Myosotis escrita por Lyria Danis


Capítulo 4
O inseto que habita


Notas iniciais do capítulo

Estou mudando todo o conceito de Myosotis. Espero que gostem das mudanças. Como estou sem beta, qualquer erro podem me dizer que imediatamente consertarei.



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O INSETO QUE HABITA

Ela floresce num sofrimento contente.

Limpa suas lágrimas de orvalho,

E me sorri sem saber que,

Aquele que irá arrancar todas as suas pétalas,

Serei eu.

 

Elina e Carmen foram juntas até o jardim para conversarem. Elina permaneceu na cadeira de rodas e Carmen ao seu lado, de pé, e ambas estavam olhando as flores em um silêncio pesado. O jardim da casa Alaster era o maior da cidade; e isso porque o senhor da família, Eliot, não gostava dele. Caso gostasse, era provável que aquele jardim fosse o maior do país.

Diferente de seu pai, os muitos tipos de flores sempre encantaram Elina.  Era alérgica a muitos tipos de produtos industrializados desde criança, e por conta disso sempre preferira os aromas da natureza.

Carmen prendeu uma flor lilás no cabelo de Elina, que riu, sentindo um pouco da tensão esvair de si.

— Isso é coisa que criança, Carmen — disse e se inclinou para o chão, apanhando uma rosa vermelha e entregando a Carmen. — Combina com você.

Carmen sorriu e apanhou a rosa.

— Vermelho?

— Claro... — uma voz masculina respondeu.

Um homem alto, de cabelos curtos e olhos verdes se aproximava delas com um sorriso confiante. Seu nome era Charlos, e ele era um dos responsáveis por serviços gerais na propriedade. Elina voltou a sua postura séria e distante, pois não conhecia o funcionário bem, enquanto Carmen cruzou os braços e o recepcionou agressivamente.

— ... sua personalidade é muito vibrante — ele terminou de falar.

— Obrigada por ter respondido uma coisa que não perguntei — respondeu enquanto erguia uma das sobrancelhas.

Charlos levantou os braços defensivamente e disse:

— Uou, calma. Eu apenas quis ser simpático.

Carmen riu, mas seu olhar era irritado, mas quando abriu a boca para responder, foi interrompida por Elina:

— Você precisa de algo, Charlos?

Charlos tinha um sorriso que mostrava todos os dentes.

— Boa tarde, senhorita Elina — ele cumprimentou a mulher mais nova educadamente. — Eu estava olhando os muros, você sabe. Procurando alguma falha.

— E você achou? — Elina perguntou. Lembrou-se de Maroo e sua entrada nada usual em seu quarto e se odiou por apenas lembrar agora que ele poderia ter deixado pistas pelo caminho.

— Nada, tudo perfeito — o homem respondeu e olhou para Carmen, que tinha uma expressão fechada. — Boa tarde para a senhorita da casa e a para a amiga dela.

— Boa tarde, Charlos — Elina respondeu.

Charlos acenou em despedida para virar de costas e voltar, voltando a deixar as duas mulheres sozinhas.

— Por que você foi tão grosseira? — Elina perguntou entre risos. — Você quase morde!

— Eu não gosto dele — Carmen respondera e entregou a rosa vermelha para Elina. — Fique com essa rosa para você — concluiu mal humorada, causando apenas mais risos para a mulher loira.

— E você também não gosta do Maroo — Elina alfinetou. — De quem você gosta, afinal de contas?

Carmen a observou com os olhos tristes, e Elina imediatamente lamentou-se.

— Eu sinto muito Carmen.

— Não se preocupe — respondeu para se sentar no banco que havia perto, com Elina a seguindo logo atrás. — Eu gosto de você, mas tenho toda razão para não gostar daquele cara — E apontou na direção do quarto de Elina.

— Carmen, vai começar de novo? — disse com um tom irritado. — Nós já decidimos que ele fica até amanhã.

Carmen e Elina trocaram olhares sérios por alguns segundos até que a empregada falou:

— Por que você o ajudou?

A súbita pergunta fez Elina emudecer.

— Bastava chamar uma ambulância e a vida dele estaria a salvo. Por que você o escondeu no seu quarto?

