Operação Jardim Secreto escrita por Lura


Capítulo 15
Ceifeiro


Notas iniciais do capítulo

Para quem gosta de ler ouvindo música, fica a sugestão daquela que eu cogitei adicionar no capítulo: Ever After - Marianas Trench. Eu senti que ela combina com esse clima distorcido de “Era uma vez” história.

Espero que gostem.



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Marinette observou, preocupada, o vilão perscrutar o pátio da escola e, em seguida, o cenário onde estavam, de forma lenta, quase desdenhosa.

E embora seu instinto, assim como o das pessoas ao seu redor, indicasse que deveria correr, todos permaneceram congelados, já que as raízes suspensas exibiam o quanto do local havia sido tomado. Era quase impossível se mover sem esbarrar em qualquer uma delas.

— Vejo que vocês construíram seu próprio jardim. - A voz trovejante do akumatizado ecoou, os olhos amarelados fixados nas flores de origami. - Estou cultivando um melhor, entretanto. - Anunciou.

Aproveitando-se do discurso, a mestiça olhou de soslaio para a cortina negra que cercava o cenário. Se ao menos pudesse chegar até ela…

Resoluta, ensaiou alguns passos para trás, de forma cautelosa.

— Nesse momento, lhes dou uma escolha. - O vilão continuou, satisfeito demais com sua audiência colaborativa para reparar na jovem sino-franca. - Vocês podem fazer parte dos meus planos como plantas do meu jardim, ou - fez uma pausa dramática - podem me entregar Chloé Bourgeois, e apenas desfrutá-lo. - Propôs.

— O quê? - A filha do prefeito, que ainda se encontrava em no posto de sua personagem, gritou, a voz aguda e afetada.

— Fala sério, de novo? - A indignação de Marinette era tanta que ela até se esquecera que deveria passar despercebida, fazendo com que seu plano de sair discretamente fosse por água abaixo. - Por que eu não estou surpresa? - Acrescentou e, embora estivesse frustrada com a própria estupidez, seu tom exalava desânimo mais que qualquer outro sentimento.

— Meta-se com seus negócios! - A loira rebateu, fitando com ira a jovem sino-franca, que não se deixou abalar. Não quando precisava se preocupar com a figura assustadora que flutuava logo acima.

— E então? - Insistiu o vilão, cortando a pequena discussão.

— Por mim, pode levar. - Alix, ainda irritada com a armação do dia anterior, opinou.

— Alix! - Em conjunto, Srta. Bustier e Marinette repreenderam a patinadora.

— O quê? A Ladybug salva ela depois. - Defendeu-se.

Um pigarrear, vindo de cima, calou o pequeno debate antes que se fomentasse. Aparentemente, a figura consideravelmente assustadora, não estava satisfeita com a casualidade com que aquelas pessoas estavam agindo. Mas ela não iria deixar por isso mesmo. Ah, não.

— Vejo que vocês não estão me tratando com a devida seriedade. - Observou, a voz imponente. - Uma pena. - Lamentou falsamente, fazendo um movimento circular com a sua foice, após o qual, as raízes reiniciaram seu ataque impiedoso.

Novamente, o caos instalou-se no cenário, sendo, provavelmente, refletido no pátio principal, vez que gritos emanavam de todos as direções.

E como se fossem alimentados pelo pânico, os inúmeros ramos continuavam se projetando em direção às vítimas, sendo que, aqueles que não conseguiam correr, eram suspensos, arrastados e sacudidos, até serem transformados nas árvores medonhas.

Marinette esgueirou-se pela parede do cenário, procurando a falha no tecido por onde havia entrado em cena, clamando em silêncio para que não fosse arrebatada por nenhuma das raízes. Já tinha problema de propularidade o suficiente para que ainda tivesse que se transformar na frente de todos.

Estranhamente, sua tática parecia estar funcionando, vez que os ramos se concentravam em perseguir aqueles que corriam ou se debatiam.

Interessante.

Sacudindo a cabeça, a mestiça afastou suas divagações. Não era hora para aquilo. Concentrando-se em alisar o pano negro, quase gritou de contentamento ao encontrar a abertura, tendo tempo, antes de se apressar em atravessar, de observar, com pesar, alguns de seus colegas de classe lutando contra as estranhas plantas, que mais pareciam serpentes.

Alya e Nino, de mãos unidas, tinham sido tomados até a altura de suas coxas.

Chloé, embora fosse o alvo, corria de forma impressionante, apesar dos saltos e do volumoso vestido, até que, em um passo em falso, tropeçasse na barra da saia, sendo de imediato contida por um número absurdo de cipós, enquanto guinchava de dor.

Adrien estava fora de vista.

Temendo que maiores observações interferissem em seu dever, a mestiça correu, confinando-se na proteção de um armário de materiais de limpeza no exato instante em que as raízes chicotearam na porta de madeira atrás de si.

Com tempo apenas para um suspiro, Marinette entreabriu a capa negra, de onde Tikki saiu, os pequenos olhos índigos arregalados.

— Sem tempo para conversa! - Alertou a portadora, recebendo apenas um aceno positivo da Kwami em resposta.

Segundos depois, Ladybug emergiu daquele mesmo armário, precipitando-se em prender o ioiô em um dos recortes de concreto do telhado para se lançar para cima, desequilibrando em sua aterrissagem ao ter a sua visão bloqueada pelas mexas de seu cabelo que voaram para frente, com o movimento.

Praguejando internamente, cuspiu alguns fios que tinham se agarrado em seus lábios e ajeitou as madeixas negras para trás. Não havia hora mais inoportuna para descobrir que sua transformação acompanharia o penteado que estivesse usando no momento. Para piorar, ela obviamente não tinha como conseguir um elástico naquele momento e seus cabelos mal tocavam os ombros, de modo que era impossível ajeitá-los em trança ou coque. Isso poderia ser um verdadeiro incômodo, já que há muito se desacostumara a ficar com os cabelos soltos. Um problema trivial que poderia afetar seu desempenho. Fantástico.

Tentando concentrar a sua mente nos problemas realmente importantes, a portadora do Miraculous da Criação caminhou pelas frágeis telhas até alcançar a beirada, não podendo evitar de deixar seu queixo cair, ao avaliar a situação ao redor, já que o cenário em que estava, quando o ataque começou, impedia que ela enxergasse algo além das cortinas negras.

Como se não fosse assustador o bastante o fato do colégio - e de todas as construções até onde podia enxergar - estar dominado, do chão as paredes, por raízes que mais pareciam cobras furiosas, ainda havia mais com o que se preocupar: as ruas de Paris estavam completamente tomadas por árvores e plantas de todos os tipos, o crescimento e o tamanho que haviam alcançado desafiava toda a lógica.

Não muito longe, era possível ver a Torre Eiffel tendo sua estrutura metálica, pouco a pouco, preenchida pelas raízes, que tratavam de encobrir todas as suas luzes.

De forma semelhante, os postes e lanternas espalhadas pela cidade, tinham sua iluminação ocultada, em razão das plantas crescidas ao redor ou dos ramos que os encobriam.

