Bulletproof Grower escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 14
Pronto para dizer adeus


Notas iniciais do capítulo

Vai ser tenso, vai ser tenso...



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O Multipalco 360º estava cheio novamente na manhã seguinte, mas não era nenhum espetáculo. As quatro plateias eram preenchidas pelas crianças de Daegu, não só de dança. Todas as turmas de Artes e Esportes estavam ali, além de mentores, voluntários, o Juízo, servos, parte dos espectros e até mesmo alguns hóspedes, dentre eles algumas das mães-sem-filho que vinham assistir os espetáculos. Especialmente nesta ocasião, vieram para se despedir de uma de suas crianças mais queridas. Ela estava no Palco Sul, onde fizera um breve discurso sobre sua partida. Não queria que ninguém chorasse com aquilo, mas era inevitável, e ela não poderia partir sem dizer nada. Por isso, disse pouca coisa, agradecendo a todos pela acolhida, pela companhia e pelas oportunidades. Depois disso, virou-se para despedir-se pessoalmente daqueles que lhe eram mais caros e estavam ali no palco com ela, já para fazê-lo. Despediu-se educadamente do seu mestre de dança mais querido: Park Jimin. A esposa dele, sua mentora favorita: Nana. Depois, das suas irmãs mais próximas. Jaehwa, Namkyu e Yonok estavam todas chorando. Em seguida, a mãe. Sunghee estava bastante emotiva, mas não deixou as lágrimas escorrerem. Yoongi bem que tentou repetir a proeza, mas não conseguiu. Abaixado perto dela, ele tentou dizer alguma coisa significativa, mas sabia que não conseguiria dizer tudo o que precisava. Foi quando a abraçou que as lágrimas acabaram caindo. Ele até pediu desculpas enquanto tentava secá-las, o que a fez rir.

— Não precisa ser tão durão.

— É, eu sei. Eu nunca consegui esconder nada de você, minha pequena.

Florzinha olhou para Sunghee.

— Cuide bem desse molenga, por favor.

— Pode deixar, Flor — ela riu.

— Vai voar — disse Suga, meio como um desejo, meio como uma permissão. Algo mais para convencer a si mesmo do que para deixá-la ir.

Florzinha não conseguiu dizer mais nada. Aquilo estava se tornando mais difícil do que ela queria. Então ela apenas assentiu e virou de costas, caminhando pela passarela em direção ao Palco Central. Olhou para todas aquelas pessoas nas cadeiras, enquanto tentava se concentrar no seu objetivo. Ali no Palco Central estava a última pessoa com quem ela queria falar. A pessoa que ela tinha aprendido a odiar, e depois, aprendido a amar.

— Então, é isso — disse ele. Florzinha riu.

— Você não tem nada mais original pra dizer agora?

— Na verdade, eu ensaiei várias coisas, mas… Não tem que ser tão difícil. Eu não posso dizer nada que você não saiba, então… É melhor deixar assim. Além do mais, se eu começar a falar, vou acabar não cumprindo minha promessa.

Florzinha estava no seu limite. O abraçou para que ele não visse o quanto ela mesma estava sendo frágil naquele momento em que ele orgulhosamente conseguia ser forte. Ele estava muito mais preparado do que ela poderia supor. Parecia realmente pronto para deixá-la. Ela não sabia se estava pronta para partir, mas não podia voltar atrás.

Ela o soltou, mas ainda segurou suas mãos. Ele nem ao menos lacrimejava, mas ela sabia o quanto ele estava se esforçando para isso. Agradeceu-o em sua mente. Não conseguiria ser tão corajosa se ele dificultasse as coisas como naquele dia em que ela tentara fugir. A força dele a surpreendia mais uma vez. O que ele tinha para dizer, tomara o cuidado de dizer antes, até mesmo no fim do espetáculo da véspera. Ele parecia ter planejado cuidadosamente cada momento até ali.

Bem no fundo do coração de Junggie, ainda morava um pequeno fiapo de esperança. Ela o olhava tão fixamente segurando sua mão, parecia que faltava alguma coisa… Parecia que algo a estava prendendo ali. Ela desistiria? Não, ele sabia que ela estava decidida. Poderia doer o que fosse, a decisão havia sido tomada, não por orgulho, mas por convicções que amadureceram a partir de várias experiências. Não podia negar: fizera o possível para fazê-la mudar de ideia. Fazer Daegu voltar a ser um lar. Ele se tornara um grande amigo, aquilo era fato, mas Daegu jamais voltaria a ser a mesma coisa.

— É melhor você ir logo.

— Você está pronto?

— Estou. Mas se demorar mais eu vou acabar mudando de ideia.

Ela riu fracamente.

— Não vai, não. Você prometeu senhor Min Seokjung.