A resposta de Elina demorou a vir, contudo, não respondeu as perguntas feitas:

— Eu chamei você para conversar porque eu mesma não me entendo — Elina levou a mão ao peito e apertou o tecido sobre o coração. — Por que eu consegui andar enquanto estava com ele? Por que senti um aperto no coração quando ele falou sobre ir embora?

Carmen olha para a mulher mais jovem de maneira complacente. Ela não poderia dizer que entendia, contudo não duvidava da resposta de Elina... ela realmente não deveria saber o motivo de nada. Apesar de se sentir em alerta toda vez que chegava perto de Maroo, e apesar de se sentir seu coração afundar em preocupação a cada instante que Elina parecia Suspirou e se agachou perto da loira, acariciando com o dorso da mão a bochecha dela.

— Não se preocupe, senhorita Elina — disse com um sorriso. — Tudo vai ser resolvido.

Não era o melhor conforto que uma pessoa poderia receber, mas por vir de Carmen, foi o suficiente para Elina. Ela sorriu de volta para a empregada, imediatamente se sentindo mais leve. Carmen era uma mulher que havia vivido muita coisa, e por isso, em cada palavra dela havia valor.

— Você me chamou de senhorita — Elina gracejou.

— Não se acostume — respondeu e voltou a se erguer, colocando as mãos na cintura. — Você quer lanchar alguma coisa?

— Sim!

— Vamos para a cozinha.

Desta vez, com Carmen levando Elina pelo caminho, as duas cruzaram o jardim entre risos e conversas.

—---

Após lancharem, separaram alguma comida para Maroo — a contragosto de Carmen — e estavam levando juntas para ele.

— Será que ele vem de alguma tribo extremamente machista de homens que ainda puxam suas mulheres pelos cabelos para convencê-las a fazer sexo? — Carmen perguntou enquanto subiam a rampa.

— De onde você tirou isso?! — Elina ralhou, com o rosto completamente vermelho.

— Defendendo, hum? — A empregada sorriu com malícia.

— Você está falando absurdos! — O constrangimento dela apenas aumentava.

— Claro que não! Você pode negar, mas foi porque ele é um gato que você aceitou ajudá-lo — Carmen riu audivelmente, então continuou com um sussurro. — Eu também faria igual. Você definitivamente não está louca.

— Você acha que eu sou movida a hormônios dessa forma? Não consegui dizer não para uma pessoa em necessidade! — A senhorita da família Alaster observava ultrajada o rosto de Carmen. Não havia um pingo de vergonha na expressão dela, então quis afundar sua cabeça num buraco.

— Sim e neste caso a pessoa em necessidade é você!

— Carmen, ele vai te ouvir! A casa toda vai!

Antes que Carmen pudesse responder e fazer mais estragos ao seu autocontrole, ela digitou a senha no painel de entrada e abriu a porta, entrando no quarto. Esperava com todas as suas forças que Maroo não tivesse escutado. Ao entrar se deparou com ele sentado em sua cama e olhando diretamente para ela.

Definitivamente eu não tenho tanta sorte assim, ela pensou.

Ainda vermelha, deu espaço para Carmen entrar, que quando avistou o carrinho ainda com restos do almoço no quarto, fez careta em desaprovação.

— Você deveria ter colocado este carrinho fora para alguém vir buscar. Ele está com restos de comida — Carmen puxou o carrinho do almoço e levou para fora do quarto.

— Nós comemos devagar. — Maroo respondeu no lugar de Elina

— Então você sabe falar sem ser grosseiro? Estou surpresa! — Carmen falou ironicamente com uma mão na cintura. — Então talvez você não puxe uma mulher pelo cabelo.

O homem abriu a boca em choque, e Carmen por um momento pensou ter visto presas.

— Claro que eu não puxo uma mulher pelos cabelos! Você me ofende!

— Ufa, ainda bem que você não faz isso — disse irônica e saiu do quarto, deixando Elina atônica e Maroo enraivecido para trás.

— Eu não bato em mulheres! — Maroo falou grosseiramente. — Isso é punido com morte. Como ela pode dizer tal absurdo?

— Bater em uma mulher tem pena de morte onde você mora? — Elina perguntou incrédula.

— Claro que sim.

— Mas isso não é um pouco... desproporcional? Como a punição por bater em alguém é a morte?

Maroo sentiu uma onda de poder que quase o compeliu a respondê-la em imediato. Relaxou um pouco ao se dar conta que não precisaria mais evitar suas perguntas.

