A Herdeira do Quarto Trono escrita por R31


Capítulo 19
A Bordo da Cabine Três


Notas iniciais do capítulo

Já faz muito tempo, não é?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/756772/chapter/19

“Leve-me até à margem do rio, leve-me até o combate final

Lave o veneno da minha pele, mostre-me como ser inteiro novamente

Me leve em um voo em um avião espacial, além da escuridão, onde as sirenes tocam

Aqueça-me com o brilho da supernova. E me deixe descer no próximo sonho

Porque eu sou apenas uma rachadura, neste castelo de vidro

Não sobrou praticamente nada para você ver”

Castle of Glass - Linkin Park

§

 

 

 

Oito anos antes

Londres, 24 de novembro de 1965

Susana Pevensie Willians

Não fique com medo

Isso será real, mas não tenha medo

A badalada certa está

Você saberá que chegando a hora está

Meia noite, esta é a hora

Sua filha levada será

Para onde você menos imagina

Junte as peças, tudo claro ficará

Relembre tudo

Como deixou o outro mundo?

Seu povo clamou

Os quatro tronos ela salvou

Susana, Susana

Doce Susana

Nárnia não desiste

Não desiste de você

Mesmo quando você se recusa a ver

Eu ainda olho por você

Pode ser que demore um dia

Pode ser que demore trinta anos

Pode ser que demore uma vida

Mas você pode voltar, você pode acreditar

Você pode voltar

E estaremos a lhe esperar

Você pode voltar

Você pode voltar

Você pode voltar

Você pode…

Meus olhos se abrem e a luz do sol cega-me por um breve momento, antes que eu colocasse o travesseiro sobre a cabeça. Estou tomada por uma doce sensação, a de quem está realmente em casa. Lar doce lar. A sensação de que realmente existe um lugar no mundo para mim. Nem me lembro quanto tempo faz que não tenho essa sensação...

Um suspiro escapou por meus lábios quando me viro e me viro para deitar de bruços. Minha mão percorre o colchão atrás do calor reconfortante de Maicon, mas novamente, tudo o que sinto é o frio dos lençóis me lembrando de que meu marido está do outro lado do oceano neste exato momento.

Odeio ficar longe de Maicon. A presença dele é tão reconfortante, tão acolhedora, tão familiar. Quando eu fico longe dele, sinto como se eu estivesse longe de uma parte importante de mim mesma, sinto vontade de voltar logo para ele, apenas para sentir seus braços ao meu redor novamente. O maior presente que recebi na vida, além de uma família que me ama, histórias para recordar, foi Maicon. E depois dele, Laura.

Minha pequena Laura. Parece ser a versão mais inusitada de uma mistura de tudo o que há na minha família. Doce, bem-humorada, inteligente, corajosa, teimosa... e o principal, ela é uma linda criança, como eu fui e isso me enche de orgulho. Quando penso em minha filha, me lembro do sonho que tive esta noite e de repente, não sei mais o que exatamente eu deveria sentir ou mesmo pensar.

Aslam falou comigo, em sonho. E isso me aterroriza. Há anos que venho evitando Nárnia, evitando Aslam e tudo o que pode ser relacionados a eles e, de repente, o pai de Maicon ressuscita, após ter ficado mais de dez minutos morto. De repente, Aslam aparece em meu sonho.

De repente, Ele diz que eu posso voltar.

Eu posso voltar?

Posso mesmo voltar?

Não entendo. Não entendo o que ele quis dizer e não sei por que isso acontece comigo. Se eu tivesse metade da fé de Lúcia, certamente, eu entenderia. Mas não tenho isso.

Bufando, tiro o travesseiro de cima de minha cabeça e, afastando o mar revolto de mechas negras que era meu cabelo do rosto e olho ao meu redor. Acho estranho o fato de Laura não ter entrado no meu quarto ainda e pulado sobre minha cama, pulando em meus pés até que eu finalmente acordasse. Ela tem tido esse costume desde que Maicon viajou para os Estados Unidos para acompanhar o estado de saúde do pai. Curiosa, me levanto, muito lentamente, visto meu robe e em passos vagarosos, deixo meu quarto e atravesso o corredor em direção ao quarto de minha filha.

Quando chego ao quarto dela e vejo a cama dela arrumada e o quarto totalmente arrumado, mas sem sinal dela ali, me perguntei se ela já havia acordado e estava prestes a me virar no corredor para descer as escadas para o primeiro andar, escuto o riso de Laura se misturar ao de um garoto. Só então me lembro que Nathan ficou preso aqui devido à chuva que caia torrencialmente, ontem a noite, então ele acabou dormindo aqui. Como eu adoro irritar os pais do garoto, liguei para eles, avisando que Nathan era nosso convidado esta noite. Evelyn, a mãe dele, ficou muito brava comigo, mas eu não me importei.

Gosto de Nathan, ele me lembra muito um rapaz que conheci em Nárnia, o nome dele era Nathan também, mas era mais conhecido em Nárnia por “Lorde de Calormânia”. Muito nobre, tinha um senso de justiça tão inflado quanto meu irmão Edmundo, era fiel aos seus ideais e à moça que ele tanto amava, coincidentemente, chamada de Laura. É curioso pensar que dei o nome de Laura para minha filha em homenagem à Dama do Vale, essa garota por quem Lorde de Calormânia foi tão apaixonado; e agora, vejo minha filha Laura tendo uma forte amizade com um garoto chamado Nathan.

