Quebrei minha casca escrita por Eduardo Marais


Capítulo 32
Atribulações




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Kane entra na sala e encontra toda a equipe de Regina reunida. Faltava apenas a chegada do chefe para que as informações fossem atualizadas e imediatamente, ele sente que algo no ambiente não estava ameno ou para brincadeiras.

— Vim tão logo consegui terminar a reunião com outra equipe.

Regina aponta uma cadeira para que ele se sentasse. Não era um convite, mas uma ordem muda e imperativa demais para uma subordinada. É atendida.

— Yose e eu fomos para São Francisco apenas para despistar possível seguidores. De lá, embarcamos para Nova Orleans e fomos acompanhados pelo Chefe de Polícia Sr. Gold. Ele nos acompanhou o fim de semana inteiro e conseguimos obter informações valiosas.

— Você me desobedeceu e ainda passou por cima de minha autoridade, Regina? – Kane se altera, mas para de falar quando vê o gesto da policial.

— O final de semana era meu e eu poderia fazer o que quisesse com ele. Não gastei verba oficial e arquei com todas as despesas. Além disso, o Governador deu ordens para que o Chefe Gold nos atendesse e facilitasse o nosso trabalho. E foi o que aconteceu.

— O Governador Thomaz? E o que ele tem a ver com sua investigação?

Regina aponta para Yose, sentado num canto da sala e inexpressivo como se fosse um manequim de loja. Bizarro e divertido com seu gorro de lã vermelha.

— O Governador está fazendo de tudo para agradar Yose e depois conseguir autorização para reconhece-lo como filho biológico. Enquanto isso não acontece, ele cede a todos os desejos e pedidos de Yose.

— A invasão da comunidade pela tropa de elite...

— Foi um pedido meu. – Yose levanta o queixo. Estava contrariado e sonolento.

 

Kane olha para todos os policiais na sala e percebe que a informação já era conhecida.

— E vocês conseguiram informações sem mandatos? Fizeram tudo fora da lei? Qualquer júri irá desmontar os resultados, caso...

— Eu não estou pedindo as suas considerações, Kane. – Regina o interrompe e gesticula para que Akinnagbe começasse a exibição da mídia conseguida em Nova Orleans. – Conseguimos esse material em um cofre de agência bancária e era o salvo conduto de Radu. Tenho convicção de que esse é o cerne que culminou com as mortes.

O policial inicia a exibição e Kane começa a sentir-se incomodado com o que poderia vir mais adiante.

Quando o conteúdo dos vídeos começa a ser revelados, Regina sente seu estômago embrulhar-se. Eram cenas de festas com pessoas bem vestidas, animadas, drogadas ou bêbadas, assistindo o açoitamento de homens despidos e amarrados a uma coluna. Cada um dos presentes da festa, tinha o direito a chicotear o prisioneiro, provocando dor e sangramento, até o desfalecimento dele.

Numa das cenas, o açoitamento é violento. Muitos convidados se deleitavam com a dor do prisioneiro e até arriscavam lambidas no sangue que escorria ou aproveitavam-se dos gotejamentos para incrementarem o sabor de suas bebidas. Muitos exibiam seus rostos sorridentes e alucinados, fazendo caretas para a câmera e pouco se importando em produzirem provas contra si mesmo.

Mas pelas tantas, alguém grita e comunica que o “escravo” estava morto. Uma comoção se inicia e o desespero toma conta dos presentes. Discutem, brigam, xingam-se até que Manson aparece na cena e pede para que a câmera seja desligada.

O que ocorre é que o cinegrafista finge desligar o objeto e continua filmando, com a câmera deitada. A cena de discussão de Manson e de Vladimir é intensa. Eles ordenam que a sala seja esvaziada porque iriam providenciar a vinda do “Limpador” para que fosse dado um sumiço no corpo. Manson faz ligações desesperadas e depois providencia a retirada do corpo do jovem de sua prisão.

Mais dois homens aparecem na cena e enrolam o corpo do rapaz num cobertor. Tudo sendo filmado pela câmera deixada sobre algum móvel como se estivesse desligada. A proteção do corpo e o seu carregamento é filmado e com áudio. Inclusive o rosto do cinegrafista, quando ele se aproxima do visor e desliga definitivamente.

— Eu já havia ouvido falar desses encontros de tortura sexual, mas nunca tinha visto um. – comenta Kane se repugnando. – Tenho muitos anos como policial e sempre sou surpreendido pela crueldade humana.

