Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 40
Capítulo 39 — Inesperado




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Durante mais uma visita a Norman, no sábado à tarde, Emmett e Olívia foram convidados irem à igreja no domingo. A princípio, não teve certeza sobre fazer isso, mas, a insistência do avô de Rosalie, com apoio de Olívia, o fez repensar o convite. Memórias de quando esteve lá, acompanhado por Rosalie, no mesmo dia que retirou grande parte dos pertences de Sarah de casa, foi inevitável. Recordou o quão leve se sentiu espiritualmente após a visita à igreja. Aceitou o convite, o que deixou os dois satisfeitos.

À noite, em mais uma chamada de vídeo, contou a Rosalie os planos para o domingo.

A ansiedade de Olívia e a leveza na expressão de Emmett durante a conversa confirmou o que comentaram ao longo da semana: eles estavam bem, apesar da falta que fazia em suas vidas.

Faltava pouco para se reencontrarem. Rosalie garantiu que sua temporada em Atlanta estava chegando ao fim. Olívia quis saber exatamente quanto tempo seria, então, Rosalie sugeriu que Emmett fizesse um calendário lúdico, onde ela pudesse acompanhar a contagem dos dias de um jeito divertido. Também ajudou Olívia escolher a roupa que usaria para ir à igreja pela manhã.

[…]

Emmett tinha um sorriso no rosto, a escova de cabelos numa das mãos, aguardando Olívia se olhar no espelho. Adorava como se sentia feliz toda vez que arrumava seus cabelos. Era uma menininha vaidosa, assim como Sarah havia sido.

Os cabelos ruivos, brilhosos e compridos, soltos, encobriam as costas. O vestido em tule marinho com poá vermelho, cintura com cordão para dar laço decorativo, frente com detalhe franzido. Cardigan vermelho, meia-calça azul-marinho com forro duplo e sapatinhos prateados. Tiara com um laço na cor do vestido, enfeitando a cabeça.

Girou nos calcanhares e sorriu. Alisou o vestido, em seguida, correu para perto do pai envolvendo-o com um abraço apertado.

— Obrigada, papai.

Emmett retribuiu ao abraço como conseguiu.

— Princesa do papai — murmurou. — Podemos ir?

A menina se afastou, olhando o pai com roupa social.

— Você está diferente, papai.

— Diferente de um jeito bom ou ruim? — quis saber ele.

— Bom. Eu acho bom — afirmou. E voltou balançar o corpo fazendo o vestido rodar. — Tá muito bonito, papai.

Um sorriso trouxe as covinhas ao rosto de Emmett.

— Que bom! Por um instante, cheguei ficar preocupado.

— Rose ia gostar de te ver assim.

— É — não conseguiu conter o sorriso —, você acha?

Olívia balançou a cabeça e a tiara escorregou para a testa. Emmett arrumou na cabeça dela novamente o acessório.

— Vamos?

Olívia pegou o cobertorzinho em cima da cama.

— Posso levar o cobertorzinho, papai?

— Pode, mas ele vai ficar no carro quando chegar lá. Tudo bem assim?

— Pode ser — concordou.

— Tudo bem, então. Você pode levar.

A mão pequena buscou a sua.

— Vamos encontrar o vovô Norman na igreja, papai? — perguntou, assim que chegaram ao corredor e se aproximavam da escada.

[…]

A caminho da igreja, olhou Olívia pelo retrovisor interno. O cobertorzinho no colo, preso a uma mão, com a outra, fazia desenhos imaginários no vidro da janela.

Ela espirrou.

— Saúde.

— Obrigada, papai.

Quando chegaram, o estacionamento ao lado da igreja estava cheio de carros. Não havia uma única pessoa do lado de fora. Estava atrasado, imaginou.

Tomou a mão de Olívia na sua e foram andando rumo à porta principal. Ficou ansioso, de repente. Todas aquelas pessoas lá dentro iriam olhar para eles quando entrassem, talvez cochichassem se queixando do atraso. Eventualmente, houvesse quem o condenasse por ter se afastado. Os pensamentos o levaram parar a poucos metros da porta.

