui? - Perguntei confusa, observando a paisagem em volta do veículo. Nada parecia haver ali além de árvores. - No meio da floresta?

— Sim! - Ela exclamou animada, soltando um suspiro aliviado. - Estou sentindo perfeitamente. É aqui, eu tenho certeza.

— Ótimo.

Sorri conforme pegava minha mochila no chão e me preparava para ficar de pé. Aparentemente o próximo ponto seria o meu e dos meus amigos.

Matty, Cassie e eu éramos como uma família. Nós éramos três semideuses que se completavam em todos os sentidos, e autossuficientes para conseguir viver perfeitamente bem sem a asa de um deus para nos proteger. Nós três havíamos passado por situações traumáticas que haviam nos levado onde estávamos: apenas com o outro para contar, e sinceramente, eu era eternamente grata por isso.

Se o que procurávamos estava em qualquer lugar no meio da terra, Cassie era a pessoa perfeita para encontrar. A menina de cabelos loiros e olhos azuis era uma inteligentíssima filha de Deméter que nunca deixava a desejar com seus sentidos sobre terra e natureza. Ela era a semideusa mais forte que um dia vi aos quatorze anos, e eu sabia que um futuro grandioso lhe aguardava. Ela era uma semideusa exemplar, e provavelmente a mais poderosa de todos os seus irmãos.

Cassie havia sido abandonada por seus companheiros em uma missão que fez aos doze anos quando viveu no Acampamento Meio-Sangue, e acabou vivendo três anos dentro do Cassino Lótus. Quando percebeu que não haviam ido ao seu resgate e que era perfeitamente capaz de viver sozinha, a menina vagou por quase três meses até encontrar Matthew vagando por aí. Eles acabaram se juntando e logo viraram uma dupla. Cassie se recusa a voltar para o acampamento, porque não aprova a forma como as pessoas são tratadas, descartáveis, principalmente quando é a vontade dos deuses.

Matthew era filho de Eólo, e também foi abandonado. Ele descobriu quando tinha quatorze anos e fugiu de casa por morar em um lar abusivo. Foi pedir ajuda para seu pai olimpiano, mas foi completamente ignorado por causa da guerra dos Titãs e teve que aprender a viver sozinho. Ele chegou a ser procurado por Luke Castellan para se aliar aos semideuses do lado dos Titãs, mas ele acreditava que a tirania seria ainda pior daquele lado, então resolveu ficar neutro. Era ele por ele até seus quinze anos, quando encontrou Cassie, e depois a mim. Desde então éramos uma família.

Matty tinha poderes de se invejar. Se existia qualquer coisa nos domínios dos ares, ele era capaz de combater e localizar. Ele não tinha medo de nada e era a pessoa mais destemida e protetora que um dia já conheci, mesmo isso significando que ele se colocasse em perigo um pouco mais do que o necessário. Ainda assim, sempre teve um coração ótimo, e se importava comigo e com Cassie tanto quanto com sua própria vida.

E bem, se o problema fosse em qualquer domínio das águas, era aí que eu entrava. A cria de Poseidon. Eu era ciente de todas as lendas sobre Poseidon não poder ter filhas mulheres por causa de uma maldição, mas eu tinha bastante certeza de que foi um tridente que brilhou sobre a minha cabeça em um belo dia. A viabilidade da minha existência ainda era uma resposta a qual Cassie, Matty e eu buscávamos, e era inclusive a razão de estarmos no meio do nada naquele momento. Eu queria saber minhas origens, como eu poderia existir e meus amigos tinham tanto interesse quanto eu. E desde então havíamos dedicado nossos tempos em seguir pistas estúpidas de deuses estúpidos.

Nosso trio tinha foco mesmo em resolver problemas pontuais de criaturas que incomodavam humanos. Alguns casos de Lares assombrando casas antigas e importunando os moradores, empousas disfarçadas de famílias canibais no Texas, ou até mesmo uma hidra se passando por monstro do lago Ness. Nós havíamos dado um tempo agora para seguir alguns sonhos que eu estava tendo sobre o meu passado, mas até então não havíamos chegado em lugar nenhum, o que já era suficientemente frustrante.

— Alguém tem chiclete?

