Sobre Nós Dois escrita por calivillas


Capítulo 29
Acuados




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Barcelona, 19 de julho de 2016

Deitados na cama, na penumbra do quarto em silêncio, Lara e Carlos observavam as cortinas da janela voarem ao sabor da fresca brisa da noite.

— Por mais que desejamos esquecer, o passado sempre nos acompanha como uma sombra — Carlos disse, olhando para o tempo, depois de um breve silêncio.

— Você está falando isso por causa da conversa de mais cedo, sobre a história que lhe contei, no museu de Picasso, sobre o homem que...

— Que abusou de você — Carlos completou, com certo rancor.

— Eu disse a você que só quero esquecer – Lara insiste.

— Bem que eu gostaria que fosse tão fácil assim, só querer e pronto, tudo se apaga. Mas, mais cedo ou mais tarde, o passado volta nos assombrar, se escondendo nas sombras pronto para pegar você.

— Você fala com tanta amargura, como se soubesse.

— Eu, também, tenho minhas sombras e fantasmas, porém, diferente de você, não quero esquecê-las, Lara.

 

Valverde, 28 de março de 2017

Quando o cortejo saiu da igreja em direção ao cemitério, Lara ficou para trás, não pretendia ir mais além, e apesar da longa distância, voltou andando para casa. No meio do caminho, a chuva caiu forte, mas ela não se importou, seria bom para purificar sua alma, pensava que só queria arrumar as malas e sair dali, voltar para seu apartamento e para sua vida de antes, só estava naquela cidade por causa do seu pai, mas, no fim, sua presença não tinha sido de grande ajuda, já que estava há muito tempo afastada da sua família, eles viviam bem sem a sua presença. Entretanto, com a morte de Ricardo não poderia fazer isso, sem despertar suspeitas.

Ao chegar em casa, estava completamente encharcada, seria melhor entrar pela cozinha para não molhar o piso da sala. Circundou a casa e entrou pela porta dos fundos, no corredor, em direção ao seu quarto, escutou sua mãe conversando com alguém na sala, uma voz masculina desconhecida.

— Lara! Você chegou? — Ouviu a mãe gritar ao pressenti a sua presença.

Ficou em dúvida em que fazer.

— Sim — Enfim, respondeu.

­ — Você tem visita.

Mesmo estranhando, considerando que quase toda cidade estaria no enterro, Lara foi até a sala, encontrou a mãe e pai sentados no sofá, ela conversava com um homem grande e desconhecido, que usava um terno barato, mais bem cuidado.

— Meu Deus! Olhe o seu estado, vou pegar uma toalha para você se secar! – A mãe se ergueu em um pulo. – Ah! Esse é o detetive Ramos. Ele está aqui para conversar com você sobre o acontecido com o senhor Hernández – disse de um jeito grave.

Lara estranhou essa visita, bem no dia do tão concorrido enterro.

— Deve estar estranhando minha vinda aqui na hora do enterro, mas eu contei com a sorte — Ele se levantou, deve ter lido sua expressão. — Se a senhorita preferir trocar de roupa antes da nossa conversa.

— Não, obrigada, pois essa conversa deve ser bem rápida. Não tenho muito a falar. Mas, não deveríamos estar em uma delegacia?

— Em outra oportunidade, não é um depoimento oficial, como eu disse é apenas uma conversa reservada.

— Claro — Lara deu de ombros, sentando-se em uma cadeira, o homem retornou ao seu lugar.

— Vou levar seu pai para descansar e trazer uma toalha para você – Marta disse, já se erguendo e arrastando o marido para o quarto.

— E qual é o tipo de conversa reservada que o senhor quer ter comigo, detetive Ramos?

— A senhorita já deve saber qual é o assunto: assassinato do senhor Ricardo Hernández.

— E em que posso ajudá-lo quanto a isso? Eu não sei de nada – Lara se esforçava para manter a voz firme.

— Onde a senhorita estava na manhã da morte do senhor Ricardo Hernández?

— Quase o tempo todo em casa. Mas, eu sou suspeita?

— Só estamos falando com todos que tiveram algum tipo de relação com o senhor Hernández.

— Uma relação?

— Sim, senhorita, tivemos informações que você e o senhor Hernández tiveram uma relação bem intima tempos atrás, que eu diria que seria até mesmo criminosa da parte dele

— No entanto, essa relação, como outras, foi mantida em extremo sigilo. Deve ser por isso que estamos tendo essa conversa aqui, na minha casa, e não em uma delegacia - Lara deu um sorrisinho irônico, não permitiriam que a memória de Ricardo fosse maculada com acusações de pedofilia

— Meu superior pediu para que eu fizesse isso, fora de lá. Sendo assim, a senhorita teria um bom motivo para matar o senhor Hernández.

— Eu já superei o que aconteceu.

— Contudo seria muito difícil deixar para trás algo assim.

— No entanto, eu consegui, fui embora dessa cidade, construir uma nova vida longe daqui. Se era só isso que queria saber de mim, podemos continuar essa conversa na delegacia, uma próxima vez. Preciso trocar de roupa agora.

