Utópico. escrita por DihDePaula


Capítulo 34
Capítulo 34 - Fonte Carmesim.




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Para a maioria das pessoas era só mais um dia na cidade, para alguns soldados, era só mais um dia de patrulha. Mas Arthur olhava tudo atentamente conforme caminhava pelas ruas de Borthen durante sua ronda. Havia decidido fazer aquilo pessoalmente, logo depois de Ethan avisar que a invasão seria no dia seguinte.

Um de seus homens começou a se aproximar dele rápido demais e aquilo atraiu a sua atenção. Carter não deveria estar ali, a escala o colocava diretamente na porta da delegacia, então algo havia acontecido. Não demorou muito para estarem um a frente do outro.

— Capitão! - Exclamou o homem enquanto prestava continência.

— O que aconteceu? Não desperdice palavras e vá direto ao ponto. - Fletcher não queria perder tempo com enrolações.

— Recebemos uma pasta com muitos documentos, agora mesmo está sendo analisada a autenticidade do mesmo. Capitão, com isso poderemos prender vários dos corruptos e isso inclui o prefeito! - Disse Carte com um sorriso em seus lábios.

Fletcher ergueu a sobrancelha e deixou um sorriso se formar em seus lábios. Todos da polícia e da guarda que não haviam sido comprados, aguardavam ansiosamente a queda do prefeito. Aguardavam que a justiça fosse feita a muito tempo e mal podiam acreditar que a justiça finalmente prevalesceria.

— E do que precisamos para prendê-los? - Questionou o Capitão olhando ao redor e começando a perceber uma movimentação estranha.

— Determinar a autenticidade da documentação e a assinatura de um juiz que não esteja na lista de pagamento. - Resmungou o soldado fazendo uma careta.

— Dos que estão na cidade nesse momento, quais deles estão limpos? - Perguntou o capitão soltando um suspiro.

— Esse é o problema, muitos juízes foram viajar e dos quatro que estão limpos, nenhum está na cidade. Mas o Hottcher chega amanhã, pelo que consegui descobrir no gabinete dele. - Resmungou o homem.

Arthur olhou ao redor em silêncio e percebeu que algo estava acontecendo perto da fonte na praça central. Sinalizou para Carter e começaram a caminhar naquela direção, uma pequena multidão começava a se formar ao redor, muitos murmúrios e cochichos eram ouvidos pelos dois. Não demorou muito para que Arthur pudesse ver Albert parado dentro da fonte.

Ele parecia ter envelhecido muito em poucas semanas e aquilo sim era um pouco assustador. Os cabelos negros característicos dos Deverpolt estavam maiores e emaranhados, em seu rosto olheiras profundas se instalaram abaixo dos olhos. Assim como uma barba bagunçada que com certeza não conversava com uma gilete há algum tempo. Estava mais magro e com roupas amassadas, aquilo havia chamado a atenção das pessoas não era atoa. Afinal, ele ainda era o Vice-Prefeito da cidade.

— Devem estar se perguntando o por que estou aqui não é? - Uma risada amarga escapou dos lábios de Albert.

O olhar do homem parecia totalmente perdido e Arthur teve certeza de que ele não estava em um estado mental confiável. Depois dessa constatação fez sinal para alguns de seus homens que observavam a cena, lentamente eles começaram a se aproximar da fonte com cautela.

— Ela disse que eu só encontraria a paz e o perdão quando confessasse os meus crimes. Eu realmente já não aguento mais isso, isso não é vida. - Ele não parecia estar falando aquilo para ninguém em especial.

Fletcher já estava a poucos metros da fonte e não demorou para o olhar de Albert encontrar o seu. O homem lhe deu um fraco sorriso repleto de tristeza e aquilo o deixou ainda mais confuso diante daquela situação.

— Quando Travis pediu para que eu traísse o meu povo, tudo que eu queria era poder e a mulher que eu amava. Achei que se eu tivesse poder ela me amaria, mas ela não era assim, ela era melhor que isso. E eu deixei que ele a matasse, ela não merecia isso. - Albert continuou falando parecendo perdido em suas memórias. - Eu ajudei Travis a armar contra os Deverpolt, foi tão fácil usar o medo e a ignorância de vocês. Ainda ficamos com boa parte da fortuna deles e boa parte dos impostos dos últimos anos.

Quando o homem disse aquilo um tumulto começou envolvendo os moradores da cidade, que queriam chegar até ele. Rapidamente Fletcher ergueu seus dedos e em um movimento rápido seus homens se posicionaram.

