Sonhos da meia noite escrita por Koda Kill


Capítulo 2
O primeiro sonho




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Tudo começou no meu aniversário de quinze anos. Depois de semanas planejando tudo para que a festa fosse perfeita, o dia havia finalmente chegado. Sem economias, foi o que meus pais prometeram. E acredite, eu merecia, cada centavo. Dinheiro nunca foi um problema isso é verdade, mas como a garota mais popular da minha sala e uma das três mais desejadas da escola eu não podia decepcionar. Esse era o meu grande momento. E nada de frufrus rosa e unicórnios, eu queria que fosse a festa mais sofisticada e louca que meus amigos tinham visto. Afinal, aquela era a minha chance de chamar atenção dos alunos mais velhos e desde que eu entrei no ensino médio é claro que esse havia sido o meu objetivo. 

Malabares de fogo, tenda eletrônica, djs internacionais, banda ao vivo e champanhe a granel. Eu não queria ver uma taça vazia. Parecia que tudo aquilo que eu sempre sonhei estava se realizando. Minha babá Bonnie sorria para mim de longe. Acenei para ela discretamente enquanto ao telefone o decorador me assegurava que tudo estaria perfeito. Parecia irreal ter uma babá aos 15 anos, mas eu preferia o termo assistente. E até que ela era uma ótima amiga, coisa que eu fui obrigada a descobrir depois de centenas de tentativas frustradas de me livrar dela. Meus pais estavam sempre trabalhando ou viajando então se recusavam a me deixar completamente sozinha sem uma supervisão adulta. Depois de dezenas de discussões consegui que ao menos fosse uma universitária e na maior parte do tempo eu fingia que ela simplesmente uma amiga mais velha que já estava na faculdade. E aquilo funcionava para nós.Voltei à bancada da cozinha onde Bonnie comia alguns morangos.

— Tudo certo para mais tarde. - Falei com um sorriso meio preocupado enquanto pousava o celular novo que eu havia ganhado dos meus pais mais cedo e encarava o mármore.

— É o seu presente de quinze anos? - Perguntou ela tentando disfarçar o fato de que ela estava louca para perguntar se meus pais iriam a festa.

— Eles não vão Bonnie. - Falei revirando os meus olhos. - Mesma história, me acordaram cantando parabéns, me entregaram um pacote todo fresco e saíram apressados para o trabalho.

— Então eles não disseram que não iriam... - Era um pouco frustrante toda essa esperança porque eu sabia que eles não iriam.

— Desiste, eles nunca aparecem por mais de cinco minutos nos meus aniversários. - Revirei os olhos tentando disfarçar que no fundo eu tinha sim um pouco de esperança que eles fossem.

— Ah mas é seu aniversário de 15 anos! Dessa vez é diferente. - Eu sei que era idiotice acreditar nisso. Mas Bonnie tinha esse dom de me deixar um pouco melhor mesmo que nada daquilo realmente acontecesse.

— Eu não apostaria nisso, senhorita. - Disse fazendo a minha patética imitação de novela mexicana que só ela conhecia enquanto pegava meu café da manhã. - Pode configurar e sincronizar meu celular com o antigo? Você sabe que eu não tenho saco pra essas coisas.

— Claro. - Disse ela sorrindo meio sem jeito. Sempre havia sido assim, sempre a trabalho e sem muito tempo pra mim. Noites e noites viradas no escritório ou em viagens ao redor do mundo. As vezes isso se tornava um pouco solitário. Eu preferia que meus pais simplesmente passassem o meu aniversário comigo em vez de me darem presente caríssimos. Ou uma festa mirabolante, por mais que eu odiasse admitir. 

E acredite eu nunca admitiria isso em voz alta. Era estranho que eu passasse mais tempo falando com os assistentes deles do que com eles, certo? De qualquer forma hoje a noite seria toda sobre mim e Deus sabe como eu adoro toda essa atenção. Ou pelo menos foi isso que eu passei o dia inteiro repetindo para mim mesma.

O vestido de grife e a sandália perfeita já estavam separadas no meu quarto e depois de um dia extensivo de fofocas no salão de beleza com a Bonnie eu finalmente encarava o meu reflexo nervosa. A festa já havia começado a algum tempo, mas é claro que eu era fã de grandes entradas. O que significava esperar até que uma quantidade razoável de gente houvesse chegado. O som lá fora ecoava pela casa, as luzes dançavam embaixo da fresta da porta e Bonnie finalmente entrou meio esbaforida no quarto frio.

— Já tem bastante gente lá fora e até os alunos mais velhos apareceram. Bem, alguns. Mas acho que se estiver bom o suficiente o resto também vem.

— Ricardo? - Perguntei meio nervosa e esbaforida. Ricardo, minha paixão nada platônica do terceiro ano. Líder do time de futebol e deus grego. E também o cara mais desejado da escola.

