Nostalgia escrita por KIM


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Olá olá!
Bem vindos a Nostalgia. Ela é a minha primeira fanfiction nesse cadastro e surgiu da fusão de uma eu tentando imaginar como era a vida dos meninos antes do BTS ser formado e de uma eu reclamando que não conseguia achar uma fanfic legal com o Seokjin (sério, precisamos de mais desse garoto sempre). Então pensei: porque não tentar escrever uma? De qualquer forma, essa nem de longe é a minha primeira fanfic ou história (escrevo desde os 12 aninhos e já tenho os meus quase 21 na cara), esse não é o meu primeiro cadastro e o Bangtan definitivamente não é o meu primeiro fandom, mas depois de anos, no meio da vida adulta, os meninos me fizeram me sentir ligada a eles de um jeito incrível (jeito esse que eu não sentia há ANOS por ninguém) e o resultado é esse.
Enfim, espero que gostem e me deixem saber se alguém está lendo isso e o que estão achando. Um feedback é sempre legal. Sobre atualizações: com a universidade e todo o resto é difícil estabelecer datas e dias da semana, mas farei o meu melhor.
Enjoy it!

Ps. Meus capítulos são sempre grandes assim mesmo, quando eu vejo já foram quase dez mil palavras. Sorry.
Ps2. Fanfic sendo postada no Spirit e no Wattpad (links dos meus perfis nos sites aqui no meu perfil do Nyah!)



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“O mesmo dia, a mesma lua, 24 Horas por dia, 7 dias por semana tudo se repete.” – Tommorow.

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O celular no bolso do jaleco da mulher de cabelos castanhos vibrou indicando o fim de mais um plantão de 48h.

Yun Seulgi não fez qualquer sinal para alcançar o aparelho e conferir o horário que havia aguardado tão ansiosamente. Apesar de ter notado o alarme, seu rosto continuava vestido com uma expressão profissional e atenciosa, focada exclusivamente no paciente que ainda atendia.

Não havia uma única característica da mulher que não indicasse o quão exausta a mesma se encontrava. Era o seu terceiro plantão daquele gênero nos últimos dez dias e aquele em particular havia sido especialmente cansativo: havia ocorrido um acidente envolvendo cinco carros em uma rodovia próxima ao hospital, e os feridos haviam sido encaminhados até ali lotando as salas de emergência e, até mesmo, o centro cirúrgico. Todos os médicos, não importava a especialidade, haviam sido mobilizados para lidar com a situação caótica que havia se instalado, especialmente com a sala de espera lotada com familiares histéricos e preocupados.

— Já está quase terminando. – a voz da doutora soou doce e reconfortante em direção ao garoto de dez anos deitado na maca e que ainda tinha no rosto um olhar apavorado. Seulgi sabia que aquele olhar não deixaria o seu rosto por algum tempo: presenciar um acidente daquele porte seria algo que uma criança demoraria a superar. – Você está indo bem.

Apesar das palavras, ela não desviou a atenção da sutura que, de forma habilidosa, finalizava. Kwan – o menininho de dez anos que poderia discorrer por horas sobre seus personagens favoritos da Marvel e que vestia uma camisa do Spiderman agora rasgada e suja – havia escapado do acidente, milagrosamente, sem qualquer fratura óssea ou trauma, porém não havia saído intacto: um corte profundo havia sido aberto pelas ferragens do carro ao longo da sua coxa atingindo o músculo reto e medial, com sorte sem rompimento de tendão.

— Doutora. – a voz baixa e preocupada da mãe do garoto fez Seulgi desviar brevemente o olhar em sua direção. – Meu marido foi levado para o centro cirúrgico assim que chegamos, já fazem horas. Há alguma notícia?

— Infelizmente eu não tenho essa informação. – ela respondeu focando com certo custo o olhar no rosto da mulher. Era difícil olhar tanto desespero. O filho ferido e o marido, Seulgi havia visto quando chegaram, em estado grave. A mãe de Kwan havia escapado apenas com um arranhão no rosto já que o impacto do acidente havia sido todo do lado do motorista, mas a doutora poderia imaginar o inferno que estava os pensamentos daquela senhora. – Não temos contato direto com o centro cirúrgico. Creio que assim que eles tiverem uma posição sobre o estado do seu marido alguém virá imediatamente busca-la.

— Já fazem horas.

— Frequentemente procedimentos cirúrgicos demoram bastante. – Seulgi deu a verdade que podia como forma de conforto, o máximo que podia também. Sim, procedimentos cirúrgicos demoravam e nem sempre era bom sinal.

A outra mulher acenou com a cabeça, suas mãos firmemente unidas, como em oração. A doutora voltou o olhar para a sutura de Kwan, sentindo como se pudesse estar invadindo a privacidade da senhora ao encarar tanta dor em seu rosto. Aquele acidente havia sido bastante grave, já haviam dois mortos, e Seulgi sabia que a mulher estava se questionando se o seu marido seria o próximo.

— Prontinho. – ela anunciou cortando a linha da sutura e analisando o resultado do seu trabalho, antes de lançar um sorriso cansado, porém sincero, para o menino que parecia um pouco mais calmo ao não ter mais uma agulha entrando e saindo de sua pele. – Você foi muito corajoso, Kim Kwan. Irá ficar bem. – completou como um conforto para a mãe, e sua expressão dizia que ela sentia muito por não poder fazer mais nada.

Ela levantou do banco, retirando as luvas e as descartando na lixeira, assim como as gases e outros materiais descartáveis utilizados. Uma enfermeira se aproximou com o prontuário do garoto em mãos, deixando o mesmo preso a maca e recolhendo os materiais que a doutora havia usado na sutura, ao mesmo tempo que outra vinha com o primeiro medicamento que Kwan deveria tomar.

— É para fazer um curativo, doutora? – a enfermeira questionou indicando a sutura enquanto Seulgi avaliava o menino mais uma vez, checando seus sinais.

— Sim, vamos cobrir isso pelo menos nos primeiros três dias. – a mulher de cabelos castanhos respondeu com um leve sorriso reconfortante para o garoto, antes de focar sua atenção profissional na colega de trabalho. – Deve ser trocado antes da alta, depois que o próximo plantonista avaliar. Você poderia ensinar a senhora Kim a trocar o curativo? Ela vai precisar fazer isso umas duas vezes.