Rapidamente seus homens cercaram a fonte impedindo que os civis chegassem até Albert, não queria um linchamento público. Ele pagaria por todos os seus crimes, com a confissão pública e aqueles documentos, não seria difícil derrubá-los dessa vez. O combustível havia sido lançado e o fogo da raiva se alastrava rapidamente entre os habitantes de Borthen.

— Eu cansei de tudo isso, nunca consegui ser feliz com esse dinheiro. Dinheiro que veio sujo com o sangue do meu povo, da minha amada e é por isso que eu não quero mais. Travis sempre roubou vocês, a miséria nos níveis inferiores é culpa nossa. Afinal, ninguém liga realmente para os pobres, que diferença faria para eles terem boas escolas ou hospitais? Foi isso que ele me disse uma vez e é verdade, a maioria é hipócrita e não se importa se tem alguém passando fome ou frio. - Os gritos da multidão em fúria continuavam, mas ele parecia não se importar. - Mas alguns de vocês são tão ruins quanto eu e ele sabiam? Vocês expulsaram o meu povo daqui como cães sarnentos acreditando nas mentiras que inventamos. E esqueceram tudo o que Os Deverpolt já haviam feito por essa cidade, toda a ajuda que eles deram.

Um silêncio sepulcral se instalou naquele momento, muitos encaravam Albert com os olhos arregalados e pareciam refletir sobre as palavras dele. Arthur se lembra bem dessa época, havia acabado de se alistar e não concordava nem um pouco com aquilo. Afinal, por conta daquilo havia perdido seu melhor amigo e não fazia ideia se ele ainda estaria vivo.

— Eu sei que não mereço o perdão deles e nem o de ninguém, não espero que alguém o faça. Mas eu cansei de toda a mentira e de toda a maldade, eu já entreguei a polícia uma pasta de documentos que será bem útil e uma confissão escrita por mim, datada e assinada. Sei que Travis comprou muitas pessoas nessa cidade, mas o Capitão é alguém que ele nunca teve nos bolsos e por isso sei que a justiça vai ser feita. - Disse Albert.

Naquele instante, Fletcher desviou o olhar da multidão e olhou Albert por cima de seu ombro direito. O homem o encarou com um sorriso aliviado e isso deixou o capitão confuso. Albert havia entregado a pasta com as provas, então provavelmente eram todas verdadeiras e ficou admirado por Albert ter sido inteligente o suficiente para reunir provas de suas falcatruas com Travis.

— Tudo o que eu tinha que fazer aqui, eu já fiz. - E dizendo aquilo Albert fez algo que surpreendeu a todos.

Fletcher não teve tempo de reagir e tudo que pode fazer foi observar a cena que se desenrolava em sua frente como se fosse em câmera lenta. Ele observou Albert retirar uma adaga de suas roupas, Fletcher deu alguns passos para tentar se aproximar. Mas o homem foi mais rápido e deslizou a adaga afiada pela própria garganta. Os gritos de horror preencheram o ambiente e tudo que Fletcher pôde fazer foi observar o corpo cair com um baque dentro da fonte e logo a água cristalina adquiriu um tom carmesim.

— Proteja aquela pasta de qualquer forma, leve para a resistência se preciso. - Sussurrou Fletcher para Carter.

Eles sabiam que Travis poderia conseguir que alguém roubasse aquelas provas e sabia que aquele crápula não mediria esforços para isso. Carter assentiu e logo sumiu em meio a multidão, agora Fletcher tinha uma enorme bagunça para arrumar. Soltando um longo suspiro ele observou o corpo sem vida de Albert e alguns segundos depois começou a gritar ordens para seus homens.

 

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Podia sentir a claridade batendo em seu rosto e se amaldiçoou por ter esquecido as cortinas abertas, não tinha a menor ideia de que horas eram naquele momento.

Ao se remexer na cama percebeu que não estava sozinha e se lembrou de tudo que havia acontecido na noite anterior. Desde o desespero até o prazer, um pequeno sorriso se formou em seus lábios e ela se aconchegou ainda mais naqueles braços.

— Parece que alguém acordou de bom humor. - Ouviu a voz rouca de Sebastian e lentamente abriu os olhos admirando a imagem à sua frente.

— Na verdade, costumo acordar irritada. Mas acho que hoje é uma exceção. - Luna soltou uma pequena risada e ergueu sua mão até a face do mesmo fazendo uma leve carícia.