Jamais um guerreiro almeriano se desonraria ofendendo qualquer uma de vocês, que são tão parecidas com nossa rainha.

Elina arregalou os olhos em choque. Matriarcal? Sério? Quem diria... Por aqui precisamos disso também, pensou. Contudo antes de fazer qualquer comentário sobre, lembrou-se da forma como Maroo tratava Carmen e desconfiou de mentiras.

— Então por que você trata Carmen dessa forma?

— De que forma?

— Você nunca olha nos olhos dela, e não fala direito... Ela te acha extremamente grosseiro por causa disso, sabia? — O tom Elina era recriminatório, mas ao mesmo tempo educador, o lembrando rapidamente da infância Maroo.

— Na verdade não. Você nunca me deu permissão para falar com ela, então...

— Permissão?! Por que você precisaria disso?

— Eh... por que ela é sua serva?

Elina se aproximou de Maroo com uma expressão séria que ele nunca tinha visto nela.

— Ela não é minha serva, entende? Carmen trabalha para mim e recebe dinheiro por isso. Se quiser, ela pode parar, porque ela é livre.

Maroo assentiu surpreso.

— Eu entendo. Então tenho permissão para falar com ela?

— Você não precisa de permissão.

Então Maroo repentinamente bateu uma mão na outra como se houvesse se lembrado de algo.

Mas claro, eu esqueci completamente de que aqui as coisas são diferentes, ele pensou, e não conseguiu evitar a vontade de se bater por ter se esquecido disso.

Contudo, o sentimento de inquietação de Elina era forte. A curiosidade estava consumindo toda sua mente, e depois dele falar tanto sobre si mesmo, não pôde evitar perguntar:

— De onde você vem?

Almeria — respondeu.

Ao ter resposta positiva, ela se aproximou ávida por mais.

 — E onde fica esse lugar? Eu nunca ouvi falar.

— Se tivesse ouvido falar, significaria que Almeria tem um problema.

— Por quê? Nosso país e o seu são inimigos?

Maroo não pôde evitar sorrir.

— Seriam, se um soubesse do outro. — Ou seja, já são, ele completou em pensamento.

Elina percorreu o corpo de Maroo com os olhos repletos de atenção metódica, demorando-se mais na cicatriz do abdômen.

— E todos de lá são como você?

— Sim, Almeria é um lugar abençoado pelo sol. Nossa força nos cura de acordo com a conexão que temos com ele.

Elina se afastou de súbito. A conversa, que já era estranha, havia tomado proporções insanas. Ela sabia que Maroo não era um homem comum, mas, contato com o sol?

— Vocês são uma grade seita pagã ou algo assim?

— Não somos seitas ou pagãos, seja lá o que isso signifique. Somos almerianos abençoados pelo sol desde muito tempo atrás. Se quisesse você poderia ser também.

Elina observava Maroo desacreditada.

— Eu posso?

— Sim. Feche seus olhos.

Ela não conseguiu arranjar motivos para dar Maroo por mentiroso. Talvez, seja ela se enganando ou permitindo que ele a enganasse. Ou talvez, seja seus instintos a alarmando de algo que ainda não tinha visto.

Maroo fechou os olhos e sinalizou para que ela o imitasse.

Ela também fechou os olhos e, por um momento, não sabia exatamente o que perceber. Mas aos poucos começava a notar pequenos detalhes como a respiração de Maroo, que era constante e ritmada. A mão dele estava quente em seu braço, e ela se sentiu estranhamente confortável. Vagarosamente, sua percepção do mundo se alterou de sua visão para seu olfato, então sua audição. Depois seu foco foi para o coração dele, que pulsava firme. Sentia-se energizada, quente e cheia de adrenalina. A dor constante no nervo ciático repentinamente não existia mais, e ela percebeu que as sensações eram idênticas as da noite a qual ele apareceu.

Finalmente, ela compreendeu que todas essas sensações provinham diretamente de Maroo.

Elina abriu os olhos azuis em choque.

— Quer dizer que eu consegui ficar de pé naquela noite por causa de você?

— Talvez.

Os olhos dele eram quentes para ela, como lavas derretidas cobrindo uma superfície muito dura. Elina percebeu, ali, que aquela era a forma de Maroo expressar o poder dele.