Ela deu mais um sorriso afetado enquanto abria as asas. No fundo ela sabia que manter-se firme estava sendo difícil para ele. Ela olhou para cima, para o céu azul cheio de nuvens, pensando nas estrelas ocultas. Voltou a olhar pra ele.

— Últimas palavras.

— Ai, por quê? — ele fechou os olhos e suspiro, voltando a ficar calmo. — Tá. — Ele abriu os olhos. Queria dizer que a amava. Era o que ele queria. Mas não era mais a hora. — Tome cuidado. Boa sorte. Eu sei que você vai se dar bem. Só… Nunca se esqueça de nós.

Florzinha acenou positivamente, recebendo aquelas palavras que sintetizavam bem tudo o que ela sabia que Junggie queria dizer. Era o que ela precisava ouvir naquele momento.

— Obrigada. Até a próxima, Junggie.

Florzinha soltou as mãos dele cuidadosamente e voltou a olhar para cima. Bateu as asas com força e voou para cima. Foi cada vez mais alto até chegar a uma altitude considerável, de onde podia ver todos eles lá embaixo. Depois, dirigiu seu olhar ao horizonte. Suspirou fundo e partiu.

 

~

 

Muitos ficaram olhando-a até sumir de vista. Aos poucos, foram se dispersando e voltando às atividades normais. Junggie ficou bastante tempo sentado na beira do palco, contemplando a estrutura vazia, até que decidiu tentar retomar sua morte.

Ele tinha achado que choraria quando ela se fosse. Mas a dureza permaneceu por bastante tempo. Talvez porque não houvesse mais o que ser feito. As coisas continuariam a acontecer, de qualquer jeito.

No entanto, mesmo sem chorar, as coisas não estavam fáceis. Ele saiu do Multipalco 360º e foi para o pátio de ligação, mas não conseguiu tomar nenhuma atitude. Nenhuma das casas parecia tão atrativa. No Juízo, solidão. Em Daegu, lembranças de alguém que não estava mais lá. Junggie queria mesmo era ir atrás dela, fugir. Só de pensar no que aconteceria assim que entrasse… Todo mundo viria até ele e perguntaria se ele estava bem. Claro que ele não estava, mas todos continuariam tocando no assunto.

Ele ainda precisava ficar sozinho. Ao contrário de Florzinha, não podia fugir de Omelas. Então, decidiu ir o mais longe que podia.

Junggie caminhou sem pressa pela grama, em linha reta, brincando com seus próprios passos. Até chegar à extremidade de Omelas. Ficou parado ali, observando os arquipélagos vizinhos. Olhou para o vazio abaixo, a névoa que escondia a longínqua Cidade Espelho. Poderia descer, poderia dar uma volta pelas redondezas, mas… Não. Não se sentia livre, e não estava nem um pouco à vontade para abrir suas asas. Aquele era seu limite, mas não precisava ser o fim.

Junggie virou para a direita e continuou a caminhar. Omelas era uma ilha consideravelmente grande, mas ele tinha aceitado seu próprio desafio. Queria caminhar por toda a borda. Uma longa caminhada ficando sempre no ponto mais distante que poderia alcançar. Tudo ali era novidade, território inexplorado. Dentro da própria Casa do Juízo, Junggie não conhecia todas as dependências. Nem mesmo os adultos; aquilo era praticamente impossível. Aquela ideia de explorar a borda, no entanto, era bastante tentadora.

O pequeno príncipe de Omelas passou boa parte do dia em sua aventura pela margem. Ele se deu conta de que, por mais que não pudesse sair, ainda havia muito para conhecer sobre sua própria realidade. Talvez um dia saísse, quando fosse mais velho e realmente soubesse julgar o que era bom para si mesmo. Por enquanto, a fuga não era nada menos que precipitada. Junggie era uma criança, sim, mas inteligente o suficiente para saber que seus impulsos emocionais não deveriam comandar suas atitudes. Então, ele se deixava ser prisioneiro daquela ilha. Ninguém nunca tinha dito que ele não poderia sair, mas ele tinha seu motivo. De repente, a exploração da borda lhe fazia acreditar que ficar havia sido uma boa escolha.

Quando chegou ao mesmo lugar de onde viera, Junggie se deu por satisfeito. O sol estava começando a se pôr, e ele parecia um pouco mais acostumado à solidão. Então, caminhou de volta para a Casa do Juízo.

Assim como imaginou, Junggie recebeu perguntas de várias pessoas, mas respondeu sempre dizendo que estava bem. Alguns, que pareciam entender mais sobre ele, não tocaram no assunto.

Junggie ficou lendo até a hora de tomar banho e se preparar para o jantar. Havia um clima tenso à mesa. Todos pareciam querer fingir que estava tudo muito bem, mas todo sabiam que as coisas estavam difíceis para a família Min naquela noite. Todos sabiam que aquela felicidade falsa era às custas de um sofrimento muito específico. Junggie conseguia perceber claramente que ele era a criança do conto de Omelas, que não precisava de porão. Escondia-se na escuridão de sua própria solidão.