Os dois se encararam em silêncio aproveitando aquela paz momentânea, já sabiam que aquilo não duraria muito. Os braços de Sebastian se estreitaram ainda mais ao redor do corpo da jovem, a trazendo para mais perto de si. Não demorou para que ela sentisse os lábios sendo depositados em sua testa com um beijo terno, ela soltou um suspiro de satisfação e se aconchegou ainda mais entre os braços dele, enquanto tentava conter o sorriso bobo que se formava em seus lábios.

Não sabiam ao certo por quanto tempo ficaram ali abraçados naquela cama trocando pequenas carícias. Mas a invasão seria no dia seguinte e eles precisavam resolver muitas coisas antes disso. Como o futuro era incerto quando se falava de guerra, os dois queriam aproveitar ao máximo a companhia um do outro.

— Luna! Luuna! Sebastian! Eu sei que vocês estão aí. Eu não queria interromper o casal, mas o circo ta pegando fogo. - A voz de Luce chegou até eles abafada por conta da porta, mas nítida o suficiente para que eles identificassem suas palavras, já que ela basicamente estava gritando e socando a porta.

Soltando resmungos de insatisfação, Luna se levantou e foi direto para o banheiro sem se importar com sua nudez. Enquanto caminhava sentia um pouco de desconforto e uma pequena ardência em suas costas, escutou um riso abafado vindo de Sebastian, mas não se importou muito.

Ao chegar ao banheiro virou suas costas para o espelho e descobriu o motivo da ardência, haviam algumas marcas de arranhões e até mesmo mordidas espalhadas pela pele clara. Não eram nada além de algumas marcas avermelhadas e não era realmente uma surpresa. Havia se surpreendido com Sebastian na noite anterior, ela pode confirmar que os quietinhos eram realmente os piores.

Quando finalmente voltou para o quarto devidamente vestida, observou Luce e Sebastian sentado nas poltronas, enquanto Abi parecia arrumar uma mesa de café da manhã na sacada.

— O que aconteceu? - Questionou enquanto passava a toalha pelos fios negros.

Luce a encarou com um sorriso sínico nos lábios enquanto erguia a sobrancelha de forma questionadora. Luna somente revirou os olhos e decidiu ignorar a expressão da amiga que claramente dizia "Eu sei o que vocês fizeram no verão passado", nesse caso na noite passada.

— Aparentemente, Albert está morto. - A voz de Sebastian atraiu a atenção de Luna naquele momento. - Ele se matou na fonte da praça central.

Luna observou os dois irmãos e percebeu que o clima descontraído havia ido embora, um silêncio se instaurou no quarto naquele momento, o único som que se podia ouvir eram os dos talheres sendo arrumados por Abi.

— Hm. - Foi a única coisa que Luna disse enquanto se sentava em sua penteadeira e começava a se arrumar.

Luna podia sentir um olhar queimando em suas costas e não precisava se virar para saber a quem pertenciam aqueles olhos. Se ele esperava ver qualquer sinal de arrependimento ou culpa vindo de Luna, Sebastian teria mais uma decepção.

— Maaaas antes de morrer o crápula fez uma boa ação para o universo. Entregou uma pasta repleta de documentos e provas de corrupção, assassinato e desvio de verbas públicas. Com uma grande lista de nomes de brinde. - Disse Luce de forma empolgada.

Ao ouvir isso Luna se virou para os dois enquanto deslizava a escova por seus cabelos e deu um sorriso contido, mas um tanto perverso.

— Quem diria que ao menos no final da vida ele ia servir para alguma coisa. - Luna viu sua amiga concordar com um pequeno sorriso, enquanto Sebastian a fitava em silêncio. - Se está querendo que eu me desculpe por levá-lo à loucura ou mostre algum arrependimento, está perdendo seu tempo Sebastian.

A jovem pronunciou aquelas palavras encarando as orbes azuladas sem vacilar. Ele já sabia a verdade e ela não fingiria um sentimento que não estava sentindo. Albert tinha uma boa parcela de culpa em toda a desgraça que se abateu sobre sua família.

Ele era membro do clã Deverpolt, "melhor amigo" de seus pais e no final das contas a inveja e a ganância falaram mais alto, mas só quem havia sofrido com aquilo era o seu povo.

— Eu sei, eu entendo o porque fez isso. E por mais que eu prefira usar outros métodos, não vou julgar você por isso. Já temos coisas demais em nossas vidas para brigarmos por alguém que não merece a minha pena. - Respondeu o loiro depois de algum tempo. - Será que isso vai trazer algum problema para a invasão ?