Como a vida é engraçada...

Desço as escadas e vejo Laura e Nathan na sala. Os dois estavam sentados nos colchões espalhados pela sala, Laura estava inclinada sobre o tronco de Nathan, enquanto ele mantinha seu braço por trás do ombro dela, mas olhavam com fixação para o relógio grande e velho que estava no canto oeste da sala. Ambos tinham os cabelos bagunçados e usavam pijamas dois números maiores que eles, mas o que realmente importava, era que se divertiam, juntos.

—...Ele disse que vai acontecer na meia noite, no meu sonho. –Disse Nathan, olhando para o relógio fixamente.

—No meu também –suspirou Laura, olhando na mesma direção. –Ele disse que não era para ter medo, mesmo que nossa aventura fosse perigosa demais.

—Perigosa?

—Toda aventura tem perigos, se não, não seria uma aventura. –Disse Laura, rindo. Muito filosófico para uma menina de apenas doze anos...

—Ah, sim, isso é verdade... –Riu Nathan.

—Mas eu não teria medo, Nathan, mesmo com os perigos.

—É mesmo? –O garoto riu, já conhecendo minha filha tão bem quanto eu. -Mesmo que você tivesse que andar na beira de um penhasco muito íngreme? E tivesse de encarar seu medo de altura?

—Sim, mesmo assim.

—Mas... como?

—Simples, oras. –Vejo Laura pousando sua cabeça no ombro de Nathan. -Você vai estar lá, comigo...

O garoto sorriu. Havia ternura em seu olhar quando o vi passar o braço por trás do pescoço de Laura. Abraçando-a, posso ouvi-lo dizer:

—É claro que eu vou estar lá, por você.

Antes que Laura dissesse qualquer outra coisa, eles são interrompidos pelo som estridente do toque do telefone, que no silêncio absoluto da casa pareceu muito escandaloso.

—Você não vai atender, Laura? -Perguntou Nathan. Acho que essa era a minha deixa, para entrar em cena. Assim que adentrei na sala, fingi que não tinha ouvido a conversa deles, bocejando e coçando o olho, agi como quem não queria nada, ao caminhar em direção ao telefone.

—Bom dia, crianças -eu os cumprimento.

—Bom dia mãe -disse Laura, tomando um susto, ela saiu de baixo do braço do garoto e sentou para um pouco mais longe de Nathan, que por sua vez, ficou corado ao dizer:

—Bom dia, sra. Willians.

—Por favor, Nathan, já pedi mil vezes para me chamar apenas de Susana -digo, antes de atender ao telefone, acrescentando em pensamento que não gosto que me chamem de “senhora”, faz com que eu me sinta velha. Assim, eu tiro o fone do aparelho e logo digo um simples “Alô?”. Do outro lado da linha, falava Erick, o filho mais velho de nossa governanta, ele estava ligando para avisar que a mãe dele não poderia comparecer ao trabalho, por conta de uma forte virose. Justo hoje, que tinha tantos compromissos inadiáveis para cumprir? -Tudo bem, Erick, não tem problema, mas já sabe, você precisa levar sua mãe ao hospital e me trazer o atestado em no máximo uma semana, está bem?

—Sim, sra. Willians, muito obrigado pela sua compreensão - lá vem, outro rapaz me chamando de senhora. Oh, meu Deus, tenha piedade de mim…

—Não há de quê. -Murmurei, antes de desligar o telefone e levar as mãos á boca. Mas que droga, e agora? Quem vai buscar Laura e Nathan na escola hoje e cuidará deles até de noite?

—Laura, que horas são? -Perguntei, por cima do ombro, batucando meus dedos sobre a mesa do telefone, pensativa.

—Hum... são… 6 horas e 13 minutos, mãe...

—Minha nossa, está muito cedo -reprimi um bocejo, desta vez, era real. -Deixe me ver, a essa hora Pedro pode ainda estar dormindo, Edmundo também, mas Lúcia está no apartamento do Ed, também: se eu ligar para lá, um deles pode atender. -Murmurei, comigo mesma, ao discar o número de meu irmão que eu já sei de cor a muito tempo. Espero que pelo menos alguém, entre Edmundo e Lúcia, esteja tendo um sonho leve esta manhã.

§

Março de 1973

Susana se encolheu, sob a mesa do escritório, mais uma vez, quando mais tiros foram disparados do lado de fora de sua casa. Trazendo Liam para mais perto de si, reforçando a força com a qual ela mantinha os braços ao redor do próprio filho, a mulher fechou os olhos com força, desejando inúmeras coisas.

Desejava acordar daquele pesadelo, desejava que tudo isso não passasse de um sonho ruim. Desejava que, se não pudesse acordar, ao menos que aqueles barulhos infernais cessassem de uma vez, ao menos que esta noite acabasse e que, ao amanhecer, Laura e seus amigos triunfem sobre os inimigos que os atacam.

E acima de tudo, desejava que Laura vença esta guerra.

Sob um ponto de vista superficial, poderia se imaginar que Susana deveria ser a pessoa ali com o maior domínio de seus pensamentos e emoções, mas nada poderia estar mais longe da verdade.