A enfermeira acenou e se retirou para descartar os materiais que havia recolhido e pegar outros para fazer o curativo.

— Então...? – a senhora Kim captou a atenção da medica que fazia a última checagem geral do plantão antes de se retirar, enquanto acariciava o ombro do filho de forma maternal.

— Foram muitos pontos, o corte foi profundo e longo, então ele vai ficar com uma cicatriz. Ouvir dizer que garotas gostam de cicatrizes, todos os heróis tem alguma. – a doutora respondeu a pergunta muda da senhora, piscando de leve em seguida para garoto que sorriu em sua direção, aparentando exaustão, também. Então Seulgi voltou sua atenção totalmente para a mãe, explicando de forma calma. – Mas será só isso. Uma cicatriz. Ele ficará bem. Deixei prescrito um antibiótico, ele deverá tomar por sete dias para eliminar risco de infecção pelo corte. Ele irá tomar também a vacina para tétano, já que a barra que provocou a lesão era de ferro, e não temos como saber a exata condição que ela se encontrava, se estava enferrujada ou não, então aplicaremos por excesso de cuidado. Também deixei prescrito um antinflamatório e Tramal, um analgésico,  para que ele não sinta muita dor.

— Ele já está liberado? – a senhora Kim questionou.

— Ainda não. Prefiro que ele passe a noite aqui em observação. – Seulgi respondeu pegando o prontuário de Kwan preso a maca e assinando o mesmo, antes de entregar a enfermeira que havia aplicado o medicamento ao soro do paciente e que se afastava. – De todo modo, ele provavelmente dormirá o tempo inteiro, os remédios são bastante fortes, especialmente o analgésico. Será bom para ele e para o corpo um pouco de descanso, imagino que tenha sido um trauma grande. Mas amanhã pela manhã quando ele tiver terminado de tomar os medicamentos e acordar, um médico virá para averiguar o estado dele, explicar quais os medicamentos ele continuará tomando em casa e assinará a alta.

— Muito obrigada. – a mãe de Kwan se aproximou da médica e lhe beijou levemente as mãos, a qual Seulgi pareceu um pouco envergonhada com o ato. Ainda lhe era estranho ser tratada tão respeitosamente por pessoas mais velhas que ela, especialmente quando ela tinha a sensação que não tinha feito nada demais e, ainda por cima, queria poder ter feito mais. – Muito obrigada. – a senhora repetiu se afastando e voltando ao lado do filho com os olhos marejados.

— Fiz o meu trabalho, senhora Kim. – Seulgi fez uma reverencia em respeito para a mulher e sorriu para o menino agora bem sonolento. – Se cuida garotão.

Depois de explicar brevemente para enfermeira o modo como deveria ser administrado os medicamentos do paciente e verificar novamente se havia deixado os mesmos prescritos, com os horários, dosagem e sua assinatura; Seulgi acenou brevemente para a maca onde Kwan e sua mãe estavam, agora de mãos dadas enquanto ela acariciava o cabelo do filho parecendo chorar entre o alivio e uma outra preocupação latente, antes de se dirigir para o corredor deixando a sala de emergência lotada para trás.

Por um segundo ela se questionou se parecia tão esgotada quanto se sentia. Achava que a resposta era sim. Seus olhos castanhos eram ornamentados com profundas olheiras – mal havia tido tempo de descansar nos intervalos do plantão devido ao caos que havia se instalado – seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo totalmente desajeitado, sua pele pálida de exaustão, os ombros curvados em cansaço. Sentia seus músculos doerem.

Apesar do esgotamento físico, ela sentia o cansaço mental a puxando para baixo, também. Já fazia quase um ano desde que havia se formado e que trabalhava ativamente, mas Seulgi ainda continuava sensível aos seus pacientes. Ela sabia que para assegurar uma boa medicina deveria manter um certo distanciamento da situação daquele que recebia seus cuidados, mas isso ainda era difícil para ela. Primeiro porque, por mais que entendesse o conceito da racionalidade, achava aquilo irônico considerando que o propósito da medicina era o cuidado e a cura humana. Na prática, você deveria se importar enquanto salvava uma vida... mas não se importar demais.

Segundo que ela se importava demais, às vezes. Ainda estava aprendendo. Acabava se deixando afetar muito. Por um segundo ela mentalizou o rosto da mãe de Kwan enquanto esta quase implorava por notícias do seu marido que havia entrado no centro cirúrgico há horas e não regressado ainda. E então a sensação de impotência lhe atingia. Apesar de fazer o melhor que podia até a exaustão, quando se era médica na maioria das vezes não seria o suficiente.

Ela balançou a cabeça tentando expulsar o pensamento da mesma enquanto adentrava a sala dos médicos, seguindo para o banheiro. A outra razão pela qual não se deveria se deixar afetar pela condição dos pacientes (além da boa medicina) era o fato de que, como médica, Seulgi atendia pessoas nas mais diversas condições todos os dias. Pessoas apenas com uma gripe de inverno, ou pessoas com um câncer no estágio terminal. Se ela se deixasse afetar por cada um deles acabaria como muitos colegas de profissão que não aprendiam aquela lição acabavam: com uma depressão fatal.

Mas ela estava aprendendo. Em retrospectiva haviam coisas que lhe chocavam no início, que lhe tirava o sono e que hoje em dia nem a sua expressão, nem seu pensamento, se rebelava ao presenciar. Aos poucos, ela se tornava atenciosamente distante. Carinhosamente fria. Isso a preocupava, a aliviava e, às vezes, também não a deixava dormir a noite.

Era doloroso e irônico pensar que a medicina que salvava vidas te obrigava a perder alguns traços de humanidade. Te dava o dom de curar alguém ao mesmo tempo em que te tirava a capacidade de compartilhar a dor de um ser humano.

Ela ligou o chuveiro, entrando de cabeça e tudo no mesmo. Um suspiro de alivio escapou dos seus lábios. Conviver com a dor humana todos os dias poderia ser um fardo pesado, mesmo com todo o amor pela profissão. Quando ela tomava aquele banho no fim de cada plantão ela sentia como se o peso saísse em camadas de sua pele, ficando ali, no hospital. As vezes era impossível deixar toda a bagagem que a incumbência trazia ali, mas todos os dias ela se esforçava o máximo. Para ser a melhor medica possível ali dentro e a melhor Seulgi que podia lá fora.