— Venham comer. - Disse Abi com um sorriso animado parada na porta que levava a sacada.

Não demorou muito para os três se levantarem e se juntarem à jovem. Os quatro se sentaram a mesa ainda pensativos enquanto começavam a comer. Luna e Luce já não viam Abi como uma serva a bastante tempo e sempre que tinham alguma paz, as três sentavam naquela mesa para desfrutar de uma boa conversa enquanto comiam alguma coisa.

— Não vai atrapalhar a invasão, na verdade vai ajudar. O povo provavelmente está enlouquecendo com as informações e Travis agora terá que lidar com eles. Ou seja, não terá tempo para investigar nada sobre a resistência. - Luna não pode deixar de sorrir enquanto levava a xícara de café quente até os lábios. - Com isso, quando a invasão começar ele vai estar preocupado em conter o caos dos habitantes e não verá a resistência chegando até que estejam em sua porta.

Por cima da xícara ela observou os três que estavam à sua frente, Abi parecia perdida nos próprios pensamentos e suspirava em alguns momentos sem nem mesmo perceber. Já Luce e Sebastian pareciam estar absorvendo o que a jovem havia acabado de dizer. Enquanto os quatro compartilhavam um café da manhã tranquilo, ela sabia que a cidade deveria estar um pandemônio e só queria poder ver a cara de Travis diante disso tudo.

— Parece que a cidade utópica do papai vai ruir. - Disse Luce soltando uma pequena risada recheada com deboche e sarcasmo.

— Utópica? - Abi ficou confusa, parecia que só agora estava realmente prestando atenção na conversa.

— Sim, sempre que viajavamos ou que algum representante de outra cidade vinha nos visitar, Travis falava de Borthen de uma forma que esse lugar parecia uma verdadeira utopia. Quando na verdade é o inferno de quem não lambe o chão que ele pisa. - Respondeu a loira dando de ombros, enquanto acrescentava alguns frios ao pão.

Abigail pareceu entender o que Luce quis dizer com aquilo e maneou a cabeça em concordância. Eles continuaram o café da manhã de forma tranquila enquanto elaboravam alguns planos para os próximos dias.

Um barulho no canto da sacada chamou a atenção de alguns deles, mas Luna nem se deu o trabalho de olhar, já que sabia exatamente quem era a pessoa que pulava em sua sacada naquele momento.

— Você não sabe usar a porta? - Perguntou Abigail visivelmente irritada, a pele pálida havia adquirido uma coloração rosada, enquanto os olhos pareciam duas adagas afiadas.

— E correr o risco de alguém me ver entrando no quarto da senhorita Luna e contar ao Travis? Não, mas obrigada pela preocupação pequena demônia. - Disse Pablo com a voz repleta de sarcasmo.

Luna já havia percebido a presença do rapaz enquanto ele se esgueirava para chegar até eles, mas não achou necessário revelar isso aos outros. Mas quando aquele diálogo estranho começou entre os dois, ela estava prestes a levar um pedaço de torrada à boca. Ela encarou Abi e em seguida se virou para fitar Pablo.

A expressão no rosto do rapaz era sarcástica e tinha um sorriso provocativo em seus lábios, um que ela conhecia bem. Luna nunca havia entendido muitas coisas da cultura de Pablo, mas aparentemente quando um garoto implicava muito com uma garota no país dele, isso significava que ele tinha certo interesse nela. Ao menos isso que Fernanda tinha lhe contado quando era adolescente e questionou o porquê Pablo a infernizava tanto.

O semblante da morena se iluminou diante do entendimento daquela situação e ela simplesmente caiu na gargalhada, deixando todos na mesa confusos.

— Bateu a cabeça ontem a noite? - Questionou Pablo franzindo as sobrancelhas.

— Como eu não percebi isso antes? - Disse Luna enquanto tentava conter o riso. - Todas aquelas alfinetadas gratuitas, discussões e implicância. Estava tão concentrada com meus problemas que não tinha reparado nos pombinhos.

Pablo imediatamente fechou a cara entendendo o que Luna queria dizer com aquilo. Sebastian e Luce ainda pareciam confusos em relação ao que estava acontecendo. Já Abi se mantinha em silêncio enquanto observava Pablo e Luna se encararem.

— Você é mesmo um idiota, eu já te disse implicar com uma garota para "demonstrar" o seu interesse por ela não funciona. É idiota, infantil e desperta a agressividade de uma mulher. - Ela revirou os olhos e depois voltou a encarar Abi com um sorriso em seus lábios.