Mais que confusa, Susan estava assustada. Seus pensamentos eram um verdadeiro caos, se alternavam no passado, no presente e o que poderia ser no passado. Flashes de sua vida se passaram por seus olhos, os momentos de guerra e glória em Nárnia, as alegrias e tristezas que passou com seus pais, as memórias de seus queridos e muito estimados irmãos e irmã, o medo que se seguia a cada vez que ela pensava no pode acontecer a Laura ou ao que poderia acontecer caso os inimigos que agora atacam filha, invadissem aquele escritório com todos ali dentro.

Pensar nesses dois últimos pontos fez com que Susan hesitasse.

Ela fora a rainha gentil de Nárnia, portou o arco e a trompa mais temidos dentre seus inimigos. Lutou, sobreviveu, venceu e triunfou em mais batalhas do que sua memória poderia listar. Ainda que fosse aquela que era conhecida por favorecer a paz e o diálogo para a resolução de conflitos, ela era também conhecida pela mira mais precisa e que não hesitava na hora de soltar a flecha sempre que fosse necessário. Então, em nome do santo Deus, o que estava acontecendo a ela?

Ela tinha seus motivos para se sentir ressentida com Nárnia? Com Aslam?

Bom, sob suas perspectivas, tinha. E talvez, muitos de nós talvez pensaríamos e faríamos o mesmo, se estivéssemos no lugar dela.

Por ela não ter sido agraciada com a mesma fé que seus irmãos, não tinha consciência das possibilidades de retorno. Quando Aslam disse que ela e, naquele momento, Pedro também, não iriam mais poder voltar, por já serem crescidos e já terem aprendido tudo o que se havia para aprender em Nárnia, Susana tomou isso como uma espécie de ultimato.

Segundo ela, se não havia mais volta, não havia mais motivos para acreditar. Isso não a fazia amar Nárnia menos que seus irmãos, a questão era que, as memórias de Nárnia eram tão boas, tão maravilhosas, emocionantes, empolgantes, que chegava a doer, doer mesmo, como um real hematoma extenso que jamais parava de latejar e doer quando cutucado, que ainda estava inchado, longe de ser curado. Antes do acidente de trem que levou seus irmãos, ainda havia resquícios de esperança no coração de Susana, mas depois, bom, digamos que a única coisa que ficou foi uma fúria angustiante de alguém que não estava preparada para dizer "adeus"...

Mas agora, Nárnia estava ao seu redor, sua energia e magia era perceptível mesmo de longe, tão presente e sublime, tão poderosa que chegava a pulsar em sua pele; ainda que os inimigos de seu passado ressurgem, Londres estava exalando Nárnia nesta noite, mas não estavam ali diretamente por causa da outrora rainha gentil.

Não. Estavam ali por causa de sua herdeira.

—Mãe, cadê a Laura? –A voz de Liam soou aos ouvidos de Susana e isso a despertou de seus devaneios. Ela mordeu o lábio, momentaneamente, sem saber o que dizer. Liam se agitou nos braços dela, lutando para encarar a própria mãe. –Eu sei que isso num é um filme, mãe, não tem gente nos filmando, não tem ninguém aqui para dizer “corta, essa cena ficou boa”! Issu aqui é tudo real!

Susana o encarou, muda.

—Cadê a Laura, mãe? –O garoto repetiu, numa voz infantil, porém com uma preocupação real, e nesse momento, gritos se elevaram, do lado de fora da casa, o primeiro, de Laura:

—Nãooo! Isso já é golpe baixo!

E em seguida, o de Nathan:

—Não! Lauraaa!

"Laura?!", se o coração de Susana e de Maicon já estavam angustiados por terem de esperar o resultado da batalha de Laura sem participar realmente, após ouvirem esses gritos, não puderam mais suportar!

Maicon praticamente gruda o nariz na janela do escritório, sem se importar em ser visto, para tentar ver melhor ao que se passava na rua, no mesmo tempo que Liam escapa dos braços protetores de Susan e corre para a janela.

Susana saiu de baixo da mesa onde se escondia e, com o coração martelando no peito, também correu para a janela, tendo tempo de ver uma águia gigante carregando Laura nas garras e Nathan sendo derrubado na rua por aquelas criaturas feitas de sombras.

—Temos que ajudá-los! AGORA! -Exclamou Maicon, com o coração parecendo que iria saltar-lhe pela garganta.

Dali, eles então puderam ver Victor salvando a vida de Nathan, com o que parecia ser uma das estátuas da sala de estar. Um nó surgiu na garganta de Susana, fosse de vergonha ou de frio na barriga, o fato era que ela se sentiu coagida em agir. O forte desejo da ação tomou conta de Susana, como a muito tempo não tem acontecido, e já não era sem tempo, afinal, que tipo mãe ela seria em se esconder, quando deveria estar lutando para salvar sua filha?!

Com isso, Susana deu as costas para as janelas e caminhou em passos firmes até a mesa da escrivaninha do escritório, passando o braço por tudo o que havia sobre o tampo de madeira em mogno.