Ela desligou o chuveiro pegando a toalha, ainda se sentindo cansada porém mais leve. O seu cansaço agora indicava apenas a necessidade urgente por sua cama. Ela rapidamente vestiu a muda de roupa limpa que sempre trazia, descartando o jaleco utilizado no local apropriado para lavagem e esterilização e pegando o saco vedado onde havia colocado as roupas que tinha utilizado durante o plantão e que também iria direto para lavagem assim que chegasse ao apartamento.

A sala dos médicos estava movimentada, era troca de plantão. Algumas pessoas – como Seulgi – iriam para casa para uma noite de descanso merecido, outras a jornada de trabalho começava naquele momento. Ela se aproximou do seu armário, abrindo o mesmo e pagando a sua bolsa, sentindo seu cabelo úmido ainda pingar em suas costas. A mulher de cabelos castanhos rapidamente checou seus documentos, guardou os utensílios pessoais e pegou a chave do carro, ansiando por sair dali. Ela viu a caixa de anel no fundo da bolsa – não podia ficar com esse tipo de assessório enquanto trabalhava, obvio – e, automaticamente, pegou o anel onde uma solitária repousava e colocou o mesmo em seu dedo anelar, na mão direita. O enjoo que surgiu brevemente em seu estomago não teve nada a ver com o cansaço e o peso no seu dedo não era apenas causado pelo diamante exagerado.

Ela fecha o armário com certo barulho e se dirige a saída cumprimentando alguns colegas pelo caminho. Atravessou rapidamente os corredores do hospital adentrando o elevador em seguida, pressionou o botão do térreo e procurou alcançar o celular que havia colocado no bolso.

Havia diversas mensagens não respondidas. Não costumava pegar seu celular durante o plantão (apenas nos intervalos) e durante aquele em particular ela não havia tido tempo nenhum de checar o aparelho. Sua mãe, como sempre, perguntava como ela estava e se havia se lembrado de comer apropriadamente durante o período de trabalho: não importava quantos anos Seulgi tivesse, sua mãe sempre iria se preocupar com coisas daquele gênero, muitas vezes com razão, a garota tinha que admitir. Ela respondeu as mensagens da sua omma já prevendo que levaria uma bronca pela demora e a reclamação bônus de sempre sobre o modo como ela parecia viver para o trabalho.

Sua melhor amiga também havia lotado sua caixa de mensagens perguntando sobre um passeio que ambas supostamente fariam no fim de semana e que Seulgi não fazia ideia de ter marcado. Não que ela fosse admitir isso para a outra, claro. Então agiu como se soubesse exatamente do que a unnie estava falando e avisou que se informaria se não estaria presa no hospital no dia marcado e que lhe avisaria até a sexta.

O elevador se abriu ao atingir o térreo e a garota de cabelos castanhos se apressou para fora ignorando algumas mensagens não tão relevantes no momento e vendo chamadas não atendidas do contato Taeyang (oppa). Ela tinha absoluta certeza que não havia sido ela que tinha colocado o pronome de tratamento ali, mas parecia errado tirar, de certa forma. As ligações haviam sido acompanhadas de uma única mensagem pedindo que ela o ligasse assim que visse a mesma e tivesse um intervalo no plantão.

Ela suspirou audivelmente enquanto atravessava as portas do hospital saindo para o ar frio da noite e pressionou o botão para retornar a ligação. Seulgi ouvia o celular chamar enquanto procurava com os olhos o local onde havia estacionado seu carro e imediatamente iniciava sua caminhada até lá. Era outono e apesar do céu limpo e estrelado, um vento particularmente frio fez com que a garota apertasse o casaco mais próximo de si.

— Seulgi. – a voz familiar soou do outro lado da linha quando ela já cogitava desligar a conexão. Havia um barulho excessivo no outro lado da linha e a garota sabia que Taeyang estava no hospital. Checando brevemente o relógio em seu pulso antes de destravar o carro e adentrar o mesmo, ela sabia que o plantão dele havia começado a poucas horas.

— Oppa, desculpe só vi a sua ligação agora. – ela disse colocando a sua bolsa no banco do passageiro e se recostando levemente no próprio assento.

— Está saindo do plantão? – a voz dele era carinhosa, atenciosa, pratica e distante, como sempre. Como se estivesse falando com um paciente que simpatizava muito.

— Sim, foi uma loucura hoje. – Seulgi fechou levemente os olhos, soltando um suspiro levemente cansado. – Você deve ter ficado sabendo do acidente. Não tive tempo para descansar nem um minuto. Você já está no hospital?

— Sim, meu plantão começou há algumas horas e eu já não vejo a hora de terminar. – Taeyang confirmou o que ela já sabia e a fez esboçar um leve riso. – Estou com um pouco de inveja de você que está indo para casa dormir nesse momento.

— Depois de um plantão desses eu mereço. – ela falou veementemente. – Você só queria ouvir minha voz cansada ou era algo importante?

— Na verdade um pouco sobre ouvir sua voz, o que eu quero questionar não é tão importante assim. – a voz masculina rouca de Taeyang deu um leve riso.  – Sei que marcamos um jantar amanhã a noite, mas queria saber se tudo bem adiarmos para um almoço no dia seguinte. Chung-hee faltou hoje, a filha não está muito bem, e Dong-sun precisou sair, algo a ver com a família e o chefe me pediu para dobrar o plantão. As coisas estão agitadas por aqui também e ele não quer arriscar ficar em desfalque de dois médicos.

Seulgi brincava com o anel de noivado, a solitária no dedo anelar.

— Tudo bem. – não houve qualquer hesitação em suas palavras. – Nos vemos na quinta no almoço então. No mesmo lugar?

— Sim, mas até lá nos falamos. – Taeyang riu levemente. – Vou estar de plantão, não fora de orbita Seulgi. Eu respondo mensagens.

— Senti a indireta.

— Era para sentir mesmo. Mas sei como um plantão pode ficar complicado. – por isso não havia tom de cobrança na voz prática do seu noivo. Ele sempre sabia. Taeyang pareceu afastar brevemente o celular do ouvido e responder rapidamente a alguém antes de voltar a atenção para a garota. – Tenho que desligar. Preciso voltar para atender um paciente.

