Sonhos Lúcidos escrita por Kaori


Capítulo 1
Capítulo 1




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Todas as vezes que acordo, a primeira sensação que sinto, é um nó na garganta que me sufoca a ponto de sentir as lágrimas quentes se espalharem por meu rosto e molhando minha pele. 

Olho para o teto e em seguida, afundo meu rosto no travesseiro. Repito comigo mesma para não esquecê-lo, não esquecer cada momento que passei naquele sonho, nossas conversas sinceras, nossos sorrisos, tudo o que eu mais queria na vida, era que fosse real. Que ele fosse real...

O meu racional apenas me dizia que era um sonho como outro qualquer, que eu deveria esquecer essa minha obsessão por esse rapaz que está presente em todos os meus sonhos desde a noite de dezesseis de dezembro. 

Mas o meu coração, algo dentro de mim que eu não conseguia explicar, me dizia ao contrário. Que ele estava aqui, nesse mundo, passando pelas mesmas coisas que eu. Pelo mesmo sentimento de perda todas as vezes que acordamos. 

Nós nunca falamos nossos nomes, acredito que ele sinta o mesmo receio que eu, de acordar e ir procurar na internet algo sobre nós e acabarmos nos deparando com duas verdades: de fato, existimos e estamos a quilômetros de distancia. Ou, que tudo não passa de uma fantasia criada pelo nosso cérebro.

Eu tento acreditar na primeira opção, e sinto que se não tiver logo essa resposta, continuarei com essa mesma dor que me acorrenta todas as manhãs e permanece inquietante pelo resto do dia. 

Fecho os olhos e consigo visualizar seu rosto bonito diante do por-do-sol, com a brisa do mar movimentando levemente seu cabelo escuro. Nessa hora, percebi algo preocupante ao sentir meu coração se acelerar.

Eu o amava. 

 

Um mês antes.

 

 Natalia!

 Jogue pra mim! — balancei minha mão no ar — Anda, estou atrasada.

Minha irmã, Becca, obedeceu e da varanda da nossa casa a beira-mar, jogou o molho de chaves que caiu na areia diante dos meus pés.

— Valeu — agradeci, me curvando para pegar as chaves e corri até a parte de trás da casa, procurando o carro dos meus pais.

Tinha de estar no meu trabalho em meia-hora e acabei perdendo alguns minutos a mais na praia, dando a minha corrida matinal. Sequer tive tempo de lavar os meus pés e ainda sentia os grãos de areia sobre os chinelos de borracha amarelos. 

Mas como a areia e a água salgada faziam parte da minha vida desde quando nasci, eu aprendi a lidar muito bem com elas. Mamãe provavelmente havia pegado o carro para ir fazer compras, então somente me restava a caminhonete velha e suja que estava gritando para ser lavada. 

Sem perder muito tempo, tirei as duas pranchas de surfe da caçamba e voltei para a cabine. Coloquei a chave da ignição e senti o motor ganhar vida, abri as janelas e guiei o carro para o asfalto da rua. Como sempre, nada de muito especial até então. 

Quando liguei a rádio, coloquei na estação de músicas antigas e cantarolei desde Pink Floyd e ABBA até Bruce Springsteen. Todos conheciam esse meu gosto por músicas antigas, sempre me diziam que eu nasci em tempos errados, que provavelmente, eu seria como aquelas garotas sonhadoras e defensoras dos seus direitos que teria marcado presença em Woodstock. 

Eu sempre ria com essas comparações, mas ficava feliz por elas. Virei o carro, entrando na próxima rua e estacionei a caminhonete no meio-fio em frente a loja de discos de vinil. 

— Rudy? — empurrei a porta, fazendo o sino tocar acima de mim e caminhei até o balcão, passando por de  baixo dele.

— Meio atrasada, não? — meu amigo, e um dos donos da loja, apareceu de trás de uma das fileiras de discos e colocou uma pilha de papeis diante de mim. — Tenho uma missão para você hoje.

— Por favor, não... — olhei para aquela pilha ameaçadora, da qual, eu já tenho intimidade a muito tempo. — Catalogar?

— Você é melhor nisso do que eu. Vai se sair bem.

— Eu não sou boa nisso, eu só faço por que preciso de um salário! — o corrigi, trazendo a pilha para o lado da máquina registradora.

— Sinto que nossa relação não é muito parecida com as de um chefe e uma funcionária convencional. 

— Bem, aposto que esses mesmos chefes e funcionárias não se conheceram enquanto pegavam uma onda. — ironizei e Rudy sorriu, balançando sua cabeça.

— Meu pai vai acabar comigo se descobrir que eu deixo você fazer as coisas que faz. 

— Relaxa, Rudy. — voltei para o computador, já ligado, e coloquei na playlist de quarta-feira, especialmente montada por mim. — Eu não conto se você não contar.

Hotel Califórnia começou a soar das caixas de som e eu fiz uma imitação dramática da Beverly, minha melhor amiga que não podia escutar essa canção que começava a dançar, não importava onde estivesse.