— Claro, senhorita. Entraremos em contato muito em breve. Boa tarde.

— Boa tarde, detetive.

Quando Lara fechou a porta, logo após a saída do policial, solto com força o ar preso no peito, tinha consciência que aquele poderia ser só o começo. A roupa fria e úmida e o nervosismo a fizeram tremer intensamente. Sabendo que precisaria esperar, não podia dar nenhum passo em falso para não ser incriminada, por um crime que não cometeu.

A sair do banho, enquanto se vestia no seu quarto, ouviu o telefone tocar, para sua surpresa, era Carlos.

— Como você está?

— Bem, mas não é arriscado você me telefonar a essa hora.

— Não, está tranquilo, há vários convidados na sala, deixando Régis e Joana ocupados. Enquanto, Roberta está dormindo, sedada, outra vez. Ela está reagindo muito mal a essa situação.

— Roberta sempre foi muito mimada, nunca teve problemas sérios na vida, não sabe como lidar com eles.

— Eu a vi na igreja hoje, depois você desapareceu.

— Não podia continuar escutando todas aquelas bobagens. Eu só queria ir embora dessa cidade.

— Eu também, mas não podemos despertar suspeitas infundadas, sobre nós dois. Mas, queria tanto ver você, sinta muito a sua falta. Logo, estará tudo terminado, poderemos seguir nossa vida em paz.

— Um policial esteve hoje, aqui em casa, para conversar sobre o crime.

— Por que na sua casa?

— Por causa da minha história com Ricardo, mas não querem que essas histórias venham em público sem razão. Não querem manchar a memória do grande homem.

— Podemos nos encontrara no nosso lugar?

— Não, pois tenho certeza que estamos sendo vigiados, não podemos correr mais riscos.

 

Ao correr do dia, Lara aguardou por alguma intimação para que fosse depor na delegacia, sentia-se acuada, mesmo não sendo culpada, considerava a hipótese que alguém poderia acusá-la pelo crime, já que, ela havia visto o corpo de Ricardo no local da sua morte original, sabia que ele não morreu no carro, a perícia com certeza descobriria isso, mais cedo ou mais tarde, e se pesquisassem um pouco mais descobririam a chácara e a sua ligação nessa história. 

Mas, para o seu espanto quem telefonou e, dessa vez, foi Roberta.

— Você não veio me ver nem foi ao enterro do meu pai! — Cobrou em tom choroso.

— Claro que eu fui vê-la, só que você estava dormindo e estive na igreja hoje pela manhã.

— Por favor, venha me ver, Lara — suplicou, de um modo manhoso.

— Não sei se é o momento certo — Lara receava a reação de Joana com sua presença na casa deles.

— Por favor, Lara.

— Então, eu irei amanhã, encontrar com você.

— Mandarei um carro cedo ir buscá-la, na sua casa.

— Está bem. Até amanhã, Roberta.

— Até manhã, Lara.

Na casa do Hernández, Roberta desligou o telefone no quarto mergulhado na penumbra, quando alguém bateu na porta e entrou.

— Como você está, Roberta? — Carlos perguntou com a voz suave.

— Estou melhor agora. Quero ir lá para baixo, ficar com os outros.

— A casa está mais calma. Régis mandou todas as gralhas embora, dizendo que a família precisa de paz.

— Que bom.

Como Carlos disse, a casa estava bastante tranquila e silenciosa, finalmente, Régis teria um pouco de paz para relaxar. Serviu-se de uma boa dose do uísque dez anos, imediatamente, lembrou-se do tio, com uma certa nostalgia, apesar de tudo, sentiria falta dele. Ouviu um barulho atrás de si, virou-se assustado, os nervos andavam à flor da pele nos últimos tempos, encontrou Felipe parado sob o batente da porta.

— Desculpe, não queria assustar você — o rapaz disse, sem graça.

— Tudo bem, só estou um tanto agitado com tudo que anda acontecendo, nesses últimos dias.

— Só queria saber como você está. É muita pressão, mas você está se saindo muito bem — falou, com um sorriso de cumplicidade.

— Você acha mesmo? — Régis sentiu uma ponta de orgulho.

— Sim, eu acho, poderia dizer que me surpreendeu, mas eu já esperaria algo assim de você.

— Obrigado. Mas, agora, o turbilhão já passou, felizmente, tenho um pouco de paz, pelo menos, por algum tempo.

— Já tem alguma ideia de que possa ser o assassino? — Felipe indagou com ar de interesse.

— Não, pelo menos, a polícia não comentou nada.

— Bem, é isso! Só queria dizer que você está se saindo muito. Não quero incomodar mais, vou deixar você descansar.

— Por favor, não vá, Felipe! – Régis quase gritou e outro rapaz se assustou. — Quer dizer, porque não fica e tome uma dose comigo, eu gosto da sua companhia.

Felipe assentiu com a cabeça e um sorriso surgiu no seu rosto, dando um passo à frente, entrando na sala.

— Sim, eu aceito, obrigado.


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