— Eu sinto — disse, ainda presa nos orbes dele. — Isso é o que você chama de benção do sol?

— Um tipo dela — Ele sorriu.

— Como isso é possível? Quer dizer, eu senti seu coração e você inteiro — Ela se aproximou um pouco mais, agarrando a mão de Maroo com as suas — Agora mesmo eu continuo sentindo.

— É normal.

Ela agora estava com o rosto a poucos centímetros do dele, com o azul fixo no vermelho.

— Você me sente dessa forma o tempo inteiro? — perguntou.

— Algumas vezes sim.

Para Elina, a capacidade de fazer esse tipo de coisa era definida por algum termo que estava entre maravilhoso e realmente assustador.

— E por que eu consigo fazer isso?

— Todas as pessoas podem usar a energia do sol, mesmo não almerianos — mentiu.

Elina assentiu. O mundo de Maroo era realmente sobrenatural, fantástico e diferente de qualquer coisa que tinha esperado, mas mesmo que fosse impressionante, ela ainda não fazia parte dele, e Maroo ainda iria embora. Este sentimento era constrangedor de se ter, pois havia o encontrado há menos de uma semana e Elina há muito não era mais uma menina; contudo, não podia fazer nada. Estava na hora de passar o peso que havia em suas mãos adiante.

Seu humor havia repentinamente obscurecido e ela estava cansada. Ao pensar sobre a reunião com os acionistas da empresa de seu pai amanhã, sentiu retornar o estresse que era seu conhecido de longa data; e o mundo fantástico de Maroo de repente estava muito longe. Amanhã ele iria embora e toda sua vida voltava à normalidade.

Ela tinha que acabar com isso. Olhou para o quarto, pensando em uma forma de mudar de assunto, quando viu em cima da cama a camisa que tinha separado para ele vestir em outro momento.

— Vista. Isto aqui não é um campeonato de fisiculturismo para você estar mostrando todos os seus músculos — apontou para a roupa.

Maroo olhou para o próprio corpo e depois para a mulher a sua frente.

— Fisiculturismo?

Ela não lhe devolvia o olhar.

— Um campeonato de homens musculosos para determinar quem é o melhor exibindo seus músculos.

Ele franziu as sobrancelhas e olhou para o próprio corpo por alguns momentos, parecendo confuso.

— Isso não parece muito útil.

— Tem gente que gosta — Ela deu de ombros e apontou novamente para a camisa. — É o maior número que eu tenho.

Ele vestiu a camisa preta sem muito alarde, mas o ajuste era apertado e impedia parcialmente seus movimentos.

— É desconfortável.

— Aguente! Você não pode simplesmente ficar sem camisa por aí.

Maroo ergueu as sobrancelhas e falou:

— Eu estava sem uma até agora e não foi problema.

— Porque você não conseguia nem respirar sem sentir dor. Agora está bem melhor e pode se vestir.

— Isso te incomoda? — Ele perguntou.

Elina olhou para o homem na frente dela com alguma admiração. O tecido preto contrastava com a pele morena e os cabelos vermelhos davam-lhe ar um tanto selvagem.

Definitivamente sim.

— Não, mas você deve sentir frio.

— Não sinto. Posso tirar a camisa?

Ela fez uma expressão incrédula.

— Você está me pedindo permissão?

— É claro — ele respondeu como se fosse óbvio, e Elina preferiu não explorar mais a história.

— Tudo bem, então?

Ele rapidamente tirou a camisa e jogou de volta no mesmo lugar, mexendo os braços em alívio ante a liberdade do tecido incômodo. Segurou um dos travesseiros que haviam na cama e colocou no chão, mas quando ia se deitar, Elina o parou.

— O que você está fazendo?

Ele fez uma expressão impaciente, como se estivesse a ponto de explicar o óbvio.

— Indo dormir.

De novo, ela pensou.  

— No chão?

— Não irei dormir em sua cama se me sinto bem o suficiente. Agradeço por todos os dias em que você me permitiu dormir nela e sinto muito por ter deixado você desconfortável. Meu corpo não dói e me sinto energizado.

Elina riu de forma brilhante, e Maroo acompanhou com um sorriso discreto, mesmo sem entender o motivo.

— Em baixo da minha cama tem uma alça. Se você puxá-la um colchão vai sair e você pode dormir nele.

