Sonhos Lúcidos escrita por Kaori


Capítulo 2
Capitulo 2




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Minhas mãos correram pelo portão de ferro e levei alguns minutos para tentar entender o que estava acontecendo e como vim parar ali.

Mas minha mente não entregava nada que pudesse ser concreto o bastante, e como se eu ignorasse esse fato, empurrei o portão e me esgueirei sobre ele, adentrando na propriedade daquela enorme casa vitoriana.

O jardim, com uma fonte que jorrava água através da boca da escultura de um anjo me chamou a atenção. Era linda, imponente, parecia ser sido feita presando os mínimos detalhes. Desviei meus olhos e olhei para a casa que se erguia em minha frente, exatamente como naqueles filmes europeus de romances de época.

Caminhei em direção a ela, e naquele momento, notei o traje que estava usando. Um longo vestido bege, com diversas camadas e um espartilho que apertava a minha cintura. Franzi o cenho mas permaneci na minha saga em direção a casa. A porta de madeira estava entre aberta, sem delongas, empurrei-a e olhei para o interior da casa.

Era lindo, havia diversos tapetes persas, algumas colunas dóricas que sustentavam a casa, móveis feitos a base de madeira maciça, quadros e esculturas. Curiosa, caminhei em direção a um quadro e achei impressionante os detalhes daquela pintura. Era quase... emocionante. Jamais havia me interessado por arte antes, e não entendia o que estava acontecendo comigo, o por que delas me parecerem tão lindas. Inclinei a cabeça e olhei para o rosto da mulher na pintura, quase estiquei minha mão para poder tocar na tela, quando escutei o som de piano vindo de um dos cômodos da casa.

Era Canon in D, a resposta veio na ponta da minha língua. Como eu sabia disso? Também me pareceu um enigma.

Atraída pela música, caminhei em direção dela e adentrei em uma sala iluminada, com janelas que iam do chão ao teto e um piano, onde um rapaz tocava a música, inerte a minha presença.

Escutei em silêncio enquanto ele dava continuidade a música, seus olhos estavam fechados e ele parecia extremamente envolvido, como se ele fizesse parte das teclas, das notas e da música em si. Ele era bonito, seu rosto era marcante, vestia um traje social e seu cabelo escuro estava perfeitamente penteado para trás. Como um aristocrata.

Talvez um descuido meu, fez meu sapato deslizar para trás, entregando minha presença ali. O rapaz abriu seus olhos e interrompeu a música, me encarando.

— Perdão, não quis interromper — pedi, envergonhada.

— Não, eu... — ele se levantou e deu a volta pelo piano, se aproximando. — Eu vi esse piano, e não encontrei ninguém na casa. Achei que ninguém morasse aqui...

— Bem, eu não moro — respondi, o interrompendo. — Na verdade, nem sei que lugar é esse. Não sei como vim parar aqui. Devo estar sonhando ou algo assim.

— Isso explicaria muita coisa pra mim — ele deu um sorriso e eu precisei esconder o leve suspiro que esse pequeno ato me causou. 

Definitivamente eu estava sonhando. 

Então, eu meio que estava em um sonho lúcido? Já havia lido falar sobre isso, era um estágio no sono onde eu tinha consciência de estar dormindo, e poderia controlar meu sonho. Ou seja, poderia fazer tudo o que quisesse. Isso incluía em dizer o que achava do tal estranho.

— Alguém já disse a você como você é bonito? — atrevida, vi o rosto do rapaz mudar, para uma expressão surpresa e em seguida, ele se desatar em um riso envergonhado.

— Como?

— Sabe, bonito... gostoso, gostaria de ter a visão de você saindo correndo do mar. 

— Tudo bem — ele se aproximou de mim, e tocou nos meus ombros, apesar de não conseguir sentir — Acho que está dizendo tudo o que pensa, por que acha que não existo.

— Bem, você não existe. Se existisse, com certeza eu não estaria pagando um mico desses. 

— Acontece que eu existo. — Disse ele, como se isso fosse uma grande revelação. — Você, eu também desconfio que seja apenas uma criação da minha mente. Apesar de ser bem mais excêntrica do que as outras garotas com quem já sonhei.

— Não sou excêntrica. Meio atrevida? É quem sabe.

O estranho voltou a sorrir e caminhou em direção a janela, empurrando a vidraça.

— Parece que estamos a vários séculos atrás. Não sei, na época do Renascimento? 

Me juntei a ele e a visão que tínhamos da janela era impressionante. Jamais havia visto tanto verde na vida.

— Não sei você, mas eu estou me coçando pra tirar essa roupa. — comentei, sentindo o espartilho apertar cada vez mais minha cintura — Não sei como as mulheres dessa época conseguem usar algo tão doloroso. É um tipo diferente de sadismo, exatamente como os saltos agulha.

— Bem, não tenho objeções quanto a você ficar sem roupa. — comentou ele, com uma falsa inocência.