— Este vídeo foi suave em relação aos que já presenciamos, com mutilações de pessoas ainda vivas. O grito e a dor é a fonte de prazer desses maníacos. – Akinnagbe retira a mídia com os filmes. – Radu estava de posse desses vídeos e por isso teve de fugir, depois das três mortes.

— Ele queria investimento para abrir a própria boate e estava usando os vídeos como forma de obter o dinheiro. Mataram os outros por causa dos vídeos, mas nunca conseguiram encontrar o material. – Ruby começa a armazenar o material com cuidado. – Temos material para efetuar várias prisões.

Regina concorda com um movimento de cabeça. Ainda se sentia muito chocada e estava decidida a não permitir que Yose retornasse para aquela boate, mas teria de ser cautelosa e não amedrontar ainda mais o empresário, já incomodado pela situação da irmã.

— Esse material é importante demais. Precisa ser enviado para a análise de sua veracidade e depois anexado com prova. – Kane se mostra estarrecido.

— Está é apenas uma cópia, Kane. O original foi enviado para análise, sim, mas fora deste Distrito. Em dois dias receberemos os resultados. Entretanto, o que considero mais perigoso ainda não lhe revelei.

— Há mais coisas? Primeiro, fico sabendo que o Governador é pai de Yose; segundo, vejo essas cenas horrendas e incriminadoras.

Regina e Yose se entreolham.

— No apartamento, encontramos um cofre cujo conteúdo é apenas de uma mulher apaixonada pelo seu homem. Fotos do casal, cartas, embalagens de bombons e outras recordações românticas. – Regina toca suavemente noutra caixa com inscrições japonesas. – O apartamento onde Radu esteve na tarde antes de fugir, pertence a Miwa Miamuki Kane.

O corpo de Kane sofre um choque e ele sente a cabeça girar. Segura-se à mesa para não cair da cadeira.

— Mia Kane era sua esposa e as fotos são suas e dela.

— O que está dizendo?

— Radu estava no apartamento que pertencia à Mia. E, além disso, um dos números de celular que aparece nas ligações dos dançarinos, também pertencia a ela. Você sabia deste apartamento em Nova Orleans? Mia lhe contou sobre este apartamento?

O rosto de Kane passa pelas mais diversas expressões e emoções.

— Sim! Ela me disse sobre um apartamento onde morava quando cursava fotografia em Nova Orleans. Não era segredo. Quando ela morreu, coloquei todas as despesas do apartamento em débito automático para não ter preocupação. Nunca fui até lá!

— Radu tinha acesso à casa e ia com frequência lá. Segundo o síndico, era um refúgio dele e abrigou os outros dançarinos, inclusive. Mas ultimamente, apenas Radu ia para lá. Qual é sua ligação com aqueles dançarinos? Quem é Charles Russo, o tal amigo de Mia que possuía as chaves e livre acesso ao imóvel? Como ele conseguiu as chaves do apartamento de Mia, sem o seu consentimento?

Kane fica completamente sem ação. 

— Estou envolvido nas mortes dos dançarinos?

— Sua presença é bem relacionada a isso, Kane. Como vai explicar o uso do celular de Mia em contato com as vítimas? E como explicará o uso do apartamento? Quem tinha autorização para emprestar o imóvel sem o seu consentimento? Quem é esse Charles?  - Regina se mostra irritada demais. - Eu sinto muito, mas não posso omitir essas informações, quando entregarmos todo o processo e as evidências para as instâncias superiores. O que me sugere?

— Sugiro que você providencie lugar seguro para todas essas provas. Está perto demais dos criminosos e pode haver retaliações. Vou expor suas descobertas para a Prefeita Cora e para meus superiores.

Regina concorda e tenta sorrir. Pela frieza de Kane, ou estava controlado demais ou era inocente.

— Radu e os dançarinos estavam usando vídeos de orgias e de um assassinato, para chantagear alguém. Manson aparece nas filmagens e ele ordenou a ocultação de um cadáver. Precisamos pedir a prisão dele.

Kane concorda com a cabeça baixa.

— Faça isso. Explique tudo ao juiz Norton e solicite com urgência o mandato, antes que Manson fuja. Ele deve estar atento, porque Anadette já se apresentou aos superiores dela. É tudo uma questão de tempo até que Mason seja intimado. – ele se levanta com dificuldade e aponta par Yose. – Podem usar a influência de Yose sobre o Governador e cortar caminho.

— Meu nome não está associado às mortes, Kane. – o policial mais jovem o desafia. – Não tente mudar o foco das atenções.


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