— Ah.

Maroo puxou a cama debaixo do colchão e por um momento ficou maravilhado com a forma que o dispositivo funcionava.

— Bom? — Elina perguntou.

— É mais que o suficiente. — Ele se deitou sobre o colchão de barriga para cima e ajeitou o travesseiro sob a cabeça.

Elina o observou por alguns segundos antes de fazer o mesmo, desligando a luz do quarto no controle remoto e deixando o abajur aceso. Minutos de silêncio se passaram antes de Maroo quebrá-lo:

— Eu não esqueci que eu devo a você — E então virou o corpo de lado dando as costas para a mulher.

Elina olhou surpresa para as costas nuas de Maroo. Uma sensação quente a invadiu, e ela não ousou falar mais nada. Fechou o punho sobre seu peito e encarou fixamente, talvez por horas, as costas de Maroo até que seu corpo cansou e finalmente dormiu.

Então, Maroo se levantou e andou silenciosamente até a varanda. Era o momento de ir.

—---

Encontrou de fácil o local que Lukah havia indicado. Entrou no estábulo que já tinha a porta entreaberta e avistou seu companheiro.

— Maroo — Lukah juntou os punhos e se curvou num arco na saudação.

— Lukah — Maroo devolveu o mesmo cumprimento, entretanto curvando o arco um pouco mais, em demonstração de respeito ao mais velho. — Não consegui te cumprimentar apropriadamente da primeira vez.

— Não se preocupe — o homem de cabelos curtos respondeu. — Você conseguiu chegar sem problemas?

— Nenhum problema. A segurança é boa para quem vem de fora, mas para quem já está dentro eles relaxam bastante.

Lukah assentiu e se sentaram sobre um tronco de madeira mais ao canto da parede, e ficaram em silêncio por alguns minutos, observando os cavalos dormindo.

— Foi você quem facilitou para eu entrar aqui uma semana atrás, não foi? Eu vi que tinha algum distúrbio na propriedade, e como a maioria deles foi verificar o problema, consegui me desviar dos outros e entrar.

O mais velho deu um sorriso cheio de dentes, mostrando as presas.

 — Claro. Dava para te sentir há quilômetros de distância com toda essa energia, rapaz.

Maroo riu e disse:

 — Eu agradeço. Não estava na menor condição de lutar contra homens armados.

Lukah olhou para a cicatriz no abdômen de Maroo.

— Você ‘tá afim de falar sobre como se machucou?

O homem mais novo se encostou à parede de concreto e suspirou em desconforto.

— Eu atravessei a Passagem de Tohrus e quando cheguei aqui, em Fora, eu estava dentro de uma caverna. Acontece que alguns estavam fiscalizando, como você falou — ele pausou por alguns instantes, hesitante. — Eram muitos. Eu não consegui escapar.

Maroo tentou não relembrar de toda tortura que havia sofrido, vestindo uma armadura na expressão.

— Eles tentaram tirar informação de mim, Lukah. Eles sabem muito de Almeria. Eu não sei como, mas eles sabem.

— Quais perguntas eles te fizeram?

— Várias. Mas a principal delas era como se fazia para chegar lá. — Maroo cruzou os braços. — Eles sabiam o que eu era, mas precisavam que eu admitisse. Também recolheram meu sangue para testes.

— Isso realmente é uma merda... Você também não pode ignorar que eles estão instalados muito próximos da única duhvoni que eu vi em cinco anos em todo esse tempo. Não pode ser coincidência.

Maroo não havia considerado isso. Ele congelou com as inúmeras possibilidades passando por sua cabeça. Saglio sabia que existia uma duhvoni perto da Passagem de Tohrus? Se fosse o caso, Elina estava em perigo. Ela não conhecia qualquer coisa sobre Almeria e, se fosse pega, sequer poderia fornecer informações para ficar viva. Uma história de horror passou pela mente de Maroo quando percebeu as inúmeras coisas ruins que poderiam acontecer com ela.

— Maroo?

Ele se virou aturdido para Lukah.

— Solaris deve estar bem. Nossa rainha não perde para todo nosso exército junto, ela não iria se deixar ser raptada por eles. — Lukah colocou a mão amigavelmente sobre o ombro de Maroo. — Vamos encontrá-la.