Eu estava em um sonho, nada iria acontecer.

Pedi ajuda ao estranho para me ajudar a desamarrar o espartilho, algo que me chamou atenção é que eu não sentia o seu toque, mas sentia o espartilho apertando contra a minha pele. Afastei essa ideia da minha mente e senti um alivio instantâneo ao ver aquilo cair diante dos meus pés.

Tirei duas camadas de vestido e fiquei apenas com uma, rasgando o tecido na altura das coxas. Agora, estava me sentindo bem mais eu, e não uma jovem lady do século XVIII.

— Bem melhor — me virei para ele, e percebi que ele estivera me observando durante todo esse tempo. — O que foi, Sebastian Valmont? Nunca viu nenhuma das garotas do seu sonho fazerem isso?

— Sebastian?

— Você sabe — dei de ombros e me sentei na beirada da janela — As ligações perigosas.  O cafajeste visconde de Valmont, você me lembra um pouco ele.

— E, você, sem dúvidas, a protagonista de Orgulho e Preconceito,  Elizabeth Bennet. Atrevida e sincera... não espere que eu seja como o Mr. Darcy, talvez esteja mesmo para o tal do Valmont.

Não consegui esconder o sorriso e peguei em sua mão. Novamente, sem conseguir sentir.

— Venha, vamos conhecer o resto da casa.

Ele aceitou minha mão e eu o conduzi de volta ao hall, subimos uma imponente escada de mármore que se abria em duas, levando para corredores distintos. Escolhemos o direito. No andar superior, o corredor era extenso e um tapete vermelho cobria o chão de madeira. Empurramos a primeira porta que vimos e encontramos um enorme quarto, com alguns móveis, como uma penteadeira, uma mesa e uma estante, além da cama que caberia perfeitamente umas quatro pessoas ali.

— Então, o que acha? — indiquei a cama com a cabeça o olhando, sugestiva. — É grande.

— Realmente — ele passou a mão pelo o rosto e ergueu as sobrancelhas. — Teriamos muito espaço.

— Definitivamente — concordei, em prontidão. — Vai querer mesmo fazer isso?

— Só se você topar — respondeu ele, me encarando intensamente.

Sem esperar ele dizer mais nada, corri até a cama e me joguei sobre ela, Sebastian veio logo em seguida, tirando os sapatos e me ajudou a ficar em pé. Nós dois começamos a pular sobre a cama, e jamais estive em algo tão macio. Gargalhando, ele me ajudava a me manter em pé, segurando minhas mãos até cairmos para trás, encontrando os lençóis e os travesseiros.

— Essa era a hora que você diria algo engraçado e se curvaria sobre mim e tentaria me beijar — disse a ele, encarando o teto, ainda rindo.

— O que andou lendo, Lizzie? — nós dois nos olhamos — Crepúsculo?

— Romeu e Julieta.

— Urgh! — ele contorceu o rosto — Não gosto de como termina.

— Qual o problema? — me sentei e afastei meu cabelo do rosto — Não acha bonito o fato de um morrer pelo o outro?

— Não, na verdade é forçado e dramático — ele se apoiou nos cotovelos e esticou o braço, arrumando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Ninguém é de ninguém, Lizzie.

— Estou vendo que alguém é adepto ao poliamor. 

Ele riu e abaixou os olhos.

— Não é isso, só que... você pode encontrar a felicidade em outras coisas, entende? — dessa vez, ele me olhou intensamente. — Como agora, por exemplo, eu não preciso beijá-la ou fazer coisas a mais para ser feliz com você.

Eu sabia, sabia que aquilo era um sonho.

Mas escutar aquilo vindo de uma pessoa que eu acabei de conhecer, foi um baque. Senti o peso daquelas palavras como um tapa. Por que sabia que era verdade. O que significa felicidade? Ela pode ser encontrada nas mínimas coisas. Em coisas simples.

— Gosto da sua maneira de pensar — olhei para seus olhos entreabertos e senti vontade de tocar em seu rosto. — Isso explica o fato de você não existir.

— Como pode ter tanta certeza? — ele pareceu interessado.

— Você tem uma cabeça boa. Acho que vou analisar melhor a minha comparação entre você e o Valmont.

Sebastian riu e se levantou.

— Desculpe se não puder dizer o mesmo. Venha. Temos outras coisas para ver.

Continuamos percorrendo pela casa, abrindo cada porta que aparecia e encontrando quartos iguais ou semelhantes do que vimos. Corremos para o campos lá fora e mostrei a ele a fonte que havia visto mais cedo. Sem nem pensar, entrei dentro dela e comecei a jogar água sobre ele, que fez o mesmo comigo. Saímos daquela fonte encharcados dos pés a cabeça. Ficamos algum tempo deitados sobre a grama, para nos secarmos na luz do sol e fechei os olhos.

E quando tornei a abri-los novamente, estava de volta no meu quarto, sentada sobre a cama e com o coração acelerado. 

 


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