— Tudo bem. – Seulgi falou imediatamente, colocando o cinto de segurança e se preparando para desligar o contato.

— Vê se dorme e descansa um pouco. – ele disse. – Te amo.

— Bom trabalho. – Taeyang rapidamente desligou a chamada e ela imediatamente deu partida no carro, arrancando dali.

Seul se encontrava movimentada àquela hora da noite, era pouco depois das 22h. Algumas pessoas, assim como ela, voltando para casa depois de um dia cansativo no trabalho. Outras apenas se divertindo com os amigos – apesar de ser plena terça feira. Ela passou em frente a alguns bares que costumava frequentar na época da faculdade, como sempre passava no caminho de volta para o apartamento depois do trabalho. Naquele dia em particular a visão de alguns letreiros luminosos familiares fez um sorriso saudoso surgir nos lábios da garota de cabelos castanhos – lembranças de uma época onde ela também andava sempre exausta, mas ainda se sentia a Seulgi de sempre.

Ela não demorou muito percorrendo o caminho familiar até o seu apartamento. Quando o transito cooperava ela conseguia fazer o percurso em menos de trinta minutos  e aquele havia sido um desses dias – e esse foi o seu primeiro agradecimento nas ultimas 48h enquanto descia do carro, depois de estaciona-lo na garagem do prédio.

O porteiro a cumprimentou quando a mesma passou e lhe entregou a sua correspondência, lhe desejando bom descanso em seguida, o que pra ela foi prova suficiente de que estava acabada. Um vizinho que ela não lembrava o nome segurou o elevador quando a mesma se aproximou – ato que Seulgi imediatamente agradeceu com uma reverência antes de pressionar o botão do seu andar – e a garota agradeceu aos céus pelo fim de noite tranquilo. Sequer havia encontrado a vizinha do sexto andar que sempre lhe olhava como se perguntasse o que um ser como ela fazia existindo. Sentiu seu celular vibrar no bolso e não demorou para ver que era mais uma mensagem da sua mãe, o que a fez bloquear o aparelho novamente e voltar a guarda-lo. Sabia que se desse corda a sua omma começaria a conversar com ela por horas a fio e tudo o que a garota queria fazer naquele momento era dormir.

Não demorou muito para o elevador abrir em seu andar – ela morava apenas no quinto – e ela saiu do mesmo desejando boa noite ao senhor de, aparentava, seus quase 60 anos. Seulgi enrolou seus cabelos em um nó desajeitado na tentativa de retirar as suas ondas da frente dos seus olhos, enquanto se aproximava da porta no fim do corredor já procurando as suas chaves na bolsa. Seu cabelo havia secado a vontade pelo caminho e ela podia imaginar a tragédia que o mesmo se encontrava, mas estava cansada demais até para se importar com isso. Provavelmente ele estava combinando com as suas olheiras, de qualquer forma.

Ela abriu a porta e o cheiro familiar de lar lhe atingiu fazendo todos os músculos do seu corpo relaxarem automaticamente. Adentrou o apartamento tratando logo de retirar os seus sapatos e deixando seus pés tocarem o chão gelado. Acendeu a luz da sala de estar, jogando a sua bolsa, seu celular e chave do carro na mesinha próxima a entrada. Verificou se a porta do apartamento estava realmente trancada, antes de se encaminhar para a cozinha ao mesmo tempo em que retirava o casaco que a cobria e o jogava em cima do sofá ao passar.

Abriu a geladeira e mais uma vez chegou a conclusão que precisava fazer compras urgentemente. Não tinha mais jeito e nem como adiar: ela só tinha uma garrafa com agua pela metade, alguns temperos com aparência verde duvidosa e um leite que ela tinha certeza que estava estragado. Teria que arranjar tempo para ser uma dona de casa, por mais que ignorasse o papel quase sempre. Seulgi fez uma anotação mental de ir ao mercado assim que acordasse no dia seguinte, enquanto pegava a garrafa de agua e colocava um pouco em um copo.

Se sentou em um dos bancos ao redor do balcão da sua cozinha americana moderna que nunca jamais em hipótese alguma era usada e apoiou o copo ali, enquanto examinava a correspondência que o porteiro havia lhe entregado. Contas, boletos, mais contas, uma confirmação para a assinatura de uma revista online de medicina ortomolecular. Seulgi franziu a testa para um envelope bege de aparência simples – a única coisa que parecia estranha no meio da sua correspondência. Ela pegou em suas mãos o que parecia um convite e não demorou a abrir o mesmo, suas sobrancelhas saltando para cima ao ver o conteúdo.

Apesar do envelope simples e minimalista, o convite em si era de cores vibrantes e letras garrafais – como convites de festa de ensino médio. O que combinou com o conteúdo a garota pensou horrorizada ao ver que aquilo era uma intimação para uma reunião da sua turma do ensino médio do colégio de Gwacheon.

Só podia ser brincadeira, Seulgi pensou quase rindo. Uma reunião do ensino médio? Sério? Quem havia tido aquela ideia brilhante?

Pela primeira vez em anos – mais precisamente desde que ela deu tchau a Gwacheon sem olhar para trás – ela pensou nos seus antigos colegas de turma. Não havia conseguido manter contato com nenhum deles depois que se formara, nem mesmo com a sua grande melhor amiga da época a qual ambas haviam jurado que levariam a amizade para o tumulo – com direito a promessas sobre uma ser madrinha do casamento da outra e estar ali sempre que a outra unnie precisasse – mas que não conseguiram suportar as mudanças que estar em uma faculdade causava. Seulgi não lembrava exatamente como havia perdido contato com Yerim, não havia tido uma grande briga ou algo assim, só pararam de se falar aos poucos, até não se falarem mais. De melhores amigas passaram a desconhecidas ainda no primeiro ano pós ensino médio – o que poderia ser encarado até como um alivio já que uma não conseguia mais se encaixar na vida da outra. Agora a própria Seulgi estava noiva, sua melhor amiga e futura madrinha de casamento era uma garota que conhecera na faculdade ainda como caloura e ela sequer sabia o que raios havia acontecido com Yerim.