Olívia percebeu que havia algo errado. Olhou para cima, no rosto do pai. A mão dele estava apertando a sua.

— Papai — chamou assustada.

Sua voz o resgatou dos pensamentos negativos. Afrouxou o aperto na mão pequena dela, fazendo um afago.

— Perdão, Olívia. Perdão, filha. Perdão.

— Por que está assim, papai? — pediu. — Está com medo?

— Não, amorzinho. Está tudo bem com o papai.

— Vamos! — ela puxou sua mão, incentivando entrar na igreja.

Voltaram a andar com passos vagarosos. Emmett parou outra vez, olhando as pessoas lá dentro ocupando os bancos de madeira, todas de costas para a porta. O reverendo posicionado diante do púlpito realizando o sermão.

Olívia também observou todas aquelas pessoas, mas, diferente do pai, procurando por um em especial.

— Olha o vovô ali. — Levantou a mão livre, mostrando no lado esquerdo, quase sussurrando as palavras.

O olhar de Emmett avaliou alguns rostos encontrando, finalmente, Norman. Como sentisse que estavam ali, Norman olhou para trás. Moveu a mão chamando os dois para se juntar a ele.

Olívia sorriu. Emmett a levou pela mão até estarem ao lado de Norman.

— Oi, vovô — sussurrou ela.

— Oi, Abobrinha. Achei que não viessem mais.

Emmett se acomodou ao lado de Norman e pôs Olívia no colo.

— Nos atrasamos — explicou, igualmente sussurrando.

— Está tudo bem — Norman respondeu no mesmo tom de voz.

Duas mulheres, com idade entre quarenta e cinquenta anos, se viraram para trás, condenando com olhares o diálogo. Ninguém disse mais nada. Olívia olhou as duas, receosa, como fossem lhe dar uma bronca a qualquer momento. No entanto, uma delas acenou de forma amigável. Olívia acenou de volta. Inclinou o pescoço ao olhar no rosto do pai, e ele beijou sua testa.

Norman e Emmett dedicaram a atenção ao reverendo. Olívia, por sua vez, se distraiu com os vitrais coloridos no teto e paredes. A luz pálida da manhã fria tentando chegar ao outro lado. Sorriu, distraída, gostando de como refletiam a luz. Levantou a mão, desenhando no vazio, seguindo os traços dos vitrais. Cutucou a barba do pai e voltou desenhar no ar.

— Arco-íris — sussurrou. Emmett não percebeu. Ela continuou olhando os vitrais. Depois de algum tempo, olhou a direita, descobrindo os instrumentos musicais. O mogno lustroso do violoncelo reluziu na luz. — Celo — tornou sussurrar. E dessa vez, Emmett percebeu suas palavras. — Celo, papai. Tem um violoncelo ali. — Sinalizou com a mão, à direita atrás do reverendo.

O olhar de Emmett seguiu o movimento de sua mão pequena.

— Tem, sim — disse.

Norman olhou para eles. Olívia mostrou-lhe, também, o violoncelo com a mão.

— Celo, igual o da mamãe Sarah.

Ele concordou com um movimentar de cabeça. Olívia ficou distraída, ora olhando o violoncelo, ora os vitrais. Não chegou a perceber o pai, em alguns momentos, se emocionar.

Quando os músicos começaram se preparar para tocar, Olívia pulou do colo do pai.

— O que foi Olívia? — Emmett perguntou.

— Quero ir lá.

— Não pode sair de perto do papai.

Ela voltou sentar em seu colo.

— Quero tocar celo…

— Eu sei amorzinho. E já estou procurando alguém que possa te ajudar fazer isso.

A música começou, atraindo a atenção de Olívia. Mesmo quando tudo acabou, ficou esperando que continuassem.

As pessoas começaram levantar e sair da igreja. Algumas conversando, outras, se despedindo de amigos e conhecidos.

Emmett se levantou e ficou segurando na mão de Olívia. Seguiram o fluxo de pessoas até a porta, algumas das quais os cumprimentaram. Uma delas, a morena de sorriso largo, que descobriu se chamar Mikaela, deu a entender estar interessada nele. Mikaela ignorou a presença de Olívia, não respondendo quando a menina lhe dirigiu a palavra. Emmett percebeu e não fez o mínimo esforço em estender uma conversa com ela.