Sebastian e Luce pareciam entender o que estava acontecendo naquele momento. O rapaz soltou uma pequena risada, enquanto Luce olhava de Abi para Pablo visivelmente chocada.

— Não tem interesse nenhum, Luna! É só raiva e falta de paciência. - Exclamou Abi enquanto encarava o próprio prato. O rosto havia adquirido um tom avermelhado ainda mais intenso.

— Não foi isso que pareceu ontem a noite, pequena demônia. - Disse Pablo enquanto se aproximava e se sentava na cadeira que estava entre Luce e Luna.

— Você! - Vociferou Abi enquanto apontava uma faca de manteiga para ele.

— Chega! Não quero saber o que aconteceu ontem a noite, se resolvam no quarto. Você não escalou a sacada no meio do dia para ficar discutindo com a namorada, fale. - Luna disse aquilo enquanto tentava conter o próprio riso.

Ela sabia que Pablo estava interessado em alguém, eles se conheciam a tempo suficiente para perceber cada mudança um no outro. Ela só não imaginava que fosse sua amiga e ao que parecia sua doce Abigail não era tão doce assim, não quando se tratava do brasileiro. Já que a mesma encarava ele com um olhar assassino.

— Certo! Já deve estar sabendo sobre Albert, né? - Questionou o moreno e continuou assim que Luna afirmou com a cabeça. - A cidade está um verdadeiro caos pelo show que ele deu na fonte e com isso Travis está ocupado demais para se preocupar com qualquer outra coisa que não seja acalmar a fúria do povo.

— Me diga algo que não seja óbvio e que eu já não saiba. - Respondeu ela com impaciência enquanto dava outro gole em seu café.

— Podemos aproveitar esse caos para queimar a plantação de wolfsbane dele. Ao mesmo tempo, podemos colocar alguns dos nossos para dentro da cidade, segundo Fletcher. - Assim que Pablo terminou de falar ele pegou uma torrada que estava no prato de Luna e levou aos lábios.

— Acho arriscado colocar alguém para dentro agora, como eles passariam pelos guardas dos portões? - Questionou Sebastian e Luna balançou a cabeça em concordância. Já que estava pensando exatamente a mesma coisa.

— Não ouviram a parte que a cidade está um caos? Fletcher teve que remanejar vários soldados para pontos onde os habitantes da cidade estão fazendo protestos e criando confusão. Com isso, todo o esquema de guarda foi modificado e os guardas da entrada dos próximos dias são todos da resistência. - Concluiu Pablo.

— Poderia ter começado por aí em vez de fazer rodeios sem sentidos. - Luna revirou os olhos e continuou. - Só podemos fazer isso se ele garantir que vão passar pelos portões em segurança e ainda tem o problema de onde vamos escondê-los até a invasão. Não vou arriscar a vida do meu povo de forma desnecessária.

— Ele disse que vai supervisionar isso pessoalmente e que podemos colocar nosso pessoal na casa dele, tem espaço e ninguém vai tentar inspecionar a casa do capitão da guarda em busca de rebeldes. - Pablo já havia começado a atacar a comida na mesa enquanto conversavam.

— Faz sentido o que ele disse e realmente há espaço para esconder algumas pessoas lá. Isso vai tornar a invasão mais prática e rápida. - Disse Sebastian.

Luna soltou um suspiro e encarou o tampo da mesa com um olhar vago. Estava medindo os prós e os contras desse plano, poderia ser bem vantajoso para eles terem um grupo maior de pessoas dentro dos muros no início da invasão. Mas se fosse descoberto antes do tempo, vidas seriam perdidas e a invasão estaria em risco.

— Na verdade, eu só vim comunicar isso, Nikollay já decidiu isso e o grupo foi escolhido. Mark e a garota dos O'Connor vão vir junto com esse grupo. - As orbes de Luna se viraram para Pablo com um frio gélido emanando delas. - Eu sou só o mensageiro, não mate o mensageiro. Mark se ofereceu para vir porque ele e Bruce não confiam no seu pai, ele disse que está vindo para garantir que ninguém vá matar o seu principezinho na primeira oportunidade.

Ao ouvir essas palavras Luna ficou visivelmente tensa, sua mandíbula tencionou de imediato e ela começou a apertar o objeto que estava em sua mão. Ela não conseguia acreditar no nível de insanidade em que seu pai se encontrava, aparentemente o ódio e a vingança eram mais importantes que os sentimentos de sua própria filha, que ele ironicamente dizia amar.