Na verdade ela não sabia o que raios havia acontecido com nenhum dos seus colegas do ensino médio e, por um segundo, se pegou imaginando que rumo cada um deles havia tomado (pelo menos os que ela ainda se lembrava com certa vividez). Fazia muito tempo. A garota não era muito fã de redes sociais e as que possuía ela tinha certeza de que não tinha nenhum sobrevivente dessa época da sua vida como seguidor, amigo ou contato. Foram pessoas que ela conviveu por três anos e que juraram tentar manter uma conexão (com alguns, pelo menos) mas que se apagaram uns das vidas dos outros assim que pegaram o diploma daquela fase. Era o ensino médio afinal. Relações de ensino médio raramente sobreviviam a vida adulta – diferente das relações construídas na faculdade, Seulgi pensou. Na faculdade ela havia feito amigos que ainda encontrava nos fins de semana e, inclusive, era convidada para ser madrinha do casamento deles. Sua melhor amiga da faculdade era também sua melhor amiga da vida e lhe mandava mensagens todos os dias. Seu futuro marido era um cara que havia conhecido no seu terceiro ano de medicina.

Isso acontecia porque a pessoa que você era no ensino médio morria no momento em que você entrava na faculdade. Porque naquela época simplesmente você não sabia quem era e o que raios estava fazendo e de repente você é lançado no mundo adulto e é obrigado a descobrir. Seulgi não pode reprimir uma risada ao pensar em si mesma naquela época. Pequena, óculos quadrado, sempre com um livro na mão. Tirando o óculos, não havia mudado muito nesses aspectos, mas o tempo e a maturidade havia lhe feito muito bem em outros.

Ela olhou para a data, horário e o local do “encontro com o passado”— como havia sido intitulado de forma bem brega, bem ensino médio mesmo – e seria naquele fim de semana, mais precisamente no domingo, em Gwacheon, num salão que tinha perto do antigo colégio. Quem será que estava organizando aquilo e resolvido juntar todo mundo? A garota se questionou. E como a haviam encontrado?

Seulgi, por um minuto, se questionou se deveria ir – ela havia até se esquecido do cansaço provocado por seu plantão de 48h com aquele convite surpreendente. A garota confessava para si mesma que estava curiosa para saber o que tinha acontecido com aquelas pessoas, mas ao mesmo tempo ela também sabia que esse era exatamente o ponto do encontro. Seriam um monte de pessoas que nem se conheciam mais se reunindo para saber o que os outros haviam feito naqueles anos e se vangloriarem das suas vitorias, na tentativa de parecer superior. Seria uma competição para saber quem havia se dado melhor na vida depois do ensino médio, e a garota simplesmente não tinha paciência para aquele tipo de coisa. Era exaustivo... e medíocre.

Quem será que havia organizado aquilo? Com certeza tinha a cabeça mestre de um dos ex colegas de turma por trás. Alguém que havia tido a ideia e o trabalho de encontrar todas aquelas pessoas, que provavelmente se espalharam ao longo dos anos. Seulgi tentou pensar em alguns nomes, mas nada concreto. Alguém havia se empenhado naquilo – o convite brega estilo o baile que haviam tido no segundo ano, o endereço que ela ainda não sabia como haviam conseguido – e parecia arrogante e mal educado simplesmente ignorar.

Ela olhou novamente para a data, horário, endereço e local. Tudo naquele convite era uma intimação – até mesmo o tom das cores utilizados – e a garota mordeu o lábio pensando que era apenas alguns minutos de Seul para Gwacheon, não custaria nada fazer o trabalho de uma pessoa valer a pena. Poderia ir no domingo de manhã e aproveitar para visitar seus avós, coisa que quase nunca fazia – Seulgi pensou de forma culpada. Desde que havia se mudado para Seul raramente tinha tempo para qualquer coisa e isso incluía voltar a sua província natal. A última vez que havia visto a harmeoni e o harabeoji eles que tinham vindo a Seul com os seus pais, no dia da sua formatura. Os pais dela também haviam se mudado para a capital quando a mesma passou para a Universidade Nacional de Seul, mas ainda mantinham a casa em Gwacheon e estavam sempre por lá. Agora que Seulgi tinha o seu próprio apartamento e não dependia mais de nenhum dos dois eles iam ainda com mais frequência – a sua omma queria que a irmã de Seulgi, uma garota de 16 anos, fosse criada em parte em Gwacheon, e não inteiramente em Seul, com medo do que a capital poderia fazer com a cabeça já avoada da filha mais nova. Seulgi era a única que havia enterrado tudo aquilo.

Ela suspirou guardando o convite. Pensaria com calma naquilo pela manhã. Precisava descansar.

Apagou a luz da cozinha e da sala de estar, antes de se dirigir ao seu quarto – sem nem se dar ao trabalho de pegar a bolsa ou celular – deixando a correspondência ainda em cima do balcão da cozinha. Ela não demorou a tirar toda a roupa que usava e entrar no banheiro da sua suíte: apesar do banho no hospital, ela sempre sentia a necessidade de tomar outro sempre que chegava em casa. Além do mais, isso a ajudava a relaxar e dormir um sono sem sonhos conturbados.

Uma vez em seus pijamas ela abriu a janela do seu quarto deixando o ar gelado da noite adentrar o cômodo e a fazendo estremecer. As ultimas 48h haviam sido sufocantes e, apesar dela não gostar de dormir com janelas abertas, ela precisava respirar ar puro e não fabricado. Isso a faria dormir mais rápido, foi o que pensou antes de se encaminhar rapidamente para a cama e se acomodar embaixo do edredom quente, rodeada por dezenas de travesseiros aos quais ela sempre sentiria necessidade de abraçar para pegar no sono.

Por fim Seulgi fechou os olhos deixando a exaustão lhe consumir. Sua mente se desligou aos poucos enquanto a garota tentava não pensar em como seria rever seus colegas do colégio e o que os mesmos faziam da vida aos 27 anos. Ou se questionar se o marido da senhora Kim – a mãe de Kwan que naquele momento ainda estaria no hospital ao lado do filho – estava agora ao lado da esposa também ou em cima de uma maca de aço fria, pele pálida e coração congelado no peito.

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***

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— Hyung, mais uma vez?