Fui puxada dos meus devaneios quando ouvi o pedido de Cassie. Eu não entendia como ela pensava em chiclete quando estávamos em uma trilha no meio do mato, mas para a sua sorte Matty tinha. Nós havíamos deixado o ônibus e agora caminhávamos seguindo os passos da mais nova que alegava saber o caminho.

O dia era quente e por mais que estivesse sol, as árvores faziam muita sombra, dando uma paisagem à meia luz. Conforme caminhávamos e mais passos dávamos, senti uma sensação estranha me tomar. Um frio incômodo na espinha fez com que meu estômago se embrulhasse, e me transmitiu uma sensação chata de insegurança com a qual eu não estava acostumada. Aquele tipo de sentimento costumava ser um presságio ruim, mas resolvi ignora-los, uma vez que provavelmente eram frutos da minha imaginação.

 Mesmo sendo a mais nova do grupo, Matty e eu confiávamos cegamente nas direções de Cassie, e eu tinha certeza que ela sabia bem para onde nos guiava. Nós caminhamos pelo que se pareceu mais uma eternidade, e aos poucos fui percebendo que a paisagem pela qual passávamos era um pouco parecida demais com a que havíamos atravessado há uns vinte minutos. Troquei olhares com o rapaz ao meu lado, mas nos mantivemos em silêncio.

Mais algum tempo de caminhada e a expressão confiante começou a sumir do rosto da caçula. Agora a menina de cabelos dourados olhava de um lado para o outro, e não parecia muito certa de que direção seguir. Quando passei pelo mesmo tronco retorcido e pedras de tamanhos e tons diferentes, tive certeza de que estávamos andando em círculos. Por alguma razão inexplicável, o senso de direção infalível da nossa amiga falhou, e estávamos perdidos no meio do mato.

— Hm... Cassie? - Matty foi o primeiro a falar, ganhando atenção da loira atordoada. - Você sabe onde estamos?

— Ér... É claro que eu sei, seu idiota! - Ela respondeu levemente irritada, mas não parecia tão certa assim. - Nós devemos ir... Hm... Naquela direção! Eu acho...

— Você acha?

Matty questionou, fazendo com que a pequena parasse seus passos. Cassie se virou de frente para o rapaz e cerrou os punhos, caminhando em sua direção. Era um tanto engraçado assistir aquela cena, uma vez que Matty era um cara um tanto quanto grande e forte, e Cassie baixinha e miúda até mesmo para a sua idade. No entanto, o temperamento da loira acabaria com a raça de qualquer monstro.

— Escute aqui, Matthew! Alguma coisa estranha está acontecendo! Em um momento estava tudo perfeitamente claro e eu tinha certeza de que deveríamos vir para cá, mas agora eu estou sentindo energias de todos os cantos como se houvessem milhões de buzinas berrando nos meus ouvidos! Então não! Eu não tenho certeza de onde estamos, você pode viver com isso?!

—Ok, pessoal. - Entrei no meio antes que Matty pudesse dizer algo como “me desculpe” e causar a terceira guerra mundial. Cassie não era exatamente a pessoa mais controlada quando questionavam suas habilidades, e ela me encarou feio quando os interrompi, mas não voltou a gritar, o que já foi um avanço. - Cassie, você disse que conseguiu sentir a energia das ninfas quando tocou no amuleto que encontramos. Acha que se confundiu?

— Não! Eu senti perfeitamente, eu juro. Mas é como se... Como se do nada, houvessem milhões da mesma energia por todos os lados. Isso está me enlouquecendo!

— Eu posso voar e tentar enxergar alguma coisa de cima. - Matt se ofereceu, erguendo a mão. - Assim podemos ver o caminho de volta.

Olhei preocupada para Cass tentando bolar a forma mais rápida de tirá-la dali, e a ideia de Matty realmente soava como a melhor opção naquele momento. A floresta era uma reserva próxima de NY, mas eu tinha certeza que a Névoa trabalharia para que as pessoas não vissem um adolescente de dezessete anos voando sobre as árvores.

— Ok, então vamos...

Eu estava prestes a concordar quando fui interrompida por um zumbido agudo que pareceu passar muito perto da minha orelha. Franzi a testa, olhando para trás em busca de um sinal do que poderia ser aquilo, e meus amigos foram mais rápidos. Cassie sacou sua espada e Matty segurou sua foice fortemente entre os dedos, ambos ficando um de costas para o outro conforme eu tentava entender o que um espinho fazia ficado contra uma árvore. Minha mente estava começando a processar a palavra “monstro!”, quando algo pulou das sombras, se aproximando do local onde eu e meus amigos estávamos.

