Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 8
Muito prazer, Regis sou eu.




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Cinco horas da tarde já estava em minha casa, onde, para evitar o horário do rush no chuveiro, preparei meu banho, onde, ajudado por mamãe, consegui puxando a corda, levantar o chuveiro em sua devida posição e, só depois que ela me deixou só, me despi (não me sentia bem ao me despir na frente dela) e me deliciei sob tais águas morna, até não restar nenhuma gota dentro de tal balde com cano de regador.

Em poucos minutos, vindo da mesma escola com a bicicleta Phillips de papai, chegou meu irmão José.

— Por que vocês têm vindo separado da escola? — perguntou-nos desconfiada, mamãe. — Vocês brigaram?

— Eu não briguei com ninguém! — protestou José. — Ele é que não me espera!

Mal sabe meu irmão mais velho que o “ele” ao qual se refere ainda está para trás. Ou seja, quem é que não espera quem?

— É que a gente se desencontra na saída! — aleguei. — Além do mais, gosto de vir a pé.

Como em todas as tardes, papai chegou do trabalho pouco depois das dezoito horas e então, meu outro eu, que com certeza estava escondido por perto, não esperou nem um segundo a mais, adentrando normalmente pelo portão, onde, talvez por sua pouca idade, sem sentir nenhuma ansiedade, como se nada de diferente fosse acontecer a partir daquela sua chegada em nossa casa.

Eu, ao contrário dele, senti meu coração bater descompassado, sem ter a mínima noção do que iríamos justificar para nossos familiares que, com certeza perceberia que nada mais seria o mesmo a partir daquele minuto.

Quando ele passou direto por minha mãe, seguindo para o quarto para guardar seu material escolar, ela já sentiu um calafrio e insinuou eufórica:

—Léo! — era o apelido carinhoso do primogênito.

Ele era o único que ainda não chegara de seu trabalho na marcenaria do senhor João Carola.

Mas como ela confundiria Regis com Leonardo? Enquanto eu sou loiro de cabelos brancos, ele até parece de outra família, com sua pele quase morena e cabelos quase negros.

— Nã… nã… não é o Léo, mamãe! — neguei assustado. — Re…gis, volte aqui!

O menino, depois de jogar a bolsa escolar sobre a cama, voltou até a sala, se prostrando ao meu lado.

— Somos o mesmo, mamãe e papai! Não se assustem porque acho que conseguiremos explicar.

— Eu não consigo explicar coisa nenhuma! — protestou meu comparsa. — Nem sei como ele veio parar no meu lugar!

— O que é que está acontecendo? — especulou-nos papai. — Como é que têm dois de vocês?

— Este menininho bonito aqui do meu lado… — ironizei, embora com jeito nervoso, sem saber o que dizer. — É o filho que vocês têm aqui com vocês. Eu também sou o filho Regis de vocês! Na verdade, sou ele mesmo. Só que não sou dessa época! Consegue entender?

— Não! — negou mamãe, tremendo de nervosa.

— Por favor, não fique nervosa, mamãe! — pedi, tão perdido quanto eles. — Está tudo muito bem! Nada vai ser diferente!

— Nunca soube que eu tivesse um outro filho — negou papai.

— E não tem! Somos o mesmo, como já disse. E eu não sou fantasma, muito menos mágico ou bruxo! Apenas vim de um outro tempo! Digamos que, para fazer uma visita…

— De onde você veio?

— Cinquenta anos no futuro.

— É impossível! — negou convicto papai. — Isso não existe.

— De fato não existe! — ri nervoso. — Quem sou eu?

— Cinquenta anos no futuro você terá… sessenta!

— Cinquenta e nove!

— Com essa fisionomia?

— Eu não fiz uma viagem ao passado! — neguei. — Eu voltei pra minha infância. Eu sabia que estava vindo pra cá. Só não dei conta de que reencontraria a… mim mesmo!

— E o que você achava que aconteceria comigo? — protestou meu outro eu. — sumiria no ar? Viraria pó!

— Sei lá! Só não pensei que iria reencontrá-lo.

— Isso não pode ser de verdade! — protestou mamãe. — Não existe como! Um adulto não volta a ser criança!

— Meu corpo é de criança, minha mente… nem tanto.

— Como assim? — insistiu mamãe.

— Somos idênticos! Mas sei muito mais do que ele!

— Sabe uma pinoia! — protestou meu eu.

— Na verdade, sei muito mais do que você, mamãe… sei muito mais do que você, papai!

— Eeeeh! — resmungou o homem da casa.

— Não estou lhe provocando papai, nem lhe chamando de burro! É que sou mais estudado do que todos vocês. Além de ter vindo de uma época em que o conhecimento é melhor difundido.

— Quer dizer que… o machinho é você! — insistiu papai.

— Não sou! Quer dizer… sou! Mas ele aqui do meu lado também é! Só é mais tímido devido à pouca idade. Os demais irmãos também são machinhos. Menos a Camila, que é uma grande mulher. Será uma grande mulher! Todos seus filhos serão grandes homens, papai! Nenhum será rico, mas serão grandes! Porque todos se tornarão honestos e honrados. Estes valores é a maior riqueza em que o ser humano possa ter e é grátis.