 

~

 

Sunghee não falou nada sobre o assunto da manhã, que permanecia oculto para quem realmente entendia que a dor não precisava ser lembrada. Ela deu boa noite e sorriu, amável como sempre, e saiu.

Foi então que começou o tormento. Toda a dor que ainda não tinha aparecido, ofuscada por uma caminhada cheia de reflexões ou por uma mesa cheia de conversa e comida, não tinha mais onde se esconder. Deitado sozinho na escuridão de seu quarto de infância, Junggie foi visitado por todo tipo de pensamento que ele não queria ter. Apesar do escuro, a luz que vinha das frestas entre portas e chão nunca o deixava totalmente apagado O móbile pendurado no teto ficava bem acima da cama de Junggie, que logo fechou os olhos para não se lembrar de tudo o que ele representava, mas não adiantou. Ele conseguia sentir a presença do móbile, do piano, e de tudo o que lhe lembrava dela. Ela fizera questão de deixar claro que nada daquilo era dele. Debochara do privilégio de um quarto particular, de uma casa inteira só para uma criança.

Ele não queria aquilo. Não queria ser sozinho. Tudo o que ele sempre quis foi ser uma criança de Daegu, e tudo o que ela reclamara sobre a sorte Junggie não era nada menos que inveja. Ela queria ser especial como ele era, e ele queria ser normal como ela era.

Junggie ficou remoendo pensamentos e memórias sombrias enquanto seu corpo se revirava no colchão, puxando cobertas, abraçando o travesseiro e tentando achar uma posição confortável que não existia. O sono não vinha de jeito nenhum.

Depois de algum tempo tentando se livrar daquela situação estúpida, Junggie se deu conta de que nunca conseguiria dormir naquele quarto. Mesmo que fosse para outro aposento da Casa do Juízo, continuaria pensando sobre sua mordomia. Ele podia escolher o quarto que quisesse, enquanto seus irmãos dividiam quartos apertados em Daegu. Não era justo, e ele não queria mais ser assim. Não queria estar sozinho.

Junggie resolveu sair dali. Não apenas do quarto, mas da casa. Foi buscar abrigo em Daegu. Entrou silenciosamente no quarto dos meninos mais novos, mas não havia cama vazia. Felizmente, não acordou ninguém. Ficou algum tempo pensando se parecia errado, mas ele precisava dormir. Então, foi para o quarto das meninas. Como esperava, havia só uma cama vaga. A cama de Florzinha ainda não havia sido retirada dali. Mesmo sem nunca ter estado naquele quarto, ele pode imaginar que aquele era o lugar onde ela dormia todas as noites.

Entrou em silêncio e deitou na cama. As meninas estavam cobertas, mas a cama vazia só tinha seu próprio forro.

— Pega o cobertor no baú — sussurrou alguém.

Era Namkyu, na cama ao lado. Ele se sentiu mal por tê-la acordado, mas ela parecia exceção, então apenas agradeceu. Sem fazer barulho, pegou o cobertor vermelho no baú encostado na guarda menor, e se cobriu. Alguns segundos depois, notou aquele cheiro. Era o cheiro dela. Aquele insuportável cheiro de rosa. Tentou não prestar atenção, mas simplesmente não conseguia evitar aquelas memórias. Parecia que ela estava ali, mas ele sabia que ela não estava. Era só mais um lembrete daquela dolorosa partida.

“O dia foi tão fácil, por que a noite não pode ser também?”.

Junggie ficou ali mais alguns minutinhos, suportando aquela tortura, mas acabou partindo também.

Não havia lugar para ele na Casa do Juízo, nem na Casa Daegu. Àquela altura, ter um lar era o menor dos problemas. Ele só precisava de um lugar onde pudesse ficar sem ser bombardeado por sentimentos ruins. O único que encontrou foi a grama. Ficou andando sem rumo por algum tempo, até que decidiu se jogar ali mesmo.

Olhando para tudo o que havia acontecido naquele dia e, principalmente, naquela noite, Junggie não aguentou mais. Todas as suas emoções, que estavam trancafiadas em seu coração, ocultas sob uma máscara que tentava disfarçar o quanto tudo aquilo estava sendo difícil, finalmente transbordaram.

Deitado na grama, ele chorou. A grama ainda o lembrava dela. Lembrava-o de quando ela tentara fugir dele pela primeira vez, de quando ele conseguira impedi-la. De quando riram e choraram juntos. De quando formaram aquele elo tão forte que finalmente causava um estrago ao se romper. Por um curto momento se arrependeu de tê-la deixado ir. Mas não. Aquele não havia sido seu erro.

Seu erro havia sido não deixá-la ir da primeira vez.


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Notas finais do capítulo

Ai meo corassaum



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