Um grupo de crianças levou Olívia para o gramado na frente da igreja, onde iniciaram a brincadeira de pega-pega. A tiara na cabeça ficou deslizando para a testa, ela retirou e voltou para entregar ao pai.

— Ela está se divertindo — Norman disse para Emmett, olhando a menina voltar à brincadeira com as outras crianças. Olívia olhou para trás acenando. Uma garotinha loura tocou seu braço, então, foi sua vez de perseguir as outras crianças.

O riso das crianças em alguns momentos se misturavam as vozes dos adultos.

Aos poucos, todos foram embora. Emmett e Olívia se despediram de Norman e entraram na velha caminhonete. Mikaela acenou para ele no estacionamento. Emmett acenou de volta, apenas por educação. Olhou para Olívia, mas a menina parecia não ter notado.

[…]

Rosalie se encontrou com o pai no jardim da casa deles. Geoffrey esperava por ela fazia alguns minutos.

— Papai. — Ela se aproximou.

— Que bom que está aqui — disse ele. E deu alguns passos em sua direção.

Rosalie o cumprimentou com um beijo no rosto.

— Mamãe está sozinha? — pediu, observando a casa.

— Sim. E está esperando por você.

Rosalie anuiu.

— Onde ela está agora?

— Na estufa.

Coincidentemente, o lugar favorito de Rosalie quando criança em toda a casa. O colorido das flores lá dentro era perfeito. Olívia também iria gostar, pensou.

Ambos deram a volta pela lateral da casa alcançando os fundos onde ficava a estufa. Avistou Dorothy sentada na cadeira diante a mesa de jardim no interior da estufa. Uma bandeja com um bule de chá, duas xícaras e biscoitos. Lembrou que foi com ela que aprendeu gostar de chá, e que a mãe aprendeu com os pais quando ainda era uma menina, na casa simples que hoje evitava visitar.

Colocou-se na frente dela.

— Finalmente — soltou Dorothy. — Resolveu deixar a birra de lado e voltar para casa. Tudo isso já estava me cansando.

Rosalie olhou para o lado esquerdo no jardim, a poucos metros estavam às paredes, também de vidro, da sala de música, e, do outro lado delas, o piano de cauda branco. Uma breve memória das muitas vezes que foi obrigada a tocar, grande parte da infância e adolescência causou desconforto.

— Seu pai me disse que estava vindo.

— Não pelos motivos que possa estar imaginando.

Dorothy olhou onde ela olhava antes.

— Aposto que sente falta do piano — concluiu.

— Na verdade, não. Talvez eu tivesse gostado se não fosse forçada alcançar a perfeição. Se tivesse me deixado sentir prazer pelo que estava fazendo em vez de obrigação.

Dorothy a olhou como não acreditasse.

— Não é sobre isso que quero falar — lembrou Rosalie.

Dorothy percebeu o marido chegar e ficar na entrada da estufa.

— Tenho a impressão de que sabe o que ela vai me dizer — desabafou. — Agora vocês dois dividem segredos? — Se levantou, incomodada com o rumo da conversa.

— Não é segredo, Dorothy — Geoffrey respondeu. — Rose vai te contar, por isso está aqui.

Dorothy se voltou para Rosalie, encarando seu rosto.

— Fale de uma vez — exigiu.

— Vou voltar para Edenton.

O modo como a mãe a olhou foi como tivesse perdido o juízo.

— Você enlouqueceu? — disparou.

Geoffrey entrou na estufa.

— Cuidado com as palavras, Dorothy.

— Você ouviu o que ela disse? — O olhar de choque, passou a ser de acusação. — Sabia disso, não sabia? É claro que sabia. Por isso está aqui.

Rosalie continuou:

— Voltei para resolver pendências e me demitir do trabalho no museu.

— Você realmente enlouqueceu — insistiu Dorothy. — O que vai fazer em Edenton? Lá não tem nada para você. Vai destruir sua vida por um capricho, Rosalie. Aposto que meu pai está por trás dessa loucura. Somente alguém como ele apoiaria uma decisão dessas: um velho que não sabe o que diz. Muito menos o que faz.

