VOICES escrita por Rômadri


Capítulo 4
5 porquês


Notas iniciais do capítulo

Oi de novo! Promessa é dívida, então aqui estou eu. Como o último capítulo foi pequeno, esse aqui veio pra dar uma equilibrada. Boa leitura!



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6 meses atrás ( Narração feita pelo Caleb)

Entro no prédio pintado de rosa, onde Lucinda faz ballet. Seu pai costuma busca-la, mas às vezes pede que eu o faça. Embora eu não seja mais vizinho dos dois, não me incomodo de dirigir mais um pouco se isso significar que poderei ter um tempo com Lucy. A recepcionista acena para mim e eu fico tenso enquanto balanço a cabeça como cumprimento. Ela me deu seu telefone semana passada, mas eu não liguei. A situação constrangedora faz com que eu continue andando em direção ao bebedouro, localizado no final do corredor a minha frente. Conforme caminho, vejo um grupo de pessoas reunidas diante de uma parede de vidro. Algumas meninas mal conseguem piscar, os olhos focados na cena que se desenrola na sala ao lado. Graças a minha altura, consigo enxergar o que elas tanto reparam.

Com movimentos delicados e precisos, Lucy dança com uma desenvoltura invejável. O cabelo comprido, normalmente preso num coque rígido, se encontra solto, tocando seu rosto conforme a música fica mais agitada. O som grave do jazz não é o que eu esperaria para uma dançarina de ballet clássico, mas o que Lucy faz me parece muito mais ousado e vivo.

Quando termina, o grupo a minha frente bate palmas. Lucy sorri para elas e faz uma reverência engraçada. Quando seu corpo fica ereto novamente, seus olhos se voltam para os meus. Eles brilham como ouro puro sob o sol e então ela corre até a porta da sala e se joga em meu peito. Eu a seguro pela cintura e afasto seu cabelo suado dos olhos.

— Você foi incrível. – sussurro, tão orgulhoso dela que poderia esculpir uma estátua em sua homenagem. Seu olhar se volta para os nossos pés enquanto ela cora um pouco. Sei que seu histórico de bullying afetou sua autoconfiança, mas tenho certeza que um dia ela superará absolutamente tudo que passou.

— Obrigada por ter vindo. – Ela diz antes de deixar um beijo em meu pescoço. A sensação de seus lábios macios e cheios em minha pele me faz recuar por um instante, meu corpo febril querendo mais de seus beijos. – Vou pegar minha bolsa.

Aceno que sim e ela vai até seu armário, saltitante. Os outros dançarinos me encaram com curiosidade, mas eu permaneço parado no corredor, na tentativa de evitar a recepcionista.

— Pronto – Lucy volta sem a meia calça e com um short sobre o collant preto. Seu cabelo castanho preso de rabo de cavalo e a bolsa cinza no ombro. Suas pernas longas e definidas parecem gritar por minha atenção, mas eu desvio os olhos imediatamente. Ela segura minha mão e sorri. – Você tem tempo para tomarmos um sorvete?

Abro a porta para que ela entre e sento em meu banco. Lucy me encara com o olhar pidão enquanto aperta o cinto em volta de seu corpo.

— Sinto muito, Lu, mas tenho muitos relatórios pra entregar ao seu pai amanhã.

— Isso é ridículo! Não é porque você é malditamente bom em tudo que faz que ele tem o direito de te explorar assim.

Dou risada de seu temperamento explosivo, o que a faz fechar a cara ainda mais.

— Não se preocupe comigo. Se eu sei tudo que sei hoje, devo isso ao seu pai. – Apesar de Otto e minha mãe serem sócios, é com ele que eu trabalho a maior parte do tempo. Otto é o CEO da Donna, marca de cristais que construiu com minha mãe.

Barone é para mim muito mais que um chefe, é como um pai. O meu pai biológico é algum doador anônimo de esperma, que minha mãe escolheu em um laboratório de inseminação artificial em Madrid. Às vezes me pergunto quem ele é e por onde anda. Mas acima de tudo, gostaria de saber se meu desenvolvimento neural avançado é uma característica que minha mãe selecionou em algum doador ou se é algo geneticamente aleatório. Me assusta imagina-la em um laboratório, escolhendo cada característica relacionada a mim, montando o que seria para ela um filho ideal.

Quando comecei a ir à escola e meu rendimento surpreendeu os professores, fui pulando algumas séries. Minha mãe me levou em um especialista e descobriu que eu tinha o QI acima da média na mesma época em que ela se associou a Otto, e eu fiquei fissurado com o cara. Depois dos jantares em minha casa ou na sua, ele passava horas me ensinando sobre administração e finanças e meus olhos brilhavam cada vez que eu analisava um gráfico do rendimento da empresa anunciar um lucro maior. Quantos mais gráficos eu aprendia a interpretar e posteriormente a fazer, mais tempo eu passava pelos corredores da Donna, seguindo o CEO. Otto era o mais próximo de um pai que eu tinha e graças a ele eu aprendi mais de negócios do que nos quatro anos de faculdade.