A voz de Namjoon trouxe Jin de volta a realidade. Estava gravando mais um projeto do grupo – parecia que o BTS estava sempre envolvido em algo nos últimos tempos – imerso em papeis, microfones e instruções, mesmo que, tecnicamente, fosse um período no qual todos eles deveriam estar descansando.

Havia sido um ano agitado, não que ele fosse reclamar. Havia sido um ano agitado de um jeito muito bom. Todos os esforços, suor e lagrimas derramadas ao longo da trajetória deles haviam sido recompensados naquele intervalo de tempo – muita coisa havia acontecido e tão rápido que ainda era difícil para Jin processar, principalmente considerando que muitas dessas coisas pareciam impensáveis há pouco mais de dois anos.

Sucesso mundial. Reconhecimento na América. Performance nos Estados Unidos. Há alguns anos antes eles eram apenas garotos que eram cortados de transmissões e desejavam apenas realizar seus sonhos e alcançar relevância no seu próprio país – mesmo vindo de uma empresa pequena, a qual fazia todos parecerem ter certeza que o BTS nunca iria a lugar algum realmente. Eles quase acreditaram nisso algumas vezes e hoje em dia Jin agradecia por, mesmo com todos os obstáculos, nenhum deles ter desistido.

Porque, ao que parecia, o BTS havia chegado sim a algum lugar e muito mais os esperava. Todos eles pareciam ainda estar imersos em um sonho com todos os objetivos que eles haviam alcançado nos últimos tempos – alguns desses objetivos que nem mesmo eles sabiam que tinham e que eram possíveis. Ser reconhecidos pela sua música e pelo seu trabalho já era incrível, e ser reconhecido no nível que eles estavam sendo... era tudo o que eles haviam desejado e muito mais.

Claro que todos eles sabiam que manter os pés no chão era indispensável. Eles haviam chegado até ali, mas não era ali que o caminho terminava e a estrada prometia sempre ficar mais árdua. Era naquele momento, no ápice do sucesso, que eles tinham que trabalhar mais duro, dar mais de si, se empenhar mais. Fazer valer a confiança e o amor que recebiam, todos os dias, porque sabiam que tudo aquilo poderia desvanecer com tanta rapidez com a qual surgiu. Nada naquele mundo era estável – nenhum deles esperava que fosse – mas eles tinham chegado muito longe para recuar.

Jin lembrava de alguns momentos memoráveis do último ano: dois álbuns como os mais vendidos na Coreia, viagem aos Estados Unidos, prêmio, capa e HOT 100 da Billboard, performance no AMAs, duas vezes ouro nos EUA, dezenas de prêmios. E isso era apenas algumas das coisas que passavam na sua mente no momento – coisas que nenhum outro idol havia alcançado até o momento e que para eles eram uma realidade. Haviam recebido muito amor nos últimos anos e muita dedicação também – por mais que números não importassem... acabavam importando. Era gratificante colher os frutos de tanto trabalho e dedicação – muitos ali haviam abdicado muito para estar onde estavam, incluindo o próprio Seokjin. Abriram mão de noites de sono, tempo com a família, viagens com os amigos, ter alguém ao lado. Ser quem eles eram proporcionou muita coisa, retirou muita coisa, mas no final da matemática... valia a pena. Pelo menos era o mantra que Jin repetia todas as noites para si.

O mantra vinha funcionando.

E, ao que parecia, todo mundo pensava e ainda previa que o verdadeiro ano do BTS não havia sido aquele que tinha passado. Não. O ano do BTS era aquele que estava começando. Eles eram vistos como os representantes do K-pop, aqueles que estavam mostrando a Coreia para o mundo e levando tudo aquilo a um nível nunca imaginado. Era tudo sobre eles, para eles, em todos os lugares.

Jin as vezes não conseguia dormir muito bem a noite.

— Acho melhor pararmos um pouco. – a voz de Yoongi foi meio sarcástica e fez Seokjin notar que havia se dispersado mais uma vez. – O hyung não está com a cabeça nesse planeta, acho melhor esperarmos ele aterrissar.

— Foi mal. – Jin falou, porém já retirando os fones. Precisava mesmo de uma pausa.

— Está tudo bem hyung? – Namjoon perguntou fazendo algo no computador, mas olhando de canto de olho para o outro enquanto este saía de dentro do estúdio. – Você tem andado muito disperso ultimamente.

— Cansaço. – ele respondeu simplesmente.

— Ainda tendo aquelas insônias? – Suga perguntou e Jin sabia que todos os seus dongsaeng estavam cientes de que ele andava inquieto, até mesmo a noite. Talvez, e provável, até mesmo preocupados. Mas todos ali também tinham seus próprios momentos, as vezes conversados e compartilhados, as vezes não.

Jin preferia não compartilhar no momento. Apesar de compartilhar ser a palavra que definia a sua vida desde que o BTS foi formado e ele não se incomodar realmente com isso, nem o próprio Seokjin sabia explicar o que estava se passando na sua cabeça naqueles tempos, nem ele próprio conseguia se compreender realmente. Ele parecia ter tudo o que alguém poderia querer e tudo o que ele sempre havia desejado (apesar de não do jeito que havia desejado) e ainda se sentia completamente perdido. Era uma época feliz para todos os membros do grupo – todo mundo ainda muito excitado com o que havia acontecido e com o que ainda estava para acontecer – e Jin só conseguia pensar que a sua excitação expirou muito cedo. Amava o que fazia... não queria atingir os outros com pensamentos confusos que nem ele entendia.

— Não é só isso. – Jin respondeu bagunçando de leve o cabelo, seu rosto aparentando cansaço e seriedade. – Mesmo sendo meio que as nossas férias, não parece que a gente tem tirado mesmo uma folga.

— Exceto a maknae line. – Namjoon riu e foi acompanhado dos outros.

Aquela parecia uma das reuniões não intencionais da hyung line, faltando apenas o Hoseok, que estava no Japão. Todos os meninos eram muito unidos e tinham uma relação de amizade, irmandade e companheirismo invejável – mesmo que tivessem lá seus momentos, quando um problema surgia, todos sentavam e conversavam abertamente a respeito. Se surgisse um problema entre dois membros, era um problema de todos e todos tinham que resolver. Isso fazia com que eles mantivessem uma relação extremamente saudável e de família. Afinal era isso que eles eram, compartilhavam muito mais do que apenas o trabalho.