Sentiu um toque suave em sua mão e desviou o olhar para a mesma. O que estava em sua mão era um garfo, que se encontrava totalmente envergado. Uma mão estava sobre a sua fazendo pequenos movimentos circulares sobre sua pele, soltando um suspiro irritado ela largou o garfo, que caiu amassado sobre a mesa.

— Me desculpe. - Ela murmurou enquanto erguia o seu olhar para Sebastian.

— Temos outros garfos, não precisa se preocupar com isso. - Disse Sebastian em um tom descontraído. Luna o fitou com a sobrancelha arqueada. - Tudo bem, não é culpa sua.

Todos estavam em silêncio enquanto absorviam aquelas informações. Luna sabia que seria difícil para o seu pai aceitar seu relacionamento, mas nunca pensou que seu pai fosse ao extremo, pelo visto estava enganada.

— Bruce iniciou a constelação. - Disse Pablo depois que o silêncio começou a incomodá-lo. - Mas acho que talvez ele tenha se precipitado.

Luna desviou seu olhar do de Sebastian e encarou o amigo com seriedade. Apesar de criar o protocolo de constelação, preferia não ter que usá-lo enquanto vivesse.

— Eu sou a impulsiva Pablo, se Bruce deu início a isso. Ele deve ter os seus motivos. - Luna soltou um suspiro e levou sua mão aos fios negros os prendendo entre seus dedos enquanto abaixava a cabeça.

— Hmm... E o que seria isso? - Perguntou Abigail sem conseguir conter sua curiosidade.

— Um plano muito bem elaborado e extremamente arriscado, já que um único erro vai fazer com que todos nós sejamos mortos. - Disse Pablo com um tom entediado.

Abigail congelou por um instante, Luna não sabia se era pelo medo da morte ou pelo fato de continuar confusa, já que as palavras de Pablo eram vagas.

— É um motim, vamos iniciar um motim. Apesar de criar esse plano eu realmente esperava não utilizá-lo. - Disse Luna soltando um suspiro cansado.

— Não teria outra forma? - Perguntou Luce um pouco receosa.

Pablo e Luna se encararam em silêncio por alguns instantes como se conversassem pelos olhares. Depois de um tempo eles encararam os outros três e balançaram a cabeça de forma negativa.

— Nikollay perdeu a razão, não vou esperar que ele mate Sebastian ou qualquer outro inocente. Até mesmo você e sua mãe podem estar em perigo se ele achar que são uma ameaça. - A morena explicou encarando os demais. - Se esperarmos pode ser tarde demais e eu não vou arriscar a segurança de ninguém.

Pablo soltou uma risada debochada e isso chamou a atenção dos outros três. Luna se manteve imóvel olhando fixamente para um ponto aleatório.

— De ninguém exceto a sua não é mesmo? - Um sorriso sínico estava nos lábios do rapaz.

— Pablo! - Exclamou Luna em tom de aviso.

— Eles precisam saber, Luna. Afinal, o principezinho estava querendo entrar na luta em vez de seguir o plano. - Reclamou Pablo.

Ela não queria contar os detalhes da constelação para os outros, não é como se eles pudessem realmente ajudar e só ficariam mais preocupados. Luna se virou para Pablo visivelmente irritada, o ar ao redor deles ondulou naquele momento e o corpo de Pablo estremeceu.

A jovem não havia se movido um centímetro sequer, mas ondas de poder começaram a se desprender de seu corpo. Claro, que eram invisíveis aos olhos humanos, mas Pablo podia sentir em sua pele.

Começou como um leve formigamento, mas conforme ela o encarava um pequeno incômodo começou a se espalhar pelo corpo do rapaz e ele arfou. Mas Pablo resolveu sustentar o olhar de Luna, por mais que soubesse a dor que sentiria.

Pablo continuou por um tempo encarando-a com o semblante impassível, mas em poucos segundos seu corpo se curvou para frente e um gemido de dor escapou de seus lábios.

— Pablo! - Abi exclamou assustada enquanto se levantava para se aproximar de Pablo.

— Não venha! Pode ser... perigoso. - Exclamou o rapaz enquanto tentava controlar a respiração ofegante.

Pablo arrastou a cadeira para trás e se afastou da mesa, mas ainda tentava sustentar o contato visual com Luna. A jovem estava exatamente da mesma forma, sentada de forma ereta encarando o rapaz com frieza.

— Eu... sei que... não quer isso. Mas eles preci... precisam saber. - As palavras saiam de forma ofegante, como se precisasse se esforçar muito para pronunciá-las. - É a única... forma deles ... não colocarem tudo a perder.

