Sobre Nós Dois escrita por calivillas


Capítulo 28
Agredida




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Madrid, 15 de julho de 2016

Na estação de trem, Carlos esperava desde muito cedo, ainda em dúvida se sua informação estava certa. Ele havia se aproximado de uma das amigas dela, para saber mais sobre aquela moça, tinha pesquisado e procurado cheio de esperança, por isso viajou até a Madrid e, agora, a seguiria até Barcelona, tudo para consegui se aproximar, consegui uma aliada. Até arranjou um apartamento de última hora, por intermédio de seu amigo Pablo, mesmo precisando pagar muito caro por ele, já que era alta temporada, no entanto, se pudesse convencê-la a se unir a ele, valeria muito a pena todo esse sacrifício. Foi então que ele avistou aquela moça bonita, andando apressada e decidida, arrastando uma pequena mala um tanto gasta, tinha certeza que era ela, só podia ser Lara, assim a seguiu até o seu vagão. Felizmente, o trem estava bem vazio e o lugar atrás dela desocupado. Agora, era só ter uma pequena chance para se aproximar, uma única oportunidade para tudo dar certo.

 

Valverde, 27 de março de 2017

Lara olhou pelo retrovisor, o carro de Carlos já havia desaparecido, não conseguia tirar da cabeça aquela história sobre a sua irmã morta e, como havia afirmado, não sabia quem ela era quando se conheceram no trem, com certeza ele estava mentindo.

Relembrava de cada detalhe daquela manhã, de como ele chutou a poltrona dela, seguidas vezes para chamar sua atenção, depois, o convite para um café, o passeio pela cidade, o apartamento. Tudo aquilo seria uma trama para envolvê-la?

 Ela foi tirada dos seus devaneios quando, de repente, um carro atravessou a estrada e parou bem na sua frente, ela pisou forte no freio, os pneus gritaram até pararem a tempo de evitar a batida. Como o coração aos pulos, as mãos trêmulas, Lara não teve tempo de raciocinar quando um homem saiu do outro veículo, indo a passos largos em direção ao dela, abriu sua porta, a agarrou pelos cabelos com toda força, a puxando para fora, deu soco no seu estômago, ela se curvou pela dor, então, ele a empurrou para o chão e começou a chutá-la indiscriminadamente, enquanto, Lara tentava se proteger com os braços. Ela pensou que o homem iria matá-la ali mesmo, então, ele parou.

— Você já foi avisada – ele disse, apontando o dedo em riste para ela, que mal conseguia ver com os olhos embaçados pela dor e pelas lágrimas.

Ele se afastou, entrou no seu veículo e partiu, deixando-a caída no meio da estrada de terra. Por um bom tempo, ela não se mexeu, abatida pela dor, até juntar forças e se arrastar para o banco do carro, apoio a cabeça do volante, respirou fundo, sentiu suas costelas doerem, gemeu a puxar a porta, deu a partida e seguiu para casa, com a certeza que aquela era uma mensagem de Joana. Ela já não tinha mais a proteção de Ricardo, corri risco de vida agora.

Felizmente, seu pais não a viram chegar, entrou depressa em casa, indo direto no espelho para verificar os estragos. Seu rosto podia estar meio inchado pelo choro, mas, pelo menos, estava intacto, muito diferente do seu corpo, braços e pernas, que exibiam várias manchas roxas, quase pretas, sentia dor ao respirar, ao se mexer. Suas roupas estavam sujas e rasgadas. Seria melhor tomar um analgésico e um banho, esconderia aquelas roupas para que sua mãe não as visse, não queria preocupá-la. Depois do banho, sentiu-se mais relaxada, no entanto, ainda bastante abatida e cansada, deitou na cama, sentindo todo seu corpo reclamar de dor, seria melhor ficar bem quieta, tanto que acabou adormecendo.

Despertou no meio da noite, com as batidas na porta.

— Lara, você está bem? — A voz da sua mãe tinha o tom preocupado.

— Sim, só estou com dor de cabeça.

— Quer comer alguma coisa? Quer que eu lhe faça uma sopa para você?

— Não, obrigada, mãe. Só quero descansar um pouco.

 

Valverde, 28 de março de 2017

O dia do enterro de Ricardo amanheceu bastante fechado. Nuvens plúmbeas, pesadas e baixas prenunciavam o temporal que estava por vim. O ar cheira o ozônio e a umidade estava muito alta, fazia muito calor, mesmo assim, Lara escolher uma blusa de mangas compridas e calças escuras para esconder ser ferimentos recentes, os óculos de sol disfarçariam as olheiras. A mãe a fitou com estranheza, assim que ela entrou na cozinha.

— Bom dia — Serviu-se de café preto.