— Como estão as coisas na escola? – Paro no sinal vermelho e viro meu rosto para observar o de Lucy.

— Bem, na verdade. – Ela dá de ombros, mas senta de lado para me olhar melhor – Não tirei nenhum dez, mas tenho me saído muito bem.

Solto um suspiro de alívio ao ouvir o tom sincero em sua voz. Sei que as coisas eram muito difíceis pra Lucy, mas depois do diagnóstico e da mudança de escola, ela passou a ter mais atenção dos professores, que inclusive passaram a imprimir suas provas com uma fonte especial para pessoas disléxicas, o que facilitou a fluidez de sua leitura.

— Isso é ótimo.

— É... – Ela sorri manhosa e então toca meu cabelo com a mão esquerda. As pontas de suas unhas roçam meu couro cabeludo, causando arrepios prazerosos em meu corpo – Mas não significa que eu dispenso suas aulas particulares.

Engulo em seco, meu semblante se tornando sério de repente. Eu amo Lucy há muitos anos de uma forma pura, mas que ultimamente não tem sido tão fraternal. Além de ter ganhado a presença paterna de Otto em minha vida, também ganhei a irmã mais nova que nunca sonhei ter, mas que se tornou a pessoa mais importante da minha vida. Enquanto minha mãe via em mim um prodígio, o resultado perfeito da inseminação artificial que fizera, Lucy enxergava em mim minha verdadeira essência. Eu era um menino com alguns vazios, criado sem pai e com uma mãe incrível, mas ausente, sempre presa em seu escritório, criando novos designs para os cristais.

Ajudar Lucy com o dever de casa se tornou mais do que uma distração da solidão que sentia, era um momento de risadas e diversão. Foi como um resgate à minha infância, tão prejudicada quando as brincadeiras foram abruptamente substituídas por consultas médicas e aulas das mais variadas matérias, tudo para garantir que meu QI não fosse desperdiçado.

— Você não precisa mais das minhas aulas. – Afirmo, enquanto acelero no sinal verde.

— Mas preciso da chave do seu apartamento. – Um sorriso travesso inunda seus lábios carnudos.

— O que? Nem pensar.

Lucy revira os olhos.

— Mas amanhã é seu aniversário!

— E daí?

— E daí que eu quero te fazer uma surpresa. – Seu tom de voz orgulhoso me assusta – Vou entrar no seu apê bem cedinho, encher de balões a sua sala, preparar um café da manhã incrível e então ser a primeira a te abraçar no grande dia! E quando você acordar, lá estará eu, com um enorme bolo de maçã, sem cobertura porque você é um chato que evita açúcar, e várias velinhas coloridas!

Dou risada do seu plano mirabolante enquanto viro a esquina de seu condomínio.

— Uau. Tenho certeza de que ficarei muito surpreso.

Ela empina o nariz, parecendo contente com minha expressão assustada.

— Ótimo! E só estou te contando tudo isso porque preciso da chave e também preciso que você fique no quarto fingindo que está dormindo pra que eu possa arrumar tudo.

Abaixo o vidro para que o porteiro me reconheça e adentro o condomínio cheio de árvores, onde cresci. Eu e Lucy.

— Vou deixar a chave embaixo do tapete dessa vez.

— Isso! -  Lucy comemora com um sorriso brilhante e beija minha bochecha quando estaciono em frente a sua casa. Tento afasta-la com as mãos, mas ela segue irredutível, espalhando beijos por todo meu rosto. Quando seus lábios param perigosamente perto dos meus, nós dois paramos de rir. Ela se afasta e então me encara, parecendo insegura de repente. Sua respiração se funde a minha e num instante me vejo consciente de suas mãos macias e seu corpo adulto.

— Nos vemos amanhã. – Viro meu rosto para o lado e me inclino sobre si para abrir a porta. Lucy entende a deixa e aperta a bolsa contra o peito.

— Obrigada pela carona. – Ela sorri inocentemente e vai até a porta, onde Soraya a espera. Com a respiração acelerada, pressiono a testa contra o volante, querendo esfriar a cabeça.

Preciso parar. Preciso afastar Lucinda antes que as coisas saiam do controle. Em silêncio, começo a listar os porquês:

1 Ela tem dezessete anos e seu emocional é instável.

2 Nós crescemos como irmãos.

3 Otto é seu pai, meu chefe e alguém que confia em mim para cuidar de Lucy justamente porque acredita que nossa relação é fraternal. Ele nos afastaria completamente se pensasse o contrário.

4 Lucy tem muita coisa em jogo esse ano e não precisa de nenhum drama.

5 Eu preferia morrer a ter que magoa-la.

Repito a lista em minha mente dezenas de vezes antes de deixar a casa de Lucy pra trás. Talvez, em algum momento, isso ajude a apagar a faísca que arde em meu peito.


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Notas finais do capítulo

Conhecemos mais sobre o Caleb, hm? O que vcs acham do personagem e será que os porquês dele vão mante-lo longe da lucy? Me contem aí e até o próximo capítulo ;)



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