— Não se refira a ele dessa maneira — pediu. — Meu avô não merece.

— Seu avô encheu sua cabeça de bobagens enquanto esteve com ele. Aposto que usou todo aquele discurso sobre amor e felicidade encontrados nas coisas simples. E você acreditou em tudo o que disse.

— Ele não usou nenhum discurso. Esse tempo longe foi revelador para mim. Eu me encontrei.

— Loucura! Só pode ser isso.

— As coisas simples me fazem feliz.

Dorothy moveu a mão num gesto impaciente.

— Eu não falei. Meu pai encheu a cabeça dela. E boba como é, acreditou.

— Estou apaixonada. E é reciproco. Pela primeira vez na minha vida me sinto completamente feliz, mamãe. Certa do que quero. Foi preciso acontecer tudo como aconteceu para encontrar o meu destino.

— Está me dizendo que vai renunciar o que tem aqui para viver perto de um velho e de um homem que acabou de conhecer. Não consigo enxergar isso de outra maneira que não seja loucura. Burrice. Estupidez.

— Tudo que preciso saber sobre ele, eu já sei.

— Você não deu certo nem com Royce…

As palavras chegaram a Rosalie causando mágoa.

— Claro que não — disse ressentida. — Minha vida não era ao lado de Royce. Irina e Royce terem me traído, acabou sendo um favor.

— Deixe sua irmã fora disso. Ela está esperando um bebê.

Rosalie sentiu os olhos marejarem.

— Perdi meu bebê. Fui traída pela minha própria irmã e o homem com quem iria me casar. Nem assim tive seu apoio, mamãe — respirou fundo. — Fique tranquila, nunca desejei mal a Irina ou mesmo ao bebê que está esperando. Desejo que seja feliz. Mas, de verdade, não sei se Irina é feliz ao lado de Royce.

— Não diga besteiras.

— Nada do que eu diga será levada a sério — lamentou Rosalie.

— Se for embora, Rosalie, estará soltando minha mão definitivamente.

— Soltou minha mão primeiro, mamãe — Rosalie se encaminhou a saída da estufa, parou e olhou para trás. — Se um dia for capaz de me aceitar como sou, com defeito e tudo, minha casa e também minha vida, estarão sempre prontos para recebê-la.

— Rose — Geoffrey chamou seu nome.

— Pode me visitar sempre que quiser papai. Quero muito que faça isso.

— Rose — Dorothy levantou o tom de voz, e foi atrás dela.

Na parte da frente da casa, avistou um carro e no interior dele estavam Irina e Royce. Irina saiu e fechou a porta. Mesmo ali, ouviu a voz da mãe e Rosalie se aproximando.

— O que está fazendo? — questionou a Rosalie. E Royce, no carro, olhou as duas com atenção.

— Obrigada — Rosalie agradeceu aos dois. — Foi pelo que fizeram que pude encontrar minha real felicidade.

Irina olhou de Rosalie para Dorothy, sem entender.

— Ela enlouqueceu de vez? — tentou descobrir com a mãe.

— Se vocês consideram estar apaixonada e feliz um ato de loucura, não posso fazer nada. Quero viver essa loucura por muito tempo. — Chegou perto do carro, olhando pela janela o rosto de Royce, que parecia não entender nada. — Ele é muito melhor que você em todos os sentidos. — Virou-se para Irina, que a olhou com espanto. — Obrigada pelo livramento.

Avistou o pai atrás de Dorothy. Ele era o único que não a olhava como estivesse louca.

Irina levou as mãos à barriga, na defensiva.

— Jamais desejei mal ao seu bebê. É horrível que pense que faria isso.

— Rose — Dorothy chamou.

— A deixe ir, mamãe. É tudo teatro para chamar atenção. Rose sempre foi assim.