— Bom dia. Como você está hoje?

— Melhor — mentiu.

— Você vai a esse velório, Lara?

— Por que não iria?

— Não devia afrontar Joana assim.

— Não estou afrontando ninguém, só vou ao velório do tio do meu namorado.

— Você sabe muito bem que isso é uma tolice! Que você não é namorada de Régis, que aquele rapaz não gosta de mulheres! – A mãe falou, exaltada, mexendo os braços.

— Quem disse isso? — Lara tentou manter controle.

— Todo mundo da cidade sabia, só que ninguém falava, não queriam se indispor com o tio dele. E tinha aquele outro garoto... Qual era mesmo o nome dele?

— Felipe?

— Não, o outro garoto, o que apanhou.

— Eu não soube dessa história — Lara pensou que não gostaria de ouvir o que viria.

 — Você já não morava mais aqui. Eles deviam ter 17, 18 anos, Régis e o outro garoto. Os dois viviam juntos por aí eram muito amigos, até que um dia o tal garoto foi encontrado na beira da estrada, muito mal, todo machucado, havia levado uma surra, quase morreu, depois, disso a família se mudou da cidade e Regis nunca mais teve um amigo assim. As pessoas que sabiam desconfiavam que foi Ricardo Hernández que mandou fazer isso, dar uma surra no amigo do sobrinho.

Institivamente, Lara levou sua mão até a sua barriga machucada pela surra do dia anterior.

— E o que que eu tenho a ver com isso, mãe? — Lara perguntou, mesmo sabendo a resposta.

— Eles vão procurara um culpado.

— Eu não matei Ricardo, mãe.

— Eu sei, Lara. Só tome cuidado, apenas não provoque algumas pessoas.

 

Carlos amparava Roberta, que mal conseguia andar a curta distância entre o carro e a entrada da igreja, onde ocorreria a cerimônia que precederia o sepultamento. Iam a passos lentos, logo atrás de Joana de braço dado com Régis, que ao contrário da filha, mantinha a cabeça erguida e a postura altiva como uma rainha, mesmo com a expressão parcialmente encoberta pelos grandes óculos escuros da marca Versace, assim como seu impecável conjunto preto Chanel.

Mesmo com o braço sustentando Roberta, Carlos esticava os olhos a procura de Lara, o que era fácil devido sua altura privilegiada. Por fim, ele respirou aliviado quando a avistou em um canto dos fundos da igreja, camuflada entre as outras pessoas, no lugar lotado e insuportavelmente quente. Pressentia que em breve, toda aquela história teria um fim, já que Ricardo estava morto, poderia partir e recomeçar com Lara, em algum lugar bem longe dali, só precisaria esperar mais um pouco, pois, uma partida repentina poderia gerar suspeitas e ele não queria isso. Com muita calma, guiou Roberta para um dos primeiros bancos, bem próximo ao caixão junto ao altar, onde o padre esperava para começar a missa de corpo presente. Na sua passagem, ele pode identificar as pessoas mais importantes da cidade, várias eminentes figuras políticas do estado e do país estavam presentes ou mandaram representantes. Como a morte daquele crápula podia ter gerado tamanha comoção? O pior é que a verdade seria sepultada com ele, ninguém saberia que monstro aquele homem deitado no caixão realmente era. Talvez, fosse melhor essa história ser enterrada com o seu vilão, que teve o que merecia.

O padre começou a missa falando do bom homem, que pereceu de maneira tão brutal e injusta, os discursos se seguiram, Roberta chorava mais e mais, ao seu lado, Carlos sentia suas entranhas se contorcerem ao escutar tamanhas mentiras e falsidades, não vendo a hora de toda aquela pantomima terminar.

No fundo da igreja, espremida entre os outros espectadores, Lara se sentia angustiada, sua mãe tinha razão, não deveria estar ali, deveria ir embora daquela cidade, mas sabia que uma partida súbita, agora, despertaria suspeitas, não queria desenterrar todo o seu passado com Ricardo. Observou quando Carlos entrou ao lado de Roberta, em breve, os dois poderiam deixar toda essa história para trás.

O cortejo saiu da igreja sob um céu pesado e plúmbeo e rajadas de vento forte, que levantava poeira, derrubando as inúmeras coroas de flores que enfeitavam a entrada, ao longe, ouvisse vez ou outra um estrondo de um trovão. Os que podiam entraram nos seus carros para seguirem o carro fúnebre. No caminho do cemitério, as pessoas na rua paravam para olhar com um misto de respeito e curiosidade.

A tempestade desabou no exato instante do sepultamento, as pessoas correram para seus carros a fim de se proteger, ficaram só os familiares e os coveiros assistindo o caixão descer lentamente na terra.


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