—Susana, mas o que você...? -Perguntou Maicon, franzindo o cenho ao ver Susan jogar tudo o que estava sobre a mesa no chão. O abajur se quebrou; o aparelho do telefone fixo parou num canto da sala e o fone em si em outro, as papeladas de Maicon e os livros de Laura se esparramam por todo o local e essa bagunça se formou com grandes e chamativos sons estrondosos, mas que curiosamente, não atraiu nenhum inimigo para o local.

—Tempos desesperados pedem medidas desesperadas... -disse Susana, espalmando as mãos sobre a mesa e tateou, como se buscasse algo na própria madeira. -E uma coisa, eu achei que você soubesse, Maicon... Mais que histórias para contar, minha família sempre foi cercada de segredos.

Susana então encontrou o que procurava e então colocou as duas mãos espalmadas na parte esquerda da mesa, num único ponto, apoiou seu peso sobre este lugar e, para a surpresa de todos, exceto a própria Susana, uma parte da madeira do tempo se afundou e se moveu para a lateral direita da mesa, revelando um compartimento secreto.

—Uau! É  como se a mamãe tivesse  um tesouro escondido, pai! -Exclamou Liam, puxando a manga da jaqueta de Maicon, como se o próprio já não estivesse de queixo caído.

—Susana, mas... como? -Maicon hesitou, sem acreditar que, nos quase onze anos que aquela mesa estava ali, em uso diário, nunca lhe passou por sua cabeça que aquela mesa, tão bela e bem entalhada, a anos guardava, sob seu tampo de mogno, um segredo.

—Lembra-se quem nos deu essa mesa, no nosso aniversário de dez anos de casamento, Maicon?

—Hã... Pedro, eu acho. -Respondeu Maicon, hesitante.

—Exatamente. Foi Pedro. Meu engenhoso irmão Pedro. -Respondeu Susana, colocando sua mão dentro do vão da mesa e de lá ela tirou um arco moderno e flechas dentro de uma um escudo de prata muito danificado e o colocou na cadeira próxima a mesa, mas também tirou dali uma aljava, além de duas espadas dentro de bainhas presas à um cinto de couro escuro. Coisas essas que Laura procurava uma hora antes, mas não encontrava de jeito nenhum.

Liam correu para perto de Susan, quando ela colocava a aljava e a prendia em seu tronco.

—Uau, isso é incrível! -Murmurou Liam, com um enorme sorriso de empolgação, passando os dedos pelos amassados e arranhões do escudo com curiosidade.

—Por que você nunca me contou sobre isso, Susana? -Questiona Maicon, tentando não ficar magoado com sua esposa.

—Por que nunca fomos atacados por alguém de Nárnia neste mundo, muito menos em Londres! -Rebateu Susan, entregado o cinto com as espadas para ele. -Por mim, eu jogaria essas armas fora, mas Pedro e Edmundo não deixaram e ainda me alertaram que um dia, talvez iríamos precisar delas. Quem poderia saber que ele tinha razão?

§

Susana e Maicon saem do esconderijo no escritório com cuidado e em silêncio. Ambos já estavam em alerta para o menor dos movimentos suspeitos quando se deparam com o corredor vazio. Mas o som das criaturas hostis não estavam muito longe. Ainda que estivessem apavorados e com medo da simples ideia do que de pior poderia acontecer, tal como Laura e Nathan fizeram antes deles, Susan e Maicon trocam um último e significativo olhar, carregado de carinho e temor, mas também de determinação, e assim, decidiram seguir adiante.

O medo nos dois era grande, mas não era maior que o desejo de ajudar Laura a acabar logo com toda essa situação. Maicon estava determinado a aniquilar e eliminar toda e qualquer criatura sombria que entrasse em seu caminho, pois viu, ainda da janela do escritório o que aquelas coisas eram capazes de fazer ou não.

Aquelas criaturas, como ele mesmo observou, eram irracionais, não hesitavam e tão pouco parecem demonstrar remorso ao atacar pessoas inocentes. Apesar delas não estarem atacando as casas, a briga estava se concentrando na rua – o que, até certo ponto era um alívio -, mas, por outro lado, obrigavam Laura, Nathan, os amigos deles da universidade, os policiais da Scotland Yard a lutarem contra massas de sombras de uma única vez.

Já Susana, sentindo seu estomago se revirar, mantinha uma flecha pronta na mira de seu arco, pronta para soltar o projétil a qualquer momento, se preciso for, tinha sua mente correndo por outras veredas. Há oito anos atrás, quando Laura ainda era uma criança e seus irmãos ainda eram vivos, um sonho estranho a acordou, um sonho com Aslam. Neste sonho, o Grande Leão de Nárnia havia lhe dito muitas coisas, algumas fizeram sentido na hora, outras permanecem uma incógnita absoluta desde então. Mas uma coisa que Aslam havia lhe dito e ela não havia dado a devida atenção, foram a seguintes frases:

“A badalada certa está

Você saberá que chegando a hora está

Meia-noite, esta é a hora

Sua filha levada será

Paras onde você menos imagina”

Uma bela hora para tais palavras estarem martelando dentro da mente de uma mãe cuja filha corre grande perigo, e o pior era que, por mais que Susana soubesse que Aslam havia lhe dito muitas outras coisas depois disso, ela simplesmente NÃO conseguia se lembrar do que mais Aslam havia lhe dito, e a deixa muito, muito apavorada. As palavras “meia-noite” e “sua filha levada será” se repetiam em sua mente, de novo, e de novo, e de novo, a deixando mais inquieta do que ela já estava.

