Sortner escrita por MonaLisa


Capítulo 5
Absolutamente nada




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/757830/chapter/5

Apesar do rubor em seu rosto e da respiração pesada, Sherlock não estava tão enfurecido quanto aparentava. Pelo menos era o que John achava.

O detetive entrou no apartamento não mais que dois minutos depois de John encontrar a cabeça ensanguentada sobre a mesa. Seus olhos arregalados saíram de aparentemente preocupados para absolutamente irritados e ele imediatamente alcançou o celular, ligando para o Inspetor-Detetive e exigindo que um tal Anderson não pisasse em seu apartamento.

John permaneceu parado no mesmo lugar enquanto Sherlock tentava se aproximar da cabeça sem pisar em qualquer respingo de sangue e resmungava qualquer coisa sobre inutilidade.

― Posso saber por que sou inútil? ― John perguntou de repente.

― Deveria ter me avisado, é a minha casa, o assassino poderia estar aqui, rindo da sua cara enquanto você o deixava escapar ― Sherlock respondeu com escárnio ― Ia ficar olhando a cabeça para sempre?

― Não tinha mais ninguém aqui!

― Como pode ter certeza?

― Sou um ex-militar, Sherlock, sei quando estou sendo vigiado ― John rebateu apertando sua muleta com mais força.

― Ah, claro, agora eu tenho que confiar nos seus instintos ― Sherlock retorquiu com ironia ― Brilhante, me sinto bem melhor agora.

John quis ignorar aquela ironia e gritar um grande sim, porque eram aqueles instintos que o protegeriam algum dia, mas recuou no segundo seguinte. Talvez Sherlock não só desconsiderasse sua proteção, como também a negava.

― O primeiro dia ainda nem acabou e já estão brigando ― Lestrade comentou com diversão enquanto entrava no apartamento, sendo seguido por alguns peritos.

― Apenas faça seu trabalho e tire essas pessoas da minha casa ―  Sherlock respondeu rispidamente.

― Pedindo com essa gentileza, será um prazer ― Lestrade garantiu sarcástico enquanto se aproximava de John ― O dia foi tão difícil quanto parece?

― Estranhamente não, mas eu sabia que poderia piorar ― o médico respondeu com indiferença ― Mycroft sempre foi bem claro sobre o quanto o irmão poderia ser... difícil.

― A vítima já estava morta quando teve a cabeça cortada ― Sherlock revelou os interrompendo ― Provavelmente uma serra foi usada.

John se surpreendeu com o impulso de se intrometer, tão repentino que quase o fez se aproximar de Sherlock. Queria se envolver, ajudar, ser útil e estar ao lado dele. Sacudiu a cabeça tentando se livrar de tais desejos. Eram pensamentos perigosos influenciados pela ligação, querendo forçá-lo a fazer justamente o contrário do que pretendia: se aproximar.

― Tudo bem?

O médico ergueu as sobrancelhas, confuso com a voz que ouvia.

― Mycroft? ― Lestrade perguntou no seu lugar ― O que faz aqui?

Parecendo contrariado, Mycroft apenas ergueu o guarda-chuva e apontou momentaneamente para a cabeça sobre a mesa.

― Brianda Hammond. Trabalhava para mim.

― Oh! ― Sherlock exclamou extasiado, tirando a atenção do chão que estava analisando e correndo até o irmão ― Isso é grande, não é? Inteligência interna? Espionagem?

― Ameaça ― Mycroft respondeu com a voz grave.

John e Sherlock paralisaram, imediatamente notando a seriedade no Holmes mais velho, mas Lestrade ainda precisava de mais informações.

― O que quer dizer? Estão ameaçando Sherlock? Quem?

― Não tenho certeza, mas vou descobrir muito em breve.

― Não tem certeza? ― Sherlock questionou subitamente ― Então já tem suspeitos.

― Obvio, não sou estúpido ― Mycroft rebateu impaciente.

― Então? Fale!

Mycroft hesitou e John simplesmente odiava quando isso acontecia. A hesitação do irmão mais velho sempre significava algo ruim, uma situação da qual ele não tinha controle ou perigosa demais para lhe permitir falar em alto e bom som sua incapacidade em neutralizá-la.

― John, podemos? ― Mycroft questionou em tom sugestivo.

O ex-soldado lamentou pelo pedido, tanto pela provável gravidade da situação quanto pelo olhar desconfiado de Sherlock e Lestrade. Definitivamente não queria criar qualquer impressão errada no Inspetor. No entanto, não pensou duas vezes antes de seguir Mycroft para o seu quarto no andar de cima, porque claramente ele não queria correr o risco de ser ouvido.