Rosalie viu o olhar raivoso da mãe. Começou caminhar para onde estava estacionado seu carro. Não percebeu que o pai fez o mesmo caminho que ela. Entrou no veículo. Irina e Dorothy estavam de mãos dadas no jardim da frente. Dorothy acusando-a de ter perdido o juízo, reafirmando que não aceitaria sua decisão de sair de Atlanta. Irina, como sempre, aceitando tudo, reforçando o lugar de favoritismo no que se refere à mãe.

Um toque cuidadoso em seu pulso, enquanto segurava o volante, obrigou deixar de reparar na cena. Encontrou o pai olhando-a na janela.

— Ela nunca irá me apoiar como apoia Irina — concluiu com pesar. E voltou olhar as duas, que agora estavam de costas. O carro de Royce começou se afastar, estava indo embora sozinho.

— Tem meu apoio, Rose — Geoffrey a pegou de surpresa. Havia verdade em seu tom de voz e também afeto.

Rosalie afastou a mão direita do volante, para tocar a mão do pai que ainda tocava seu braço.

— Obrigada.

— Dorothy é quem deveria se sentir mal por ser tão dura com você. E não o contrário. — Rosalie balançou a cabeça. — Para aonde vai agora?

— Arrumar minhas coisas no hotel e descansar um pouco. Estou pensando em voltar para Edenton amanhã ainda bem cedo.

— Mesmo que não tenha se mudado para o apartamento, continua sendo seu, assim como esta casa.

— Minha mãe nunca irá aceitar minhas escolhas. Eu não vou abrir mão da vida que encontrei em Edenton.

— Talvez sua mãe precise de um tempo maior.

— De quanto tempo? Uma vida inteira?

— Não vou desistir, Rose.

— Não vou desistir dos meus amores que ficaram em Edenton.

— Me avise sempre que voltar a Atlanta. Vou querer ver minha filha.

— Pode me visitar papai.

Geoffrey anuiu.

— Se Irina estiver em apuros, não vai contar. Ela faz tudo o que a mamãe quer. E mamãe acredita que Royce é perfeito.

— Irei descobrir o que acontece. E, acredite, afastarei sua irmã dele se for preciso. Agora vá atrás de sua felicidade — ele incentivou, dando um passo para trás.

Rosalie colocou o motor do carro para funcionar. Acenou para o pai, que acenou de volta. Manobrou e, aos poucos, se afastou da residência da família. Passou a mão no rosto tentando se recompor. Alcançou o celular no banco do carona junto à bolsa, para ver em uma selfie, Emmett, Olívia e a ela própria sorrindo com os rostos juntinhos.

Acalmou o coração vê-los mesmo que por fotografia. Mal podia esperar para chegar à noite e contar, em mais uma chamada de vídeo, que estava voltando.

[…]

Olívia correu para a varanda, assim que saiu do carro, deixando o pai para trás. Num braço, o cobertorzinho, no outro, a sacola com a sobremesa que não conseguiu comer inteira no restaurante onde pararam para almoçar.

Emmett chegou ao seu lado, com as chaves da casa e do carro em mãos.

Olívia começou falar:

— Papai, podemos assistir “O Mágico de Oz” outra vez?

Emmett abriu a porta. Ela passou para o lado de dentro ainda olhando no rosto dele a espera da resposta.

— Primeiro precisa de um banho e uma roupinha confortável.

— Meu vestido é muito bonito — disse, voltando a se olhar.

— Sim, seu vestido é muito bonito. Mas é para ocasiões especiais.

— Hoje foi uma ocasião especial, papai?

— Sim, hoje foi muito especial. Você sabe por quê?

— Porque conversamos com Deus naquele lugar tão bonito que é a igreja. Vamos voltar lá outro dia, papai?

— Sim, nós vamos voltar outro dia. — Ele estendeu a mão. — Deixe que o papai guarde isso para você. Vá indo na frente. Vou te ajudar retirar o vestido assim que deixar isto na geladeira.

Olívia pôs a sacola com a sobremesa na mão dele.

— Tá bom, papai.

— Sem correr na escada — alertou fazendo-a parar. Voltou correr quando estava no alto. — Estou vendo, Olívia. — Ela deu uma risadinha. — Você não quer se machucar de novo, quer?

— Não, papai. Eu não quero.