Pablo não conseguia mais manter o contato visual, em algum momento enquanto falava ele abaixou sua cabeça. Mesmo assim continuou se forçando a falar, todos olhavam a cena sem entender o que estava acontecendo.

Luna não havia se mexido e Pablo parecia estar em agonia enquanto se esforçava para falar. Quando a última palavra saiu de seus lábios, uma onda mais forte invadiu o corpo do rapaz e ele caiu de joelhos no piso de mármore enquanto reprimia um gemido de dor.

— Pablo! O que está acontecendo? - Exclamou Abigail assustada, ela não se conteve e correu até o rapaz caindo de joelhos na frente deles.

Ela delicadamente colocou as mãos trêmulas no rosto dele e o segurou. Pablo se assustou com aquele toque e um pequeno rosnado saiu de seus lábios, mas quando ele ergueu o olhar na direção de Abi sua expressão suavizou.

— Luna... está assustando... ela. - A voz de Pablo era quase um sussurro suplicante.

— Sabe o que fazer para que a dor pare. Sabe as consequências de suas atitudes. - Respondeu a morena em um tom gélido.

O rapaz encarou o rosto de Abi assustado e percebeu que pequenas lágrimas se formavam no canto dos olhos da menina, ele ergueu uma mão trêmula e enxugou uma lágrima que escorreu pela pele alva. Deu um fraco sorriso e a afastou delicadamente.

Com certa dificuldade ele se colocou apoiado em seu joelho direito, para logo em seguida se curvar na direção de Luna, colocou a mão direita fechada em punho sobre seu coração.

— Me desculpe, Beta. Eu estava errado, não deveria desobedecer suas ordens. - Ele disse cada palavra entre os dentes, por mais que não quisesse ceder seu corpo não suportaria aquilo por muito tempo e ainda tinha Abigail, não gostava de vê-la tão assustada.

— Que bom que você sabe. - Foi a única coisa que Luna disse antes de desviar o olhar.

Pablo soltou um suspiro de alívio assim que a dor desapareceu e caiu sentado no chão. Ele observou Luna pegar uma torrada, passar um pouco de geleia e levá-la aos lábios, não pode evitar bufar diante daquela situação.

— Que diabos aconteceu aqui? - Perguntou Luce com os olhos arregalados.

Durante todo aquele tempo os dois irmãos ficaram em silêncio sem saber o que fazer ou falar, eles só intercalavam seus olhares entre Luna e Pablo. Pablo sentiu um afago suave em suas costas e quando olhou por cima de seu ombro viu Abigail com um semblante assustado enquanto acariciava suas costas. Ele lhe deu um pequeno sorriso para mostrar que estava tudo bem.

— Coisa de lobos. - Respondeu Luna dando de ombros enquanto mordia mais um pedaço da torrada.

— Isso explica muita coisa, obrigada Luna. - Disse Luce de forma debochada.

A morena soltou uma pequena risada e deu ombros enquanto encarava os irmãos. Sebastian estava calado observando a jovem, essa não tinha certeza do que se passava na mente dele.

— Bom, se vocês realmente querem andar com os lobos a algumas coisas que precisam entender. - Disse Pablo enquanto se levantava, logo estendeu suas mãos para Abi para ajudá-la a se levantar. - Posso explicar?

A loira delicadamente pousou suas mãos sobre a dele e permitiu ser ajudada, ela ainda parecia confusa e assustada. Pablo a colocou sentada na cadeira que ele estava ocupando antes e ficou em pé ao lado dela.

— Hm. - Foi a única coisa que Luna respondeu.

— Já comentamos sobre a hierarquia de Alfa e Beta, certo? Luna é naturalmente uma Alfa, ela já nasceu assim, enquanto outros só se tornam Alfas se ganharem o lunam proelium. - Ele percebeu que os três estavam focados em suas palavras. - A hierarquia é algo que está em nossa natureza. Tecnicamente, não podemos desobedecer as ordens de nossas alfas ou betas, o que vocês viram é o que acontece quando desobedecemos ou enfrentamos alguém superior na hierarquia.

— Você tem sorte de ser meu amigo. Mas eu não continuaria abusando da sorte, não é a primeira vez e espero que seja a última. - Disse Luna em um tom calmo, mas Pablo sabia que estava falando muito sério.

— Então foi você que o machucou? - Perguntou Abi em um tom exasperado.

Luna a encarou com a sobrancelha erguida e depois fitou Pablo que naquele momento olhava para Abi com um sorriso nos lábios e um certo brilho no olhar.