Comecei as minhas obrigações e passei a manhã ocupada com elas, enquanto eu catalogava os discos, Rudy ficou encarregado com o caixa e mais tarde, Landon apareceu e atendeu alguns clientes que apareceram na loja pelo longo do dia. 

Rudy comprou nosso almoço no Hungry Jack's, e ele acabou compartilhando conosco a viagem que iria fazer para Brisbane dali a alguns dias.

— Está chegando o Natal — ele deu um gole no seu Kirks de limão e limpou a boca com o dorso da mão — Acho que vou visitar a Vicky, apesar de tudo...

— Eu disse a você que é melhor mantê-la por perto — afastei meu cabelo louro após sentir o ventilador soprar em direção ao meu rosto. — Ela é sua irmã, sei que se mete muito em encrenca, já vi isso acontecer, mas você não pode afastá-la pra sempre.

— Minha mãe me liga todos os dias, confirmando se vou ou não para Brisbane — algo em sua voz indica que ele está se sentindo incomodado — Não sinto que devo ir, mas ao mesmo tempo... sei lá, é difícil pra caralho.

— Cara, larga a mão disso — Landon abaixou a música da loja e olhou para Rudy sobre o ombro — A Vicky pode ser meio cabeça dura na maior parte do tempo, mas ela é uma boa pessoa, entende? Ela só está nessa fase de querer se achar a dona da razão e que ninguém é bom o bastante pra ela. Deixa ela esfriar a cabeça e não fica jogando sermão encima dela, por que isso não ajuda. 

— Não jogo sermão — ele se defendeu, quase irritado. — É que me da raiva ver minha irmã caçula usando drogas e bebendo, como uma qualquer.

— Ela precisa de ajuda, Rudy. — digo — É importante que você esteja do lado dela para incentivá-la a isso.

— Nunca fui muito próximo a Vicky — diz ele, abatido. — As vezes sinto que deixei isso acontecer.

— Rudy — Landon intervém, antes que eu tenha a chance de falar. — Na moral? As vezes nem mesmo se estivéssemos próximos, você poderia ter feito algo. As pessoas agem como querem, não tem como ficar pensando no "se". Aconteceu... agora prove que você não é como ela, e a ajude.

 Percebi que Rudy ficou um pouco na dele pelo resto do dia e não quis incomodar, então permaneci terminando de catalogar, eu sabia como Rudy era sensível com toda essa questão da Victoria. Ela conseguiu ferrar o irmão de várias maneiras, deixou dividas para ele, várias vezes eu precisei ir junto com ele, por mais que ele quisesse me manter afastada de todas essa história, em algumas festas perigosas. 

Tudo para ajudar a irmã, ele era um rapaz de ouro. Me despedi dele e de Landon quando deu o fim do meu expediente, e o abracei, intensamente.

— Você tá legal? — balbuciei perto do seu ouvido e o senti se aconchegar ainda mais em meus braços.

— Vou ficar — respondeu.

— Sabe que qualquer coisa é só me ligar. Vou a Brisbane com você, se quiser.

— Obrigado, Nat. — ele olhou para meu rosto e depositou um beijo na minha testa — Mas eu preciso resolver isso sozinho. 

Assenti e dei um sorriso antes de me afastar. Desejei novamente que ele ficasse bem e sai da loja, caminhando até a caminhonete. 

Essa história ficou na minha cabeça durante a noite, quando cheguei em casa, ajudei minha mãe a preparar o peixe assado para a janta e depois dei um mergulho no mar, encontrando alguns amigos que surfavam apesar do horário.

Minha irmã, Rebecca, estava sentada na varanda da casa junto com meu cunhado, Cole e outros quatro amigos. Cumprimentei eles, buscando uma toalha seca em uma das cadeiras de madeira e voltei para dentro da casa. 

Tomar uma ducha gelada era quase obrigatório no verão intenso em Adelaide. Aqui já era seco e quente durante todo o ano, porém, no verão, era como se tudo isso dobrasse e eu me sentia incapaz de ficar mais do que uma hora, sem tomar alguma bebida gelada.

Minha pele aumentava ainda mais o bronzeado. Nem sei como ela de fato era, sem as camadas de bronzeamento que escurecia a minha pele durante todo o tempo que moro aqui. Meu cabelo louro tinha tonalidades diferentes, algumas mechas eram bem mais claras do que as outras e a textura dele não era uma das melhores devido a quantidade de sal, afinal, não havia um dia que eu não mergulhasse no ar.

Vesti uma roupa fresca e me joguei na cama, eu não estava acostumada a dormir cedo, na verdade, nem lembro quando foi a ultima vez que dormi às dez da noite, mas de repente, senti um intenso sono, que fez minhas pálpebras se fecharem e meu corpo relaxar.

Me aninhei nas cobertas e me deixei levar pelo sono. E, foi assim, do nada, que dormi e de repente, me vi diante de um enorme portão de ferro.

 

 

 

 

 


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