— Então, não corra. Especialmente na escada.

— Vai lavar meus cabelos outra vez?

— Ele está fedido? — brincou.

Ela pegou uma mecha dos cabelos ruivos e cheirou.

— Tem cheiro de framboesa.

— Papai não vai precisar lavá-los novamente.

A caminho da cozinha, ouviu quando começou cantar “O Velho Mac Donald Tinha Uma Fazenda”.

Retirou o potinho de plástico da sacola e guardou na geladeira. Voltou à sala e, enquanto subia a escada a ouviu cantando “Dona Aranha”. Riu sozinho. Seguiu pelo corredor. Parou diante a porta do banheiro dando uma leve batida na madeira.

— Dona aranha? — brincou. — Conseguiu retirar o vestido?

— Me ajuda papai — pediu. Então completou: — Não sou aranha, papai. Sou uma fada.

Emmett deu risada ao abrir a porta. Deparou com ela presa ao próprio vestido. Não chegou abrir o zíper e botão nas costas, o braço ficou preso entre a gola e a manga.

— Esse vestido é uma armadilha — disparou. — Não consigo sair.

Emmett a ajudou, achando graça. Imaginando como conseguiu ficar presa daquele jeito. Deixou o vestido no cesto de roupas sujas. Na gaveta embaixo da pia, encontrou um elástico de cabelos que usou para prender os fios ruivos no alto da cabeça em um coque. Pôs a banheira para encher. Olívia ficou retirando a meia-calça. Ele jogou as bolas para fazer espuma colorida na água, também a Barbie sereia e o patinho de borracha na banheira.

— Pronto.

Olívia jogou a meia-calça junto ao resto das roupas no cesto.

— Vou tomar banho no meu banheiro — avisou deixando-a sozinha no banheiro do corredor. Ouviu quando começou cantar outra vez “Dona Aranha”. Acabou cantando também, foi automático.

[…]

Olívia desceu a escada vestida de pijama com o inseparável cobertorzinho embaixo do braço. Nas costas, uma mochila com estampa tie dye. Na mochila levava à ovelhinha de pelúcia, a escova de cabelos que pertenceu a Sarah, as duas primeiras bonecas Barbie que ganhou de Rosalie e o joguinho de chá cor-de-rosa, presente de Norman. No braço, a boneca american girl, presente de Cheryl.

Deixou a mochila, o cobertorzinho e a boneca em cima da mesinha de centro para pegar o DVD do filme “O Mágico de Oz" ao lado da televisão.

— Papai.

A voz dele soou no alto da escada:

— Você está aí? E já vestiu o pijama?

— Coloquei pantufas também. — Mostrou o pezinho com a pantufa de unicórnio que combinava com a roupa de dormir. — Penteia meus cabelos, papai? Pode pôr o filme primeiro, por favor?

Emmett terminou de descer a escada. Pegou o DVD na mão dela e inseriu no aparelho abaixo da televisão. O filme teve início com ele escovando os cabelos dela, sentados no sofá.

Olívia sabia todas as falas, mesmo assim não se cansava de assistir sempre ao mesmo filme. Lá pela metade, deitou ao lado do pai fazendo da barriga dele um travesseiro.

Estava escurecendo do lado de fora da casa quando o filme chegou ao fim.

— Papai — chamou. Levantou a cabeça, olhando para ele, e se deu conta que o pai dormia. Cutucou sua barba, mas ele continuou dormindo. Levantou com o cobertorzinho, pegou a mochila com os brinquedos e colocou nas costas, em seguida, pegou a boneca. Cruzou a sala a caminho da escada e começou subir os degraus. Contou quantos degraus tinham à medida que subia, porém, na metade, perdeu a conta.

— Não faz mal — falou para si mesma. Do alto, olhou a sala, o pai ainda estava dormindo no sofá. Entrou no banheiro para fazer xixi. Os objetos que carregava ficaram em cima da bancada da pia. Ainda enquanto usava a privada, percebeu a luz piscando na parede. Lavou as mãos ao terminar, pegou de volta os objetos, esquecendo-se de desligar a luz ao sair.