— Você é meu filho… E veio do futuro? — insistiu papai. — De que época?

— O ano é dois mil e dezoito. Como disse, cinquenta anos daqui.

— Nessa época acho que eu nem existo mais! — riu nervoso ele.

— Mexer no passado altera drasticamente o futuro — fui incisivo. — Não posso revelar coisas de lá pra ninguém!

— Você é mais velho de idade do que eu? — concluiu ele.

— Com certeza sou! Não aqui! Aqui sou só uma criança e é criança que eu quero ser!

— E como é o futuro, Regis? — interferiu meu irmão Leonardo.

— Muito bom! As coisas evoluirão aos poucos. Apesar de que não deva revelar nada de lá, lhes garanto que é melhor ser criança aqui!

— Por quê? — interferiu meu eu.

— As crianças do futuro não brincarão mais!

— Por quê? — insistiu meu eu.

— A evolução não permitirá!

Ele não entendeu nada. Acho que nenhum deles entendeu.

— E o que eu sou lá no futuro?

— Você é eu! — ri. — Papai de três lindos filhos!

— Acha! — protestou ele. — Eu vou ser padre!

— Não posso ficar revelando coisas, mas você não será padre!

— E eu? — Perguntou-me ansioso José.

— Você será…

Lembrei-me do destino triste ao qual será o de meu irmão José:

— Não posso ficar revelando o futuro, já disse! O que eu fizer aqui pode alterar muita coisa no futuro. A única coisa que posso garantir é que você será um jovem de igreja. Não o meu eu, mas você!

— Bem que eu estranhava você, meu filho! — alegou ansiosa mamãe. — Você é diferente!

— Não sou diferente, mamãe! Sou apenas o Regis.

Ela se voltou para meu outro eu, dizendo:

— Fale alguma coisa com seu pai, Regis.

— O que eu vou falar com o pai? — espantou-se o menino.

— Viu a diferença? — perguntou-me nervosa ela.

— Não!

— Fale você alguma coisa ao seu pai.

— O que devo falar com papai?

— Percebeu a diferença? — insistiu ela, sem que eu notasse.

— Algum de vocês percebe a diferença entre os dois? — perguntou mamãe, apontando para todos, por último ao papai. — Nem você?

Papai apenas franziu os lábios como a dizer, filho é tudo igual, mas arriscou:

— Ele é machinho! Atrevido!

— Nem você percebe sua própria diferença, meu filho? — perguntou-me mamãe. — Só um coração de mãe é que percebe?

— Somos iguais, mamãe! — Ri ansioso. — É como se fôssemos gêmeos idênticos! Sou apenas mais culto.

— Não é questão de cultura! — negou ela. — É carinho.

Percebi o que ela quis dizer e me dei conta de que, enquanto eu naturalmente os chamava de papai e mamãe, os demais os chamavam de pai ou mãe. Então me atrevi:

— Posso chamar a atenção de vocês todos? Não é por maldade, é por carinho mesmo.

— O que há? — resmungou desconfiado, papai. — Chamar minha atenção de novo?

— De todos, papai! E é porque eu amo vocês e vocês também se amam!

— O que você quer dizer, filho? — insistiu mamãe.

— Quando a gente morava no sítio, todos os filhos se despediam assim… a benção papai… a benção mamãe! Lembram?

— Claro! — concordou papai.

— E agora, como se despedem?

— Não sei! Do mesmo jeito, eu acho!

— Não! É tão automático que a magia da família vai se acabando e a gente nem percebe. Desde o dia em que cheguei aqui, nunca ouvi ninguém se despedir ao se deitar e muito menos se cumprimentar ao se levantar.

— Esses filhos são assim mesmo! — se conformou, papai. — Aos poucos vão crescendo e acham que é bobagem pedir a benção para os pais.

— Por outro lado, eu também nunca vi nenhum destes pais dar um beijo ou sequer um abraço em qualquer dos filhos. Mesmo que seja apenas no Alex, que tem só três anos de idade. Eles sentem falta, sabia. Porque é muito importante e gostoso o carinho entre pais e filhos.

— Será que se o pai, por ventura chega em casa cansado de um dia de trabalho pesado e esquecer desse carinho, se o filho resolver fazer, não seria muito gratificante?

— Sim! Para ambos! Mas acontece que os filhos estão começando a sentir medo, ao invés de amor pelos pais. Principalmente pelo pai. Isso é ruim!

— Você é machinho mesmo, não?!

— Não sou! É com o coração assustado que eu digo isso. E como já lhe disse, é porque eu amo você, papai. E amo mamãe e meus irmãos — me voltei para meu outro eu, lembrando de algo. — E isso não é ser menos homem, é ser família.

— Vou tomar banho — alegou papai, sentindo que não me venceria, mas também não deixando se vencer.

Poucos minutos depois, sozinho, me sentara no banco de madeira que estava na calçada da frente de nossa casa, onde comecei a refletir o que estaria acontecendo lá no futuro distante com minha verdadeira família.

Um minuto depois, meu outro eu chegou de mansinho, sentando-se ao meu lado.