Não fosse pelo grande satélite pálido que brilhava no céu, Ladybug tinha certeza que não conseguiria enxergar um palmo à frente do nariz.

Abençoada seja a lua cheia.

— Acho que alguém esqueceu os regadores ligados. - A voz jocosa que conhecia tão bem, foi o único sinal que permitiu que a joaninha identificasse a presença de seu parceiro, uma vez que seus passos felinos cumpriam bem o trabalho de promover uma chegada discreta.

Ladybug virou para encarar o garoto parado ao seu lado, o qual lhe devolveu um olhar de curiosidade e estranhamento.

— O penteado novo é para combinar com o cenário de liberdade? - Questionou.

— Digamos que o akuma não apareceu no melhor momento. - Respondeu ela, dando de ombros. - Alguma possibilidade de ter um elástico de cabelo com você? - Perguntou.

— Tá falando sério? - O loiro Devolveu com outra pergunta.

— Não. - Falou, reparando como os cabelos claros do parceiro refletiam a parca luz prateada natural, e os olhos verdes fluorescentes brilhavam mais que nunca.

Tomada pela inveja, bufou irritada.

Visão noturna seria-lhe muito útil agora.

— Algum problema, My Lady? - Indagou Chat Noir.

— Quer dizer, além desse - Começou, indicando a própria cabeça - ou esse? - Continuou, apontando para a vegetação que apenas se expandia, já superando a altura da construção do colégio. Ela sequer conseguia visualizar a padaria de seus pais, sendo a sua sacada particular a única parte de sua casa que restara visível. Ótimo.

— Bem, quanto o cabelo solto, embora pareça pouco funcional, fica realmente bem em você. - Elogiou o herói felino, registrando mentalmente que aquela era a primeira vez que a via sem suas tradicionais marias-chiquinhas. - agora, quanto ao jardim gigante e destrutivo, você não gostou? - Gracejou, apanhando seu bastão e o esticando. - Eu gosto de jardins. - Comentou. - É um ótimo lugar para caçar joaninhas. - Completou, de forma insinuante.

A heroína de vermelho não pode evitar rolar os olhos para cima.

— Só tome cuidado para não ficar preso numa árvore, gatinho. - Devolveu a provocação, colocando os cabelos atrás das orelhas. - Não estou com tempo para salvar o seu traseiro hoje. - Completou, apanhando seu ioiô.

Sem mais palavras trocadas, os heróis juvenis saltaram para a árvore mais próxima, aliviados ao perceberem que a estrutura gigante das árvores recém crescidas, também lhes fornecia galhos grossos, que facilitavam a locomoção.

Isto é, em termos.

Porque enquanto Chat Noir movia-se com uma facilidade invejável, sob seus quatro membros, tal qual um felino de verdade, contando, ainda, com a vantagem de enxergar no escuro, Ladybug, que via os poucos raios lunares sendo bloqueados pela copa vasta que os encobria ou, por seus cabelos livres, seguia aos tropeços, ora pisando em falso, ora batendo a cabeça nos galhos, mal conseguindo acompanhar o ritmo do parceiro que, volta e meia, lhe lançava olhares preocupados, que ela ignorava, por orgulho.

Mas não podia deixar de admitir, que desde que se tornara Ladybug, ela nunca se sentiu tão “Marinette” sob o traje de heroína.

Assim, seguiram o percurso de forma mais lenta que gostariam, já que locomover-se pela vegetação, era consideravelmente mais difícil que pelos telhados de Paris, o que somado a folhagem espessa que os envolvia, tornava a tarefa de procurar o vilão muito mais difícil.

— Eu vou subir, para ver se consigo localizá-lo. - Decidiu Chat Noir, no momento em que pulavam entre um galho e outro, fazendo com que Ladybug se sentisse estúpida por não ter tido tal ideia antes.

— Ok. - Concordou, parando em uma das árvores para aguardá-lo.

O herói felino estendeu uma das extremidades de seu bastão até o solo, onde o firmou, para, em seguida,  estender a outra, onde se agarrava, para cima, a fim de ultrapassar a copa das árvores.

Quando superou a grossa folhagem, assobiou, impressionado, com o tapete verde que havia se formado abaixo. Contudo, logo após, recriminou-se por sua distração e passou a olhar ao redor, a fim de localizar qualquer pista do oponente.

Para sua satisfação, ele avistou o próprio akumatizado, flutuando sobre o curso do Sena, enquanto Chloé Bourgeois, forçadamente, o seguia pela margem, arrastada pelas raizes que pareciam ter vida própria.

— Achei. - Anunciou, quando retornou para o local em que havia deixado a parceira.

— Posicionamento? - A garota de fantasia vermelha inquiriu.

— Aproximadamente 450 metros a direita, perto do Sena. - Respondeu.

A heroína suspirou desanimada.

— É muito para irmos saltando. Estamos mais lentos por causa da vegetação e, honestamente, eu mal enxergo onde piso por causa das folhas. - Reclamou.

— As vezes eu esqueço que você não tem visão noturna. - Chat comentou, sem realmente se gabar. Era mais uma observação.

— Ele provavelmente já terá sumido quando o alcançarmos o local. - Continuou a joaninha.

— Eu posso ir conferindo, ou então… - Ponderou o herói felino.

— Então…? - Incentivou.

— Lembra como alcançamos o ônibus aquela vez que o Mímico atacou a cidade? - Indagou o loiro.

A compreensão atingindo a face da colega de time foi notória. Contudo, deu espaço para a preocupação logo em seguida.

— Mas naquela vez, conseguimos ver onde iríamos pousar. - Lembrou. - Se cairmos às cegas sobre uma árvore, podemos nos machucar feio, ou até passar direto pasta o chão. - Argumentou.

— Bem… - Começou Chat Noir. - Eu me encarrego de levar a gente até lá, e você garante uma aterrissagem mais segura possível. - Sugeriu. - Não acho que seja mais prudente irmos saltando, se você tem feito isso às cegas. - Completou.

A relutância da heroína vermelha era notória.

— Será que não podemos ir pelo chão? - Tentou.

O loiro voltou o olhar para baixo, encarando o solo, onde inúmeras raízes ainda rastejavam, questionando-se internamente se tudo estava escuro ao ponto de impedir que Ladybug as enxergasse. Porém, mesmo que fosse o caso, sabia que ela não deveria ter ignorado os ruídos provocados pelo retorcer constante dos ramos.

E enquanto refletia sobre tal fato, não pode evitar de notar que o seu bastão parecia ser ignorado por eles.

“Será que eles perseguem apenas criaturas vivas?”, perguntou-se em pensamento, arquivando tal possibilidade mentalmente.

— Terra para Chat Noir! - A morena chamou a atenção do garoto, que piscou desorientado, até lembrar-se de onde estavam. - E então? - Insistiu.

— Eu acho que vamos ser agarrados assim que colocarmos os pés lá em baixo. - Opinou.

— Certo. - Resignou-se a garota. - Do seu jeito, então. - Concordou.

O herói não conseguiu evitar de abrir um sorriso convencido ante as palavras da parceira, o qual permaneceu grudado em sua face enquanto ele a enlaçava pela cintura e expandia o bastão para cima.