Minhas mãos voaram rapidamente para minha cintura conforme eu sacava minhas facas, e observei meus amigos dispararem contra a sombra que nos abordava. Já era claro que não era humano apenas pela sensação de sua presença, mas foi apenas quando ela se aproximou da luz que conseguimos perceber do que se tratava. Uma Dracaenae.

A mulher cobra tinha a parte superior humana, mas ainda coberta por escamas e olhos amarelados dignos de um réptil. Ela ainda não havia aberto a boca, mas eu imaginava que tivesse língua bifurcada, e seus cabelos negros beiravam um tom esverdeado. No lugar das pernas, ela possuía dois rabos de serpente, o que me lembraria muito uma sereia se ela não fosse completamente horrorosa. E ela não estava feliz. Fortemente armada e em um escudo grego, ela avançou contra mim e meu grupo de amigos, soltando um grito de guerra.

Matty desferiu sua lança na direção da mulher cobra, que conseguiu desviar e contra-atacar o golpe de Cassie que veio da outra direção. A espada do monstro se chocou contra a da minha amiga, causando barulhos altos conforme se desviava rapidamente dos golpes da foice de dois lados de Matthew.

Tomando cuidado para não acertar meus amigos, atirei minha faca foiciforme, que pegou o monstro desprevenido, gerando um corte em seu abdome. A ouvi sibilar alto, conforme me desferia um olhar de ódio e batia fortemente contra a espada de Cassie, fazendo com que ela se afastasse. Matty desferiu um golpe forte contra a cauda da mulher que cedeu em um pedaço, balançando como se tivesse vida própria. Ela urrou um grito de dor e se voltou para atacar o moreno. O barulho de luta começou a tomar a floresta e o monstro distraía nosso grupo. Eu estava prestes a lançar uma nova adaga contra nossa agressora quando percebi uma movimentação nas sombras de canto de olho, e em um reflexo quase automático consegui gritar:

— Matthew! Cuidado!

Corri na direção do rapaz e me joguei sobre ele, atirando-nos contra o chão no exato momento em que um espinho voou na direção onde ele estava, atingindo o tronco da árvore logo atrás de nós. Meus olhos se voltaram para a segunda figura que surgiu das sombras, essa pertencente a um enorme monstro com as costas repletas de espinhos e um rabo de escorpião. Suas mãos tinham unhas pontudas e sua língua definitivamente era bifurcada. Sua figura humanoide era grande e grotesca, já conhecida popularmente por qualquer livro de mitologia grega: um manticore.

— Cassie!

Berrei para que ela se abaixasse, mas minha amiga foi muito lenta. Quando ela percebeu o monstro indo em sua direção, um grande espinho já atingia o seu braço, causando um corte superficial que logo começou a sangrar, mas que definitivamente poderia ter sido pior. Em resposta, a loira girou sobre seus calcanhares e desferiu um golpe forte sobre o monstro, que barrou o impacto da lâmina com seu casco. Cassie desviou de um golpe do seu rabo ao rolar para o lado e desferiu um golpe com sua espada contra os calcanhares da criatura, fazendo com que ele urrasse em dor.

— Ssssemideusssesss.

A dracaenae sibilou, disparando na minha direção. Pulei de cima de Matty e lancei uma nova faca que atingiu a mulher no ombro. Ela correu em minha direção a tempo de eu sacar meu guarda-chuva da mochila, usando seu cabo como defesa, chocando-o contra a lâmina da arma que o monstro segurava. Rolei para o lado e desferi um novo golpe em sua cauda que sangrou mais uma vez. Ela parecia cada vez mais brava e se movimentava com mais velocidade.

Matty foi ajudar Cassie com o manticore. Eu conseguia cuidar facilmente de uma dracaenae, uma vez que eram mais fracas. Pulei ao desviar de um golpe e ergui minha perna em um chute forte que causou um som metálico ao colidir com a armadura do monstro. A vantagem foi sua perda breve de equilíbrio que permitiu que eu pulasse para o outro lado e fincasse minha adaga contra suas costas.