Descendo as escadas para o primeiro andar com extremo cuidado, Maicon seguiu na frente com a arma carregada em punho, pronto para disparar e Susana, como a excelente arqueira que é, o seguiu com tamanho silêncio que nem mesmo Maicon a ouvia, mesmo prestando muita atenção. Quando atingiram o primeiro andar da casa, se dividiram, enquanto Maicon verificava a cozinha e a área de serviços, Susan verificava as salas de estar e de jantar. Todos estes locais estavam expostos, mas estranhamente vazias de presenças hostil de seus inimigos. Maicon logo que voltou a se juntar a Susana  na sala de estar, diz:

—Tudo limpo. Vamos ajudar Laura... – Anunciou Maicon, com não mais que um murmuro decidido. Maicon era um exímio soldado e um perspicaz observador. Em Nárnia, teria se tornado um leal, importante e mui poderoso príncipe consorte (ou seja, o marido de uma rainha reinante que não é ele próprio um rei. Em reconhecimento ao seu status, um príncipe consorte pode receber um título formal, como príncipe ou consorte príncipe, sendo o príncipe o mais comum).

Susana concordou com a cabeça e, estando prestes a baixar a guarda do arco, apenas para descansar o braço, por um momento, quando o relógio da sala, um daqueles de madeira antigo, que se parece com uma torre e ainda solta badaladas quando as horas se completam, que estava ali há anos, marcava a hora: Onze e quarenta e cinco da noite.

Faltavam quinze minutos para meia-noite e, ainda assim, uma badalada ecoou pela sala, depois duas, depois três, e assim por diante até a 12º badalada soar. Petrificada, Susana observou aqueles doze sons soarem e desaparecerem no ar, sendo que ainda nem meia-noite era. Eram os sons de um presságio, ela soube, tal como Aslam avisara em seu sonho, oito anos antes..

—Susana? –Perguntou Maicon, preocupado. O homem avançava para porta quando viu sua esposa paralisada no meio da sala, encarando aquele relógio antigo e suas badaladas fora de hora. “Isso lá é hora de parar para observar um defeito mecânico?”, pensou ele, mas não verbalizou. -Susana, minha rainha, o que está acontecendo? Susan? -A mulher piscou, mas ela não respondeu.

A badalada certa está

Você saberá que chegando a hora está

Meia-noite, esta é a hora

Sua filha levada será

Paras onde você menos imagina”

—Susana, o que foi? –Insistiu o homem, vendo como sua esposa fitava petrificada aquele relógio, com os olhos arregalados, como se estivesse vendo um fantasma.

—Não... –Sussurrou Susan, Maicon a olhou de cenho franzido, sem entender nada. –Não, não, não! Laura não!

—Susana, me diga o que está acontecendo! –Exclamou Maicon, assustado, atravessando o hall de entrada em direção á ela, deixou sua arma de lado e segurou o ombro de sua amada com a mão livre. -Por favor, me diga o que houve.

—Ele vai levar Laura!

—Quem?!

—ASLAM! Ele vai levar Laura! Eu tenho de impedir!

—Impedir? Aslam?! Susan, por acaso você está se ouvindo?!

—Eu tenho que impedir! –Insistiu Susan, antes de se desvencilhar de Maicon e correr porta afora. Maicon, ainda que não entendesse nada do que Susan queria dizer, suspirou:

—Por Aslam, por que eu tenho a impressão de que Susan está muito equivocada? -Balançando sua cabeça em negativa, Maicon não viu outra escolha senão seguir sua esposa, agora com mais o desejo de impedir Susana de fazer algo impensado do qual ela possa se arrepender depois – o que era bem possível de acontecer.

§

Susana

Eu me lembro.

Eu me lembro de tudo.

Cada minuto, cada frase dita, cada doce risada, cada amarga lágrima. Eu me lembro.

Lembro de tudo.

Como não lembrar, também? O último dia em que me senti realmente plena, realizada e feliz. O último dia em que eu lutei contra a total incredulidade, por amor ao meus irmãos e irmã.

Me lembro também que foi neste mesmo dia que uma parte, uma parte muito extensa de mim, morreu. E essa parte permaneceu morta, nunca chegou o dia em que senti vontade de revivê-la. Por quê? Porque não havia sentido, eu não tinha nenhuma razão para isso.

Pois, para ser franca, a outra parte de mim, a parte de sobreviveu, no fundo, no fundo, queria estar morta também.

Londres, 29 de dezembro de 1965: Estávamos cercados de malas na estação de Kings Cross, prontos para viajarmos de trem até a casa de nossos pais, em Finchley, faltando apenas dois dias para a virada do ano de 1965 para 1966. Maicon foi um amor, concordou em ficar responsável por Laura, a levando para os Estados Unidos, enquanto eu ia viajar por alguns dias com meus irmãos e irmã. Lúcia e Edmundo riam de uma história tosca que Pedro havia acabado de contar sobre a falta de dotes culinários que ele tinha, e eu sorri, feliz, pois o clima de terror que nossa família passou a algumas semanas atrás finalmente acabou. Ninguém mais quer comentar a respeito, por mais que a imprensa ainda esteja em êxtase por conta disso. Os arranhões no rosto de Pedro, os hematomas em meu tronco, o ombro e metade de um braço enfaixado de Edmundo e as marcas de chamas nas mãos, pescoço e queixo de Lúcia já nos eram lembretes mais que suficientes do ocorrido.