— Cadê o banho? — perguntei-lhe com jeito de gozação.

— O pai está no banho!

— Vai tomar banho hoje, ou não?

— Claro! Tomo banho todos os dias!

— Não foi o que a vovó disse!

— Você sabe o porquê de não ter tomado. Além do mais, você sendo eu mesmo, sabe melhor do que eu que tomo banho todos os dias!

— Não é o que você mesmo disse à professora em uma determinada aula!

— O quê?!

— Esquece! — me lembrei. — Isso ainda nem aconteceu!

— Eu quero saber! — ficou ansioso ele. — O que há?

— Acho que isso eu posso contar! — franzi o nariz. — Quem sabe você muda este vexame. Em uma aula, lá não sei que dia deste ano em que estamos, a professora lhes ensinará noções de higiene. Até colocará no quadro do flanelógrafo uma ilustração de um menininho peladinho no chuveiro. Então ela lhes dirá, devemos tomar banho todos os dias. Quando alguém que está aqui do meu lado retrucará, professora eu não tomo banho todos os dias!

— Eu!?

— Não, eu! Quer dizer… eu mesmo! Pois você é eu! — pensei um pouco e decidi. — Falando nisso, vou mesmo trocar o seu nome!

— Por quê!?

— Dois Regis por aqui, vai ser sempre complicado.

— Não vou me chamar Regi…naldo! Você é o intruso.

— De onde eu venho, sou escritor. Uma de minhas personagens se chama Arthur. Vou batizá-lo por Arthur!

— Arthur é mulher?! — estranhou ele.

— Claro que não! Arthur é muito macho!

— Por que você disse… minha personagem!?

— Porque em um conto a figura personagem é um substantivo feminino.

— Uhm!? — não entendeu nada.

— Não liga não! Você será Arthur.

— Eu não! Credo!

— Por que, credo? Arthur é um belo nome! E é nome de rei!

— Fique com ele pra você! — balançou os ombros meu outro eu. — Gosto de meu nome sagrado.

— Tudo bem! A partir de agora, você e todos por aqui irão só me chamar por Arthur, o magnífico!

— Belo magnífico! — riu o outro menino.

— Em todo caso, carinha, eu vim aqui pra cuidar de você e de nossa família. Isso implica que jamais deveremos brigar, ao contrário, teremos que ser aliados.

— O que quer dizer a…liado?

— Você é burro mesmo, não?

Ele balançou os ombros e emendou:

— Tenho nove anos. Não cinquenta e nove!

— Concordo — ri de seu jeitinho. — Aliado quer dizer, pessoas que se ajudam! Posso contar com você?

— Com certeza!

— Então toque aqui!

Tentei bater minha mão fechada sobre a dele, que não entendeu. De fato, o gesto de as crianças se cumprimentarem tocando os punhos e depois a mão aberta sobre o aliado, não é coisa de tal época.

— É assim que se faz, menino — por isso eu lhe ensinei.

— Sou seu aliado — riu ele. — Mas você é maluquinho. Vou tomar banho.

— Calma! — pedi. — Não sou maluquinho!

— É que você inventa cada coisa. Depois, eu nem creio que você tenha vindo do futuro. Isso nem existe! Cadê a máquina do tempo que te trouxe aqui?

— Acha que sou só um… filho bastardo do papai?

— Não sei o que é isso. Mas deve ser.

— Bastardo? Filho de papai com outra mulher. Bem que a fama dele não é boa!

Acho que ele ainda não tinha pensado nessa hipótese. Fez uma cara de decepção e perguntou:

— Você é?!

— Claro que não, besta! Sou você mesmo! Seu pai é o meu pai, sua mãe é a minha mãe e seus irmãos são os meus irmãos legítimos.

— É muito esquisito. Acho que você seja mesmo só um impostor.

— Pra ser impostor eu seria mesmo o filho bastardo. Mesmo assim não seria idêntico a você. Veja bem, o José Carlos é seu irmão legítimo, filho do mesmo pai e da mesma mãe e muito mal se parece com você. Como um filho de papai com outra mulher seria idêntico a você?

Ele apenas balançou os ombros.

— Sabe aquela pelinha de porco — continuei. — Símbolo de um desejo não realizado de mamãe, que você tem grudado na parte mais sensível de seu lindo corpinho…

Ele ficou sério.

— Pois é! Eu também tenho! Quer ver?

Ameacei baixar a calça curta.

— Eu não, owh! — protestou ele franzindo toda a cara. — Tá pensando que sou viado?

— E quanto a máquina do tempo?! Não vim aqui dentro de uma delas!

— Como você chegou aqui? Assim do nada, apareceu como mágica?

— Foi bem por aí! De repente eu estava na praça central conversando com um velho amigo… velho mesmo! Quase cem anos de idade. Um segundo depois me vi na mesma praça, cinquenta anos antes.

— Quer dizer que você é mesmo um bruxo? Um mágico! Feiticeiro!

— Pelo meu tamanho não seria… uma fada?

— Fada é mulher!

— Venha comigo que vou lhe mostrar algo.


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Notas finais do capítulo

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