Quebrei minha casca escrita por Eduardo Marais


Capítulo 2
Mais uma manhã


Notas iniciais do capítulo

Steve Segal como Chefe Kane. ( Justiça Implacável)
Marcos Khan como Marcus.



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Regina chega devagar e vai direto para a sala de reuniões. Observa Kane lutando contra a tecnologia, tentando preparar o telão para exibir os slides.

— Tecnologia e Kane: acho que este casamento jamais dará certo.

As sobrancelhas de Regina se movem rapidamente junto com um sorriso. Toma a dianteira e assume a preparação de todo o maquinário e empurra o Capitão, abrindo espaço com seu corpo. Em algum momento, ela se ajoelha para organizar os fios e sai do campo de visão de quem chegava à sala, dando a impressão de que não havia alguém próximo à mesa.

Dois policiais entram na sala e continuam sua conversa iniciada no corredor. Riam de algum assunto que parecia ser muito engraçado.

— E imagine você que recebi um convite para ir à casa de Regina, ontem depois do expediente. Depois de um dia agitado e cansativo, receber um convite dela foi algo incomum. Eu fiquei assustado e coagido!

— E o que ela queria, Taylor? – o outro policial começa a rir ainda mais. – Queria propor uma competição para saber quem tem o pênis maior? Ou de quem mijava mais longe?

Os dois explodem numa gargalhada maldosa.

Ainda abaixada atrás da mesa, Regina se sente pequena e reduzida ao escárnio daqueles risos. Queria encontrar uma passagem na parede e desaparecer dali. As piadas estavam se tornando cada vez mais cruéis, criticando a sua falta de feminilidade e de vaidade. No começo elas eram engraçadas, mas com a proximidade de convivência, seus colegas estavam ficando cada vez mais intolerantes com o seu estilo de ser. Estavam esquecidos da existência de sentimentos e emoções, porque o importante para eles era rir das piadas mais divertidas, mesmo que viessem acompanhadas de humilhações.

Permanecer abaixada? Ficar escondida até que eles saíssem? Esperar que o assunto perdesse a graça?

Ela se levanta e encara os dois policiais, invertendo a situação de vergonha. Olha-os com o mais absoluto sarcasmo e espera alguma reação que não vem. Eles apenas se entreolham e tentam encontrar alguma saída honrosa para aquela situação.

             São salvos pela chegada de outros policias à sala de conferencia, cada um preocupado em encontrar um lugar para sentar-se e aguardar o retorno de Kane para o início da reunião. Regina sorri de canto de boca e retoma seu trabalho em preparar o telão. Desgraçados! Ela iria lembrar-se daquelas frases, por um longo tempo, até que o prato da vingança estivesse frio.

— Bom dia, senhores e senhoras! – Kane retorna para a sala carregando algumas pastas e sem perguntar se poderia ter feito ou não, as coloca nas mãos de Regina e a compele a distribuir o material entre seus colegas.

Quando ela se aproxima dos dois policiais piadistas, joga as pastas no chão, próximo aos pés deles, deixando-os com a mão estendida com a intenção de pegá-las. Regina se afasta e vai sentar-se num canto lá trás, controlando a vontade de chorar.

— Temos mais um caso de ataque a outro dançarino da boate Falcões Noturnos. O mesmo modus operandi está mostrando que o assassino está querendo deixar sua assinatura ou simplesmente brincar de adivinha.

— São aqueles gays que ficam rebolando para as mulheres ricas? – Marcus fala alto e se senta ao lado de Regina. Acaricia os cabelos dela. – Talvez seja algum marido traído! Ser traído é doloroso, mas sua mulher o trair com um dançarino gay, é humilhante!

— Não! São pessoas que estão sendo privados da vida, Marcus. Isso deve ser respeitado por nós, porque somos obrigados a seguir as normas e preservar a segurança de todos os cidadãos. Estamos aqui para proteger qualquer forma de vida.

— Desculpe-me por falar a verdade.

Os outros policiais acham graça e não seguram suas risadas debochadas. Rir dos outros é sempre tão divertido! Principalmente, quando o motivo da piada não pode expor sua indignação.

Os olhos de Regina continuam presos nos dois policiais piadistas, sentados mais adiante na sala. Os dois eram mais animados com as palavras de seu parceiro Marcus, mostrando que já haviam se esquecido daquelas palavras malditas e ofensivas contra ela.

— A nova vítima foi identificada como Mike Landolphi, contratado como dançarino da boate há um ano. Foi encontrado ontem em sua casa, amarrado, banhado e untado com óleo de calêndola, além de ter o ânus suturado. O desenho de uma montanha japonesa estava na parede sobre a cabeceira da cama. Não havia sinais de violência física, luta e os peritos não encontraram sinais de outra presença na casa. O carro da vítima foi encontrado há quilômetros do condomínio.

— Com este são três mortos. – Marcus aponta para o painel. – Essa boate é frequentada por pessoas com muito dinheiro e vão abafar o caso na imprensa.

— Mas não conseguiram até o momento. Os telejornais e imprensa oficial relatam pouquíssima informação, mas as redes sociais estão divulgando a existência de um serial killer. – Kane fala sem entonação.

Regina lê as informações expostas no painel, mas aquilo não despertava sua atenção. Estava triste demais para conseguir concentrar-se em alguma coisa mais importante que sua autocomiseração.

— Como estamos com muitos casos e pouco pessoal para o trabalho, pensei em pedir ajuda à equipe do Colby, mas preciso pedir permissão aos meus superiores. A Prefeita quer a cabeça do assassino.

— Por que o tempo todo você se refere a um assassino? Não há violência física em vida, então, pode ser autoria de uma mulher. – Regina fala sem levantar os olhos de suas anotações. – São tres vítimas e em nenhum dos casos houve arrombamento da casa, sinais de luta e expressões de horror nos mortos. Estavam todos serenos e foram drogados antes de serem ritualizados e mortos.

— Uma mulher não teria força física para carregar o corpo de um homem dopado, despi-lo, banhá-lo e depois deitá-lo sobre a cama para começar o ritual de assinatura, Regina. – Kane é enfático.

— E se forem duas ou mais mulheres? São detalhes demais, para serem pensados por um homem. Mesmo que ele seja efeminado ou que tenha alma feminina.

Um burburinho surge entre os policiais. Por haver muitos casos para que se ocupassem, aquele não estava sendo encarado como prioridade e muitos questionamentos não haviam sido feitos. Até aquela manhã.

— Eu terei uma reunião depois do meio dia, com a Prefeita de nossa cidade e ela já adiantou que quer conversar sobre estes casos. – Kane se mostra incomodado.

— A nossa Prefeita também é frequentadora da boate?

— Pergunte a ela, Marcus. Você irá comigo a esta reunião.

O homenzarrão salta de sua cadeira e nega com movimentos do dedo indicador. Os outros policias riem debochando da reação do homem grande.

— Eu tenho alguns traficantezinhos amadores para chutar a bunda! Não vou mudar meu foco de investigação, esses moleques estão pensando que são chefões e eu discordo deles! Vou cortar o mal pela raiz! Minha prioridade é evitar que crianças sejam seduzidas pelo mundo das drogas e não ficar vigiando o cu de dançarinos gays, para evitar que sejam costurados.

Novamente, conversas paralelas surgem para interromper ou complementar a reunião.

— Posso ir no lugar de Marcus. – Regina se manifesta timidamente.

— Você é minha parceira e vai chutar algumas bundas comigo!

Kane sorri e concorda com Regina, ignorando a forma imperativa do policial careca.


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