Por sua vez, Ladybug concentrou-se com todas as forças para não fazer qualquer comentário mau humorado, uma vez que sentia-se em dívida com o rapaz, pelo modo que ele a consolara no dia anterior, como Marinette. Não que ele soubesse disso, claro.

Assim que atingiram a altura tão necessária quanto assustadora, Chat equilibrou-se na extremidade no bastão, agachado sob os dois pés e uma das mãos, sendo que, com o braço livre, puxou a garota para acomodar-se sobre sua perna direita, mantendo-a bem presa pela cintura.

A heroína tentou não corar com o gesto.

Já haviam feito aquilo antes, mas agora que ela tinha certeza dos sentimentos do portador do Miraculous da destruição em relação a si, não conseguia evitar de se sentir um pouco desconfortável com a proximidade, que, por vezes, lhe levava a ter pensamentos… Estranhos.

— Pronta? - Perguntou ele, olhando-a de esguelha.

— Pronta. - Confirmou a garota,  após analisar o provável local da queda por um momento, segurando seu ioiô na mão direita, com firmeza.

— Ok. - Começou ele. - Se segure em mim, pois eu vou te soltar. - Avisou.

— O quê??? - Embora estivesse confusa, Ladybug não deixou de atender o comando do parceiro, de imediato.

Percebendo que a heroína estava firmemente agarrada em seu torso, Chat Noir, sem se preocupar em responder, tombou o corpo em direção, sentindo o bastão perder o equilíbrio.

E logo eles estavam em uma queda livre diagonal, de quase quinhentos metros.

O bastão de Chat Noir, que antes os equilibrava, agora encontrava-se acima  de ambos, girando em hélice, para retardar a queda, fazendo com que um raio de compreensão atingisse Ladybug, que assimilou  o motivo pelo qual o garoto precisava das duas mãos.

Aquilo tinha sido esperto, tinha que admitir, e o pouparia de uma sessão de xingamentos mais tarde.

Contudo, o momento de admiração durou poucos segundos, pois a morte iminente - ou um mergulho gelado no rio, embora, pela altura da queda, achasse a primeira opção mais provável - os aguardava caso não agisse de imediato.

Para sua sorte, seu corpo, habituado aos momentos de pressão, pareceu trabalhar ainda mais rápido que sua mente, e quando deu por si, já tinha  lançado o ioiô para trançar uma teia, com seu fio, a qual cobriu o Sena de uma margem a outra, emaranhando-se nos troncos recém crescidos.

Os dois heróis bateram com violência contra o material elástico, que esticou até que seus corpos tocassem a superfície da água, antes de os lançar novamente, vários metros para cima. O efeito mola durou alguns segundos, implicando em repetidas quedas, até que ambos se vissem, finalmente, parados sobre a rede improvisada.

E sob a mira dos olhos amarelados do vilão.

— Droga! - A morena praguejou, correndo de mal jeito sobre os fios maleáveis, para desviar do chicote de raízes projetado em sua direção.

Com certa dificuldade, os  adolescentes alcançaram a margem oposta, tomando de volta seus equipamentos, os quais passaram a girar atrás de seus corpos, para prevenir eventuais ataques traseiros.

— Ladybug! - Uma voz chorosa e afetada, que a portadora do Miraculous da Criação conhecia muito bem, gritou. A morena mascarada voltou-se para a figura de Chloé Bourgeois, a qual seguia firmemente atada por ramos grossos. - Socorro! - Clamou ela.

Mesmo no escuro, era possível identificar que a situação deplorável em que a loira se encontrava, mal parecendo a patricinha mimada e cruel que demonstrava ser na maior parte do tempo.

— Hei, coisa feia! - Chat Noir adiantou-se nas provocações. - Nunca ouviu falar que quem semeia vento, colhe tempestade? - Indagou, com um sorriso zombeteiro.

A joaninha suprimiu um gemido de exasperação.

— É agora que começam os trocadilhos sobre jardinagem e cia? - Questionou, irritada.

— Pode apostar. - Devolveu o loiro.

Alheio a pequena discussão, o akumatizado encarou os adolescentes por um par de minutos, antes de se pronunciar:

— Meu nome é Ceifeiro, crianças insolentes! - Corrigiu, fazendo com que Ladybug crispasse o semblante, enquanto lutava contra a sensação de dejà vu que lhe atingiu. Ela não havia sido chamada disso recentemente?

— Mais original impossível. - O herói de preto troçou da ironia que envolvia o nome, os poderes e a aparência do vilão.

— Parece que Hawk Moth trabalha melhor com o “duplo sentido” que você. - Opinou a garota, atenta aos ramos que ameaçavam agarrá-los por trás.

— Isso é um ultraje! - Dramatizou o portador do Miraculous da Destruição.

— Mas são dois pirralhos prepotentes, mesmo! - Ceifeiro bradou, começando a perder a paciência por ser reiteradamente ignorado pelos adolescentes. - Essa geração não tem salvação! - Exclamou, alternando seu olhar amarelado de um para outro. - Vocês dois serão muito mais proveitosos servindo de adubo para o meu jardim! - Declarou, girando sua foice em um movimento exagerado.

Chat Noir e Ladybug colocaram-se em posição de ataque, imaginando que, a qualquer hora, os ramos furiosos fossem chicoteá-los de novo.

O que eles definitivamente não esperavam, era que o chão fosse começar a tremer, a ponto de fazer com que eles tivessem que mudar a posição para manter o equilíbrio.

E enquanto se perguntavam o que raios estava acontecendo, mais uma vez, viram a resposta de seus questionamentos - literalmente - brotar da terra.

— Mas o quê? - O loiro, um tanto espantado, indagou, ao encarar as quatro flores gigantes, cuja cor esmaecia do vermelho, em seu núcleo, para o verde em suas extremidades.

Mas não era a cor, ou o tamanho que o preocupava, e sim, as duas fileiras de espinhos, que se assemelhavam a dentes, postas em cada uma das abas do vegetal que, quando fechadas,  certamente formariam uma cavidade. Uma cavidade digestiva.

— Plantas carnívoras! - A morena concluiu, lançando seu ioiô para afastar a investida de dois dos espécimes furiosos.

— Melhor a gente correr. - Sugeriu o herói felino, golpeando com seu bastão para conter os outros dois espécimes, sem deixar de reparar que os mesmos ramos de antes continuavam a rastejar na direção deles. Certamente, queriam prendê-los para facilitar a refeição de suas amiguinhas.

— Eu te dou cobertura! - Decidiu a garota, colocando-se as costas do parceiro e girando o ioiô como um escudo.

Percebendo a deixa, Chat Noir jogou o bastão para cima, o qual se estendeu o suficiente para ligar uma margem do Sena a outra.

— Vamos! - Chamou à companheira.

Os dois adolescentes se precipitaram em direção ao Rio e correram para o outro lado sobre a fina estrutura metálica, em uma destreza de fazer inveja a qualquer equilibrista, aproximando-se perigosamente do akumatizado.

Ainda em alerta, os heróis trocaram um olhar determinado entre si, preparando-se para um ataque direto.