Maroo assentiu ledamente, não se esforçando para corrigir o homem quanto ao motivo de sua preocupação.

— Qual plano que você tem em mente?

— Ela tem a capacidade de apontar o local em que Sua Majestade está, mas primeiro precisa saber como. O que você diz dos poderes dela?

— São mais fortes do que o suficiente.

— Então realmente precisamos ensiná-la e pedir para que ela nos ajude. — Lukah se aproximou um pouco mais e baixou o tom de voz. — Mas não pode ser aqui, temos que estar fora do radar. Você foi seguido?

— Eu não tenho certeza. Eu só conseguia pensar em me salvar — Maroo admitiu de forma franca.

Lukah estreitou o aperto no ombro de Maroo de forma compreensiva.

— Eu entendo. Então realmente precisamos ir embora. Você acha que pode convencê-la a vir conosco?

Maroo teve que se esforçar bastante para não rir; a resposta era clara e apenas uma:

— Não posso convencer.

— Não diga isso...

— Estou falando sério. Apenas a conheço faz um dia, mas posso falar com plena certeza que essa mulher tem um temperamento dos infernos para ser convencida facilmente. E não é como se eu conseguisse influenciar os sentimentos dela como em outras pessoas.

Lukah ergueu uma sobrancelha.

— Como assim? — perguntou.

— Eu te disse, ela é realmente poderosa — Maroo respondeu passando a mão pelo pescoço. — Estamos sem alternativas.

— Tente convencê-la, Maroo. — Lukah olhou rapidamente para o curativo na barriga dele. — Ela se importa com você, talvez te ouça.

Maroo suspirou de forma conformada.

— Eu vou usar todos os meios que eu sei, mas ela vai me encher de perguntas.

— Não há mais motivos para mantê-la no escuro.

Como se eu conseguisse negar qualquer resposta para ela, Maroo pensou amargurado.

— Eu sei. Mas, por que você não tentou levá-la para Almeria antes? Você disse que está há meses.

A expressão de Lukah mudou completamente para algo sombrio. Seus olhos brilharam tristes, e Maroo percebeu que alguma coisa estava errada com ele.

— Foi complicado para mim. Sozinho, sem ninguém para te ajudar, é um pouco difícil viver num lugar estranho, Maroo. Você chegou em boa hora.

Maroo assentiu em silêncio, absorvendo as palavras ditas pelo seu companheiro com incerteza; e tentou não transmitir nenhuma dúvida que sentia para ele.

— Acho melhor sairmos amanhã pela noite. Tenho um lugar que nenhum empregado da casa conhece para ficarmos — Lukah falou enquanto se levantava. — Eu verifiquei várias vezes se você deixou rastros, mas tudo estava limpo. Acho que não devemos nos preocupar com isso.

— Você já estava cuidando de mim sem eu saber. — Maroo se levantou, encostou os punhos arqueando os braços na frente do peito para se curvar respeitosamente.

Lukah devolveu o gesto.

— De meia noite, Maroo. Meia noite neste mesmo lugar — Lukah se aproximou com olhos repentinamente frios para Maroo. — Se for preciso a sequestre, mas tenha ela aqui!

Maroo hesitou antes de responder, mas enfim o fez.

— Pode confiar em mim.

— Eu confio. Eu vou sair primeiro.

— Tudo bem.

Lukah poderia confiar em Maroo em tudo, mas Maroo não tinha confiança em si mesmo para convencer Elina.... Porém, ele tinha que fazer isso. Tentando ignorar o pesar que havia se alojado em seu coração após perceber que, em algum momento, ele teria que forçar a mulher que o salvou, tentou pensar em como poderia convencê-la. Vi o homem de cabelos curtos sair do celeiro, mas não percebeu, pois um único pensamento habitava a mente dele: “de toda forma... ela irá sofrer”.

Esgueirou-se pelos jardins até chegar à árvore do quarto de Elina. A escalou e pulou para a sacada. Quando abriu a porta de vidro e viu Elina dormindo na mesma posição, Maroo se sentiu pior. Ao deitar em seu colchão de frente para ela e assisti-la dormir tão serenamente, Maroo pela primeira vez em sua vida, considerou desistir da missão.

Remexeu-se até o joelho dolorido ficar confortável, para finalmente adormecer num sono perturbado por rostos mascarados e olhos azuis.


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