Ninguém gosta da ideia de ter assassinos obcecados por nossa família. Foi trágico, pessoas morreram, sofreram e sangraram. Teríamos morrido também, se não fosse pela interferência de vários amigos de meus irmãos.

—...pois bem, mas a notícia boa é que o meu novo livro “A Arte de Acreditar” foi aprovado com sucesso e boas críticas… Christian conseguiu convencer a editora com poucos e bons argumentos. -Lúcia sorriu, olhando para os próprios pés, como se ainda se sentisse encabulada por nos dar essa maravilhosa notícia. -Meu quinto livro oficial pela editora Rainha Ana, com a devida de dedicatória à memória de Martin, começará a ser impresso logo, a partir do dia três de janeiro.

Assim como eu, Pedro e Edmundo a olhamos, absorvendo aquela maravilhosa notícia.

—Isso é ótimo, você venceu mesmo aquele seu bloqueio criativo, estou orgulhoso de você, minha irmã! -Exclamou Pedro.

—Seus textos são sempre incríveis, Lu -eu disse, abraçando minha irmã e ela riu -tenho certeza que em poucas semanas este livro estará no topo das listas dos mais vendidos de 1966 em todo o mundo!

—Isso é magnífico, Lu! Meus parabéns! Seu livro vai bater recordes de venda, tenho certeza absoluta! -Comemorou Edmundo e Lúcia ficou vermelha de vergonha.

—Obrigada gente, eu só... -Lúcia hesitou, olhando primeiro para Ed e depois para mim e Pedro -eu só queria que Martin estivesse vivo para ver nosso livro em conjunto finalizado e publicado...

—Como assim? -Franzi o cenho, pois até onde eu sabia, não havia nenhuma ideia de livro combinada entre Martin e Lúcia.

—É que, após o enterro de Martin, o pai dele me entregou o manuscrito do livro que Mart estava escrevendo e me pediu para dar continuidade a escrita em sigilo, para satisfazer o desejo de Martin, de ter o nosso livro escrito em conjunto finalmente publicado. Eu venho trabalhando nisso desde então. -Esclareceu Lúcia.

—Qual seria o nome do livro? -Questionou Pedro, curioso.

—É segredo... -Disse Lúcia.

—Ah, qual é Lu, eu espero por esse livro a mais de doze anos!

—Tenho certeza, então, de que você pode esperar por mais um, Pedro... -Rebate Lu e o nosso caro irmão mais velho resmungou:

—Quem pode saber o dia do amanhã, Lúcia?

—Aslam. -Responde Edmundo calmamente -Aslam pode.

—Engraçadinho... -Pedro franze o cenho e faz cara feia para ele. -Sabe o que é estranho, Edmundo?

—Não, o que seria estranho, Pedro?

—De todos os que eu conheço, você sempre foi o leitor mais ávido de Lúcia -disse Pedro e eu tive a impressão de que Edmundo ficou vermelho-, então, como pode ser que você não está se juntando a mim para saber mais sobre este novo livro da Lúcia?

Ed hesitou por um momento, mas por fim ele cruzou os braços e sorriu:

—Eu já sei tudo o que há para saber sobre este livro de parceria de Lu e Mart. Já que Lúcia está trabalhando nele na minha casa. -Ah é, enquanto o apartamento de Lúcia está em reconstrução, por causa do incêndio, ela está morando temporariamente com Edmundo.

—Isso não é justo! -Retrucou Pedro. -Lúcia, eu só quero saber o nome do bendito livro!

—"A Canção da Mesa Doze". -Lúcia sorriu, mas foi de saudade de Martin.

—Isso é bem a cara do Evans mesmo. -Comentou Edmundo, explicando de onde veio a inspiração do falecido amigo de universidade deles para o título do livro. -Martin escolheu esse título pois, foi na última canção de uma batalha musical que Lúcia aceitou escrever um livro com ele.

—Quando isso aconteceu mesmo? -Perguntei. -Não me recordo de nada disso.

—Foi a muito tempo, num dos nossos últimos anos na universidade. Junho ou julho 1952 ou 1953, algo assim, imagino eu... -Responde Lúcia se voltando para mim. -Você ainda estava nos Estados Unidos, Susan. Se não me engano, você ainda tinha acabado de se casar com o Maicon.

—Nossa, faz tempo mesmo… -comentei, para ninguém em especial. Logo em seguida o som alto de um apito alto e estridente toma conta do local. Olhamos para fora da plataforma e vimos o nosso trem se aproximando, com toda a sua imponência, reduzindo a velocidade a medida que ficava cada vez mais próximo da plataforma. Eu e meus irmãos tratamos então de recolher nossas bagagens, que estavam espalhadas pelo chão. O trem chegou a estação com grande locomoção, a fumaça de sua locomotiva preencheu o local, apesar de o cheiro não ser exatamente agradável, o calor que ela carregava era, considerando que estávamos congelando na plataforma de embarque até então.