— Por favor! - A voz suplicante de Chloé Bourgeois tornou a suplicar, causando extremo estranhamento em ambos os portadores dos Miraculous. Porque, embora ela estivesse em constantes apuros graças ao seu temperamento, não costumava implorar por qualquer coisa. Nem por misericórdia. - Eu não aguento mais! - Continuou ela. - Está doendo muito! - Completou.

— Você está ferida? - Chat Noir inquiriu, a aflição claramente presente em seu timbre. - Seu bastando, o que fez com ela? - Seguiu questionando, voltando-se para o vilão.

— Nada ainda. - Garantiu ele. - Meus planos para a pequena megera estão longe daqui. Se ela se machucou, foi por conta própria. - Contou. - Não que eu me importe, de qualquer forma. - Acrescentou.

— Pois seus planos acabam aqui! - Foi Ladybug quem bradou, içando seu ioiô, na esperança de laçar o Ceifeiro, que ainda flutuava alguns metros acima.

Mas claro que as coisas não seriam tão simples.

Sem ficar realmente surpresa, a heroína contemplou o emaranhado de raízes se erguer do chão, para formar uma rede protetora diante de seu mestre.

Determinada, a joaninha correu margeando o Sena, aplicando investidas consecutivas intencionando criar uma abertura e, principalmente, uma distração. Pois enquanto ela atraia a atenção do akumatizado para si, Chat Noir avançava em direção a filha do prefeito, cortando os ramos que tentavam contê-lo com o girar de seu bastão.

E quando finalmente alcançou-a, estava pronto a partir as raízes que a atavam com suas garras, quando uma risada de escárnio ecoou pelo local.

— Crianças idiotas! - Tão logo cessou de rir, o akumatizado zombou. - Acham mesmo que podem me retardar com uma estratégia tão infantil? - Perguntou, novamente agitando sua foice, dessa vez em direção a Chloé Bourgeois.

A loira gritou quando as raízes que a prendiam, esticaram-se em velocidade absurda para cima, levando-a direto para o seu captor.

— Eu realmente não tenho tempo de brincar com vocês. - Declarou, enquanto usava sua lâmina para partir os ramos que amarravam a garota das raizes que a ligavam ao chão, ato que não fez com que o aperto que a envolvia cedesse. Era como se as plantas continuassem vivas, embora desprovidas do contato com o solo. - Mas minhas plantas se encarregarão de contê-los. - Continuou. - Hawk Moth poderá pegar seus Miraculous pessoalmente, quando estiverem transformados ou mortos. - Concluiu.

Os dois heróis ainda conseguiram observar o vilão flutuar para longe, carregando a garota loira que não parava de gritar e chorar. Contudo, no momento seguinte, foram obrigados a concentrar suas atenções em si próprios, uma vez que ao menos mais quinze plantas carnívoras brotaram ao redor.

— Eu estou começando a odiar jardins! - Reclamou a portadora do Miraculous da Criação, enquanto tentava cortar, com o fio do seu ioiô, os ramos que envolveram seu tornozelo. E ela estava consciente que aquela declaração ia além do ataque de Hawk Moth, em si.

— Eu gosto mais deles quando não querem me jantar! - Devolveu Chat Noir, também tentando se livrar das raízes emaranhadas em sua perna, ao mesmo tempo que lutava para desviar das dentadas das plantas carnívoras gigantescas.

Ladybug conseguiu, finalmente, desprender seu pé, bem a tempo de pular para trás e evitar a investida perigosa de uma das plantas famintas, quando uma ideia lhe ocorreu.

Saltando  em cima da estranha mandíbula do vegetal, que no momento encontrava-se cerrada graças ao último ataque, usou-a para tomar impulso e alcançar o galho da árvore mais próxima, subindo para os mais altos em sequência. E quando sentiu-se segura o suficiente, lançou seu ioiô para baixo, o qual se enrolou no torso de seu parceiro e o trouxe para cima sem demora, com uma pancada no tronco de cortesia.

— Isso que eu chamo de decolagem tranquila. - Debochou o felino, esfregando as costas.

— Preferia continuar lá embaixo? - A garota perguntou, ranzinza.

— Sua companhia é sempre melhor, My Lady. — Respondeu, em seu tom galanteador habitual.

Após a breve conversa, os adolescentes avançaram floresta a dentro, saltando de galho em galho, assim como fizeram no início. Todavia, da mesma forma que que ocorrera antes, Ladybug estava tendo dificuldades em manter a velocidade de forma segura, no escuro, o que os obrigou a parar novamente.

— Você vai acabar se matando se continuarmos assim. - Observou Chat Noir, vendo o quando a parceira parecia irritada por ser o motivo do atraso da dupla.

— E o que você sugere? Outra queda livre? - A garota perguntou, jogando os cabelos para trás, talvez, pela vigésima vez nos últimos cinco minutos. Em embora suas palavras parecessem prepotentes, o tom era mais de desespero. Afinal, estavam novamente às cegas.

— Na verdade… - O loiro começou, apanhando seu bastão e abrindo a tela de seu comunicador, o qual exibia um mapa de Paris e um ponto, identificado por uma pata felina, em movimento.

— Colocou um rastreador no Ceifeiro? - A joaninha Perguntou, impressionada.

— Na Chloé. - Respondeu.

— Bom trabalho, gatinho! - Elogiou ela, afagando-lhe o queixo, sem ignorar o ronronar imediato emanado. E se ela pudesse enxergar na penumbra, teria visto o rubor que atingiu o rosto do rapaz. - Mas não podia ter dito isso antes? - Reclamou.

— Precisávamos tomar uma distância segura das plantas carnívoras. - Defendeu-se o felino. - Mas a questão é, mesmo que saibamos para onde ele está indo, ainda temos um problema. - pontuou.

— É muito longe para irmos pelas árvores. - Ladybug seguiu o raciocínio, sentindo certa familiaridade com a área que o vilão se encontrava. Seria muita coincidência? - Demoraria uma eternidade, mesmo que eu estivesse enxergando. - Completou.

Podemos tentar correr pelos telhados e usar as árvores apenas quando necessário. - Ponderou Chat. - Mas a sua visão continuaria sendo um problema, mesmo que as superfícies sejam mais regulares. - Comentou.

Uma bela forma de dizer que continuarei sendo um atraso. - A garota resmungou, revoltada.

Os portadores dos Miraculous permaneceram estáticos, cada qual perdido nos próprios pensamentos, em busca de um plano para alcançar o vilão de forma segura e rápida. Afinal, cada segundo que perdiam, Chloé chegava mais perto do que quer que o akumatizado estivesse planejando para ela.

— E se… - A heroína quebrou o silêncio, mal acreditando que iria sugerir o que estava pensando.

— Se…? - Incentivou Chat, estranhando o fato da colega corar.

A joaninha respirou fundo, antes de prosseguir.

— Por quanto tempo você acha que consegue me carregar? - Indagou.

E ali estava a reação que ela esperava. O sorriso presunçoso de Chat Noir, que parecia apenas se espalhar ainda mais, ante sua expressão de aborrecimento.