— Bem, ainda não pelo menos. - Chacoalhei a cabeça. Aquilo definitivamente não me abalaria. E afinal ele ainda poderia aparecer. Bonnie me ajudou a terminar os preparativos e mandou avisar ao DJ pelo ponto eletrônico que anunciasse minha entrada.

— Meus pais? - Perguntei apertando um pouco os olhos. Ela evitou meu olhar e balançou a cabeça negativamente tentando disfarçar a pena.

— Presos no trabalho. - Bufei de frustração e raiva.

— Eu não tenho tempo para isso, tenho uma festa para dar. - Falei balançando a cabeça e tentando afastar aqueles pensamentos de mim. Escutei a voz ao longe falar com os convidados então fui para trás do palco com Bonnie ao meu encalço. - Trouxe a Vodka? - Perguntei furtivamente. Ela confirmou. Uma coisa boa da pena é que as pessoas acabam fazendo o que você quer. - Ótimo. 

Então anunciaram meu nome e todos os holofotes estavam em mim. Meu cabelo loiro parecia reluzir e o vestido vermelho se destacava vividamente da minha pele branca. Eu mal conseguia enxergar as pessoas em frente ao palco, mas acenei enquanto o dj me babava e animava as pessoas. A música estava bem alta, mas ainda sim consegui escutar alguns gritos animados e foi a minha deixa para sair do palco e me misturar ao pessoal. 

Não sei se havia sido a música alta demais, os holofotes no meu rosto ou as doses de vodka que eu havia engolido na coxia, mas uma pontada de dor atravessou minha cabeça e me fez ver alguns pontos pretos. Eu achava que a ressaca era só no dia seguinte e não instantânea. Tentei ignorar o fato de parecer que alguém estava mastigando o meu cérebro e me esforcei para socializar com todos na festa. Eu era um pouco popular, sorri satisfeita. Puxei minha saia um pouco pra baixo, o tecido me pinicava, mas eu fingia que não.

Minha popularidade era algo bem importante pra mim, portanto essa festa de arromba tinha que estar perfeita. Eu me fingia interessada no que as garotas tagarelavam e ria esporadicamente. Algumas pessoas ainda estavam na pista de dança, mas a maioria se espalhava pelo salão e ocasionalmente roubava canapés das mesas.

Minha cabeça estava doendo bastante, mas eu fingia que não. A festa não demoraria para acabar. Pela velocidade em que as pessoas estavam ficando bêbadas eu estava mais preocupada em vomitarem no tapete persa do que em sair mais cedo da festa.

Muita gente mais velha tinha aparecido, nada do Ricardo, mas tudo estava saindo como o planejado e a festa seria o assunto mais falado na escola no dia seguinte sem dúvidas. Não demoraria para que o encontro super casual que eu já havia passado na minha cabeça mil vezes rolasse com Ricardo. Era quase tão bom que a dor de cabeça nem parecia tão preocupante. Exceto que parecia seriamente que alguém estava esmagando o meu crânio de uma forma muito dolorosa.

— Será que as pessoas vão notar caso eu suba mais cedo e não espere todos saírem? Minha cabeça esta me matando! - Falei para Bonnie enquanto pegava mais uma taça de champanhe da bandeja de um garçom bem bonito. Ela sorriu para ele e eu a cutuquei incrédula.

— O que? Ele era muito fofo! - Disse ela rindo.- Tá, Sophia eu me surpreenderia se alguém notasse, essa festa definitivamente saiu do controle. - Disse ela enquanto assistíamos com uma careta um secundanista vomitar verde no tapete persa. É, isso definitivamente deixaria minha mãe fula da vida.

Em meia hora me vi livre daquela saia pinicante e me meti na minha camisola de seda, aliviada. Meus pais não deram as caras, mas pelo menos Bonnie estivera lá. E com Vodka. Ela entrou no meu quarto sorridente ainda com a roupa da festa e me puxou para um longo abraço.

− Foi um arraso não foi? – Perguntei cutucando-a nas costelas.

− Você estava incrível Sophia! Todos os meninos babavam por você.

− Puff! Você sabe que eles estavam babando pela minha amiga universitária! – Falei brincalhona. Ela riu meio tímida.

− Trouxe seu remédio para a dor de cabeça. – Olhei-a aliviada e agradecida. Tomei-o com um longo gole de água. – Agora durma, sim? Você não me parece estar muito bem.

− Vou ficar bem quando dormir. – Garanti.

− Não se preocupe, estarei aqui. – Disse ela me cobrindo com as cobertas. Pousei a cabeça no travesseiro e dormi imediatamente.