A mulher soltou um berro de horror e então girou o tronco, tentando me acertar com a lâmina. Pulei para trás, mas fui pega de surpresa quando seu cotovelo se chocou contra meu rosto, tirando meu equilíbrio. Recuei dois passos e desferi um soco no rosto da mulher, girando o corpo e empurrando seu peito mais uma vez com meu calcanhar. Quando ela parou por equilíbrio, lancei uma nova adaga que acertou-a no quadril, ficando presa entre suas escamas.

 Pulei para trás desviando de um novo golpe da espada, e consegui passar sobre a rasteira de uma das suas caudas. Eu havia acabado de colocar os pés no chão quando sua segunda cauda se enrolou contra meu tornozelo, me puxando rapidamente ao solo. Soltei um grunhido de raiva e dor pelo impacto, mas usei uma de minhas adagas para fazer um corte na região, me afastando quando ela finalmente me soltou.

Sentindo a irritação tomar meu corpo por causa dos golpes que havia levado, observei conforme a mulher erguia sua arma e logo a empunhava bem no meio do meu tronco. Ou seria isso que teria acontecido se eu não soubesse um truque ou dois. Antecipando os movimentos do monstro, concentrei meu corpo e minha mente, fazendo com que minha estrutura fosse substituída por consistência de água, desintegrando minha forma por inteiro, caindo em uma onda transparente ao chão.

O lado bom de um poder daquele – que consumia boa quantidade da minha energia – era ver a expressão de confusão do monstro. Impagável. Eu ainda queria ser forte o suficiente para usá-lo mais vezes ao dia sem desmaiar, mas precisava ainda de muito treino. Da primeira vez em que eu havia descoberto aquela habilidade, apaguei por dois dias inteiros e quase fui morta por Matty e Cassie quando acordei. Ainda assim: a exaustão valia apenas pela cara de retardo e surpresa dos monstros.

E aquilo me comprou um bom tempo. Confusa porque semideuses não deveriam dissolver em água, a dracaenae virou seu corpo em minha busca, permitindo que aos poucos eu recobrasse minha forma e me posicionasse de pé atrás do seu corpo. Saquei duas facas e abri um sorriso divertido, usando meu dedo indicador para cutucar o ombro do monstro. Quando ela virou o rosto por cima do ombro para me olhar, finquei ambos os punhais fortemente em seu crânio que em seguida se dissolveu em poeira preta.

— Espere até eu aprender o estado gasoso, aí sim vai ser incrível.

Comemorei com um sorriso no rosto, me voltando a tempo de perceber que a briga com o manticore ainda não havia acabado. Franzi a testa um tanto confusa, percebendo que meus amigos realmente estavam tendo problemas para enfrentar aquele monstro, o que era estranho, uma vez que já havíamos derrubado criaturas maiores em muito menos tempo.

Corri em direção ao conflito para ajuda-los e lancei duas adagas na direção da besta, pronta para vê-lo gritar em dor como de costume. Ambas voaram apontadas diretamente para a pele da criatura,  mas quando suas lâminas se chocaram contra o corpo, bateram e caíram no chão inutilmente, como dois insetos tontos. As duas armas se desfizeram em poeira e logo ressurgiram em minhas mãos, mas eu apenas as segurei por um segundo, observando a cena em completo choque. Espere um pouco.

Cassie batia sua lâmina fortemente contra a criatura, mas isso não parecia machucá-lo. Eu já havia visto a foice de Matty desintegrar os maiores monstros, mas não parecia surtir efeito com o manticore. A menina loira rolou para o chão quando foi atacada pelo ferrão de escorpião do monstro e apoiou suas mãos contra uma árvore, fazendo com que suas raízes se erguessem do chão e envolvessem o corpo da criatura como cordas.

Os grandes braços de madeira seguraram a criatura que logo começou a se debater, mas eram grandes e fortes demais para que ele de fato conseguisse sair. Cassie e Matty suavam muito e ambas as respirações estavam altas pelo cansaço. Por um momento nos entreolhamos, observando o bicho em completa confusão. Nós três sabíamos muito bem que um manticore não deveria ser difícil assim de se matar, e que ele provavelmente estava usando algum tipo de esteroide divino, mas não conseguíamos achar uma explicação plausível. Alguma coisa estava muito errada.