Como era fim de ano, havia muitas pessoas desembarcaram do trem para a estação, já que seus destinos era Londres, o que não facilitou muito nossas vidas, já que nossas bagagens foram guardadas somente quando todos os passageiros do trem pegassem suas coisas e fossem embora. Somente vinte minutos depois; pudemos então embarcar no trem.

Embarcamos no terceiro vagão contado a partir da locomotiva e escolhemos a primeira cabine vazia que vimos pela frente. Como Edmundo e Pedro são mais altos que nós, Lúcia e eu pedimos para que eles colocassem nossas bagagens de mão nas prateleiras que ficam acima dos bancos estofados do local. Os dois concordaram sem hesitar, mas quando Edmundo jogou sua mochila e a bolsa de Lúcia na prateleira, ele de repente exclamou:

—Ei! Olhem só o que eu achei!

Ed então tentou alcançar seja lá o que fosse, mas não obteve sucesso.

—O que é? -Perguntou Pedro, olhando para o mesmo lado que Edmundo estava esticando o braço.

—Não tenho certeza, mas acho que é um escudo, feito de prata... -ele olhou para Pedro de relance- com um desenho de Leão na fronte… igual ao que você tinha em Nárnia, Pedro!

—O quê?! -Exclamei, indignada. -Ed, isso lá é hora para pegadinhas? E uma tão sem graça assim?

—Eu não estou de gracinha, Su! -Edmundo bufou. -Eu vou até pegar o escudo para você ver.

Ed tentou novamente alcançar o tal escudo, chegou a subir em cima do banco estofado do vagão, por um momento, ele fez pareceu estar fazendo força e ainda assim não conseguiu, pois ter um braço incapacitado e enfaixado não estava o ajudando muito:

—Aaaargh; parece que está grudado na parede do vagão!

—Tá, sai! Sai daí. Eu vou dar uma olhada… -disse Pedro, empurrando Edmundo para trás e o moreno quase caiu em cima de Lúcia.

—Ei! Cuidado aí! -Lu quase gritou ao sair do caminho. Edmundo então tropeçou e caiu sentado no outro banco estofado da cabine.

—Duvido que tenha um escudo, mas, mesmo assim... -comentou Pedro, colocando o pé no banco e se apoiando para olhar a prateleira, mas ele hesitou, arregalando os olhos.

—Ih, não é que é verdade? Tem um escudo aqui mesmo! -Então Pedro também tentou tirar o tal escudo do lugar. Observei a cena de braços cruzados, a cada minuto que passava e ele não conseguia tirar o negócio do lugar, menos eu acreditava que eles estavam falando sério. Edmundo então resolveu ajudar Pedro, afirmando que talvez juntos eles consigam tirar o negócio do lugar e a coisa ficou ainda mais ridícula, porque eles claramente estavam fazendo esforço em vão.

—Gente, parem com essa brincadeira idiota, está claro não tem escudo nenhum... -Fui dizendo, ao cruzar os braços.

—Fica quieta, Susana! -Ed e Pedro exclamaram ao mesmo tempo, ambos com raiva.

—Gente, não é que eu concordo inteiramente com Susana, mas claramente esse escudo não deve sair mesmo do lugar. -Disse Lúcia, colocando as mãos no ombro de Pedro e Ed. Eles a olharam e pararam de tentar mover o tal escudo. -Mas quero dar uma olhada nele.

—Tudo bem. -Disse Pedro, descendo do banco e ajudando Lu a subir no lugar.

—Uau- disse Lúcia, esticando a mão sobre a prateleira e sorrindo. -É lindo… é realmente como o de Pedro em Nárnia.

Não acreditei que Lúcia resolveu fazer parte dessa brincadeira tosca! Bufando, me sento, sem nem tentar esconder minha face birrenta.

—Susana, venha ver, ele é real e muito bonito… como será que ele veio parar aqui?

—Quanta bobagem… para adultos, vocês tem uma grande imaginação, sabiam? -Retruco, ao me sentar no banco.

—Susan, não dá para ver do outro lado da porta. -Disse Pedro, cruzando os braços.

De repente, a porta da cabine se abriu e nela, um dos funcionários do trem apareceu.

—Desculpem a intromissão, mas não é permitido que os passageiros subam nos bancos das cabines. -Disse o rapaz e eu desejei esconder meu rosto, envergonhada e com raiva por meus irmãos me fazerem passar essa vergonha. Lúcia e Edmundo desceram do banco, um mais vermelho que o outro, de vergonha por terem sido pegos no flagra, quando Pedro interviu:

—Desculpe, mas nós vimos que há um objeto de prata sobre aquela e prateleira e quisemos pegar para ver melhor, mas parece que está preso à parede do vagão, de alguma forma.

—Que tipo de objeto? -Questionou o funcionário, franzindo as sobrancelhas. Logo eu me levantei e me coloquei na frente do rapaz.

—Olha, não é nada. -Falei. -Meus irmãos têm o péssimo costume de inventar histórias e brincadeiras tolas para pregar peças nos outros...

—Isso é verdade? -Perguntou o funcionário, desconfiado de nossa sanidade e isso foi francamente frustrante.

—Não. -Disse Edmundo, sendo direto e reto. -Acontece que nossa família sofre variadas coisas que não são comuns a maioria das pessoas e nem todos nós lidamos bem com elas.