— Se queria ficar mais perto, era só pedir, My Lady. - Brincou, apenas para irritá-la um pouco mais. Isso porque, desde sua rejeição, vinha se empenhando em não se tornar um incômodo para a garota, em respeito aos sentimentos dela.

E ao mesmo tempo que se sentia grata por isso, a portadora do Miraculous da Criação não podia negar que também sentia falta. Tanto que teve que evitar que um sorrisinho satisfeito crescesse em sua face com a nova investida.

— Sonha. - Devolveu, colocando as mãos na cintura, de forma confiante. - Ok, falando sério agora, você não me respondeu. - Lembrou.

O rapaz levou o indicador aos lábios, como se tal gesto o ajudasse a pensar, permanecendo assim por alguns segundos, até tornar a se manifestar:

— Acho que conseguiria percorrer a distância com você no colo sem dificuldades, se fôssemos exclusivamente pelos telhados. - Contou. - O problema é, como parte do percurso é pelas árvores, eu preciso das minhas mãos. - Concluiu, lembrando-a que ele vinha correndo feito um gato de verdade.

— Isso não vai ser um problema. - Declarou a menina, agitando as mãos em descaso, vendo o olhar de dúvida do amigo crescer sobre si. - Vamos, se abaixe um pouco. - Pediu.

Ainda sem entender, o loiro obedeceu, quase pulando de susto ao sentir a parceira acomodar-se em suas costas, com as pernas firmadas em sua cintura e os braços em torno de seu pescoço.

E naquele momento, ele agradeceu profundamente qualquer ser mítico que tinha decidido que apenas ele seria agraciado com visão noturna, para que ela não pudesse ver o rubor que se espalhava por sua face e pescoço.

— Tudo bem? - A garota em traje de joaninha questionou, vendo que ele permanecia imóvel, tirando-o de seu torpor.

— T-Tudo! - Gaguejou o herói felino, endireitando-se.

— Certo. - Concordou a garota. - Preocupe-se apenas em correr. Deixa que eu cubro a gente. - Afirmou, deixando o ioiô preparado em sua mão direita.

— Ok. - Concordou o rapaz, antes de começar a saltar, de árvore em árvore.

Embora a solução encontrada fosse prática é necessária, desconfortável era pouco para descrever a situação em que os dois jovens se encontravam.

Ao contrário do que Ladybug previra, Chat Noir não conseguia correr como um quadrúpede com ela agarrada em suas costas, graças ao peso extra e ao fato dos pés dela roçarem em partes delicadas cada vez que ele precisava agachar. Ainda assim, carregá-la de outra forma estava fora de cogitação , uma vez que os braços livres lhe permitiam compensar a falta de equilíbrio inevitável ao percorrer um caminho tão instável.

Por sua vez, a joaninha se empenhava em suprimir os gemidos de dor que ameaçavam escapar-se sua garganta cada vez que ela sentia os seios se chocando com as costas do rapaz. Ela bem tentava manter uma certa distância, afastando-se no limite de sua segurança, mas sempre acabava impulsionada para frente, salto após salto. Por fim, descobriu que eliminar o espaço entre os dois, comprimindo o tórax contra o dorso do rapaz, era uma opção menos dolorosa, já que, ao menos assim, os choques não eram potencializados pela distância.

Ela só esperava que Chat Noir não estivesse tão envergonhado com a situação quanto ela. Definitivamente, aquela seria uma noite para se esquecer.

Quando os pés do herói felino finalmente alcançaram o telhado de uma das construções praticamente mergulhadas na relva, os dois parceiros de equipe não puderam evitar o suspiro aliviado que deixou a garganta de ambos.

Afinal, a corrida pelo telhado - embora fosse constantemente interrompida pelas árvores que tinham que ser transpostas, entre uma edificação e outra - era muito mais suave, permitindo que a morena finalmente se descolasse das costas do rapaz.

E ainda que estivesse um pouco aliviado - e igualmente desapontado - pela diminuição do contato, Chat Noir, instintivamente, levou as mãos às coxas da garota, para sustentá-la melhor.

Uma explosão de vermelho coloriu o rosto da portadora do Miraculous da Criação.

— Pensei que você precisasse das suas mãos. - Tentando manter a normalidade em seu tom, ela, comentou, ao sentir a pressão das garras do parceiro contra sua pele, através do uniforme.

— Vou precisar, eventualmente. - Respondeu ele, também sentindo o rosto esquentar. - Trate de se firmar sempre que chegarmos próximo às árvores. - Orientou.

— Ok. - Concordou simplesmente, sem querer se delongar no assunto, aproveitando para desenlaçar as pernas da cintura do garoto e deixá-las penduradas na lateral de seu corpo.

O restante do caminho podia ser descrito em uma mistura dos sentimentos de perturbação, constrangimento e pressa.

Ainda que traçassem a maior parte da rota - a qual o herói felino constantemente conferia no visor de seu bastão - pelos topos das construções, não conseguiram se livrar das raizes, que os perseguiam com chicotadas principalmente enquanto corriam pelos telhados, talvez na tentativa de encobrir tudo que fosse alheio ao ambiente florestal.

Isso significava que Ladybug estava tendo uma baita dor de cabeça, ao ter que lidar com os ramos assassinos quando só podia usar ângulos limitados de seu corpo.

Ainda assim, podia-se dizer que estava tendo relativo sucesso, uma vez que Chat Noir apenas diminuiu o ritmo de sua corrida, nos momentos em que precisou conferir a rota, ou superar as árvores gigantes que haviam se instalado nos intervalos das construções, o que também era um pé no saco.

Após o que pareceu uma eternidade, os heróis repararam que a disposição da vegetação começou a rarear, deixando falhas na copa densa, assim como construções menos tomadas pelas plantas, começavam a aparecer, aqui e ali. Não muito depois, perceberam que as árvores definitivamente estavam acabando, revelando a saída daquele bosque dos pesadelos.

Quando a gentil iluminação da lua cheia - abençoada seja -, fez-se suficiente para inibir a visão noturna do herói de preto e devolver a joaninha o dom da visão, os dois decidiram parar para tomar fôlego. Era visível o quanto Chat Noir estava esgotado, por ter carregado a garota de vermelho para uma área tão longe, embora esta, definitivamente, também precisasse de um tempo para descansar os braços, que passaram os últimos vinte minutos, ininterruptamente, lançando o ioiô para conter as investidas das plantas.

E enquanto fazia alguns alongamentos a fim de amenizar o incômodo, Ladybug permitiu-se analisar o bairro, cujas casas, permaneciam intactas, embora existissem árvores crescidas no asfalto e nas calçadas,  com expressões de pânico gravadas no casco, certamente, o que restara dos pobres moradores locais que tentaram escapar da fúria do Ceifeiro.

Também, observou a presença das raízes vivas, em cada centímetro das ruas.

Aos poucos, foi acometida pelo reconhecimento.

— Não acredito. - Murmurou, quando seu olhar captou, ao longe, outro emaranhado de árvores que pareciam formar um jardim, as peças se encaixando suavemente em sua cabeça.

— Você conhece este lugar? - Chat perguntou. E se ela não tivesse perdida no próprio reconhecimento, teria percebido que, nos últimos minutos, ele parecia tão incrédulo quanto ela.