— É impressão minha, ou...

Eu nem tive tempo de terminar a minha fala. Os movimentos do monstro começaram a ficar um pouco fortes demais, e em questão de segundos seus braços começaram a torcer as raízes que aos poucos cediam. Meus olhos se arregalaram e antes que pudéssemos fazer alguma coisa, as amarras grossas que continham o manticore foram completamente rompidas, fazendo farpas voarem na direção de todos.

Os olhos de Cassie se arregalaram e seu rosto perdeu a cor.

— Não pode ser!

— Semideuses idiotas!

O monstro riu, se divertindo com o choque generalizado. O breve momento de paralisia foi suficiente para que o manticore balançasse seu corpo e atirasse espinhos em nossa direção, voando tão rápido que por pouco não consegui desviar.

Me joguei no chão, sentindo uma ardência terrível tomar meu rosto, e apalpei a lateral da minha bochecha, sentindo o molhado do sangue que escorria de um arranhão. O espinho do tamanho do meu antebraço por muito pouco não atravessou minha cabeça, e meu cansaço não ajudava para minha recuperação.

Matty se lançou no ar para tentar desviar de um dos espinhos, mas logo pude ouvir um grito de agonia deixar seus lábios conforme ele despencava de uma altura de mais de dois metros. Senti todo o meu corpo se arrepiar e o desespero tomar conta de mim.

Me coloquei de pé, sentindo a adrenalina tomando o meu corpo, me mantendo sobre meus joelhos com dificuldade por conta do cansaço. Eu havia esgotado os meus poderes com o pequeno truque com a dracaenae e agora eu era quase inútil. Mas o ódio e a indignação serviram como potenciais para que eu disparasse em direção ao monstro e, com um grito, pulasse para fincar minha adaga contra a sua pele.

Ele deveria explodir em poeira, mas isso também não aconteceu. Onde minha adaga atingiu, havia um corte e sangue escorria de um ferimento, mas definitivamente era leve demais para o golpe que ele havia tomado. O manticore não pareceu feliz, e após soltar um grito de dor, ele chocou suas mãos contra meu peito, atirando meu corpo para o outro lado da clareira.

Soltei um grunhido pelo impacto, mas logo me coloquei de pé para atacar. Saquei minha adaga foiciforme e me preparei para correr em sua direção, mas fui impedida quando vi o monstro agarrar Cassie que ainda estava apoiada contra o tronco da árvore, e apertá-la em seus braços.

Arregalei os olhos e senti o pânico me tomar conforme um sorriso divertido se formava no rosto do monstro. Meu corpo inteiro experimentou de uma sensação terrível de desespero e por um momento pensei que eu fosse enfartar. E com a voz áspera e cruel, consegui ouvir a criatura apenas dizer algo que não fez sentido algum:

— Três de doze.

E com essas palavras, ele foi sugado sombras adentro.

— Cassie!

Gritei com todas as minhas forças, disparando em direção a onde eles estavam, mas não havia rastros do monstro ou da minha melhor amiga. Completamente em choque e sem compreender como um monstro poderia ter a habilidade de viajar nas sombras, senti meus joelhos cederem e meu corpo despencar contra o chão, sentindo uma dor horrível toma-lo em instantes.

Meus olhos ardiam, lágrimas desciam pelo meu rosto sujo de terra e sangue, e eu me sentia derrotada. Eu nunca senti uma dor daquele tamanho. Era como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, como se eu tivesse perdido uma parte da minha alma. Soltei um grito de dor e soquei o chão em frustração, sentindo um ódio escaldante dominar o meu corpo completamente. Meus dentes se pressionavam tão fortes contra os outros, que por um momento pensei que iria quebra-los.

Eu fui apenas trazida de volta ao meu corpo quando ouvi um grito de dor de Matty, que me trouxe de volta à realidade e fez com que eu esquecesse dos meus próprios ferimentos. Disparei em direção ao rapaz caído no chão e arregalei os olhos quando encontrei um espinho do tamanho de um espeto de churrasco afundado até a metade do ombro do seu ombro.

Fitei o rosto pálido de Matty, gritando mentalmente para que eu não entrasse em desespero. Eu tinha que fazer alguma coisa!