O funcionário hesitou um momento, analisando a face de Edmundo, por um breve momento, observando o ombro enfaixado de Ed, achei que o rapaz fosse ficar do meu lado, acreditando em mim, mas quando ele foi falar alguma coisa, foi dito a última coisa que eu estava esperando:

—Espera, eu conheço você -disse o rapaz, olhando ainda fixamente para Edmundo-, me lembro de ter te visto no jornal. Não foi você, o juiz que foi quase assassinado em sua própria casa, no início deste mês? Caramba, você levou um tiro quase fatal apenas para salvar sua irmã! Que coragem!

—Bom, não foi bem isso que aconteceu, mas ainda assim... prazer, somos Edmundo, Lúcia, Susana e Pedro Pevensie. Muito prazer. -Disse Ed, nos apresentando aquele desconhecido.

—Uau, você são os Pevensie? OS PEVENSIE? Caramba! Nossa, a família de vocês é como uma lenda viva em Londres, todos que conheço estão perplexos com os seus feitos nos últimos meses! Desmascaram os Wadsworth na cara dura! Vocês são heróis!

—Isso, massageia o ego que já é super inflado neles. -Indignada, bufei.

—Susana Pevensie? -O funcionário olhou para mim, de queixo caído. -Caramba, nem a reconheci! Sua atuação em "Mentes obscuras" foi impecável, você conseguiu dar a personagem Anna tamanha profundidade que me deixou impressionado!

Com isso, não consegui deixar de sorrir, mas isso foi antes de me dar conta de que talvez aquele rapaz só estava puxando sardinha pro meu lado. Mas antes que eu pudesse reagir a isso, o funcionário disse:

—Então, vocês disseram que há um objeto sobre a prateleira? O que seria?

—Um escudo, um escudo prateado.

—Tudo bem, deixem-me dar uma olhada. -Concordou o funcionário, Lúcia, Ed e Pedro deram a ele espaço para que ele mesmo desse uma espiada por conta própria. Revirei os olhos, ainda considerando isso tudo patético. -Hum, não que é um escudo mesmo? Será que é de verdade?

O funcionário esticou o braço e bateu em algo, algo que fez um som metálico ecoar pela cabine. Isso fez meu coração disparar, pois já ouvi esse som antes, em meio a guerras, quando Pedro e Edmundo queriam chamar atenção de um inimigo para si, eles batiam a lâmina de suas espadas contra o escudo que carregavam, um som ecoava pelo local sempre que eles fazem isso. O som ecoado por aquela cabine de trem foi a mesma coisa. Um pavor me tomou, subindo pelo meu peito como uma avalanche.

—Bom, isso não devia estar aqui. Mas pode ter sido uma brincadeira de algum passageiro. Avisarei ao condutor, mas como estamos com pressa, vamos verificar isso na estação final. Mas acho que isto não é nada de mais. -O funcionário desceu do banco e logo se dirigiu à porta. -Apenas não subam nos bancos novamente, está bem? Tenham uma boa viagem. -Assim que a porta deslizou-se para fechar, com o funcionário fora do trem, podemos ouvir ele comentar. -Os irmãos Pevensie, no nosso trem. Isso é de fato formidável...

Segundos se passaram, ninguém dentre nós quatro havia movido um músculo sequer, quando de repente, Pedro sorriu e disse, numa voz risonha:

—Parece que somos famosos agora...

—Sempre fomos, Pedro -comentei, me achando muito amargurada demais, mesmo para meu gosto.

—Não enche, Susana, deixe-nos aproveitar nossos cinco minutos de fama. -Resmungou Edmundo.

—Fama, Edmundo? Todos nós a conquistamos por nossos trabalhos e somente nas áreas que atuamos. Mas todas pessoas estão falando agora de nós, sem a menor noção do que passamos! Nas mãos de assassinos! Eu prefiro a “fama” que eu tinha pelo meu trabalho, não porque alguém nos perseguia!

Um silêncio entre nós prevaleceu por alguns, lentamente, eles trocaram um olhar e se sentaram, talvez se dando conta, que desta vez, eu estava certa.

—Está bem, acho que me precipitei... um pouco. -Edmundo murmurou, claramente envergonhado, desviando seu olhar pela janela. De repente, o som do apito tocou, mais de uma vez, anunciando que o trem estava partindo. Assim como eu, Lúcia e Pedro se acomodaram nos bancos, quando a cabine deu um tranco para frente. Lentamente, o trem começou a se mover, pelas janelas não havia muitas do lado de fora acenando para as janelas. Para nós, não adiantava manter os olhos voltados para as pessoas lá fora, não havia ninguém que nós conhecemos ali, todos, inclusive meu marido e filha estavam em outros lugares, ocupados com outras coisas. E aqui estávamos, apenas nós quatro e nossas malas simples, aguardando entediados por nossos destinos dentro de uma cabine de trem.

Que grande nostalgia aquela. E eu não era a única a pensar nisso. Nosso silêncio durou pouco, menos de dez minutos depois, eles estavam falando sobre as ínfimas possibilidades desta nossa viagem acabar nos levando, de algum modo, para de volta a Nárnia.

Hoje, eu preferia que eles não tivessem brincado com algo tão sério.

[CONTINUA]


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Até o próximo...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Herdeira do Quarto Trono" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.