Mas como em qualquer grupo, as relações pessoais entre os membros eram variáveis – não que uma fizesse a outra menos importante claro. Só era diferente. A relação com Namjoon era diferente da relação que Jin mantinha com o maknae, por exemplo. Isso não caracterizava preferência. Quando a hyung line se reunia – normalmente não intencionalmente – era um tipo diferente de conversa que a maknae line mantinha, talvez e provavelmente devido a experiência vivida. Jungkook, Jimin e Taehyung haviam se juntado ao BTS muito novos, ao contrário dos outros que já tinham uma certa vivencia fora do grupo. Os três haviam crescido e passado a puberdade naquele cenário – principalmente o maknae – e aquela era a realidade deles; os outros quatro haviam vivenciado uma outra. Isso os fazia discutir alguns assuntos de forma um pouco mais madura.

Quando Jin se juntava com a hyung line ele sentia que a sua falta de excitação momentânea poderia ser melhor compreendida. Mas, mesmo assim, preferia manter a opção de não compartilhar.

— O Taehyung falou quando vai dar as caras? – Yoongi tinha no resto o seu sorriso sem dentes, apoiado na mesa de trabalho do estúdio. – Ou vai continuar lotando o grupo com fotos bizarras pela eternidade? A última do pé foi o fim para mim.

— Eles precisam de um descanso. – Namjoon falou de uma forma bem “líder protegendo seus pupilos” o que fez os outros dois rirem. – Foi um ano agitado e um novo já está começando e promete ser ainda pior. Ou melhor. Depende do ponto de vista,

Ele tinha razão, Jin e todos os outros sabiam. A maknae line fazia bem em estar curtindo o seu tempo de folga. Jungkook havia resolvido fazer uma viagem com a família e ainda não havia retornado, assim como o Taehyung, que estava viajando com amigos. Jimin estava com o Hoseok no Japão em um projeto de dança e Seokjin, Namjoon e Yoongi – que não era exatamente novidade – foram os únicos que resolveram aproveitar as férias no dormitório.

Já se esperava isso do Suga, afinal ele pretendia fazer a sua atividade favorita que era dormir. Talvez sair com alguns amigos para beber e se divertir, mas voltar para o dormitório em seguida. Namjoon era sempre tão ligado com a música, o trabalho e o BTS que ele não conseguia ficar muito tempo afastado daquilo – havia feito uma viagem de alguns dias, mas logo havia retornado.

A grande surpresa mesmo era Jin. Ele normalmente não ficaria no dormitório em plenas férias e, de fato, ele até havia tirado alguns dias para visitar a família e rever alguns amigos, mas também não havia se demorado muito. Havia acabado sentindo falta dos garotos – cuja convivência lhes uniu em um laço tão familiar quanto – e, ultimamente, não se encontrava muito festivo como costumava ser. E parecia que todo mundo queria comemorar alguma coisa. Fosse o sucesso que o BTS estava fazendo, fosse a sua formatura na universidade que também havia acontecido a pouquíssimo tempo.

Bom, talvez teoricamente realmente houvesse motivos para comemoração. Seokjin não conseguia entender porque ele não estava comemorando. Haviam sido muitas vitórias. Ele havia se desdobrado para dar conta da faculdade e do grupo e não faltar com nenhum dos dois. Havia perdido mais noites que todos os outros no último ano para vencer aquela etapa. E havia conseguido, mesmo no ano mais louco, excitante e incrível para o BTS. Naquele momento ele era um idol com diploma universitário. Seus pais estavam orgulhosos dele, todo mundo parecia estar orgulhoso dele.

Ele simplesmente não conseguia ficar por perto.

Mas estar no dormitório significava que eles não iriam perder tempo e começar a trabalhar. E de fato foi o que acontecera. Jin era até meio que grato, era uma coisa para ocupar sua cabeça confusa – isso quando estar trabalhando não fazia sua cabeça ficar ainda mais confusa. De qualquer forma ele estava passando muito tempo no estúdio com o os dois dongsaeng, e Namjoon e Yoongi sabiam bem como ser produtivos. Aqueles caras precisavam de uma pausa muito mais do que ele, Seokjin pensou meio risonho. Algo que não tivesse a ver com o fundo de um estúdio.

— Querem pedir algo para comer ou sair e comer fora? – ele questionou abrindo a porta do Genius Lab, o estúdio do Suga, torcendo para que os outros dois escolhessem a primeira opção.

— Acho que podíamos sair e comer algo. – claro que eles não escolheriam. – Passamos o dia enfiados no dormitório e você está com uma cara de quem aproveitaria bem o ar livre. Esfriar a cabeça. – Namjoon completou olhando para o Jin enquanto passava por ele no corredor.

— Qual é dessa necessidade do ser humano de contato social? – Yoongi reclamou ainda sem sair do seu estúdio, conseguindo provocar uma risada em Jin.

Ele foi até o seu quarto pegar as chaves do carro – quando ele estava presente, normalmente era o motorista oficial do BTS –, a carteira, o casaco e a máscara. O kit básico de sobrevivência. Seu celular vibrou no bolso e ele pegou o mesmo já sabendo que encontraria alguma foto mandada no grupo do BTS tirada na viagem pelo Taehyung. Não foi decepcionado e saiu do quarto rindo ao ver a imagem, ouvindo a risada de Namjoon no outro cômodo, provavelmente rindo da mesma coisa. Haviam dezenas de outras mensagens no kakao que ele estava cuidadamente ignorando. Seu estado de humor confuso englobava também a não vontade de interação social.

Havia passado a entender melhor Min Yoongi.

— Tem correspondência para você em cima do balcão. – Namjoon falou assim que Jin alcançou a sala, também já vestido em seu casaco preto. – Chegou tem uns dois dias, esqueci de avisar.

O mais velho murmurou algo não distinguível, antes de se encaminhar ao mesmo pegando alguns envelopes em mão. Sabia que aquelas correspondências não seriam de fãs – estas normalmente eles recebiam separadas – provavelmente seria algum convite para festa de alguma marca, festa de alguma empresa, desfile ou qualquer coisa nesse gênero. Se ele ainda estivesse na faculdade poderia ser panfleto para algum seminário ou palestra – dessa parte ele não sentiria falta alguma.