Sem pensar duas vezes, arranquei o cinto da cintura do moreno, e coloquei-o contra os seus lábios conforme ele segurava o próprio braço e grunhia de dor. Eu tinha que tirar aquilo dele, principalmente se existia a mínima possibilidade de estar envenenado. Senti meu estômago embrulhar e o desespero me tomar apenas ao pensar naquela possibilidade. Eu não conseguiria viver se algo acontecesse com Matty também.

— Morda. - Falei em tom imperativo, tentando ignorar os olhos azuis que me encaravam em tom de dor. O rosto de Matty estava manchado de suor, terra e sangue, o que me dava ainda mais desespero. Minhas mãos tremiam conforme eu segurava o couro contra os seus dentes. - Rápido!

— Tira isso rápido!

Ele implorou, logo mordendo o cinto como eu havia pedido. Concentrei minha atenção no espinho atravessando a pele do meu amigo e respirei fundo. Tentei posicionar a mão para segurá-lo, mas hesitei. Eu tinha medo de fazer alguma besteira.

— Vamos lá, garoto de Eólo.

Falei em tom encorajador, mas não soube muito bem se era para ele ou para mim. Talvez eu estivesse tentando me dar forças com aquelas apalavras também, mas tudo o que recebi de Matty foi um olhar de repreensão. Assenti. Ok, é agora.

Ergui as mãos e mirei no espinho, respirando fundo. Meus dedos tremiam e eu estava morrendo de medo de machucá-lo ainda mais, mas eu sabia que tinha que fazer aquilo. Um simples toque seria capaz de fazer meu amigo desmaiar de dor, então eu tinha que ser bem rápida. Prendi a respiração e senti meu coração acelerado em meu peito, pronta para puxar aquele maldito.

— Não, não, não! Espere! - Matty gritou segundos antes da minha mão quase tocar no espinho. Ele choramingou apoiando a cabeça contra o chão e fechou os olhos apertados, como se tentasse se preparar para a dor. Ele parecia estar realmente agonizando. - Conte até três!

— Tudo bem. - Assenti, observando-o cuidadosamente. Matthew suava frio e seu rosto estava vermelho de tanto esforço que ele fazia pela dor. Aproximei a mão do espinho, mas não o toquei até que estivesse pronta para arrancá-lo. E então contei: - Três!

Dizendo o único número, puxei o objeto fortemente da pele do rapaz, fazendo com que ele saísse inteiro contra meus dedos. Joguei-o sobre o chão e olhei enjoada para as minhas mãos banhadas de sangue. Tirei da bolsa uma camisa e a amarrei contra o ferimento tentando estancar o sangue. Quando olhei para Matty, senti uma felicidade enorme me tomar ao encontrar sua expressão de indignação.

— O que aconteceu com o um e o dois?!

Ele berrou, fazendo com que um sorriso largo se abrisse em meu rosto.

—... Dois, um.

Dei de ombros, me sentando sobre o chão empoeirado e respirando fundo. Apoiei os braços atrás do corpo e permiti o ar entrar e sair do meu pulmão. Minhas mãos tremiam e estavam todas raladas.

Não importava quanto eu estivesse mal, Matty estava pior. Ele tentou se sentar, mas quando o fez, cambaleou para trás e ficou ainda mais branco. Segurei seu tronco antes que ele batesse a cabeça e apoiei seu rosto contra o meu colo. Prendi a respiração, sentindo uma mistura estranha de alívio e desespero me dominar completamente. Acariciei o rosto do rapaz, contente por ele estar bem, mas ainda tomada pela sensação horrível de não ter Cassie ali.

— Acha que esse espinho era envenenado?

— Para doer daquele jeito? Sim. - Ele assentiu em voz fraca. – Você também está vendo estrelas?

Encarei o rapaz me perguntando se ele estaria brincando, e cheguei na péssima conclusão de que ele falava sério. Abri minha mochila, retirando minha última porção de ambrosia, e levei o alimento dos deuses aos seus lábios, rezando silenciosamente para que ele ficasse bem e parasse de ver estrelas em pleno meio dia. Matty não parecia ruim o suficiente para morrer, mas eu quis ser cuidadosa. Meu coração doía bastante em meu peito e aos poucos meu corpo pesava ao perceber que Cassie não estava mais ali. Senti meus olhos arderem como nunca antes.