— Mais ou menos. - Admitiu. - E você? - Perguntou de volta, finalmente para do para analisar o semblante contemplativo que ele ostentava.

— Algo assim. - Respondeu.

Uma vez que “mais ou menos” e “algo assim” não dava margem para uma compreensão decente, os dois adolescentes começaram a especular, mentalmente, se o outro poderia residir naquela região. Todavia, logo trataram de espantar tais pensamentos para se concentrarem no que realmente importava.

Com cautela, seguiram saltando pelos telhados, até pararem sobre a última casa que antecedia o jardim avistado antes, e não se surpreenderam, realmente, ao constatarem que o local permanecia intacto. Sequer as raízes rastejantes permeavam seu solo.

— Definitivamente, é esse o lugar. - Afirmou Chat Noir, constatando que o visor de seu bastão indicava a localização de Chloé Bourgeois logo à frente.

— Não dá para ver nenhuma movimentação estranha daqui, entretanto. - Declarou a heroína, franzindo o cenho. - Vamos ter que entrar para ver. - Decidiu, saltando para o poste em estilo antigo mais próximo.

Assim, de poste em poste, a dupla não demorou muito para aterrissar sobre a grama do jardim, provando um momento de tensão, até finalmente concluirem que as raízes não os atacariam ali. Aparentemente, o akumatizado intentava deixar a área intacta, ou, ao menos, livre de novas avarias, já que, excetuando as plantas excepcionais e multicoloridas que os cercavam, toda a estrutura parecia devastada.

E como se estivessem sincronizados, os olhos dos heróis se voltaram em simultâneo para a placa de madeira torta e decadente, confirmando secretamente suas suspeitas não compartilhadas, ao lerem a palavra ainda compreensível, apesar da tinta descascada: “Jardim D’eau”.

Repentinamente, um grito agudo e feminino os tirou das divagações que estavam mergulhados.

— Vamos! - Joaninha chamou,  correndo pela grama, com o parceiro em seu encalço, com o cuidado de desviar dos destroços de concreto que um dia integraram a estrutura de um belo parque.

Seguiram correndo,  guiando-se pelos gritos, que já não se limitavam apenas ao timbre fino da filha do prefeito, mas a uma cacofonia de tons, transpondo uma trilha em meio às árvores de variadas cores.

Naquele momento, eles ainda não imaginavam que, não muito longe dali, uma espécie de clareira, servia de palco para um verdadeiro show de horrores.

— Papai! - Chloé gritava, o pânico em sua voz mais acentuado que nunca.

A loira estava bem no meio da clareira, fixada ao chão graças às raízes que de lá brotavam e a imolilizavam enquanto subiam lentamente por seu corpo, tendo alcançado a linha do quadril. A longa saia amarela de seu vestido, já não passava de trapos abandonados ao seu redor.

— Pare já com isso seu sádico! - O prefeito de Paris ordenou.

Não que ele tivesse qualquer autoridade ali.

O político encontrava-se suspenso, alguns metros à frente de sua filha, por inúmeros ramos, que o esticavam pelos pulsos e pelos tornozelos, fazendo com que assumisse uma posição de “X”. Aos seus pés, a figura do Ceifeiro era visível, ainda segurando sua foice.

— Não, não! - A voz debochada e imponente do vilão se sobrepôs aos berros da loira. - Sua filha desprezível continuará sendo comprimida pelas minhas raízes, sentindo tanta dor quanto possível, até que seja inteiramente coberta e vire uma árvore como a que seu amigo corretor se tornou. - Explicou, apontando com a foice para um espécime ao lado, que ostentava em seu casco o entalhe de um rosto apavorado. - E então, quando a transição se completar... - Recomeçou, apreciando o próprio suspense como se fosse o doce mais saboroso - Eu cortarei a planta podre que sei que irá se tornar. - Concluiu, passando o dedo pela longa lâmina prateada de sua arma.

— Deixe a Chloé em paz! - Rugiu André Bourgeois, contorcendo-se freneticamente, sentindo o aperto dos ramos se intensificar em consequência. - Seu problema é comigo! Não envolva uma criança inocente nisso! - Argumentou.

O Ceifeiro mal se preocupou em olhar para cima, para responder a criatura orgulhosa que havia aprisionado.

— É justamente por ser um problema entre nós dois, que você verá aquilo que tem de mais precioso ser destruído bem diante dos seus olhos, enquanto assiste, completamente impotente - Declarou, indiferente. - Da mesma forma que está fazendo com meu valioso jardim. - Emendou.

— Não compare a vida da minha filha ao seu jardim decrépito! - Bourgeois seguiu gritando, àquela altura, parecendo tão insano quanto desesperado. - Tudo que fiz, foi pensar no desenvolvimento de Paris! - Acrescentou, demonstrando que sua situação humilhante não era o bastante para reprimir seu orgulho.

— E veja só que ironia - O vilão retomou a palavra, seu tom pingando zombaria. - Além de ter sua filha destruída, também perdeu sua amada cidade para o meu jardim. - Escarneceu.

— Não fale como se já tivesse ganhado essa. - Uma voz feminina, agraciada com um timbre forte de confiança, interrompeu o discurso do akumatizado.

O Ceifeiro direcionou o olhar a recém chegada, percebendo rápido que foram um movimento em vão.

Afinal, mal pôde captar o impulso habilidoso que Ladybug deu para saltar de uma das árvores que contornavam a clareira e aterrissar em frente à Chloé, pois teve que praticamente se jogar para a direita, a fim de desviar-se do ioiô que fora lançado em sua direção.

— Isso aí. - Concordou Chat Noir, pousando ao lado da parceira. - Nós só precisamos cortar o mal pela raiz. - Troçou, colocando-se em posição de combate.

A portadora do Miraculous da Criação tentou ignorar o gracejo do companheiro, como tentou, mas quando deu por si, já tinha rolado os olhos para cima, hábito que havia se tornado quase um tique desde que aquela parceria começara.

Infelizmente, esse pequeno gesto, concedeu ao oponente a chance que ele precisava para contra-atacar.

A heroína de vermelho, sentiu os próprios cabelos chicotearem sua face, bloqueando parcialmente sua visão, quando saltou para trás a fim de evitar ser atingida pelas raízes que se esticavam em sua direção, vindas do meio das árvores.

Para sua sorte, os olhos felinos de Chat Noir continuavam funcionando perfeitamente, permitindo que ele pulasse, caindo sobre um dos diversos ramos, sobre o qual se equilibrou e correu, enquanto se desviava dos ataques dos restantes.

E em meio a chuva de investidas, o próprio ramo que ele usava de apoio se retorceu, tentando agarrá-lo, mas não antes que tornasse a saltar de volta para a grama, de modo que todos os tentáculos se embolassem, entre si.

O herói contemplou satisfeito, apenas por um segundo, o gigantesco nó formado pelas raízes, antes de expandir seu bastão e girá-lo para cortar todos os fios em um único movimento.

De imediato, um rosnado de ódio abandonou a garganta do vilão, e embora o portador do Miraculous da destruição tivesse se colocado em alerta, não precisou realmente se preocupar. Isso porque, no instante seguinte, Ladybug, já recuperada, investiu repetidos ataques contra o akumatizado, que desviou com facilidade mas, ainda assim, parecia extremamente irritado.