― Isso pode gerar questionamentos mais tarde ― John previu enquanto o outro fechava a porta.

― Não me importo ― Mycroft respondeu de imediato ― Meu único segredo com Greg é você e isso já estou resolvendo aos poucos. Não há nada entre nós que uma boa conversa não resolva.

― Espero que sua conversa seja realmente muito boa. Mas vai direto ao ponto, não pode ser tão ruim.

― Seu pai está trabalhando com Moriarty.

John deu de ombros.

― Isso não é mais uma novidade, eu reconheci os caras que tentaram me matar na casa da Harriet ― desconsiderou retirando o casaco e o jogando na cama. Seu pai era um idiota, nada ali era uma surpresa.

― E você sabe a motivação dele?

― Dinheiro? Henry sempre foi movido por dinheiro.

― E você.

John o olhou com as sobrancelhas erguidas, completamente descrente.

― Eu?

― Você ser parte da motivação dele não significa que ele se importe com o seu bem estar ― Mycroft esclareceu ― Vocês se odeiam, isso é fato. Você é tudo o que ele odeia e representa a traição da sua mãe, ou assim ele vê.

― Eu sou bissexual, supostamente filho de outro homem, não segui o caminho que ele traçou pra mim, nunca fui um mero espectador nas agressões durante a infância e o envergonhei no meio de uma festa quando beijei o filho do delegado, evento pelo qual eu nunca vou me arrepender ― John enunciou com um sorriso convencido ― São fatos antigos, Mycroft.

― A parceria deles também.

John se empertigou diante da nova informação e lançou um olhar sério a Mycroft, que não recuou.

― Está dizendo que Henry pediu ajuda para matar minha mãe? Ajuda do Moriarty?

John ainda lembrava perfeitamente do dia em que descobrira que Henry Watson sabotara o carro, resultando na morte da sua mãe e o deixando no hospital por semanas. O próprio Henry revelara a autoria do acidente durante mais uma das violentas brigas que tiveram durante o verão. Foi o que motivou John a se refugiar como um soldado na guerra, porque mais uma semana naquela casa e o mataria com as próprias mãos.

Agora mais uma informação surgia e John começava a entender a reação de Mycroft. Moriarty não ajudaria a forjar um simples acidente sem planos maiores e Henry não se envolveria com alguém como Moriarty sem um grande e absoluto ódio. Ódio pelo filho que achava que não era seu.

Henry Watson estava completamente maluco a mais tempo do que John pensava.

De repente um questionamento surge na mente de John, brilhando tão abruptamente quanto uma resposta para explicar toda aquela situação. E talvez fosse.

― Há quanto tempo Sherlock está na mira de Moriarty?

Mycroft sorriu minimamente antes de responder:

― Fico pensando se essas suas pequenas e certeiras deduções já são resultado do convívio com Sherlock.

― Você não me respondeu ― John desconversou.

― Eu preciso? Você já sabe a resposta. Diga.

― Não vou deduzir nada, nem fazer qualquer coisa semelhante à dedução. Preciso de uma confirmação.

― Aceite essa ligação, John...

― Não ― John negou com veemência, abrindo a porta e se preparando para sair do quarto ― E também não vou aceitar sua proteção.

― O quê?

John não ficou para discutir. Sabia o que vinha em seguida. Estava claro que Moriarty sempre soubera de sua ligação com Sherlock e se aproveitou do ódio de Henry para criar uma situação. Como Moriarty conseguira todas essas informações e até onde iria eram fatos que John desconhecia, mas sabia que Sherlock não era o único em perigo. Então se Henry queria matá-lo, que viesse, que o matasse, John não se importava. Ele só não permitiria que tocassem em Sherlock e muito menos se transformaria em seu ponto fraco.

Para o Inferno essa ligação, ele iria escondê-la e suprimi-la até onde fosse possível.

― John! ― Mycroft continuou o chamando enquanto o seguia ― Você enlouqueceu?

John terminou de descer as escadas, mas parou abruptamente antes de entrar na sala e encarar os olhos atentos de Sherlock, virando-se para dar último aviso a Mycroft.

― Esqueça ― exigiu abaixando o tom de voz ― Não quero proteção, não quero que Sherlock saiba qualquer coisa sobre isso e não serei o ponto fraco dele por causa de uma ligação que ele sequer aceita. Esqueça esse assunto por enquanto e prometa que nunca falará sobre isso com Lestrade e muito menos com Sherlock. Prometa.