— Matty... Cassie, ela...

— Eu sei.

O moreno respondeu em tom profundo, com uma voz tão grave e melancólica que nunca pensei que ouviria dele. Nós dois estávamos desolados e de repente a floresta ficou ainda mais silenciosa.

— Eu não pude fazer nada, eu...

Solucei conforme lágrimas caíram por meu rosto. Havia muito tempo desde a última vez em que eu havia chorado. Eu odiava demonstrar qualquer tipo de fraqueza, mas naquela situação era inevitável. A dor que eu sentia era muito forte e eu me odiava por não ter conseguido alcança-los a tempo. Eu sentia raiva, frustração, tristeza e uma vontade enorme de fazer um ornamento com a cabeça daquele manticore, e eu teria feito um discurso sobre tudo isso se Matty não tivesse me interrompido no momento em que comecei com minhas palavras.

— Ela ainda está viva, ok? Não sabemos o que aquele monstro fez com ela, ela pode estar sendo feita de refém.

— Quando eles sumiram, ele disse algo como “três de doze”. – Respirei fundo, enxugando as lágrimas que ainda caíram. Eu me concentrava em parar de chorar. – Eu não tenho ideia do que ele quis dizer com isso!

— Ela pode ainda estar viva. – Matty repetiu mais para ele do que para mim. – E vamos pagar para ver, certo? – Ele me olhou em tom esperançoso, fazendo com que eu fungasse. – Digo, se existe a menor, a menor possibilidade de Cassie estar viva, nós vamos atrás para descobrir.

Ouvir aquelas palavras foi como uma injeção de esperança em meu corpo. Matty tinha razão e não deveríamos encarar a menina como morta quando ainda havia possibilidade de resgatá-la. Eu atravessaria desertos por Cassie e daria a minha vida, se preciso, tentando salvá-la. Matty e eu não tínhamos ideia de por onde começar, mas eu me dedicaria àquilo. Eu não descansaria até tê-la segura conosco mais uma vez, e aquela dedicação parecia ser partilhada pelo rapaz também.

— Ok, sim. Vamos acha-la.

Falei decidida, ciente de que eu estaria disposta a fazer o que fosse preciso. Matty soltou um suspiro aliviado e então assentiu, formando uma expressão de dor quando movimentou seu corpo para se ajeitar melhor em meu colo. Ele me fitou com os olhos azuis, me observando em tom completamente sério.

— Mas nós precisamos de ajuda.

Engoli em seco ao absorver suas palavras e senti um embrulho incômodo em meu estômago. Sempre éramos Matty, Cassie e eu, e nunca havíamos recorrido a qualquer outra pessoa. Eu costumava enfrentar as situações – por mais desafiadoras que fosse – sozinha e eu não gostava da possibilidade de envolver mais alguém em meus problemas. Ainda assim, a forma com que nós três havíamos apanhado para um único monstro tirava a minha confiança, mas não conseguia deixar de sentir medo com o que ele iria sugerir.

— Se treinarmos, se nos preparamos, eu acho que nós...

— Nós não seremos úteis para Cassie se formos mortos. - Matthew me encarou em tom duro, fazendo com que eu engolisse em seco. Geralmente eu era a pessoa que trazia seriedade para os assuntos, mas o rapaz parecia estar tendo sucesso naquele papel também. E a pior parte é que eu sabia que ele tinha razão. - Nós precisamos de mais gente, de número. Não temos chances sozinhos, aquele monstro definitivamente não era comum.

Eu quis gritar. Geralmente eu era a cabeça dura e costumava não concordar com ideias muito inovadoras, mas estava realmente desesperada. Eu tinha medo do que iria vir como uma sugestão, mas eu teria que engolir qualquer tipo de orgulho para conseguir salvar a vida de Cassie, e aquela era a minha única prioridade. Não estar em posição de escolher ou no controle da situação era incrivelmente frustrante, e eu queria socar Matty por mais que ele estivesse coberto de razão.

E por isso, respondi antes que eu pudesse muar de ideia:

— Ok. O que você sugere?

— Eu nunca pensei que eu diria isso, mas... Temos que ir ao Acampamento Meio-Sangue.


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Notas finais do capítulo

Obrigada!



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