Passou direto pelo próprio quarto e entrou no do pai. Entrou no closet, onde estava o violoncelo. Retirou a mochila das costas. Colocou as bonecas sentadas uma ao lado da outra, arrumou o joguinho de chá diante delas. Brincou que as bonecas conversavam em um encontro para o chá. Uma das bonecas Barbie “falou” que tocava violoncelo, a outra pediu que tocasse para ela ouvir.

Um problema na parte elétrica do banheiro causou o início de um incêndio. Destruindo, crescendo conforme alcançava objetos e paredes de madeira. As chamas cresceram se espelhando por todo o cômodo. Estalidos acompanhavam as chamas alaranjadas que ganhavam força.

Emmett ainda dormia no sofá da sala. Estava no meio de um sonho confuso onde Sarah dizia para correr. Para pegar Olívia. No sonho, às vezes Sarah aparecia com seus cabelos ruivos ao natural, em outro momento os cabelos tinham as cores do arco-íris. O barulho forte de vidro quebrando o acordou. Ainda confuso, sem saber o que era sonho e o que era real, olhou na tela congelada da televisão, com o DVD do filme ainda no aparelho.

Reparou na ausência de Olívia. Buscou na memória as falas de Sarah em seu sonho. Sentiu cheiro de fumaça.

— Olívia! — gritou, apressando-se até a cozinha. Olhou em todas as direções possíveis. Ela não estava lá. Abriu a porta de acesso ao porão, chamando seu nome. — Olívia. — Retornou a sala, avistando fumaça no alto da escada. O desespero crescendo a cada segundo longe de Olívia enquanto fumaça se espalhava no andar de cima. Subiu a escada correndo. As chamas saiam do banheiro onde ela tomou banho mais cedo, consumiam o batente da porta e se estendiam por toda a parede. — Olívia. — O coração pulsando forte no peito. Fumaça começando arder nos olhos, dificultando a respiração e também a visibilidade.

O alarme de incêndio acionou quando a fumaça se espalhou por toda a casa, chegando à cozinha.

— Olívia — levou o braço a frente do rosto no momento que um pedaço de madeira caiu com uma tocha de fogo bem ao seu lado. Tossiu um pouco. Pulou sobre as chamas indo rapidamente ao quarto da menina. — Olívia. Fala comigo, amorzinho. — Olhou embaixo da cama, no closet dela e não a encontrou. — Fale com o papai, Olívia.

No quarto dele, Olívia tossiu trancada no closet.

— Papai — chamou. — Papai.

— Olívia — respondeu do quarto dela. — Onde você está?

Ela saiu do closet, chegando à porta do quarto, deparando-se com chamas e fumaça. Os olhos arregalaram em pânico. Voltou fechar a porta com um baque, assustada demais com o cenário que encontrou do lado de fora. Voltou ao closet correndo.

— Olívia — Emmett estava outra vez no corredor em chamas. O calor estava insuportável ali. Sua testa estava molhada de suor e rosto sujo de fuligem.

— Papai.

Desviou das chamas, tossindo, enquanto tentava proteger o rosto com o braço.

— Papai. — Olívia começou guardar os brinquedos na mochila. Forçou o cobertorzinho para dentro e fechou o zíper. A boneca que a avó paterna deu, precisou ficar de fora, não havia espaço para ela.

— Onde você está Olívia?

— Estou com medo, papai. Estou com medo. Eu não gosto de fogo. Não, não, não.

— Papai está indo. Fale, onde você está? — as chamas começavam chegar às paredes de seu quarto. — Continue falando com o papai. É no meu quarto que você está? — Ouviu seu chorinho. — Está com o violoncelo da mamãe? Vou pegar você, não se preocupe.

As chamas estavam a ponto de lamber seu rosto. Uma viga de madeira despencou do teto obrigando desviar rapidamente, e novamente do fogo atrás de suas costas. Ardiam os pulmões e olhos devido à fumaça.

O choro de Olívia. A dificuldade em alcançar a porta do quarto onde ela estava. O calor. O cheiro acre de fumaça impregnando o ar e suas roupas. Sentia como tivesse entrado no inferno.

 


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