— Namjoon, presta atenção. – Jin, rindo, chamou a atenção do dongsaeng ao mesmo tempo em que Yoongi adentrava a sala também já pronto para sair.  – Eu não tô acreditando.

— Reunião do ensino médio? – o outro leu o panfleto colorido começando a prender o riso em direção ao hyung.

— Ta de brincadeira. – Suga riu alto, também se aproximando e puxando o papel da mão do outro, rindo ainda mais em seguida. – Você vai?

— As pessoas ainda fazem esse tipo de coisa? – Namjoon parecia realmente interessado. – Porra, você deve estar se sentindo velho hyung.

Ele e o Suga riram ainda mais da carranca de desgosto que surgiu no rosto do mais velho com aquela frase, ao mesmo tempo que Jin tomava o panfleto da mão do mais baixo, murmurando algo como “olha o respeito”.

— Eu não sei. – Seokjin falou não sabendo qual das duas perguntas respondia. – Estou me questionando como conseguiram fazer com que isso chegasse até mim. Não deve ter sido fácil. – completou sabendo que a segurança e o cuidado envolta do BTS os fazia bem inalcançáveis.

— Talvez seus pais. – Yoongi deu de ombros parecendo ainda se divertir com a desgraça do mais velho. – Não deve ser difícil para um colega do ensino médio entrar em contato com algum deles.

Jin imediatamente pegou o celular, indo nas mensagens que estava ignorando a semanas e procurou no mar de notificações o contato das únicas duas pessoas que ele ainda falava do ensino médio. E então viu que essas duas pessoas haviam lhe mandado mensagem lhe perguntando se ele também havia recebido “aquela aberração de convite”. Ele não pode evitar um riso incrédulo.

Ele ainda havia tentado manter contato com algumas pessoas do ensino médio por alguns anos após o fim do mesmo – mais precisamente as quatro pessoas do grupinho ao qual ele fizera parte – mas acabaram se distanciando e eventualmente perdendo contato. Ele ainda conversava com Jisang e Hansol e, quando ia para Gwacheon visitar a família, as vezes acabava marcando algo com algum deles. Era algo bastante ocasional para ser descrito como amizade – que era o que eles costumavam ter no ensino médio – mas ainda era contato, contatos esses que também haviam recebido “aquela aberração de convite” e aparentemente se questionavam se “o povo daquele colégio tem merda na cabeça”.

Fora aqueles dois, ele realmente não fazia ideia do que havia acontecido com qualquer outra pessoa do ensino médio fazia anos. Sequer sabia se ainda estavam vivos. Bom, vários haviam tentado algum tipo de contato quando ele debutou pelo BTS e o grupo começou a fazer sucesso – o que havia aumentado nos últimos anos – porque aparentemente era legal ter um ex colega de colégio que ficou famoso, porém acabaram sem nenhum retorno. Jin não havia sido amigo daquelas pessoas no ensino médio e não fazia ideia do porque seria agora, ou porque agora elas acharam que seria interessante ser amigos dele. Preferira manter uma distância educada e intransponível.

— Você vai? – Namjoon ergueu as sobrancelhas repetindo a pergunta de Suga e parecendo meio incrédulo ao ver o mais velho analisar o papel com um interesse critico renovado. A reunião seria dali a dois dias, no domingo, em Gwacheon, perto do fim da tarde.

— Não acho que algum deles espere que eu vá, apesar de alguém ter tido realmente um trabalho dos infernos pra me mandar o convite. – Jin apontou. Talvez torcessem para que ele aparecesse, mas se o fizesse definitivamente seria uma surpresa. Faziam anos que não via aquelas pessoas, enquanto aquelas pessoas provavelmente eram obrigadas a ver a cara dele... em todos os lugares possíveis e imagináveis. Ele aparecer definitivamente seria constrangedor e desconfortável; para eles Jin era mais um cara famoso do que um garoto que havia frequentado sua turma.

— Você tem a desculpa de ser um cara ocupado com todo esse lance de ser um idol e tudo mais. – Yoongi não perdia a ironia divertida.

— Acho melhor a gente ir comer. – foi a única coisa que Jin falou, largando o panfleto em cima do balcão e voltando a pegar a chave do carro, ainda com o celular em mãos. – Descobri que a incredulidade me dá fome.

Os outros dois riram se dirigindo a saída, sendo acompanhados pelo mais velho.

Por pura curiosidade Jin abriu o kakao e digitou um simples “Vocês vão?”, enviando para Jisang e Hansol em seguida. Não que até aquele momento a ideia de ele ir tivesse passado por sua cabeça. Ele definitivamente não estava sendo o maior fã de interação social nas últimas semanas, e isso incluía colegas que agora eram completos desconhecidos e que provavelmente saberiam tudo sobre ele – afinal ele estava em todos os lugares, nem precisava procurar realmente. Ele já havia encontrado pessoas que conhecia antes de ser o Jin do BTS depois de ser o Jin do BTS e todas as vezes foi uma experiência estranha e traumatizante, ele pularia esse tipo de situação se pudesse.

O celular vibrou e imediatamente Seokjin abriu a mensagem, esboçando um sorriso ao ver o conteúdo que respondia sua pergunta.

“Ta brincando? Vai ser uma completa droga, mas eu não posso morrer sem saber o que aconteceu com a Sohye.” – Hansol.

“Nos meus sonhos ela continua gata.” – Jisang.

Foi com aquilo que lhe ganharam.

Poderia ser constrangedor, desconfortável... e talvez divertido. Definitivamente não ligava se Sohye – a primeira paixão de todos os garotos da sua turma – continuava linda ou não, mas descobriu que talvez pudesse (e devesse) se interessar pela vida de pessoas comuns, e que passaram pela sua antes de tudo aquilo, como seus antigos colegas do ensino médio. Talvez ele só precisasse perceber que havia algo fora dali, para conseguir soltar o ar aliviado e tudo voltar ao normal; seus pensamentos clarearem. Talvez ele só precisasse fazer algo normal, como comparecer a uma reunião chata de ensino médio onde ele sabia que seria uma competição de ego, como pessoas comuns faziam em algum momento da vida. De qualquer forma ele precisava sair, nem que fosse por uma tarde, do mundo idol que havia mergulhado tão profundamente. Já que, de repente, havia se dado conta que era necessário respirar.


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