— Cuide da Chloé! - Gritou, decidida a acabar com aquilo o quanto antes.

O herói de vestes negras voltou seu olhar para a loira, que a esta altura, estava coberta pelas raízes até o peito, retorcendo-se freneticamente. E ele sabia que, no momento em que ela fosse totalmente envolvida, se tornaria apenas mais uma das inúmeras árvores medonhas.

Menos de um segundo depois, pôs-se em frente a ela com um salto, passando a avaliar uma maneira de cortar as raízes sem feri-la.

— Ande com isso, seu estupido! - A fala era arrogante, mas o timbre da garota se resumia apenas ao desespero. - Dói tanto… - Acrescentou com um choramingo.

— Onde? - Perguntou preocupado, a fim de saber as áreas que deveria evitar.

— Meu pé esquerdo. - Respondeu.

De imediato, o herói empenhou-se afastar os ramos com seu bastão,  tentando não se distrair com os ruídos que Ladybug provocava ao lutar ao redor e com os gritos do prefeito, que ressaltavam o quanto ele estava sendo incompetente.

Todavia, tudo o que descobriu foi que, cada vez que cortava um ramo, outros dois cresciam e se enrolavam aos pés da garota, serpenteando para cima em um aperto mais firme que o anterior.

Não demorou muito para concluir, horrorizado, que se continuasse com aquilo, Chloé sufocaria até a morte, antes de ser completamente transformada.

Assustado, saltou para longe.

Ele havia se questionado porque o akumatizado não havia tentado afastá-lo da filha do prefeito enquanto tentava savá-la, mas por não ter espaço realmente para se preocupar com uma resposta, acabou atribuindo ao fato de ter que empenhar-se na luta em que estava envolvido com Ladybug.

Mas agora, ele entendia. A resposta era simples.

Ceifeiro não estava preocupado em evitar que eles se aproximassem de Chloé, pois salvá-la era praticamente impossível, pois, a cada vez que tentassem remover uma das raízes, ela seria esmagada com mais intensidade, e não havia modo de cortar todas elas sem ferir o corpo que escondiam.

Irado, o felino soltou um palavrão.

Estavam lidando com um oponente mais perigoso que imaginavam. Hawk Moth vinha escolhendo muito desses, ultimamente.

— Relaxe o corpo! - Gritou, instruindo a loira.

— O que está dizendo? - A voz do prefeito Indagou, indignada.

— Quanto mais resistimos ou lutamos contra, mais as raízes pressionam. - Explicou para a garota, ignorando o político.

— Então por que você não usa o cataclismo e acaba logo com isso? - A voz de Bourgeois era autoritária e furiosa.

Chat já havia pensado naquilo. Contudo, cercado de raízes como estavam, sabia que seria um esforço desperdiçado, pois no segundo seguinte, a loira seria perseguida novamente, e ele estaria sem tempo. Mesmo que ele levasse Chloé para longe, àquela altura, não havia lugar em Paris que as malditas raízes não tivessem alcance. Se aquele bairro estava tranquilo, até então, era simplesmente porque o Ceifeiro queria assim, atitude que ele duvidava que iria persistir caso perdesse sua vítima.

Não, por mais que lhe doesse ver a amiga de infância naquela situação, enquanto a vida dela tivesse fora de risco, deveria pensar como um todo. E como um todo ele se referia aos outros milhares de cidadãos que haviam se tornado árvores também.

— Por que o senhor não se acalma e nos deixa trabalhar? - Recompondo-se, Chat Noir perguntou para o prefeito. - Não é por nossa causa que ele está fazendo tudo isso, sabe? - Continuou despejando sua frustração no velho homem, ainda esticado pelos ramos. - O que você fez afinal? Pisou na grama dele? - Questionou, a gracinha escondida pelo tom rígido. - podia tentar se desculpar. - Completou, antes de saltar para longe.

— Chat Noir! - Ladybug exclamou, em tom repreeensivo, quando o parceiro caiu de pé ao lado dela, embora seus ofegos e respiração entrecortada tivessem inibido boa parte do efeito rígido que gostaria de provocar.

Afinal, ele tinha acabado de violar a política mútua que tinham de nunca culparem as vítimas pelos ataques dos akumas, por pior que elas fossem.

— Precisamos acabar com isso. - O portador do Miraculous da Destruição não teve tempo de olhar para sua parceira ao falar, pois ambos tiveram que saltar para longe de mais uma série de investidas das raízes furiosas. - Logo. - Acrescentou, vendo de rabo de olho que Chloé já estava coberta até os ombros, mas lutava para se manter parada e respirando, embora lágrimas torrenciais rolassem por suas bochechas. - Algum palpite de onde está o akuma? - Perguntou, pulando para evitar o ramo traiçoeiro que tentou lhe dar uma rasteira.

— Isso é meio obv… AAAAAAHHH! - A heróina de vermelho, que pelo mesmo motivo havia saltado para o lado oposto, interrompeu a si própria com um grito de surpresa, quando uma segunda raiz agarrou seu tornozelo direito, graças  a abertura criada quando seus cabelos, novamente, bloquearam sua visão.

— Droga! - Gritou Chat Noir, vendo a companheira ser erguida pelo menos cinco metros do chão, de cabeça para baixo.

O herói felino correu em direção a parceira, decidido a libertá-la, sem ignorar a risada do Ceifeiro, que continuava movimentando a própria foice a fim de comandar outra série de ramos, que pretendiam impedir seu objetivo.

Para sua surpresa, a própria joaninha cortou a raiz que a segurava, com um lançamento de seu ioiô, deixando para ele apenas a função de pegá-la, impedindo o doloroso choque contra a grama.

— Tudo bem? - Inquiriu, quando a sentiu firme em seus braços.

— Porcaria de cabelo! - Foi a única coisa que ela respondeu, irada.

Chat sequer teve tempo de soltá-la, pois o vilão, satisfeito com a proximidade dos dois, decidiu que assim seria mais fácil pegá-los, mandando outra chuva de ramos na tentativa de atingi-los.

O rapaz loiro seguiu pulando, de um lado para o outro com a parceira no colo, buscando uma brecha para que pudesse soltá-la, já que não podia se defender estando com os braços ocupados. Tampouco, poderia ela lhe dar cobertura, já que precisava se segurar para não perder o equilíbrio.

— Talismã! - A heroína gritou, surpreendendo-o. Não esperava, realmente, que ela fosse invocar seu poder especial quando ainda estivesse em seus braços.

E o objeto invocado caiu no colo da menina milésimos de segundos antes que Chat Noir precisasse saltar novamente, para evitar outro ataque, o impacto desequilibrando-o de leve.

Ladybug olhou, com dúvida, para o pesado saco metálico seguro em sua barriga, processando a ironia das letras gravadas na etiqueta permeada pela cor vermelha com estampa de bolinhas pretas.

Sem a mínima ideia do que fazer, abriu o pacote, enquanto o parceiro tratava de manter os dois em segurança, apenas para tossir, descontroladamente, quando o odor tóxico atingiu as suas narinas.