― Certo, eu prometo ― Mycroft garantiu a contra gosto ― Mas esse assunto não está encerrado.

― As madames podem compartilhar o assunto? ― Sherlock questionou surgindo ao lado deles com um sorriso forçado ― Parece interessante.

― Não é da sua conta ― John rebateu irritado, passando por ele e entrando na sala.

Sherlock franziu o cenho diante da irritação inesperada.

― O que deu em você? Você não é assim.

― Estou bem e você não me conhece, posso ser irritado 24 horas por dia.

― Talvez, mas sou muito bom em observar e deduzir. Desde ontem está com um comportamento estranho e me deixou sozinho com o Victor. Que tipo de par é você?

― Do tipo que tenta não interferir na vida do outro ― John respondeu sério.

― Está mentindo ― Sherlock respondeu desconfiado ― Você deu os ingressos sabendo que ele gostava e que iria me chamar, quis interferir. É tão bom em observar quanto eu? Não é possível.

― Eu não sou bom em nada, só queria provar um ponto.

― Que ponto? ― Sherlock insistiu com impaciência ― Nós só tínhamos que pegar o cachorro e ir embora. Você que mudou o rumo da conversa e agora eu tenho que fugir desse maldito jogo.

― Oh Deus, Sherlock... Ele estava flertando com você ― John anunciou como se fosse o obvio.

― O quê? Por isso saiu daquele jeito? ― Sherlock retorquiu incrédulo ― Você está imaginando coisas e agora eu vou pagar por isso!

― Eu não ia atrapalhar! E Victor, além de estar claramente gostando de você, quer muito a sua companhia no jogo. 

― Espera ― Lestrade se intrometeu ― Você e Victor ainda estão flertando?

― Viu? ― John lhe lançou um olhar satisfeito ― Você ainda tem a cara de pau de dizer que estou imaginando coisas.

― Eu garanto que não há nada entre nós, nenhum tipo de atração que seja ― Sherlock negou com firmeza.

― Discordo.

― Com que certeza? O elo diz isso também? ― Sherlock perguntou com desdém.

― Tenho três palavras pra você, Sherlock ― John riu e continuou com veemência ― Lei da Compensação.

Afastou-se a tempo de ver os olhos do detetive se arregalando gradativamente.

― Isso só pode ser brincadeira ― ele murmurou incrédulo.

Riu internamente, constatando que era bom fazer Sherlock engolir a verdade. Com certeza faria aquilo mais vezes.

― Espera! ― Lestrade exclamou se aproximando agitado ― É por isso que você e Mycroft...

John ficou estático. Poderia dizer que nunca tinha pensado nisso, mas não seria a verdade e também não gostaria de mentir. O que deveria fazer?

― Diga a verdade ― Mycroft pediu sério.

Imediatamente o clima se tornou mais tenso, pesado, como se uma verdadeira traição tivesse sido revelada. John hesitou ao ver Lestrade ficar repentinamente preocupado.

― Certeza? ― questionou quase sussurrando.

― Obviamente você é melhor nisso do que eu.

John suspirou e colocou a água para ferver, pronto para explicar tudo. Não havia mais peritos ali e a cabeça sumira, nada poderia ser usado como desculpa para sair daquela situação.

― De fato eles são bem parecidos, apesar do Mycroft parecer mais compreensivo e muito menos excêntrico ― admitiu sem muita firmeza ― Mas foi justamente essa semelhança que foi decisiva na nossa separação.

― Como assim? ― Lestrade questionou confuso.

― A Lei da Compensação é tão criticada por remeter à ilusão amorosa ― Mycroft esclareceu ― Chega um momento em que se torna quase impossível saber se está se apaixonando pela pessoa ou pela semelhança dela com seu par. Foi pensando nisso que nos separamos, mas é claro que havia um grande furo no plano.

― Furo? Que furo? ― Lestrade estava cada vez mais interessado.

John engoliu em seco antes de responder, sabia que Mycroft não teria coragem de falar em voz alta o que temeu por tantos anos.

― Não há qualquer semelhança entre eu e o Sortner de Mycroft ― respondeu como uma sentença.

― Então... vocês realmente se amaram? ― Lestrade perguntou desconfortável.

O silêncio prevaleceu e a verdade pairou sobre eles. A questão não era tão simples, pelo menos não para Mycroft. John podia, sem qualquer chance de erro, garantir que, se algum dia se apaixonara por Mycroft, foi por causa da semelhança entre os Holmes. Mas Mycroft jamais poderia dizer o mesmo e o quão difícil seria revelar, naquele momento delicado, que realmente já se apaixonara por alguém e que agora esse alguém estava de volta à sua vida? John sentiu o medo no olhar de Mycroft e sentiu a necessidade de ajudá-lo.