— Pequena demônia, não se preocupe, eu estou bem e a culpa foi minha e não dela. - Disse Pablo em um tom animado. - Eu sabia que se eu a desafiasse isso aconteceria e por conta de sua natureza dominante, a Luna não consegue e nem pode permitir esse tipo de insubordinação, ela ainda bem pegou leve comigo. Acredite, o poder da submissão pode até matar um lobo de tanta dor se ele não for forte o suficiente.

Todos ficaram em silêncio e encaravam Luna, ela sabia que para eles era algo estranho e talvez até errado. Mas para os lobos aquilo era tão natural quanto respirar e para alguém com o seu nível na hierarquia, aquele tipo de comportamento mexia com seus instintos mais primitivos.

— Se querem conviver com lobos vão precisar se acostumar com isso, afinal ainda temos um lado animal. Para nós o nosso lobo é sagrado e ambos os lados devem andar em harmonia. - Disse Luna de forma calma. - E eu te disse que se fazer de jovem indefeso daria mais certo do que ficar implicando.

O silêncio foi quebrado pela risada escandalosa de Luce assim que ela entendeu a última frase, Sebastian apertava seus lábios tentando reprimir uma risada. O rosto de Abi estava totalmente vermelho e ela olhava para as próprias mãos envergonhada.

— Deixe Abigail em paz Luna, por favor. - Pablo tentava conter o sorriso bobo que insistia em se formar em seus lábios.

O clima pesado havia amenizado diante das brincadeiras, mas não demorou para Sebastian encarar Luna sério. Ele tomou as mãos dela entre as suas e ela o fitou se perdendo naquele mar azul.

— Luna, o que é a constelação? - Luna se remexeu desconfortável e desviou o olhar. - Por favor, eu preciso saber.

— Foi um plano que eu e meus irmãos fizemos quando notamos que Nikollay estava perdendo a sanidade por conta de sua obsessão. - Ela soltou um suspiro e entrelaçou seus dedos nos de Sebastian. - Basicamente, consiste em tomar a liderança do clã. Muitos dos que estão na floresta só querem viver em paz e ter uma vida tranquila, são totalmente contra a vingança e a favor da justiça. Então temos duas opções: desertar e formar nosso próprio clã ou um lunam proelium.

Todos encaravam Luna enquanto ela explicava, mas ela estava olhando para um ponto aleatório onde não pudesse encarar aqueles rostos. Depois de um tempo ela fitou Sebastian e disse.

— Por causa da invasão desertar não é uma opção, então só resta tomar a liderança do clã. - Ela observou as orbes azuladas se arregalaram em sua direção ao entender o peso daquelas palavras. - A única pessoa que tem alguma chance de derrotar Nikollay em um duelo sou eu.

— E é por isso que vocês precisam seguir o plano arrisca. Se ela tiver que desafiá-lo durante a invasão, não vai poder perder tempo se preocupando com vocês. Ela é mais forte fisicamente, mas ele é bem mais experiente. Um movimento em falso e ela morre. - Um silêncio cortante se estendeu enquanto Pablo falava. - Sebastian, se você estiver perto dela durante a luta, ela não vai conseguir se concentrar e se Nikollay te ver vai usá-lo para obrigar Luna a parar. Se Luna se render você morre de qualquer forma e ela também.

— Ele mataria a própria filha? - Perguntou Sebastian espantado.

— Lembra da hierarquia? Não tem nada pior para um alfa do que ser desafiado para um lunam proelium. Sempre tem dois resultados morte ou banimento, se ela se render vai ser banida. - Explicou Pablo. - Mas nesse caso especificamente, perder significa que ao menos um de vocês vai morrer.

— Ninguém vai morrer, Pablo. Eu não vou permitir que isso aconteça. - Disse Luna de maneira tranquila.

Sebastian apertou a mão de Luna entre as suas e a fitou preocupado. Já a jovem tinha uma expressão serena em sua face, ela sabia dos riscos. Ela não tinha medo da morte, preferia morrer lutando pelo que achava certo a viver como uma covarde.


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Notas finais do capítulo

Demorei, mas voltei!

Gente, peço mil desculpas por desaparecer. Mas aconteceram uma série de coisas, o importante é que voltei!

Ainda não tenho data certa para as postagens, mas conforme eu for escrevendo eu já vou postando.

Meu muito obrigada a todos vocês, agradeço mesmo a paciência que tiveram e por não terem desistido de Utópico e de mim.



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