— Fertilizante? - A voz falha do felino chamou a sua atenção, fazendo com que ela arregalasse os olhos em surpresa. Não conseguiria, jamais, identificar o produto apenas pelo cheiro, uma vez que não era a familiarizada a ele.

Por sua vez, o loiro apenas deu de ombros. Já havia sentido aquele cheiro inúmeras vezes no jardim da mansão, ainda mais nas ocasiões em que teve que entrar e sair sob o manto de herói, graças ao seu faro aguçado.

— Sério, My Lady, eu aprecio a ironia do seu poder, mas tem que concordar comigo que um machado seria mais útil. - Declarou, segundos antes de finalmente perceber a oportunidade de colocá-la no chão. A situação já não estava prática para nenhum dos dois.

Com o objeto seguro em seus braços, a heroína correu, empenhando-se em desviar dos ataques ao mesmo tempo que observava tudo ao redor, em busca de respostas.

Não demorou muito para perceber os olhos amarelos reluzentes do vilão brilharem em vermelho, assim como as árvores em volta, o próprio ioiô, o bastão, o cinto e o Miraculous de Chat Noir.

— Chait Noir! - Gritou, ainda correndo em torno da clareira para fugir das investidas do akumatizado.

— Deixa eu adivinhar - Começou o loiro, em tom sarcástico. - Você vai precisar do meu rabo?! - Arriscou.

— Eu ia dizer “cinto”. - Corrigiu ela, saltando para uma árvore próxima, uma das mãos agarradas ao pacote e, a outra, girando o ioiô para cortar tantos ramos quanto podia.

— Você diz que não tem tempo de ficar salvando meu traseiro, mas no fim das contas, meu traseiro é que sempre te salva! - Reclamou o rapaz, usando as garras para cortar um par de raízes que chegaram sorrateiramente perto de sua nuca.

O herói pulou para trás, ofegante, apenas para constatar, horrorizado, que Chloé já estava coberta até o pescoço, e aparentava intensa dificuldade de respirar. Pelo visto, o Ceifeiro estava disposto a adiantar sua vingança.

— Precisamos ser rápidos. - Gritou, desviando o olhar a fim de avistar a parceira na árvore em que a vira pela última vez, apenas para encontrá-la ao seu lado. - O que está fazendo? - Censurou, constatando o tamanho da abertura que ela havia criado para o oponente, que flutuava logo acima.

— Na verdade - Começou ela, levando a mão até o traseiro de Chat Noir e soltando a fivela da cauda com facilidade, ignorando o rubor intenso que atingiu o rosto do loiro com o gesto. - Seu cinto não é a única coisa que eu preciso. - Avisou, de posse da tira de couro.

O portador do Miraculous da Destruição piscou aturdido, tentando se recuperar de seu constrangimento.

— Me mande para cima. - Pediu ela. - E é bom que seu bastão também esteja lá para me apoiar. - Concluiu, imperativa.

— S-sempre tão exigente... - O Garoto gaguejou, tentando disfarçar a vergonha que estava sentindo.

Assim como fizeram algumas semanas antes, ao derrotarem Chaotic, Chat Noir utilizou o próprio bastão para impulsionar a garota para cima, jogando o equipamento em seguida.

E enquanto a barra de metal se esticava em ambas as direções, firmando suas extremidades em árvores de lados opostos da clareira, Ladybug passava alguns metros acima.

O felino observou quando a garota, que até então tinha o saco de fertilizante em apenas uma das mãos, segurou-o com ambas, apenas para virá-lo e permitir que o pó despencasse e preenchesse a clareira logo abaixo.

Porém, o cinto do herói, por acidente , acabou caindo no processo, fazendo com que a heroína soltasse um palavrão, embora ainda não soubesse onde ele se encaixaria no plano todo.

Ignorando o quão engraçada Ladybug parecia enquanto praguejava em pleno voo, Chat Noir, já ciente do plano em andamento, jogou-se contra Chloé para proteger seus olhos com as mãos, e cerrou os próprios intensamente.

O mesmo, contudo, não se podia afirmar do vilão, que tinha acompanhado os movimentos de Ladybug desde o princípio, a fim de evitar qualquer ataque, tendo os olhos amarelados atingidos em cheio.

O akumatizado guinchou de dor, ante a ardência que tomou sua orbes oculares, apenas para ser acometido por um acesso de tosse em seguida.

Os demais, abaixo, na clareira, também não pareciam muito melhores, vez que tossiam descontroladamente, graças ao pó espalhado na atmosfera.

Porém, Ladybug não tinha tempo de se preocupar com isso.

Sentindo o impulso cessar, içou seu ioiô para baixo, certificando-se imobilizar completamente o Ceifeiro com seu fio elástico.

E embora ela não se lembrasse, realmente, que seria puxada, graças ao impulso gerado com a queda do vilão, o cinto de Chat Noir finalmente serviu a seu propósito, mostrando-se o último recurso para evitar uma queda às cegas, quando ela, instintivamente, agarrou o couro que havia ficado envolto no bastão.

Não podia negar, aquilo realmente havia salvado seu traseiro.

— Chat Noir! - Ela gritou, sentindo a mão escorregar pelo couro, graças ao peso do oponente, que sustentava com o outro braço.

O herói loiro arriscou abrir os olhos levemente, apenas para deparar-se com o akumatizado, indefeso, balançando como um pêndulo, logo a sua frente.

Os olhos inutilizados.

A foice ainda firme na mão direita e, tão emaranhada no fio do ioiô quanto todo o resto.

E ele logo entendeu o que deveria fazer.

— Cataclismo! - Ignorando o leve ardor em seus olhos, gritou, atingindo a foice do vilão que logo se esfarelou.

E apenas quando percebeu o akuma farfalhando suas asas negras para cima que Ladybug puxou o ioiô de volta, sem se preocupar com o baque surdo provocado com a queda do oponente ao solo.

A borboleta foi capturada antes que a heroína pousasse graciosamente.

Purificada, logo depois.

E foi com nenhuma surpresa e um estranho pesar que Ladybug e Chat Noir viram, emergir da escuridão, o Sr. Armand Chevalier, enquanto as joaninhas milagrosas consumiam a selva que envolvia Paris, trazendo a ordem de volta à cidade.


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Notas finais do capítulo

Quem acompanhou a fic desde o começo, deve ter percebido que era para ela ser uma Short fic, quase que exclusivamente “Adrinette”. Mas então ela se tornou esse monstro que não para de crescer.

Bom, eu não acrescentei nada a história, acreditem. É só a forma de contar que acabou sendo bem mais longa do que eu previra. O ponto em que eu queria chegar com este discurso é…

… Eu não planejei uma revelação nesta fanfic. Não mesmo. Porque era para ser uma short fic. Uma historinha engraçadinha e rápida.

Só para acalmar os corações desesperados, eu não descartei a hipótese uma vez que a história se prolongou. Mão não era algo que eu pretendia escrever a princípio.

Enfim, espero que tenham gostado do capítulo.

Podem esperar um pouco de melodrama no próximo.

Beijinhos!