Tudo começou com um sonho comum, meio sem sentido como todos os sonhos, mas nada fora do normal para um padrão de sonho. Eu sonhava que estava voando pelos céus com meus colegas de turma e tentava mostrar-lhes como era fácil, todos riamos e nos divertimos. O céu azul brilhava e nos sobrevoávamos lindas montanhas e campos verdes extensos.

De repente meu voo começou a falhar, comecei a sentir-me muito mal. Meu voo perdeu a graça, mas ninguém percebia, todos continuavam a rir e a divertir-se. Tentei gritar, mas nada saia. Algo estava definitivamente muito errado, o céu de repente começava a ficar enegrecido. Cai no chão com um baque horrível, meu corpo inteiro doía e eu estava toda suja com a lama que havia no chão. Comecei a escutar um som esquisito, algo como um arrastar que arrepiou-me a espinha. Aquilo não era natural. 

Olhei ao redor, mas estava tudo um breu e o barulho apenas aumentava enquanto o barulho dos meus colegas se divertindo diminuía ao longe. Me levantei com dificuldade daquela gosma preta e comecei a correr desesperada, mas o cenário não parecia mover-se. Gritei novamente pelos meus amigos, por Bonnie e até por meus pais, mas minha voz não saia. Eu chorava de medo e tremia dos pés à cabeça, procurando algo na escuridão.

O chão começou a ficar gosmento e difícil de andar e o barulho ficou ensurdecedor. Tentei sair daquela goma, mas era impossível. Do escuro surgiram mãos e eu gritei novamente tentando me arrastar para longe em vão. As mãos geladas e negras agarraram minha perna e arrastaram-me para o escuro sem dificuldade. "Por favor, eu não quero morrer" eu implorava em silêncio enquanto mais e mais mãos surgiam para me agarrar. Eu nunca havia tido um sonho tão real. Nunca havia sentido tamanho desespero e angústia. Era quase como se eu estivesse mesmo la.

Eu tentava afasta-las às lágrimas, mas eram muitas. Sentia-as entrando em meus olhos, me arranhando e sufocando minha garganta enquanto eu me engasgava com a lama. Acordei aos gritos, suando frio. Bonnie tentava me segurar, mas eu estava histérica e me debatia em suas mãos. Olhei para o seu rosto desesperada e gritei ainda mais quando percebi que havia sangue escorrendo da sua bochecha.

Meus pais que haviam chegado em algum momento da manhã me olhavam horrorizados, petrificados na porta do meu quarto. Eu tremia descontroladamente, mas parei subitamente. Bonnie estava ofegante. Vomitei no chão do quarto e desmaiei traumatizada. Quando voltei a acordar percebi que ainda tremia de puro pavor. Bonnie limpava o chão do quarto e meus pais falavam ao telefone. Luzes vermelhas piscavam na janela e eu podia escutar pessoas subindo as escadas.

Olhei assustada ao redor, esperando ver as mãos voltarem. Olhava para a minha cama esperando que ela me engolisse. Eu tremia descontroladamente e quase fiz xixi de tanto medo. Bonnie olhou para cima e viu meus olhos abertos em terror.

− Ela acordou! – Avisou ela aos meus pais enquanto corria para próximo.

− Filha o que aconteceu? – Perguntaram-me eles. Mas eu não conseguia responder, estava em estado de choque. Os paramédicos entraram no quarto, uma ambulância me levou ao hospital e me colocaram numa maca e depois em uma cama.

Meus pais falavam com os médicos ao longe explicando o que acontecera, mas eu mal entendia. Olhava assustada para todos os lados apavorada. Um enfermeiro trouxe um pote transparente e uma agulha e segurou meu braço. Foi o suficiente para eu ficar histérica novamente.

− O que é isso? – Perguntei empurrando-o. Meu corpo parecia ter vida própria tamanho era o meu medo. Eu não conseguia processar tudo que havia acontecido, mas nunca sentira tanto medo na vida.

− Calma, não vai te machucar, é só pra te ajudar a dormir. - O enfermeiro tocava a meu braço tentando me tranquilizar enquanto se preparava para aplicar a injeção.

− Não!!! Socorro! – Gritei desesperada tentando afasta-lo. Outros enfermeiros surgiram e tentaram me segurar. – Mamãe, socorro! Me ajudem! Eu imploro! Eu não quero voltar para lá!!! Socorro!! Por favor não! Por favor! – Implorei já quase entrando em convulsão. Tudo o que eu consegui ver foi o olhar de horror no rosto dos meus pais antes que as lágrimas embaçassem minha visão. Um dos enfermeiros pegou uma seringa prateada e injetou-a no meu braço. Tentei lutar, mas meus olhos ficaram pesados. Lutei até o final. – Mamãe, me ajude! Eu não quero voltar pra lá! – Sussurrei já adormecendo e sucumbindo ao escuro em meio ao choro e gritaria.

 


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