― Eu ainda o amo ― revelou repentinamente, logo sendo o alvo do olhar surpreso dos três.

Engoliu em seco, desligou o fogo e se aproximou, ficando entre Mycroft e Lestrade. Limpou a garganta e encarou o Inspetor. Precisava falar tudo o que precisava ser dito.

― Eu amo Mycroft, de várias maneiras... há muitos anos, e eu soube que o havia perdido assim que ele viu você na sua nomeação ao cargo de Detetive da Scotland Yard ― riu suavemente vendo os olhos do Inspetor se arregalarem ― A questão é: isso não deve ficar entre vocês. É um sentimento confuso, influenciado pelo elo e sem valor, não vale seu ciúme.

― Está me dizendo para não me preocupar com a relação de vocês?

― Exatamente. Eu não quero que tenha sempre esse clima entre nós, como se eu fosse roubá-lo de você ― John riu suavemente ― Confie em mim, eu jamais faria algo parecido.

― Eu não acredito que você contou sobre a nomeação! ― Mycroft resmungou repentinamente, anuviando ainda mais o clima tenso ― É embaraçoso!

Embaraçoso? Eu acabei de dizer que amo você na frente do seu irmão e do seu noivo! ― John retorquiu ― Espera até eu contar sobre aquele incidente na piscina.

Mycroft arregalou os olhos.

― Nem pense nisso.  

― E quando você quase foi pego no ginásio da escola...

― Watson! ― Mycroft protestou acertando o guarda – chuva na perna do outro ― Aquilo foi culpa sua.

John prendeu a respiração e resmungou com o ato, sem conseguir reprimir a careta de dor.

― Sei... minha culpa ― forçou-se a dizer enquanto tentava afastar a dor.

― Algum problema? ― Lestrade questionou observando sua expressão.

O ex-soldado segurou a vontade xingar e de se abaixar para massagear sua canela. Mycroft havia acertado em cheio um ferimento que ainda não tinha cicatrizado. Obviamente não estava preparado para aquela dor, mas esperava que a mesma não tivesse passado para Sherlock através da ligação.

― Hum? Problema? Não, não ― respondeu rapidamente ― Só esse guarda – chuva do Mycroft que pode ser mais perigoso do que aparenta.

― Ora, não seja tão sensível, John ― Sherlock falou de repente ― Vamos, chega desse besteira nostálgica, precisamos resolver um caso.

Um vinco se formou entre as sobrancelhas de John enquanto ele tentava afastar a dor. Será que tinha ouvido direito?

― Desculpa, você disse que precisamos resolver um caso?

― Sim ― Sherlock deu de ombros ― Qual é problema? Você não quer?

John hesitou e encarou os olhos discretamente ansiosos de Mycroft. Sabia que ele esperava uma aproximação da sua parte, esperava que cedesse e fortificasse a ligação com Sherlock. E John queria isso. Mas sabia e sentia que Sherlock ainda o renegava, o que deixava o momento ainda mais irônico. Mycroft querendo que cedesse aos sentimentos e Sherlock pedindo sua companhia quando claramente não o queria ao seu lado? Com certeza estava perdendo algo.

― Acho melhor... terminar de arrumar minhas coisas e me preparar, ainda preciso procurar emprego amanhã ― dispensou ainda incerto ― Mas obrigado, Sherlock. 

Em seguida ele apenas agarrou sua bengala e, um pouco desconfiado, voltou para o quarto. Não notou que o olhar ainda mais desconfiado de Sherlock o observava mancar enquanto andava e analisava a sua expressão de dor escondida sob a neutralidade. E enquanto Lestrade e Mycroft começavam a conversar sobre qualquer coisa que não importava no momento, Sherlock estreitou os olhos na direção de John que começava a desaparecer nas escadas, lembrando-se do exato motivo pelo qual nunca desejou um Sortner.

Afinal, por que aceitaria compartilhar sentimentos e sensações com outra pessoa? Tantos erros humanos e riscos com apenas uma mente, o quão pior seria com outra conectada à sua? Principalmente uma mente tão comum e explosiva quanto a de John.

Porém, o motivo que o fazia odiar um Sortner era o mesmo que agora o preocupava. Simplesmente porque agora tinha um Sortner, mas o motivo não mais existia.

Hoje John Watson havia sentido irritação, raiva, constrangimento e até dor. E Sherlock Holmes não pôde deixar de notar que não havia sentido absolutamente nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sortner" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.